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Legalidade e legitimidade do poder político

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8 
LEGALIDADE E LEGITIMIDADE 
DO PODER POLITICO 
I. 0 principio da legalidade — 2. 0 principio da legitimidade — 3. 
Como se formou o principio e a especie de legitimidade que esse 
principio procurou estabelecer — 4. A crise historica da legalidade e 
legitimidade do poder — 5. A consideracdo jilosofica do problema 
da legitimidade — 6. Os fundamentos sociologicos da legitimidade: 
6.1 A legitimidade como representagdo de uma teoria dominante do 
poder — 6.2 As Tres formas basicas de manifestacqo da 
legitimidade: a carismatica, a tradicional e a legal ou racional — 7. 
0 aspecto juridico da legitimidade — 8. A legitimidade no exercicio 
do poder — 9. A legalidade e a legitimidade do poder como temas 
da Ciencia Politica. 
1. 0 principio da legalidade 
A legalidade nos sistemas politicos exprime basicamente a 
observancia das leis, isto é, o procedimento da autoridade em 
consonancia estrita corn o direito estabelecido. Ou ern outras palavras 
traduz a nogdo de que todo poder estatal devera atuar sempre de 
conformidade corn as regras juridicas vigentes. Em suma, a 
acomodagdo do poder que se exerce ao direito que o regula. 
Cumpre pois discernir no termo legalidade aquilo que exprime 
inteira conformidade corn a ordem juridica vigente. 
Nessa acepcdo ampla, o funcionamento do regime e a autoridade 
investida nos governantes devem reger-se segundo as linhas-mestras 
tragadas pela Constituigao, cujos preceitos sao a base sobre a qual 
assenta tanto o exercicio do poder como a competencia dos Orgaos 
estatais. 
A legalidade supde por conseguinte o livre e desembaragado 
mecanismo das instituigOes e dos atos da autoridade, movendo-se em 
consonancia corn os preceitos juridicos vigentes ou respeitando 
rigorosamente a hierarquia das normas, que vao dos regulamentos, 
decretos e leis ordinarias ate a lei maxima e superior, que 6 a 
Constituigao. 
0 poder legal representa por conseqiiencia o poder em harmonia 
corn os principios juridicos, que servem de esteio a ordem estatal. 0 
conceito de legalidade se situa assim num dominio exclusivamente 
formal, tecnico e juridico. 
2. 0 principio da legitimidade 
Ja a legitimidade tem exigencias mais delicadas, visto que levanta 
o problema de fundo, questionando acerca da justificacao e dos valores 
do poder legal. A legitimidade 6 a legalidade acrescida de sua valoracao. 
8 o criterio que se busca menos para compreender e aplicar do que 
para aceitar ou negar a adequagdo do poder as situacties da vida social 
que ele é chamado a disciplinar. 
No conceito de legitimidade entram as crencas de determinada 
epoca, que presidem a manifestagdo do consentimento e da obediencia. 
A legalidade de urn regime democratico, por exemplo, é o seu 
enquadramento nos moldes de uma constituicao observada e praticada; 
sua legitimidade sera sempre o poder contido naquela constituicao, 
exercendo-se de conformidade com as crengas, os valores e os 
principios da ideologia dominante, no caso a ideologia democratica. 
3. Como se formou o principio da legalidade e a especie de 
legitimidade que esse principio procurou estabelecer 
0 principio de legalidade nasceu do anseio de estabelecer na 
sociedade humana regras permanentes e validas, que fossem obras da 
razdo, e pudessem abrigar os individuos de uma conduta arbitraria e 
imprevisivel da parte dos governantes. Tinha-se em vista alcancar urn 
estado geral de confianga e certeza na agdo dos titulares do poder, 
evitando-se assim a chivida, a intranqiiilidade, a desconfianga e a 
suspeicao, tao usuais onde o poder é absoluto, onde o governo se acha 
dotado de uma vontade pessoal soberana ou se reputa legibus solutus e 
onde, enfim, as regras de convivencia nao foram previamente 
elaboradas nem reconhecidas. 
A legalidade, compreendida pois como a certeza que tern os 
governados de que a lei os protege ou de que nenhum mal portanto lhes 
podera advir do comportamento dos governantes, sera entao sob esse 
aspecto, como queria Montesquieu, sinenimo de liberdade. 
