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direito de vizinhança e usucapião coletivo

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Usucapião:  coletivo e extrajudicial- principais análises desses institutos. 
 Usucapião coletivo
O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) introduz em nosso ordenamento mais uma modalidade de usucapião, no artigo 10: "A áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são suscetíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural".
A lei cria, portanto, modalidade de usucapião coletivo, atendendo à pressão social das ocupações urbanas. Possibilita que a coletividade regularize a ocupação, sem os entraves e o preço de uma ação individual de usucapião. Como já apontamos em outro artigo, a ocupação de terrenos sempre foi a modalidade mais utilizada pela população urbana. A lei exige que a área tenha mais de 250 metros quadrados, com ocupação coletiva, sem identificação dos terrenos ocupados. Na prática, até que os terrenos podem ser identificados. Ocorre que essa identificação se mostra geralmente confusa ou inconveniente nesse emaranhado habitacional. Note também que a área deve ser particular, pois a Constituição da República é expressa em proibir o usucapião de terras públicas.
Interessante notar que esse dispositivo se apresenta sob a mesma filosofia e em paralelo ao artigo 1.228, parágrafo 4º do novo Código Civil, que admite que o proprietário pode ser privado do imóvel que reivindica, quando este consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico. Aqui não se menciona que o dispositivo se dirige a pessoas de baixa renda. O dispositivo é altamente polêmico.
Em ambas a situações encontramos a busca pelo sentido social da propriedade, sua utilização coletiva. Em ambas, há necessidade de posse ininterrupta por cinco anos. No primeiro caso de usucapião coletivo, os habitantes da área se adiantam e pedem a declaração de propriedade. No segundo caso, eles são demandados em ação reivindicatória pelo proprietário e apresentam a posse e demais requisitos como matéria de defesa ou em reconvenção, nesta pedindo o domínio da área. Na situação enfocada do Código Civil, porém, a aquisição se aproxima da desapropriação, pois de acordo com o artigo 1.228, parágrafo 5º, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, a sentença valerá como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores. Nesta situação, o Código Civil menciona que a ocupação deve ser de boa-fé, por mais de cinco anos. Haverá, sem dúvida, um procedimento custoso na execução, pois cada possuidor deverá pagar o preço referente à sua fração ideal do terreno, ou outro critério de divisão que se estabelecer na sentença. Destarte, se o proprietário não desejar ter contra si uma ação de usucapião, deverá reivindicar área para lograr obter indenização. Observe que enquanto a disposição analisada do Código Civil se aplica tanto a áreas rurais quanto urbanas, o usucapião coletivo da Lei nº 10.257/2001 se aplica somente aos imóveis urbanos. No tocante ao direito intertemporal, quando, na hipótese do artigo 1.228, parágrafo 4º, a posse teve início antes da vigência do novo Código Civil, até dois anos após sua entrada em vigor, o prazo de cinco anos será acrescido de dois anos (artigo 2.030 do novo Código Civil).
Não resta dúvida que, em que pese a boa intenção do legislador, teremos que lidar com enormes dificuldades interpretativas, fraudes a esses dispositivos e com os costumeiros atravessadores que se valem da massa coletiva par obter vantagens econômicas, além de dividendos políticos. A luta pela terra sempre foi um problema social antes de ser exclusivamente jurídico. Caberá ao juiz decidir, no caso concreto, sobre a legitimidade das partes, e principalmente, sobre as obras e serviços que devem ser considerados relevantes sob o ponto de vista social e econômico. É claro que situações bem definidas não apresentam dificuldades, como áreas que se apresentam com vias e melhoramentos públicos, beneficiando uma coletividade.
No usucapião coletivo instituído pelo Estatuto da Cidade, a lei determina que o juiz atribuirá igual fração ideal do terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas (artigo 10, parágrafo 3º). Essa modalidade de aquisição da propriedade é dirigida à população de baixa renda, como menciona a lei, embora esta não defina o que se entende por baixa renda. A definição ficará por conta do juiz no caso concreto. O estatuto menciona também que pode haver soma de posses, para o prazo ser atingido, desde que ambas as posses sejam contínuas (artigo 10, parágrafo 1º).
