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DPOC Pato 4° bimestre

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Introdução
	A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é definida como doença respiratória prevenível e tratável, caracterizada por obstrução crônica ao fluxo aéreo que não é totalmente reversível. Essa obstrução é progressiva e está relacionada a resposta inflamatória anormal dos pulmões à inalação de partículas e/ou gases tóxicos, sobretudo a fumaça de cigarro. 
Inflamação das vias aéreas e destruição do parênquima pulmonar são as alterações características da DPOC e contribuem para a limitação ao fluxo aéreo, que é o marcador funcional da doença. Entretanto, o quadro clínico e as repercussões no estado geral de saúde do paciente sofrem a influência das manifestações sistêmicas da DPOC e reforçam a necessidade de abordagem multidimensional que contemple todos os componentes da doença.
Além da inflamação presente nas vias aéreas, há evidências de inflamação sistêmica nos pacientes com DPOC, mas a relação entre inflamação local e sistêmica não está estabelecida. Existem também evidências de desequilíbrio entre a formação de radicais livres de oxigênio e a capacidade antioxidante que resulta em sobrecarga oxidativa nos pulmões. Este desequilíbrio está envolvido na patogênese da doença e pode causar lesão celular, hipersecreção mucosa, inativação de antiproteases e aumentar a inflamação pulmonar por meio da ativação de fatores de transcrição.
Tendo em vista as repercussões negativas das manifestações sistêmicas da DPOC na tolerância ao exercício, no prognóstico e na sobrevida dos pacientes, o presente trabalho tem o objetivo de discutir os principais achados da literatura relacionados às manifestações sistêmicas da DPOC.
Desenvolvimento
A doença pulmonar obstrutiva crônica caracteriza-se por uma condição do sistema respiratório onde há o desenvolvimento progressivo da incapacidade de respirar devido a uma obstrução parcial ou completa da traqueia, brônquios, bronquíolos terminais e respiratórios para captação do fluxo aéreo (ABBAS, 2013).
	Desenvolvidas, geralmente, pelo resultado do uso intenso de cigarro por um longo período de tempo, inalação constante de substâncias químicas e pela exposição excessiva à poluição, as condições prototípicas da doença se apresentam na forma de distúrbios individuais, como: enfisema, bronquite crônica, asma e bronquiectasia, associadas a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões à essa inalação de partículas ou gases tóxicos (KUMAR, 2016).
	Afetando cerca de 210 milhões de pessoas, a DPOC é classificada a quarta principal causa de morbidade e mortalidade no mundo, desencadeando sintomas como: falta de ar, tosse crônica, expectoração regular e sibilância, em tabagistas e ex-tabagistas acima de 40 anos e indivíduos expostos frequentemente à fumaça de lenha
 e poluição ocupacional (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2010).
	Para o tratamento das DPOC realizado com base na gravidade, que varia de acordo com o grau de obstrução do fluxo de ar e da intensidade dos sintomas desenvolvidos pelos indivíduos, é de extrema importância a compreensão do funcionamento do pulmão, das diversas formas encontradas na doença, bem como cada um dos seus componentes e dos aspectos que as caracterizam em suas formas puras, permitindo uma terapia direcionada para o mecanismo dos três principais distúrbios que podem ser sobrepostos.
	Os pulmões são órgãos essenciais do sistema respiratório que apresentam estruturas que atuam exclusivamente na troca de gases entre o ar inspirado e o sangue, onde após a passagem do ar pela laringe, faringe traqueia e brônquios, o reservatório pulmonar se dilata para que o ar se precipite ao diminuir a pressão interior. 	Quando um indivíduo entra em constante contato com substâncias tóxicas ou pelo uso de cigarros a longo prazo, uma inflamação crônica começa a se formar em todas as vias aéreas, parênquima e vasculatura pulmonar, há um aumento, em várias partes dos pulmões, de macrófagos, neutrófilos e linfócitos TCD8+ e TCD4+ que liberam mediadores capazes de danificar as estruturas pulmonares ou de manter uma inflamação neutrofílica, como Enfisema, Bronquite e Asma.