Autores que escreveram durante o ancien regime, em Franca, 
tiveram a intuicao desse principio. Haja vista Fenelon com respeito ao 
poder do rei: "Ele pode tudo sobre as pessoas, mas as leis podem tudo 
sobre ele" (Il peut tout sur les peuples, mais les lois peuvent tout sur lui). 
Mas foi o seculo racionalista e filosefico — o seculo XVIII — que 
desenvolvendo as teses do contratualismo social aprofundou na Franca 
a justificacao doutrinaria do principio da legalidade. 
Sua explicitacao politica se fez por via revolucionaria, quando a 
legalidade se converteu em materia constitucional. Assim no texto de 
1791: "Nao ha em Franca autoridade superior a da lei; o rei nao reina 
sendo em virtude dela e é unicamente em nome da lei que podera ele 
exigir obediencia" (Art. 32, do Capitulo II da Constituicao Francesa de 
1791). 
Alguns anos antes, os ex-colonos de Massachussets, emancipados 
da dominacao inglesa, gravaram em sua Constituicao (Art. 30) o 
principio da separacao de poderes a fim de que "pudesse haver um 
governo de leis e nao de homens". 
Enfim, o principio da legalidade atende aquele ideal jeffersoniano 
de estabelecer um governo da lei em substituicao do governo dos 
homens e de certo modo reproduz tambern aquela maxima de Michelet 
sobre "o governo do homem por si mesmo", ou seja, le gouvernement de 
l'homme par lui meme. 
4. A crise historica da legalidade e legitimidade do poder 
Sao quatro os dados que se nos afigurarn altamente elucidativos e 
indispensaveis para a consideracao da legalidade e legitimidade como 
temas da teoria politica: o histOrico, o Mosaic°, o sociolOgico e o 
juridico. 
Do ponto de vista histOrico, partimos das relacties entre legalidade 
e legitimidade, cuja distincan a antigiiidade romana e o direito Canemico 
ignoraram por completo. No Codex Juris Canonici, segundo anota 
Schmitt, a palavra legitimus aparece corn frequencia, ao passo que 
legalis somente ocorre em quatro lugares e assim mesmo 
invariavelmente referida ao direito civil. 
A cisdo legalidade e legitimidade tornou-se patente ao 
pensamento europeu desde 1815, quando se fez vivo e agudo, conforme 
lembra aquele jurista, o antagonismo que a Franca monarquica passou 
a testemunhar entre a legitimidade histOrica de uma dinastia 
restaurada e a legalidade vigente do COdigo napoleonico. 
Liberals e conservadores, progressistas moderados com filiagdo 
espiritual na Rev°lugdo Francesa e realistas restauradores, de 
obstinada conviccao monarquica, se repartiam em posicoes adversas, 
sustentando os liberais a legalidade da monarquia constitucional e os 
conservadores o requisito de legitimidade da mesma, como forma de 
poder. 
0 auge da crise se situa na deposicao de Carlos X e no advento de 
Luis Felipe, quando a tese da legalidade se impiie a da legitimidade, nos 
termos histOricos e tradicionais em que esta Ultima sempre fora 
tomada. Os dois conceitos dal por diante andam relativamente 
desacompanhados. 
A corrente racionalista, proveniente da Revolugdo Francesa, que 
transitara do racionalismo Mosaic°, abstrato e jusnaturalista para o 
racionalismo positivista, empirico e relativista operou uma sutil 
transposigdo de termos, fazendo toda a legitimidade repousar doravante 
na legalidade e nao como dantes a legalidade na legitimidade. 
A lei, segundo a expectativa confiante do seculo, representava o 
maxim° poder da Razao emancipadora. Os juristas de indole liberal 
fazem-lhe o culto do antipaternalismo, da fe mais ardente na sua 
capacidade de exprimir o principio civilizador, o governo do homem por 
si mesmo (le gouuernement de l'homme par lui me me), como refere 
Michelet, citado por Schmitt. 