Mesmo que a ação de usucapião coletivo tenha sido proposta por uma associação de moradores como menciona a lei, há necessidade de identificá-los, pois de outro modo não há como se constituir o condomínio. Interessante apontar, como anotado, que a sentença que declarar o usucapião coletivo não identificará a área de cada possuidor, porque institui um condomínio indivisível. Quando se tratar de região urbanizada, porém, é conveniente que sejam descritas as vias públicas e logradouros.
Se o condomínio representa por si só uma causa permanente de desentendimentos, pode-se prever maiores problemas em um condomínio que se origina dessa forma. A lei ainda acrescenta que se trata de condomínio especial, sendo indivisível e não sendo passível de extinção, salvo deliberação tomada por dois terços dos condôminos, no caso de urbanização posterior à constituição do condomínio (artigo 10, parágrafo 4º). Quando a urbanização precede à constituição do condomínio, portanto, ele não poderá ser extinto. Essa afirmação deve ser recebida com reserva, pois o caso concreto poderá demonstrar o contrário. Esse condomínio, é evidente, exigirá a eleição de um síndico, convocação de assembléias, elaboração de regulamentos, tal qual os condomínios de apartamentos ou assemelhados, cujas disposições deverão ser aplicadas no que couber.
Segundo o artigo 11 do estatuto, tanto para o usucapião individual como para o coletivo, ficarão sobrestadas quaisquer outras ações petitórias ou possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel usucapiendo. A lei se reporta a ações futuras ("que venham a ser propostas"); estas ficarão sobrestadas. Não se sobrestarão, portanto, as ações já propostas, as quais podem ou devem, é evidente, receber julgamento conjunto. Assim sendo, se já proposta reivindicatória sobre a área, tratando-se de ocupação coletiva, pode ser conferida a solução do artigo 1.228, parágrafo 4º.
O artigo 12 do Estatuto da Cidade dispõe sobre a legitimidade para a propositura da ação de usucapião especial urbana, referindo-se tanto ao usucapião individual (artigo 9º) como ao usucapião coletivo (artigo 10). Nessas premissas, atribui-se legitimidade: I - ao possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente; II - aos possuidores, em estado de composse; e III - à associação de moradores da comunidade regularmente constituída, como substituto processual, desde que devidamente autorizada pelos associados. O mesmo artigo dispõe sobre a participação obrigatória do Ministério Público nesses processos e concede assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.
O dispositivo do artigo 13 desse estatuto é de grande importância: menciona que o usucapião especial de imóvel urbano pode ser alegado como matéria de defesa. Quanto a isso não há novidade, pois qualquer modalidade de prescrição aquisitiva pode ser invocada como matéria de defesa a fim de paralisar ação reivindicatória. O artigo 13 acrescenta, porém, que a sentençaque reconhecer essa aquisição por usucapião valerá como título para registro no cartório imobiliário. Desse modo, sob tal premissa, não haverá necessidade de ação própria. Essa solução poderia ser estendida a todas as formas de usucapião, com pequenas alterações no seu procedimento. O artigo 14 estabelece que o rito para o usucapião urbano é o sumário. Nesse aspecto, não cremos que tenha havido aqui a melhor solução. Sempre que o processo sumário necessitar de perícia, como é o caso do usucapião, a sua principal vantagem, que é a celeridade, cai por terra. A matéria é nova e complexa e requer profundo estudo doutrinário. Quanto à prática, os tribunais indicarão no futuro as melhores soluções sociais, seguindo o desiderato da lei.
Usucapião Extrajudicial 
Usucapião é uma forma de aquisição de propriedade de bem móvel ou imóvel pelo exercício de posse mansa e pacífica, prolongada e ininterrupta por prazos especificados na legislação civil vigente.
Comumente a usucapião é requerida sobre bens imóveis, sendo certo que tal requerimento atualmente ocorre pelas vias judiciais, por meio da ação de usucapião. O longo prazo de duração da ação de usucapião é uma característica marcante da mesma, tendo em vista as formalidades que a reveste.
No entanto, a partir de 16 de março de 2016, data em que o novo Código de Processo Civilentrará em vigor, além da via judicial, o pedido de usucapião de bem imóvel poderá ser realizado perante o Cartório de Registro de Imóveis da comarca em que o bem usucapiendo estiver localizado.