	Caracterizado por um aumento anormal e permanente dos espaços aéreos terminais, o Enfisema é resultante de um processo inflamatório que leva à alterações no parênquima pulmonar pela destruição de grande parte dos alvéolos e redução da capacidade de troca de gás onde, consequentemente, há uma diminuição da concentração de oxigênio no sangue ao passo em que o gás carbônico permanece inalterado. Este distúrbio é classificado de acordo com a distribuição anatômica da obstrução do fluxo aéreo no lóbulo, um agrupamento de ácinos (unidades respiratórias terminais), pelos subtipos: centroacinar e pan-acinar, seguido do parasseptal e irregular. 
	O Enfisema Centroacinar, conhecido também como Centrolobular, é predominante em fumantes inveterados e, clinicamente, demora muitos anos para se manifestar, podendo, muitas vezes, associar-se à bronquite crônica. Caracterizado pela destruição dos bronquíolos respiratórios, que leva à união entre si e produz espaços enfisematosos com grandes quantidades de um pigmento preto em suas paredes e bem demarcados pela separação da periferia acinar, os ductos alveolares e alvéolos permanecem intactos, em decorrência de que este afeta apenas partes centrais dos ácinos, enquanto os alvéolos distais e o parênquima são preservados, os pulmões tornam-se volumosos e pálidos. Durante os anos de exposição às diversas substâncias presentes no tabaco, ocorre uma irritação crônica das vias aéreas com processo inflamatório nos bronquíolos terminais e respiratórios e, com isso, há um aumento da quantidade de células inflamatórias, principalmente macrófagos e leucócitos, que liberam enzimas capazes destruir as fibras elásticas presentes nos pulmões e que lhe conferem elasticidade, como as elastases, que são contrabalanceadas por anti-proteases e inibem a formação das elastinas, impedindo a substituição das fibras elásticas perdidas.
	Quando os ácinos estão uniformemente aumentados desde o nível do bronquíolo respiratório até os alvéolos em fundo cegos terminais, há a formação do Enfisema Pan-acinar, que tende a ocorrer mais frequentemente nas zonas baixas e margens anteriores do pulmão e severo nas bases, decorrente de uma deficiência de α1-antitripsina, capaz de inibir as proteases, principalmente elastases, secretadas por neutrófilos durante a inflamação. Isso ocorre quando os neutrófilos, principal fonte de proteases celulares, são sequestrados em capilares periféricos como os pulmões, recebendo livre acesso aos espaços alveolares, onde os baixos níveis de proteases anti-proteases, a destruição do tecido elástico não é reprimida quando há o aumento da atividade proteolítica pela liberação de grânulos contendo protease, resultando na formação do aumento do espaço.
	Enfisemas irregulares são aqueles cujo ácino é envolvido irregularmente e está quase invariavemente associado a uma cicatrização, definida pelo aumento do espaço aéreo e a presença de fibrose, que determina a gravidade do distúrbio de acordo com a extensão dos danos no tecido e a quantidade de cicatrizes.
	Caracterizada como uma tosse persistente com produção de escarro por um período de 2 meses a 3 anos, a Bronquite é uma inflamação da membrana da mucosa dos brônquios, que pode se apresentar de duas maneiras, aguda e crônica. 
A bronquite aguda surge subitamente e é de curta duração, ao passo que a bronquite crônica é uma infecção que se repete ao longo de vários anos. A bronquite aguda é produzida por vírus ou bactérias (Mycoplasma pneumoniae e a Chlamydia, por exemplo) e é acompanhada por tosse, expectoração mucopurulenta e estreitamento dos brônquios causada pela contração espasmódica.
Já a bronquite crônica, é resultante de uma irritação por substâncias inaladas durante um longo período de exposição. Estimuladas por proteases liberadas de neutrófilos e pelo aumento acentuado das células calciformes de pequenas vias aéreas, essa doença apresenta uma produção excessiva de muco, que contribui paraa obstrução das vias aéreas, associada à uma hipertrofia das glândulas submucosas na traqueia e nos brônquios. 
	Por fim, mas não menos importante, vale ressaltar o distúrbio inflamatório crônico que acomete as vias aéreas em episódios decorrentes de: sibilos, falta de ar, opressão torácica e tosse, que geralmente associam-se à uma broncoconstrição difusa e a uma limitação do fluxo aéreo, a asma.
	A inflamação brônquica constitui o mais importante fator fisiopatogênico da asma. É resultante de interações complexas entre células inflamatórias, mediadores e células estruturais das vias aéreas. Está presente em pacientes com asma de início recente, em pacientes com formas leves da doença e mesmo entre os assintomáticos.
