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Resumo texto 5 A loucura e universal%2c mas o cuidado e territorial (1)

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Prof.ª Ana Melo – Psicologia Social II – FMU
Texto: A loucura é universal, mas o cuidado é territorial (Dione Maria Menz)
Reforma psiquiátrica mundial
A reforma psiquiátrica teve seus fundamentos influenciados pela Comunidade Terapêutica (experiência inglesa), Psicoterapia Institucional (francesa), e a Psiquiatria Democrática Italiana. 
A antipsiquiatria surgiu na Inglaterra e busca romper, teoricamente, com o modelo assistencial buscando destituir, o poder do saber médico da explicação-compreensão e tratamento das doenças mentais. Suas referencias culturais são diversas 
- Comunidade Terapêutica
Maxweel Jones (Inglaterra -anos 50) acreditava que a transformação do modelo de cuidados psiquiátricos passaria pela mudança nas relações dentro dessas instituições. 
Defendia a necessidade de relações democráticas com participação de todos os envolvidos da instituição. 
Ou seja, os pacientes, a equipe de saúde e os administradores. 
Contribuições: Denuncia sobre a forma degradante como eram tratados os pacientes psiquiátricos. Submetidos ao abandono, maus tratos e isolamento. 
- Psicoterapia institucional (francesa)
Fortemente influenciada pela psicanálise e por Lacan, considera que as próprias instituições possuem características doentias e que deveriam ser tratadas. 
Críticas ao poder médico e à verticalidade das relações intra-institucionais. Para este fundamento teórico, todos os integrantes do hospital tinham uma função terapêutica no processo terapêutico. 
Tanto a comunidade terapêutica quanto a psicoterapia institucional estruturaram-se a partir da ideia de que seria possível tratar o indivíduo na instituição psiquiátrica. 
Assim, a proposta de cuidado estava mediada pela instituição asilar, que deveria mudar, mas seria mantida como espaço de acolhimento e tratamento da loucura. 
- Psiquiatria democrática italiana
Considerado um dos idealizadores da Reforma Psiquiátrica Italiana, nos anos 70, Franco Basaglia esteve no Brasil e comparou o Hospital psiquiátrico de Barbacena (MG) aos campos de concentração. 
Ele relata que ao entrar no Hospital de Gorizia (onde foi administrador) reviveu a experiência de presidiário, percebendo que nestas instituições os pacientes estavam submetidos às mesmas regras das instituições totais. 
Basaglia propôs mudanças radicais na forma de cuidar, adotando medidas que resgatavam a dignidade e garantiam os Direitos Humanos dos loucos. 
“Reformar o hospital” não bastava, era preciso transformar as concepções frente à loucura: 
A relação de interdependência entre psiquiatria e a justiça, a partir da evidencia das várias funções de natureza jurídica e policial exercidas pela psiquiatria na manutenção da ordem pública;
A discussão sobre a origem de classe de pessoas internadas na medida em que hospício hospedava, em sua grande maioria, pessoas dos estratos sociais mais carentes;
A não-neutralidade da ciência, questionando o saber e as práticas ditas terapêutica da psiquiatria;
Papel político: pode contribuir para a mudança ou estagnação social. 
A função e o papel social dos técnicos como agentes de poder e do controle institucional.
Basaglia teve seu auge em 1978 com a aprovação da Lei 180, referente a reforma psiquiátrica na Itália que fundamentou a extinção progressiva dos manicômios, substituindo-os por uma proposta de cuidado de base territorial. 
Reforma Psiquiátrica Brasileira
O movimento da reforma psiquiátrica no Brasil é contemporâneo da eclosão da reforma sanitária, mas tem história própria marcada por um contexto internacional de mudanças pela superação da violência asilar. 
Anos 70: Organização do Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) - denúncias sobre as condições de atendimento dos hospitais psiquiátricos. 
Os profissionais ligados à Divisão Nacional de SM responsáveis pela formulação destas políticas no Ministério da saúde fizeram denúncias e greve por melhores condições de trabalho e de assistência aos pacientes. 
Anos 80 - 8ª Conferência Nacional de Saúde. O relatório final desta conferencia serviu de base para o capitulo de saúde na Constituição Federal de 1988 e garantiu uma serie de direitos sociais. 
Nela foram propostas as bases do Sistema Único de saúde (SUS) com as características de:
universalidade (estabelece que o acesso aos serviços de saúde deve ser comum a todos, sem distinção de raça, cor, etc); 
integralidade (estabelece o direito ao atendimento de forma plena em função das necessidades. Isto vai desde a garantia de boas condições de vida, ser acolhido nas Unidades de Saúde, ter seus problemas resolvidos, até, sobretudo, possuir acesso a todas as tecnologias de cuidado); 
e equidade (apesar de todos terem acesso a cuidados prestados pelo sistema de saúde, a equidade contempla a realidade que locais e pessoas diferentes têm necessidades diferentes, e por isso soluções e esforços diferentes devem ser feitos de acordo com o contexto em questão. A equidade contribui para a diminuição das diferenças e desigualdade social.) 
1987 - I Conferência Nacional de Saúde mental, que solidificou a Reforma Psiquiátrica, a partir dos eixos:
Economia, sociedade e Estado: impactos sobre a saúde mental;
Reforma sanitária e reorganização da assistência à saúde mental;
Cidadania e doença mental: direitos deveres e legislação do doente mental.
Algumas recomendações indicaram o combate a psiquiatrização das questões sociais, democratização dos serviços de saúde mental, participação da sociedade na construção da reforma psiquiátrica e priorização dos investimentos nos serviços extra-hospitalares. 