O artigo 1071 do novo Código de Processo Civil trouxe esta inovadora e eficaz permissão, pela qual o interessado poderá formular o pedido de usucapião perante o Cartório de Registro de Imóveis, por meio de advogado ou defensor público constituído.
Para tanto, deverá o interessado apresentar o pedido fundamentado, acompanhado dos documentos abaixo descritos:
a) Ata Notarial lavrada pelo tabelião com tempo de posse e seus antecessores;
b) Planta e Memorial descritivo assinada por profissional habilitado;
c) Certidões Negativas dos distribuidores do local do imóvel e domicílio do interessado;
d) Justo título (documento que demonstra a efetiva aquisição da posse do bem) ou quaisquer outros documentos que demonstrem a origem, a continuidade, a natureza e o tempo da posse, tais como pagamento de impostos e das taxas que incidirem sobre o imóvel.
Com a apresentação de todos os documentos acima descritos, caberá ao Oficial do Cartório de Registro de Imóveis proceder à intimação dos confinantes, da(s) pessoa(s) em cujo nome estiver registrado, das Fazendas Públicas (municipal, estadual e federal) para se manifestarem no prazo de 15 (quinze) dias.
Caso não haja manifestação dos interessados ou ainda, caso estes manifestem sua concordância quanto ao pedido de usucapião e estando em ordem a documentação apresentada, o Oficial do Cartório de Registro de Imóveis procederá ao registro da aquisição do imóvel em sua matrícula de conformidade com as descrições apresentadas ou abertura de uma nova matrícula, se for o caso.
Importante salientar que o novo Código de Processo Civil ao dar ao cidadão uma segunda opção para atingir objetivo que hoje é tão formal no tocante à aquisição da propriedade imóvel por meio da usucapião, não deixou de lado o direito do interessado em se valer do Poder Judiciário caso seja necessário, mesmo que o pedido inicial de usucapião tenha ocorrido pelas vias administrativas.
Isso porque os parágrafos 9º e 10º do artigo 1071 do novo CPC, permitem ao interessado procurar o Poder Judiciário caso o pedido de usucapião seja negado pelo Oficial do Cartório de Registro de Imóveis e/ou ainda, caso haja impugnação por algum dos interessados intimados ao pedido de usucapião, que haja a remessa do procedimento ao Poder Judiciário a fim de que haja a conversão do procedimento administrativo em judicial, ou seja, o interessado pode ter a segurança de que terá salvaguardado seu direito constitucionalmente garantido de acesso à Justiça mesmo que tenha inicialmente optado em requerer a usucapião pelas vias administrativas.
As vantagens do pedido extrajudicial de usucapião é o fator tempo/custo, ou seja, para àqueles que possuem toda a documentação em ordem, bastará apresentá-la no Cartório de Registro de Imóveis competente e realizar o pagamento de uma taxa única ao Cartório a fim de que haja todo o trâmite interno para obtenção da propriedade de bem imóvel pela via de usucapião, o que não ocorre perante o Poder Judiciário diante do imenso número de processos que tramitam nos Fóruns, além do alto custo da ação de usucapião, em especial quando há a necessidade de realização de perícia para apuração de medidas do bem imóvel e estabelecimento das limitações com apontamento dos confinantes.
Trata-se de uma inovação do novo Código de Processo Civil que tem como uma de suas premissas a celeridade dos atos processuais.
Independente da forma como a usucapião será requerida, seja ela judicial ou extrajudicial, a assessoria de um advogado continua sendo imprescindível, não só por força de lei, mas também para boa defesa do interesse dos jurisdicionados.
 Direito de vizinhança 
CONSIDERAÇÕES GERAIS
Nas palavras de Sílvio Rodrigues, o direito de vizinhança é composto de “regras que ordenam não apenas a abstenção da prática de certos atos, como também de outros que implicam a sujeição do proprietário a uma invasão de sua órbita dominial”1.
Estas regras objetivam, em primeiro lugar, assegurar a coexistência pacífica entre os vários proprietários, particularmente os confinantes (ou seja, os vizinhos); em segundo lugar, buscam regular as relações entre estes a fim também de evitar abusos de direitos. Ou seja, limitam as prerrogativas individuais dos proprietários ao mesmo tempo em que regulam a convivência.