	Pode se apresentar de quatro maneiras, sendo: 
- Asma tópica → desencadeada por alérgenos ambientais, por uma reação de hipersensibilidade mediada por IgE do tipo I;
- Asma não atópica → são desencadeadas por infecções respiratórias causadas por vírus, onde a árvore brônquica é excessivamente irritada;
- Asma induzida por drogas → surge em decorrência da inibição da via da ciclo-oxigenase do metabolismo do ácido araquidônico sem afetar a via de lipo-oxigenase, desviando, consequentemente, o equilíbrio no sentido da elaboração de leucotrienos broncoconstritores.
- Asma ocupacional → é estimulada pela exposição repetidamente prolongada à fumaças, poeiras orgânicas e químicas, gases e outros compostos, que liberam substâncias broncoconstritoras e respostas de hipersensibilidade.
A resposta inflamatória tem características especiais que incluem infiltração eosinofílica, degranulação de mastócitos, lesão intersticial das paredes das vias aéreas e ativação de linfócitos Th2 que produzem citocinas, como as interleucinas IL- 4, IL-5, IL-13, entre outras, responsáveis pelo início e manutenção do processo inflamatório. A IL-4 tem papel importante no aumento tanto da produção de IgE específica como da expressão de receptores de alta e baixa afinidade à IgE por muitas células inflamatórias. Vários mediadores inflamatórios são liberados pelos mastócitos brônquicos (histamina, leucotrienos, triptase e prostaglandinas), pelos macrófagos (fator de necrose tumoral TNFα, IL-6, óxido nítrico), pelos linfócitos T (IL-2, IL-3, IL-4, IL-5, fator alfa de crescimento de colônia de granulócitos (GM-CSF), pelos eosinófilos (MBP, ECP, EPO, mediadores lipídicos e citocinas), pelos neutrófilos (elastase) e pelas células epiteliais (endotelina-1, mediadores lipídicos, óxido nítrico). Através de seus mediadores as células causam lesões e alterações na integridade epitelial, anormalidades no controle neural autonômico (substância P, neurocinina A) e no tônus da via aérea, alterações na permeabilidade vascular, hipersecreção de muco, mudanças na função mucociliar e aumento da reatividade do músculo liso da via aérea, podendo atingir, ainda, o epitélio ciliado, causando-lhe dano e ruptura. 
Como consequência, células epiteliais e miofibroblastos, presentes abaixo do epitélio, proliferam e iniciam o depósito intersticial de colágeno na lâmina reticular da membrana basal, o que explica o aparente espessamento da membrana basal e as lesões irreversíveis que podem ocorrer em alguns pacientes com asma. Outras alterações, incluindo hipertrofia e hiperplasia do músculo liso, elevação no número de células caliciformes, aumento das glândulas submucosas e alteração no depósito/degradação dos componentes da matriz extracelular, são constituintes do remodelamento que interfere na arquitetura da via aérea, levando à irreversibilidade de obstrução que se observa em alguns pacientes.
As crises agudas da asma podem-se iniciar como se de uma simples constipação se tratasse. As manifestações mais comuns da doença são: tosse, respiração ruidosa e ofegante, sibilos, dispneia e sensação de opressão no peito. A sintomatologia da asma está mais ligada ao processo de expiração, pela sua natureza obstrutiva. As manifestações são variáveis de caso para casa e dependem da intensidade da doença. Num ataque grave de asma, a respiração torna-se cada vez mais difícil, sendo acompanhada de suores, taquicardia, aflição e ansiedade. O doente não consegue deitar-se, pode não ser capaz de falar e a respiração torna-se acelerada e ofegante. Em uma crise de extrema gravidade, o baixo teor de oxigênio no sangue circulante pode causar cianose (cor azulada) no rosto e, em especial, nos lábios. A pele apresenta-se pálida e suada, estes acessos podem ser fatais. Durante as crises, são contraindicados: sedativos, ansiolíticos, mucolíticos e especturantes (Kumar, V., 1994 & Nunes, L. 2003).
O mecanismo de ação da asma consiste em:
Fase 1: Sensibilização É a primeira fase da resposta alérgica. A exposição inicial ao alérgeno desencadeia a produção de anticorpos da classe IgE específicos ao alérgeno. 
