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Gabriella Gomes Rendeiro (17/0103838) TCHA 1 (professora Vera Pugliese) Fichamento (PANOFSKY, Erwin. Idea – A Evolução do Conceito de Belo; capítulo 2: Idade Média) A concepção estética Neoplatônica entende a beleza visível como reflexo de uma beleza invisível que, por sua vez, seria o reflexo de uma beleza absoluta. Essa concepção concorda com as características do "espírito simbólico" da baixa Antiguidade, e pôde ser retomada facilmente e sem adaptações pela filosofia paleocristã. Segundo Agostinho, a obra de arte existe antes no espirito do artista que nos objetos da natureza e a beleza visível é apenas "uma débil parábola da invisível beleza". Para ele, o artista atua como um mediador entre Deus e o mundo material. As "coisas belas" concebidas por ele seriam derivadas de uma "beleza" que só podia ser percebida além das obras, conforme ilustra o trecho: "[...] pois tudo que é belo e que as almas transmitem às mãos dos artistas provém dessa Beleza situada além das almas e à qual minha alma aspira noite e dia". Terminologicamente, Agostinho podia basear-se em Cícero, acrescentando detalhes de modo a conferir ao conceito de Ideia uma noção mais adequada à nova visão de mundo da época. Quanto à substância, as essências metafísicas de Platão seriam próprias ao espírito divino ao passo que são produzidas por ele. Agostinho teve apenas que substituir o espírito impessoal que o Neoplatonismo atribuía ao mundo pelo Deus cristão. Assim ele pôde construir uma concepção aceitável e decisiva à Idade Média: "As Ideias são os princípios originários das coisas; elas são imóveis e incorruptíveis [...]; são, portanto, eternas, conservam constantemente o mesmo estado e estão encerradas no espírito divino; embora elas não nasçam nem morram, tudo o que nasce e morre é modelado a partir delas". Em suma: Deus teria criado o mundo segundo uma "razão" que, devido à singularidade das coisas, deveria ser pensada como "individualizada"; supor qualquer modelo exterior a Deus significava uma blasfêmia. Ou seja: a significação das Ideias, ligada inicialmente a uma filosofia transcendental, sofreu uma inversão que lhe atribuiu um sentido cosmológico e depois teológico. A função inicial da ideia - que se constitui por estabelecer as condições de uma conduta moralmente boa, um conhecimento determinado, etc - caía cada vez mais no esquecimento. A teoria das Ideias era convertida a uma espécie de "lógica do pensamento divino" (como escreve Panofsky). Apenas nesse sentido a teoria das Ideias manteve-se durante a Idade Média. São sempre "as três questões principais" que agitam o espírito do pensador Mestre Eckhart: a primeira, saber se as Ideias estão em Deus ou se "preexistem nele as imagens" das suas criações; a segunda, se existem várias Ideias ou apenas uma; a terceira, se Deus só conhece as coisas através das Ideias. No fundo, as mesmas questões que Agostinho já pensara e resolvera e respostas quase sempre afirmativas. O único a adotar um caminho diferente foi Dionísio, o Areopagita, que foi posteriormente combatido com argumentos idênticos ou retirados das próprias demonstrações de Agostinho. Com a definição de "Ideia" também se passou o mesmo. Afinal, a concepção aristotélica (que dava à Ideia o sentido de "forma interior" e não transcendente) era tão incômoda quanto a platônica. Nessas condições, o sentido de Ideia não podia ser tratado em um viés propriamente artístico. A produção de Ideias era exclusivamente divina, e quando as imagens (criadas por Deus) eram consideradas em relação ao homem, eram como o objeto de uma "visão mística". Ainda assim, mesmo que o artista não possua a Ideia propriamente dita, podia-se pensar que ele estava em posse de uma "quase-Ideia". Essa era a representação da filosofia medieval quanto à criação artística. A intenção não era comparar o artista um "deus artista" ou exaltar a arte, mas compreender a essência do espírito divino e até resolver outros problemas teológicos. Assim que Tomás de Aquino explica o conceito de Ideia: "Ora, como o mundo não é o produto do acaso, mas, ao contrário, foi criado por Deus e pela ação de seu espírito, é necessário, obrigatoriamente, que haja uma forma no espírito divino sobre cujo modelo o mundo foi criado. E é nisso que consiste a essência conceitual da Ideia" Para o pensamento medieval, era um fato que o artista criava formas inspirado nessa "quase-Ideia". Mas saber como essa imagem interior se comportaria quanto à um objeto dado pela natureza era uma questão que o pensamento da época ainda não podia colocar. Dessa forma, não era possível estabelecer um paralelo entre a criação do artista e o conhecimento divino - impedia o reconhecimento daquilo que constituía a originalidade da arte medieval. No mais, a tese de que a arte imitava tanto quanto possível a natureza - conformando-se a ela - acabava por colocá-las em paralelo, minando qualquer tipo de relação. Porém a arte trabalha a partir da natureza, e não a imitando. Por isso foi decisiva a sugestão de um místico de que uma rosa é pintada não segundo a natureza, mas sim segundo uma imagem encerrada na alma (verificada no trecho a seguir): "estas três palavras: imagem, forma, figura são uma única e mesma coisa. Existir numa alma a imagem, a forma ou a figura de uma coisa, por exemplo a imagem de uma rosa, é sempre uma única e mesma coisa pelas duas razões que seguem. A primeira é que, se represento a imagem de uma rosa numa matéria agradável segundo a forma que está na alma, isso deve-se ao fato de que a forma da rosa é uma imagem numa alma. A segunda razão é que, na imagem interior da rosa, reconheço indubitavelmente a rosa do exterior, mesmo que não me proponha a reproduzí-Ia, assim como trago em mim a forma da casa que, no entanto, não me proponho construir. É possível concluir que, para a Idade Média, a obra de arte vem a ser a projeção na matéria de uma imagem interior. Dante resume, em uma única fórmula, o sentido da teologia medieval da arte no seguinte trecho: "A arte encontra-se em três níveis: no espírito do artista, no instrumento que ele utiliza e na matéria que recebe sua forma da arte".