1992- II Conferência Nacional de Saúde, teve como eixos:
Rede de atenção em saúde mental;
Transformação e cumprimento das leis;
Direito à atenção e direito à cidadania. 
Esta conferencia ocorreu em um contexto influenciado pelo II Encontro Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental, de Bauru, onde foram propostas mudanças nas premissas teóricas e éticas da assistência psiquiátrica. Já, no cenário internacional, em 1990, ocorreu a Conferencia de Caracas, na Venezuela, com propostas para as bases da assistência psiquiátrica para a América Latina. 
2001 - III Conferência Nacional de Saúde, tema: “Cuidar, sim. Excluir, não.”
Aprovado o Projeto de Lei Paulo Delgado (3.657-89). Esta lei redireciona a assistência em saúde mental privilegiando o tratamento em serviços de base comunitária. 
Propõe a inclusão da atenção em saúde mental na atenção básica como forma de manter o portador do transtorno próximo a comunidade, família e meio social, e facilitar ações de prevenção e educação. 
Reforma e contra reforma
Este contexto de intensos debates da assistência contribuiu para a Reforma psiquiátrica ganhar maior sustentação e visibilidade, apesar de resistências para a sua implementação, representadas pelos partidários da contra reforma, adeptos do modelo “hospitalocêntrico”. 
O modelo hospitalocêntrico é baseado nos cuidados da saúde em hospitais, uma remediação com a doença já instalada, ao invés de utilizarem a forma de prevenção primária (atuar antes da doença se instalar, buscando evitar a necessidade de ir ao hospital). Exemplo: se a pessoa fizesse a prevenção de doenças como diabetes, pressão alta, dentre outras, não precisaria vir a utilizar hospitais para tratar algo que poderia ter sido evitado, ou controlado através da Atenção Básica de Saúde.
2010 – IV Conferência Nacional de Saúde Mental. Tema “Intersetorialidade”. 
Eixos temáticos:
Saúde Mental e Políticas de Estado: pactuar caminhos intersetoriais;
Consolidar a rede de atenção psicossocial e fortalecer os movimentos sociais;
Direitos humanos e cidadania como desafio ético e intersetorial.
Essa conferencia contou com a participação de outros setores, envolvendo as políticas de saúde, assistência social, direitos humanos. 
As políticas de saúde mental e as práticas de subjetivação
Forte influência da Psiquiatria DemocráticaItaliana.
Organização do cuidado de base territorial – respeito à cidadania do portador do sofrimento psíquico. 
O território compreende o lócus, onde a pessoa estabelece seu mundo relacional e se sustenta como sujeito social, singular. Não é espaço físico, embora o compreenda: o entorno onde a pessoa mora, suas referências do estar no mundo. Onde estão suas raízes, sua história. 
Se as pessoas moram nas cidades é fundamental que a atenção dispensada a elas ocorra próxima a sua moradia. Na medida em que o paciente é cuidado no próprio território, passa a ser reconhecido como parte desta comunidade, como cidadão de direitos (construído e construtor da realidade). 
A re-organização dos serviços de saúde mental propostos pelo movimento da reforma, ocorreram antes do aparato jurídico-legal. Já que a portaria ministerial que estruturou o CAPS foi emitida somente em 2002 e este serviço já estava funcionando desde 1990. 
A lei Paulo Delgado foi aprovada em 2001, mas há mais de dez anos os serviços já estavam sendo estruturados. O movimento social que sustentou a reforma foi de fato a construção social e não o aparato jurídico legal. 
A relevância do tema: saúde mental 
Dados do Ministério da Saúde (2010) sobre o perfil epidemiológico: 
- 12% da população brasileira (23 milhões) necessitam de atendimento em SM;
- 3% (5 milhões) sofrem com transtornos mentais graves e persistentes.
Espaços de cuidado 
Implicam em um novo assistir, onde o conhecimento de psicopatologia é só uma ferramenta e as intervenções com a família e a comunidade passam a ter lugar de destaque. 
Devemos compreender o sujeito enquanto ativo em seu processo de retomada de identidade.
Essa identidade, muitas vezes, é perdida e desqualificada nas instituições totais (manicômios), para estas, centradas no modelo medico (CID, DSMV) toda manifestação do ser no mundo é vista como comportamento próprio de seu diagnostico psiquiátrico. 
As ações de cuidado
Para além do cuidado de base territorial, precisam articular-se com outros espaços da política pública. Assim, o olhar interdisciplinar, mais que uma pratica profissional, passa a ser entendido enquanto uma ação intersetorial que nos qualifica para um compromisso ético e técnico com a construção de ações humanizadas e de respeito à diversidade.
A construção da nova forma de cuidar
Novas práticas devem ser construídas pelos psicólogos, não mais centradas no paradigma da doença, mas na retomada do “ser no mundo”, na valorização do sujeito e na compreensão do sofrimento mental como construção social e histórica. 
A construção da nova forma de cuidar ocorre neste contexto histórico de organização das políticas de SM marcadas pelas conferencias nacionais de SM, avanços e retrocessos, e por segmentos sociais que se opõem, como a Sociedade Brasileira de Psiquiatria, é que se inserem as práticas cotidianas das equipes de SM, que precisam desafiar as lógicas da exclusão e da psiquiatrização dos fenômenos sociais. Essas práticas precisam se reinventar e fugir do lugar comum do “vitimizar” o portador do sofrimento mental, no sentido de desqualificá-lo enquanto sujeito de sua própria história.

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