Fase 2: Reação da fase imediata Ocorre nos minutos seguintes à exposição dos anticorpos IgE ao alérgeno. As moléculas de IgE unem-se ao alérgico e é produzida a degranulação dos mastócitos e a liberação de mediadores pré-formados, tais como a histamina e de mediadores recém sintetizados, tais como os leucotrienos cisteínicos. Isso causa uma reação aguda que produz coceiras, espirros, secreção nasal aquosa e transparente.
 Fase 3: Reação de fase tardia Ocorre nas horas seguintes à exposição e reflete a influência das células inflamatórias. Ao serem ativadas elas liberam mediadores, tais como os leucotrienos cisteínicos, que recrutam mais células inflamatórias (eosinófilos, por exemplo) e podem aumentar a reação inflamatória que, com o tempo, pode prejudicar os tecidos da via respiratória. O sintoma mais importante é a obstrução nasal, outros incluem rinorréia e espirros.
Caso clínico:
Paciente do sexo feminino, 68 anos, branca, referindo tosse produtiva com escarro hialino e dispnéia aos médios esforços há mais de 20 anos. Há 2 meses apresentou piora da dispnéia, manifestando-a ao repouso e em posição ortostática. Negava febre e alteração da tosse. Tabagista de um maço por dia há 60 anos; referia dois episódios de pneumonia, sendo o último há 2 semanas (com tratamento domiciliar). Negava hipertensão arterial sistêmica e uso de medicamentos.
Ao exame físico, apresentou-se cianótica ++/+++, descorada +, com pressão arterial de 90x50mmHg, pulso de 100 bpm, taquidispnéica (freqüência respiratória de 37 movimentos/min), afebril (36,5°C) e com estase jugular à 45°. O ictus cordis não era palpável e, à ausculta cardíaca, havia sopro sistólico + em foco mitral, aumentado à manobra de Valsalva; e sopro sistólico ++ em foco tricúspide, com aumento à manobra de Rivero-Carvalho. O exame de tórax revelou aumento do diâmetro ântero-posterior, som hipersonoro à percussão, murmúrio vesicular diminuído globalmente, e estertores subcrepitantes em bases e campos médios. À propedêutica física do abdome, observou-se fígado palpável a 3cm do arco costal em linha hemiclavicular direita, endurecido + e indolor à palpação. Não foi observado edema de membros inferiores.
Exames laboratoriais de entrada: hemograma: eritrócitos – 3,56x106/mm³; hemoglobina – 11,2 g/dl; hematócrito – 33,4%; VCM – 94 µm³; plaquetas – 283.000/mm³; 8.800 leucócitos, 88 metamielócitos, 528 bastonetes, 5.632 segmentados, 264 eosinófilos, 1.408 linfócitos típicos, 880 monócitos. Coagulograma: tempo de protrombina – 14,9s; atividade de protrombina – 100%; RNI – 1,00; TTPA – 37,2s; testemunho – 30,8s; R – 1,2. Urina tipo I: nitrito positivo, 500 hemácias (normal até 3.500/ml), 168.000 leucócitos (normal até 6.500/ml), bactérias numerosas, cultura positiva para E. coli sensível a ciprofloxacin.
O eletrocardiograma mostrou ritmo sinusal, freqüência cardíaca de 100 bpm; sinais de sobrecarga biatrial (onda P apiculada em DII e minus em V1 e V2) e ventricular direita (eixo SÂQRS em + 120º, onda R ampla em V1 – 6mm, onda S ampla em V5 e V6 – 5 e 7mm, respectivamente).
A radiografia de tórax (fig. 1) apresentou sinais de hiperinsuflação pulmonar, sem sinais deradiopacidade em campos pulmonares; além de imagens arredondadas em hilo pulmonar, de radiopacidade heterogênea e tamanhos variados, associadas a aumento da trama vascular.
A tomografia computadorizada de tórax (fig. 2) evidenciou hipodensidade excêntrica, irregular, com calcificações ao longo da margem lateral da artéria pulmonar direita e da margem medial da artéria pulmonar esquerda, sem repercussões hemodinâmicas no parênquima pulmonar. Além disso, foram observadas imagens hipodensas, avasculares, sem delimitação por parede, distribuídas difusamente pelo parênquima pulmonar, predominantemente em ápices; e calcificação ateromatosa da aorta.