A natureza jurídica destes direitos, na opinião majoritária da doutrina, é que tratam-se de obrigações propter rem, “da própria coisa”, advindo os direitos e obrigações do simples fato de serem os indivíduos vizinhos.
Maria Helena Diniz aponta três formas que os direitos de vizinhança podem se apresentar: como restrição o direito de propriedade, na medida em que regulam seu exercício; como limitações legais ao domínio, que se assemelham a servidões; como restrições oriundas das relações de contigüidade entre dois imóveis2.
Importante aqui frisar a diferença entre os direitos de vizinhança e as servidões, institutos que por vezes se confundem.
Os primeiros decorrem da vontade da lei; aquelas últimas, da vontade manifesta das partes e, excepcionalmente, da usucapião. Os direitos de vizinhança são limitação ao domínio, implicando em direitos e deveres recíprocos; já as servidões são direitos reais sobre a coisa alheia, onde o prédio dominante possui prerrogativa sobre o prédio serviente, sem que a recíproca seja verdadeira.
E, ainda, enquanto a servidão, por ser direito real sobre imóvel, só é constituída após registro em cartório, os direitos de vizinhança dispensam registro e surgem da mera contigüidade entre os prédios3.
2. DOS DIREITOS DE VIZINHANÇA IN ESPECIE 
2.1 Do uso nocivo da propriedade e do abuso de direito
Nas palavras de Maria Helena Diniz, o direito de propriedade é limitado “em razão do princípio geral que proíbe ao indivíduo um comportamento que venha a exceder o uso normal de um direito, causando prejuízo a alguém” 4.
Desconsiderando os atos que prejudicam vizinhos de forma culposa (posto que se configuram ilícitos civis enquadrados no art. 186 do CC), os direitos de vizinhança enquadram-se nas situações em que o dano é causado no âmbito do exercício de um direito, cabendo ao prejudicado o direito de reação na forma da lei.
Este exercício de direito, no caso, configura-se como irregular, anormal; a propriedade é utilizada de forma abusiva, causando ofensas à incolumidade de um prédio ou de seus moradores.
Como exemplos de uso nocivo da propriedade e abuso de direitos, temos:
 Poluição de águas comuns pelo lançamento de resíduos;
 Existência de árvoresque ameaçam tombar no prédio contíguo;
 Festas noturnas espalhafatosas em residências;
 entre outros.
2.2 Das árvores limítrofes
Nossa legislação prevê três hipóteses de conflitos derivados por árvores limítrofes: quando as árvores nascem nos confins entre dois prédios; quando há a invasão de um prédio pelos ramos e raízes de árvore pertencente ao prédio contíguo; e, por fim, a questão sobre a propriedade dos frutos caídos de árvore situada em terreno confinante5.
No primeiro caso, Pontes de Miranda denomina tal árvore de árvore-meia, e a cada proprietário pertence metade da coisa, ou seja, a árvore que se encontra em ambos os terrenos, na divisão entre os mesmos, é considerada coisa comum.
Assim, somente podem ser cortadas ou arrancadas de comum acordo, devendo ser repartida entre os donos6; os gastos com sua conservação e colheita devem ser comportados igualmente, e cada companheiro deve indenizar o outro por eventuais prejuízos que der causa.
Na segunda hipótese, o CC permite ao proprietário do terreno invadido cortar os ramos e raízes da árvore invasora, até o plano divisório, sendo divergente na jurisprudência se esse corte só poderá ocorrer quando os ramos e raízes estiverem causando moléstia ao vizinho.
Uma vez realizado o (justo) corte, o proprietário do prédio confinante também pode se tornar proprietário dos ramos e raízes cortados. Agindo com dolo ou culpa grave no exercício do direito de corte, deverá arcar com a devida indenização ao proprietário da árvore7.
Na última situação prevista, sendo o terreno público, os frutos pertencem ao dono da árvore; se particular, a queda natural dos frutos em terreno confinante permite que o proprietário deste adquira os frutos; se este provoca a queda, comete ilícito, por se apropriar do que não é seu.
