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Fasem – Faculdade Serra da Mesa Curso: Direito – Disciplina: Psicologia Jurídica Prof.: Marcos Esteves Aluna: Bianca Arantes dos Santos Ensaio Crítico – Anti-Cristo Filme: Lars Von Trier - “Luto”, “Dor”, “Desespero” e “Os Três Mendigos” – “Prólogo” e “Epílogo” Uma obra no mínimo “peculiar”, para não dizer muito, muito diferente dos demais gêneros comuns e corriqueiros do cinema tradicional, a trama e personagens desse filme estão envoltos em uma teia de sentimentos, que ocorrem após a morte do filho do casal. Após momentos tórridos de sexo, o filho do casal se encaminha para uma janela, cai e morre, iniciando um verdadeiro mergulho nos sentimentos que podem ser a base do enredo dessa história: dor, desespero e sofrimento. A mãe, intelectual, é a que mais sofre com o sentimento de culpa e claramente não consegue lidar com a fase do luto, se considerando incapaz e uma verdadeira fracassada em relação a sua feminilidade e a maternidade. Seu marido, um terapeuta que acredita poder tratar a esposa, busca ajudá- la através do confronto de seus medos, e discorda do tratamento proposto pelo médico que a atendia (“cheio de remédios e que não está surtindo o efeito desejado...”). Sendo assim partem para um lugar isolado chamado Éden, onde eles dispõem de uma cabana (citação ao paraíso do início dos tempos), para lidar com a natureza e os problemas complexos que envolvem a mãe (e o pai) após a tragédia, segundo ele é necessário que ela enfrente seus medos para conseguir se curar, e ela cita que seu segundo maior medo é cabana e o local onde ela se encontra. As nuances do filme se espalham em sua entrelinhas em cada detalhe de cada cena, onde se fundem religião e razão, real e delírio, tratamento e cura, etc, no mínimo esse roteiro nos faz questionar o que vemos. Em contrapartida a seus objetivos, o isolamento, o sentimento de culpa e os fantasmas do passado provocam na mãe reações insanas, um comportamento violento e por conseqüência um risco à vida do esposo, que permanece a seu lado buscando se manter são. Em um determinado momento a exumação do corpo do filho descobre um detalhe importante e que gera mais questionamentos e dúvidas: uma pequena imperfeição física nos pés da criança. E o marido percebe que desde sempre a mãe calçava os sapatos trocados nos pés do filho (conscientemente ou não?). Outros segredos são descobertos na cabana, a mulher desenvolvera uma tese, baseada em pesquisas, sobre o sofrimento da mulher medieval, muitas vezes acusada de bruxaria e perseguida pela Inquisição. Suas conclusões contrariam a intenção inicial do trabalho, e afirmam que a Igreja Católica e a Santa Inquisição tinham razão em perseguir as mulheres, pois elas carregavam no corpo o mal, uma manifestação diabólica. Surge ai a questão, a mãe enlouquecera com a morte do filho ou já vinha sofrendo de perturbações psíquicas, ou pior ainda desenvolvendo o mal que segundo sua tese era proeminente do sexo feminino por natureza? Suas convicções eram tão fortes nessa fase, que ela atribui ao Demônio a criação da natureza. Seus delírios com relação ao pecado, a igreja e a outras questões de cunho religioso se misturam num frenesi de sentimentos e pensamentos tortos de sua(s) mente(s) perturbada(s), cenas fortes de comportamentos transtornados (como no momento da pedrada no pênis do marido, ou o corte do clitóris, a furadeira na perna, ou ainda o sexo tórrido e agressivo que fazem, etc). Na verdade as “entrelinhas” como foi mencionado no início dessa descrição, são os pontos fortes e de maior importância, elas fazem com que o sexo em si, os órgãos genitais excessivamente expostos, fiquem em segundo plano, tamanho o peso e carga de drama e comportamentos agressivos e desconexos de culpas, ódio, desespero, medo, loucura, etc dos personagens. Outro momento que nos faz pensar em religião, é a menção aos 3 mendigos (Santíssima Trindade?). Enfim há vários momentos, questionamentos, comportamentos, sentimentos e uma leva de pontos a serem elucidados ou pelo menos nos fazer refletir no que há por trás de cada cena, de cada fala... Um filme que casa extremamente bem com os temas abordados em nossas últimas aulas, o indivíduo e sua complexidade (questionado e mencionado em cada atitude e comportamento de cada personagem, e o que é normal, a subjetividade de cada um deles e os motivos que acarretaram na doença mental/desequilíbrio ou loucura (expressão das contradições do nosso corpo orgânico e social em diferentes níveis: biológico, sociológico e psicológico – Franco Basaglia), a princípio da mãe e posteriormente do casal, já que ambos são envolvidos na trama (citando erroneamente Foucault: loucura, sexualidade e criminalidade, já que sua menção a esses três elementos é relacionado ao poder e em nosso caso com o comportamento do casal e no que resulta suas atitudes), após entramos nos transtornos psíquicos e as conseqüências do stresse pós-traumático que desencadeia boa parte dos acontecimentos do filme, ou ainda “os transtornos de preferência sexual”, dada a “excentricidade” das loucuras cometidas nas relações que servem após um determinado momento como fuga de todo o processo enfrentado pela mãe. Ou também ao transtorno de personalidade que pode ter sido desencadeado no momento da pesquisa sobre “o sofrimento da mulher medieval” e as crenças que ela desencadeou. Por último e não menos importante associar tais comportamentos encontrados no filme com o foco de nossos estudos: “ a Psicologia relacionada ao Direito”. Até onde os transtornos desenvolvidos pela mãe e com certeza mesmo não sendo mencionado diretamente pelo pai podem implicar em veredictos de incapacidade relativa, plena, imputabilidade ou inimputabilidade? Poderiam os acontecimentos terem influenciado no psique a ponto de incapacitar sua lucidez e discernimento, pois sua capacidade de agir de forma coerente fica reduzida após uma tragédia de tamanha proporção? Sua capacidade assumir ou responder por culpa ou não nos fatos que ocorreram após a morte de seu filho fica ou não balada? Todas essas questões ressalvam a importância da associação do Direito à Psicologia e mostram que tais acontecimentos precisam sim de uma análise mais ampla, de vários aspectos e fontes, pois considerar o ser humano de outra forma seria o maior equívoco da humanidade. O filme é sem dúvida um convite ao pensamento, a análise, a questionamentos e descobertas, muito é mostrado, o que o torna extremamente interessante. Enfim, a meu ver uma fonte rica pra o estudo da Psicologia e um dos seus vários aspectos e também porque não estender ao Direito.
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