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Direito Internacional e comunidade de pessoas - Fichamento 2ª unidade

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FICHAMENTO – Estudo dirigido
Universidade Católica do Salvador
Curso: Direito 
Professor: Érica Rios de Carvalho
Aluno: Pedro Henrique A. Guerreiro
Teórico estudado: PUREZA, J. M.
Livro estudado: Direito Internacional e comunidade de pessoas: da indiferença aos direitos humanos.
Data: 21/11/2017
No estudo do contexto “Direito Internacional e comunidade de pessoas: da indiferença aos direitos humanos”, de PUREZA, J. M., ficou demonstrado que a proteção nacional dos Direitos Humanos é um momento de ruptura com paradigma tradicional do Direito Internacional Público. No Direito internacional ratificador, compete ao ordenamento jurídico tão só a garantia das condições básicas para o relacionamento entre os soberanos e, logo, da amplitude máxima da sua liberdade de iniciativa, contando que compatível com a possibilidade de sociedade internacional.
Não devemos esquecer as restrições impostas aos direitos pelos homens do século XVI, mas parar por aí, dando palmadinhas nas costas pelo nosso próprio "avanço" comparativo, é não compreender o principal. Como é que esses homens, vivendo em sociedades construídas sobre a escravidão, a subordinação e a subserviência aparentemente natural, chegaram a imaginar homens nada parecidos com eles, e em alguns casos também mulheres, como iguais? Como é que a igualdade de direitos se tornou uma verdade "autoevidente" em lugares tão improváveis? É espantoso que homens como Jefferson, um senhor de escravos, e Lafayette, um aristocrata, pudessem falar dessa forma dos direitos autoevidentes e inalienáveis de todos os homens. Se pudéssemos compreender como isso veio a acontecer, compreenderíamos melhor o que os direitos humanos significam para nós hoje em dia.
Os direitos humanos requerem três qualidades encadeadas: devem ser naturais (inerentes nos seres humanos), iguais (os mesmos para todo mundo) e universais (aplicáveis por toda parte). Para que os direitos sejam direitos humanos, todos os humanos em todas as regiões do mundo devem possuí-los igualmente e apenas por causa de seu status como seres humanos. Acabou sendo mais fácil aceitar a qualidade natural dos direitos do que a sua igualdade ou universalidade. De muitas maneiras, ainda estamos aprendendo a lidar com as implicações da demanda por igualdade e universalidade de direitos.
A lógica dos instrumentos internacionais de proteção aos direitos humanos assenta no reconhecimento planetário da dignidade humana, de onde brota uma fragilização do escudo da soberania, que, doravante não mais se percebe a si mesmo no conforto indiscutível da summa protesta, mas que passa a envolver o cumprimento de um conjunto de obrigações objetivamente imposta pela comunidade internacional do seu todo.
A Declaração da Independência americana, ele proclamava, era nada menos que "uma exposição simples e sublime desses direitos que são, ao mesmo tempo, tão sagrados e há tanto tempo esquecidos". Em janeiro de 1789, Emmanuel-Joseph Sieyès usou a expressão no seu incendiário panfleto contra a nobreza, O que é o Terceiro Estado?. O rascunho de uma declaração dos direitos, feito por Lafayette em janeiro de 1789, referia-se explicitamente aos "direitos do homem", referência também feita por Condorcet no seu próprio rascunho do início de 1789. Desde a primavera de 1789 — isto é, mesmo antes da queda da Bastilha em 14 de julho — muitos debates sobre a necessidade de uma declaração dos "direitos do homem" permeavam os círculos políticos franceses.
A ambiguidade dos direitos humanos foi percebida pelo pastor calvinista Jean-Paul Rabaut Saint-Étienne, que escreveu ao rei francês em 1787 para se queixar das limitações de um projeto de edito de tolerância para protestantes como ele próprio. Encorajado pelo sentimento crescente em favor dos direitos do homem, Rabaut insistiu: "sabemos hoje o que são os direitos naturais, e eles certamente dão aos homens muito mais do que o edito concede aos protestantes. [...] Chegou a hora em que não é mais aceitável que uma lei invalide abertamente os direitos da humanidade, que são muito b em conhecidos em todo o mundo". Talvez eles fossem bem conhecidos, mas o próprio Rabaut admitia que um rei católico não podia sancionar oficialmente o direito calvinista ao culto público. Em suma, tudo dependia - como ainda d e p e n d e - da interpretação dada ao que não era "mais aceitável".
Embora consideremos naturais as ideias de autonomia e igualdade, j u n t o com os direitos humanos, elas só ganharam influência no século XVIII. O filósofo moral contemporneo J. B. Schneewind investigou o que ele chama de "a invenção da autonomia". "A nova perspectiva que surgiu no fim do século XVIII", afirma ele, "centrava-se na crença de que todos os indivíduos normais são igualmente capazes de viver juntos numa moralidade de autocontrole." Por trás desses "indivíduos normais" existe uma longa história de luta. No século XVIII (e de fato até o presente) não se imaginavam todas as "pessoas" como igualmente capazes de autonomia moral. 