2.3 Da passagem forçada
A passagem forçada baseia-se em dois princípios: no de solidariedade social que rege as relações de vizinhança, e no da função econômica-social das propriedades, que interessam todo o coletivo.
Este instituto implica três condições fundamentais para sua ocorrência:
 que o imóvel pretensamente encravado esteja, efetivamente, sem acesso a via pública, nascente ou porto, ou, pelo enunciado n. 88 do Conselho de Justiça Federal, quando este acesso existe, porém de forma insuficiente ou inadequada;
 que o prédio seja naturalmente encravado, ou seja, não pode ter sido provocado, nem ao menos culposamente, pelo seu proprietário;
 que o proprietário do prédio por onde se estabelece a passagem forçada receba uma indenização, nos termos do art. 1.285 do CC, fixada judicialmente ou por convenção;
 que o direito seja exercido por seu titular legítimo: o proprietário, usufrutuário ou enfiteuta.
A indenização acima referida geralmente é calculada por peritos, de acordo com a desvalorização da propriedade e com os prejuízos que dessa passagem possam advir ao imóvel onerado, e, uma vez concedida a passagem, sua não utilização, pelo período de 10 anos, pode acarretar sua perda, podendo, no entanto, ser readquirida mediante pagamento da indenização8.
Uma vez cessada as circunstâncias que caracterizem o encravamento, por mais cômoda que seja a passagem forçada, esta deverá ser extinta.
Nesta matéria enquadra-se também a questão da passagem de cabos e tubulações. Segundo Venosa9,
o proprietário é obrigado a tolerar a passagem, através de seu imóvel, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de utilidade pública, em proveito de proprietários vizinhos, quando de outro modo for impossível ou excessivamente onerosa.
2.4 Das águas
Esta matéria é regulada não só pelo nosso Código Civil, como também pelo Código de Águas (Dec. N. 24.643/34), e basicamente refere-se a cinco situações: águas que fluem naturalmente do prédio superior; águas levadas artificialmente ao prédio superior; fontes não captadas; águas pluviais; e aquedutos.
Na primeira situação, a lei impõe ao dono do prédio inferior a obrigação de receber as águas que correm naturalmente do superior10, ou seja, exige-se que o fluxo seja natural, o que significa dizer que as águas que o prédio inferior está obrigado a receber são as de chuva e as que brotam naturalmente do solo.
Já em relação às águas impróprias, o proprietário do prédio superior deve fazer obras que evitem que estas águas escoem para o terreno vizinho, devendo indenizar este por eventuais prejuízos.
Na segunda situação, de águas levadas artificialmente ao prédio superior, divergem o Código Civil e o Código de Águas: o primeiro acolheu a posição do Código de 1916, em que o dono do prédio inferior podia reclamar que se desviassem as águas artificiais, ou que lhe fossem indenizados os prejuízos; já o Código das Águas retira a possibilidade de escolha e prevê apenas a indenização pelos prejuízos, mas jamais a permissão de impedir o escoamento das águas.
Na situação das fontes não captadas, conforme ensinamento de Sílvio Rodrigues, “o dono da fonte não captada, satisfeitas as necessidades de seu consumo, não pode impedir o curso natural das águas pelos prédios inferiores”11; se o proprietário do prédio inferior tem a obrigação de receber as águas naturais do prédio superior, também tem direito aos sobejos, e aos sobejos limpos.
Ao proprietário de nascente que impedir o curso das águas, ou consumi-las além de suas necessidades, de má-fé, pode ser obrigado judicialmente não só a reparar os danos causados, como também a cessar os atos prejudiciais12.
Com relação às águas pluviais, o Código de Águas estabelece que pertencem ao prédio em que caírem diretamente, podendo o dono do terreno dispor livremente, salvo existindo direito alheio em sentido contrário13, nem podendo ser estas águas desviadas de seu curso natural, estando o infrator sujeito a responder por perdas e danos e ser compelido a desfazer as obras erguidas para o desvio da água.
Por fim, com relação aos aquedutos, estes representam o direito do proprietário canalizar, em proveito agrícola ou industrial, as águas a que tem direito, mediante prévia indenização.
O Código de Águas prevê ainda a possibilidade de canalização pelo prédio de outrem, também mediante prévia indenização, se para as primeiras necessidades da vida; para serviços de agricultura ou industria; para o escoamento de águas superabundantes; e/ou para o enxugo ou bonificação de terrenos14.