Permaneceu internada durante 30 dias, para tratamento de infecção do trato urinário e anticoagulação oral, mantendo-se afebril, normotensa, hemodinamicamente estável, e controlada dos sintomas respiratórios. Foi mantido warfarin e marcado retorno ambulatorial semanal para controle da anticoagulação.
Após 30 dias, foi trazida por familiares, com confusão mental há 15 dias, exacerbada há 6h, associada a vômitos e tosse com escarro escuro. Ao exame físico estava afebril, consciente, contactuante, desorientada no tempo, sem rigidez de nuca, sem sinais localizatórios. Permaneceu quatro dias internada, afebril, normotensa, com volume normal de diurese.
Exames laboratoriais de entrada. Hemograma: eritrócitos – 4,66x106/mm³; hemoglobina – 13,9 g/dl; hematócrito – 41,6%; VCM – 89 µm³; plaquetas – 153.000/mm³; 8.100 leucócitos, 6.500 segmentados, 80 eosinófilos, 60 basófilos, 1.320 linfócitos típicos, 390 monócitos. Coagulograma: tempo de protrombina – 15,9s; atividade de protrombina – 79%; RNI – 1,15; TTPA – 28,9 s; testemunho – 30,8s; R – 1,00. Urina tipo I: normal. Eletrocardiograma sem alterações em relação ao da internação anterior.
Radiografia de tórax (fig. 3). Presença de cavidade em ápice do pulmão direito (posteriormente), de conteúdo radiotransparente, sem nível líquido, parede espessada e bem delimitada.
Evoluiu no 4º dia com piora da confusão mental, apresentando-se bradipneica, taquicárdica (196bpm), com pressão arterial inaudível, cianose, má perfusão periférica, pulsos finos e parada cardiorrespiratória.
Aspectos clínicos:
No presente caso, a procura por serviço médico na primeira internação deveu-se à piora dos sintomas respiratórios, referida há dois meses. Essas manifestações poderiam ser explicadas por quadro de hiper-reatividade brônquica em portadora de bronquite crônica e enfisema, geralmente desencadeada por infecção respiratória ou por exposição a agentes poluentes, dentre outros fatores. Deve-se considerar ainda que cerca de um terço dos casos de hiper-reatividade brônquica em portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica permanece sem causa definida ¹.
Neste caso, a evolução arrastada de dois meses e, principalmente, a ausência de sibilos na ausculta respiratória tornaram improvável a hipótese de hiper-reatividade brônquica, sendo um quadro diferente daquele esperado para as exacerbações agudas da pneumopatia crônica ¹.
Outra importante complicação a ser lembrada, comum em portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica, porém menos freqüente que os quadros de hipóxia decorrentes da doença pulmonar, é o cor pulmonale crônico secundário à hipóxia arrastada e à redução da rede vascular, que levam a aumento progressivo dos níveis pressóricos da circulação pulmonar 2,3.
Neste caso, contudo, aparentemente não havia importante repercussão cardiovascular durante os 20 anos de evolução da doença, já que faltavam dados essenciais para sua caracterização, como palpitação, nictúria e edema de membros inferiores. Um cor pulmonale crônico cursaria com anos de evolução e não apenas dois meses, como referido pela paciente.
Como haviam sinais de insuficiência cardíaca direita recentes ao exame físico, foi considerada a hipótese de evento tromboembólico, muito comum em portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica, com tendência a hipercoagulabilidade 4.
A investigação foi iniciada com uma radiografia simples de tórax, que sugeriu alteração suficiente para explicar o desenvolvimento de insuficiência cardíaca direita em um curto espaço de tempo. O alargamento de mediastino verificado em território de ramos principais da artéria pulmonar levantou a hipótese de tromboembolismo arterial crônico.
Para conclusão diagnóstica, foi então solicitada tomografia computadorizada de tórax com contraste, exame de boa sensibilidade para detecção de tromboembolismo pulmonar crônico. Os sinais encontrados no interior dos ramos principais da artéria pulmonar sugeriram a presença de trombo em diferentes estágios de evolução, obstruindo cerca de 50% de cada ramo. Achados tomográficos no parênquima pulmonar característicos da enfermidade em questão, como assimetrias do calibre de ramos segmentares da artéria pulmonar, padrão em mosaico decorrente da perfusão heterogênea de diversas regiões e retrações periféricas sugestivas de infarto não foram encontrados, sugerindo comprometimento predominantemente de grandes vasos 5-7.