A autonomia e a empatia não se materializaram a partir do ar rarefeito do século XVI: elas tinham raízes profundas. Durante o longo período de vários séculos, os indivíduos tinham começado a se afastar das teias da comunidade, tornando-se agentes cada vez mais independentes tanto legal como psicologicamente. Um maior respeito pela integridade corporal e linhas de demarcação mais claras entre os corpos individuais haviam sido produzidos pelo limiar cada vez mais elevado da vergonha a respeito das funções corporais e pelo senso crescente de decoro corporal. Com o tempo, as pessoas começaram a dormir sozinhas ou apenas com um cônjuge na cama. Usavam utensílios para comer e começaram a considerar repulsivo um comportamento antes tão aceitável, como jogar comida no chão ou limpar excreções corporais nas roupas. A constante evolução de noções de interioridade e profundidade da psique, desde a alma cristã à consciência protestante e às noções de sensibilidade do século XVI, preenchia a individualidade com um novo conteúdo. Todos esses processos ocorreram durante um longo período.
O que poderia ser denominado "empatia imaginada" antes serve como fundamento dos direitos humanos que do nacionalismo. É imaginada não no sentido de inventada, mas no sentido de que a empatia requer um salto de fé, de imaginar que alguma outra pessoa é como você. Os relatos de tortura produziam essa empatia imaginada por meio de novas visões da dor. Os romances a geravam induzindo sensações a respeito do eu interior. Cada um à sua maneira reforçava a noção de uma comunidade baseada em indivíduo e empáticos, que podiam se relacionar, para além de famílias imediatas, associações religiosas ou até nações, c o m valores universais maiores.
Embora as diferenças entre os párias e os outros japoneses resultassem do surgimento de uma relação entre estabelecidos e outsiders, e fossem, por conseguinte, de origem inteiramente social, o grupo outsider exibiu, em estudos recentes, muitas das características que hoje costumam ser associadas às diferenças raciais ou étnicas. Talvez baste mencionar uma delas: “Relatórios recentes de psicólogos japoneses demonstram que há uma diferença sistemática entre os escores obtidos nos testes de QI e de realização por crianças que freqüentam as mesmas escolas mas provêm do grupo majoritário ou do grupo dos párias.” Isso faz parte das provas cada vez maiores de que crescer como membro de um grupo outsider estigmatizado pode resultar em déficits intelectuais e afetivos específicos. Não há nada de acidental em se descobrirem aspectos semelhantes nas relações estabelecidos-outsiders que não estão vinculadas a diferenças raciais ou étnicas e naquelas ligadas a essas diferenças. Os indícios sugerem que, também neste último caso, tais aspectos não se devem às diferenças raciais ou étnicas em si, mas ao fato de um dos grupos ser estabelecido, dotado de recursos superiores de poder, enquanto o outro é um grupo outsider, imensamente inferior em termos do seu diferencialde poder e contra o qual o grupo estabelecido pode cerrar fileiras.
Todavia, a preocupação com os problemas existentes no curto prazo e a concepção do desenvolvimento das sociedades no longo prazo, como um prelúdio histórico não estruturado do presente, continuam ainda hoje a bloquear a compreensão das longas sequências de desenvolvimento das sociedades e de seu caráter direcional — de sequências como o movimento de ascensão e declínio dos grupos e a dialética da opressão e da contra-opressão dos ideais de grandeza de um grupo estabelecido, esvaziadas pelos ideais dos antigos outsiders que ascendem à posição de um novo establishment. Do mesmo modo, a herança do antigo Iluminismo tem seu papel nesse bloqueio da compreensão dos processos no longo prazo. Apesar de todas as provas em contrário, a crença consoladora de que os seres humanos, não apenas como indivíduos, mas também como grupos, normalmente agem de maneira racional conserva ainda uma intensa força na percepção das relações intergrupais. O ideal da racionalidade na condução das questões humanas continua a barrar o acesso à estrutura e à dinâmica das figurações estabelecidos-outsiders, bem como às fantasias grupais de grandeza que elas suscitam, e que são dados sociais sui generis, nem racionais nem irracionais. No momento, as fantasias grupais continuam a escapar pelas malhas de nossa rede conceitual. 
Entretanto, nem o caráter natural, a igualdade e a universalidade são suficientes. Os direitos humanos só se tornam significativos quando ganham conteúdo político. Não são os direitos de humanos n um estado de natureza: são os direitos de humanos em sociedade. Não são apenas direitos humanos em oposição aos direitos divinos, ou direitos humanos em oposição aos direitos animais: são os direitos de humanos vis-à-vis uns aos outros. São, portanto, direitos garantidos no mundo político secular (mesmo que sejam chamados "sagrados"), e são direitos que requerem uma participação ativa daqueles que os detêm.
Por outro lado, o Direito internacional assenta no reconhecimento planetário da dignidade humana, de onde brota uma fragilização do escudo da soberania, que, doravante não mais se percebe a si mesmo no conforto indiscutível da summa protesta, mas que passa a envolver o cumprimento de um conjunto de obrigações objetivamente imposta pela comunidade internacional do seu todo.

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