2.5 Dos limites entre prédios e da demarcação
A contigüidade entre os prédios implica na necessidade de delimitação entre seus espaços, a fim de evitar disputas sobre domínios.
Em regra, o direito de demarcar é do proprietário que seja titular de um direito real: o enfiteuta, o usufrutuário, o usuário, o condômino. Porém não ao possuidor direito, como o credor pignoratício, o locatário ou depositário, tampouco ao sucessor da herança não partilhada15.
Os objetivos da ação demarcatória, segundo nosso Código Civil, vão desde o levantamento de linha divisória entre dois prédios e avivação de rumos apagados, até a renovação de marcos destruídos ou arruinados, podendo o proprietário ajuizar tal ação mesmo quando não se encontrar na posse do imóvel, situação na qual pode cumular a ação demarcatória com a de restituição das áreas.
Em havendo necessidade de processo judicial para se realizar a demarcação, ao juiz é condicionado três passos para julgamento; em primeiro lugar, deve atentar para os títulos dominiais. A petição inicial deverá ser instruída dos títulos de propriedades, nos quais o juiz deve basear-se primordialmente para decidir o conflito.
Em sendo os títulos apresentados pelas partes colidentes ou imprestáveis a título de prova, o magistrado é autorizado legalmente a fazer uso do critério da posse16, a qual determinará os limites.
Se nem com este critério o juiz formular sua convicção, ou em sendo a prova da posse incompleta, a legislação em vigor sobre o tema determina que o terreno contestado seja dividido em partes iguais e, caso não seja possível a divisão pacífica, um dos proprietários pode adjudicar a outra metade, mediante indenização do proprietárioprejudicado17.
Ressalte-se apenas que estas soluções não são postas à escolha do juiz; devem ser seguidas hierarquicamente: títulos > posse > divisão.
2.6 Do direito de construir
Venosa nos recorda que “a construção de prédio pelo proprietário é direito seu, inserido no ‘ius fruendi’ “ 18. No entanto, o direito individual deve ser equacionado com o direito social; o direito de construir deve sofrer limitações e restrições sempre que representar prejuízo à segurança, sossego e saúde da vizinhança.
Estas limitações e restrições não são representadas apenas pelas determinações dos direitos de vizinhança, mas também pelas regras administrativas, que geralmente cabem ao Município (ex: há a proibição de construção de prédios com mais de “x” metros de altura – a depender de cada cidade – pois em caso de incêndios, o Corpo de Bombeiros não estaria habilitado a agir, por não estar equipado para lidar com esta altura).
Para se defender de construções que infringirem normas regulamentares e preceitos de direito civil, pode o prejudicado, no prazo decadencial de ano e dia, após a conclusão da obra, propor ação demolitória19. O juiz, caso verifique ser impossível conservar ou adaptar a obra aos regulamentos administrativos, ou ainda verificar a existência de vícios insanáveis, ordenará a demolição da obra, como medida de último caso.
Além da demolição, deverá ser fixada a indenização em perdas e danos, caso pedida. Neste caso, o proprietário é responsabilizado pelo prejuízo, mas há grande discussão na jurisprudência sobre a possibilidade de este ajuizar ação regressiva contra o engenheiro cuja imperícia, imprudência ou negligência originou o dano (neste caso, o fundamento da condenação do proprietário se basearia na culpa in eligendo ou in vigilando)20.
2.7 Do direito de tapagem
O art. 1.297 confere ao proprietário o direito de cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo seu prédio, seja este urbano ou rural; em sendo os tapumes comuns, ou seja, partilhados por ambos os proprietários, o §1º do referido dispositivo legal prevê a repartição proporcional das despesas de construção, manutenção e conservação, sendo garantido ao proprietário cobrar do vizinho confinante a sua quota nas despesas, caso não as tenha cumprido, por se tratar de obrigação propter rem.
Quem, no entanto, possuir aves e animais domésticos, que exigem maior proteção, ou por outro motivo necessitar de tapumes especiais, deverá responder sozinho por estes, somente sendo cabível a repartição das despesas caso este tapume especial também seja útil ao vizinho confinante21.

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