A tomografia computadorizada de tórax foi muito bem indicada neste caso, pois além de ser um procedimento não invasivo, facilmente pôde detectar a lesão de localização central. Outros exames comumente solicitados para estes casos, contudo, também estariam indicados, principalmente se fosse considerada a possibilidade de tratamento cirúrgico, afastado em decorrência da grave doença pulmonar.
Uma completa investigação da circulação pulmonar periférica, através de arteriografia, pode contra-indicar o procedimento cirúrgico se observado êmbolo em localização distal, que impossibilite sua retirada. Esse exame também é útil para orientar a melhor via de intervenção, detectando a precisa localização do êmbolo. Outro exame indicado, com os mesmos objetivos, porém de menor sensibilidade, é a cintilografia pulmonar de ventilação/perfusão. Para os casos de tromboembolia crônica, este exame pode subestimar a extensão do êmbolo se houver recanalização do mesmo 5-8.
A última internação, motivada por quadro de confusão mental, poderia ter sido desencadeada por acidente vascular cerebral, pois além do possível estado de hipercoagulabilidade freqüente em pacientes portadores de doença pulmonar obstrutiva crônica, a tomografia computadorizada de tórax havia indicado grave aterosclerose em aorta. Por tudo isso, dado o elevado risco de desenvolvimento de doença cerebrovascular, a despeito da evolução sem sinais localizatórios nos quatro dias de internação, esta hipótese não pôde ser afastada.
Contudo, o quadro de confusão mental por si, na ausência de outros sinais ao exame neurológico, também poderia ser explicado por processo infeccioso, sem embasamento clínico se considerada a ausência de febre e o leucograma normal. Em decorrência do dado de anamnese de vômitos e tosse com escarro escuro, justificou-se investigação radiológica de tórax, a despeito dos achados inespecíficos à propedêutica física.
A imagem radiológica de cavidade em ápice direito, radiotransparente e sem nível líquido, sustentou a hipótese de abscesso pulmonar drenado por vias respiratórias e explicou de maneira satisfatória o restante do quadro.
O mecanismo fisiopatológico para tal enfermidade foi atribuído a duas prováveis hipóteses: complicação de episódio de pneumonia anterior referido há 2 semanas, ou infecção em área de infarto.
Diagnósticos aventados pela observação clínica: 1) insuficiência respiratória secundária a bronquite crônica e enfisema; 2) cor pulmonale secundário a tromboembolismo pulmonar crônico; 3) abscesso pulmonar; 4) confusão mental secundária ao processo infeccioso pulmonar; 5) causa mortis (provável): choque cardiogênico.
Conclusão:
De acordo com o discutido acima, a DPOC deve ser considerada uma doença sistêmica e as manifestações extrapulmonares devem ser consideradas na avaliação de sua gravidade. Além disso, o tratamento destas manifestações pode modificar o prognóstico desses pacientes. A realização de novas investigações relacionadas à elucidaçãodas manifestações sistêmicas faz-se necessária para o desenvolvimento de novas estratégias de tratamento, principalmente quanto ao estado nutricional e à disfunção dos músculos esqueléticos periféricos, o que pode resultar em melhora da tolerância ao exercício e do estado geral de saúde desses pacientes.
Referências bibliográficas
KUMAR, Vinay; FERNANDES, Patrícia Dias; ABBAS, Abul K.; FAUSTO, Nelson; ASTER, Jon C. - Robbins e Cotran Patologia : bases patológicas das doenças, p. 691 – 700. - 8. ed. / 2010.
KUMAR, Vinay; ABBAS, Abul K.; FAUSTO, Nelson; MITCHELL, Richard N. - Robbins patologia básica - 8. ed. / 2008.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Protocolo clínico e Diretrizes Terapêuticas - Asma. Brasília: Ministério da Saúde, Portaria SAS/MS nº 1.317, de 25 de novembro de 2013. 
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Protocolo clínico e Diretrizes Terapêuticas Bronquite e Enfisema. Brasília: Ministério da Saúde, 29 de julho de 2014. 
PETTA, Antonio Di. Patogenia do enfisema pulmonar eventos celulares e moleculares. Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, Brasil.

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