A lei, que principia como autentica deusa das crencas 
revolucionarias, acaba, segundo Schmitt e Bert Brecht, prostituida nos 
labios dos gangsters americanos,quando esses ironicamente dao a 
palavra de ordem de que "o trabalho deve ser legal". 1 Igualmente "legal", 
conforme referiremos adiante, foi tambem a ascensao de Hitler ao poder 
na Alemanha e a implantacao da ditadura socialista na Tchecoslovaquia 
pelo Partido Comunista. E, no entanto, a lei axiologicamente fundara ha 
pouco mais de um seculo o prestigio de uma nova ordem social 
exageradamente confiante nos poderes da Razao abstrata e libertadora. 
Com a lei dos cOdigos burgueses, verdadeiros talismas juridicos 
da exaltacao revolucionaria de 1789, fora possivel banir da jovem 
sociedade burguesa o culto incomodo e respeitoso do passado, a 
inviolabilidade dos costumes, a soberania da tradicao, o acatamento 
dogmatic° de toda a autoridade, bases sobre as quais assentava alias o 
poder das antigas ordens privilegiadas sob a egide das realezas 
onipotentes. 
Mas duas crises histOricas de consideraveis proporcOes vieram 
ainda abater-se sobre o principio da legalidade e legitimidade. 
Com o Manifesto de Marx e os desenvolvimentos ulteriores da 
teorizacao de Lenin, Trotski e Lukacs, a lei, que fora o Coroamento 
doutrinario do racionalismo europeu, aparece agora degradada a 
instrumento da sociedade de classes, como a superestrutura social da 
opressao burguesa, como Orgao de permanencia dos privilegios 
econiimicos, nao sendo bons revolucionarios, segundo o conselho de 
Lenin, reproduzido por Schmitt, aqueles que nao souberem unir os 
meios ilegais de luta a todas as formas legais de tomada do poder. 
Despreza-se a lei como fim e dela se serve como meio. 
A legitimidade do ordenamento juridico burgues é atacada a 
fundo nessa tomada de posicao dos pensadores revolucionarios 
marxistas, que alargam cada vez mais o hiato separando a legalidade da 
legitimidade, cuja ruptura tern exemplos de antecedencia histarica na 
polemica dos liberais coin os tradicionalistas conservadores do seculo 
XIX. 
Durante o nacional-socialismo a crise chega ao maxim° grau de 
intensidade. Aqui temos concretizado o exemplo histarico supremo de 
uma corrente de opiniao, de uma ideologia, de urn partido politico, cujos 
chefes, sem quebra da legalidade, tomaram o poder a sombra do regime 
estabelecido e dele se serviram do modo que se nos afigura mais 
ominoso em toda a histOria do genero humano, e cuja legitimidade, 
vista ou apreciada pelos criterios do racionalismo imperante na 
doutrina juridica dos movimentos liberais e positivistas do seculo XIX, 
pareceria irrepreensivel. 0 mesmo se passou na Tchecoslovaquia corn a 
tomada do poder por uma revolucao aparentemente pacifica, de teor 
parlamentar, que instaurou ali a nova legalidade proletaria. 
5. A consideracdo filosOfica do problema da legitimidade 
Exemplos como aqueles que acabamos de citar nos convidam de 
imediato a retomar o problema mediante um segundo ponto de partida: 
o filosafico. 
Do ponto de vista filosafico, a legitimidade repousa no piano das 
crengas pessoais, no terreno das conviccees individuais de sabor 
ideolOgico, das valoragees subjetivas, dos criterios axiolOgicos variaveis 
segundo as pessoas, tomando os contornos de uma maxima de carater 
absoluto, de principio inabalavel, fundado em nocao puramente 
metafisica que se venha a eleger por base do poder. 
A legitimidade assim considerada nao responde aos fatos, 
ordem estabelecida, aos dados correntes da vida politica e social, 
segundo o mecanismo ern que estes se desenrolam — o que seria ja. do 
ambito da legalidade — mas inquire acerca dos preceitos fundamentais 
que justificam ou invalidam a existencia do titulo e do exercicio do 
poder, da regra moral, mediante a qual se ha de mover o poder dos 
governantes para receber e merecer o assentimento dos governados. 
Quando entramos a fazer reflexees acerca das razOes que regem a 
necessidade ou inevitabilidade do poder politico na sociedade, e 
indagamos por que uns obedecem e outros mandam, ou figuramos o 
carater de permanencia ou temporariedade do poder estatal como 
ordem coativa, estamos na verdade levantando proposicoes de cunho 
filosofico pertinentes a legitimidade do poder no seu aspecto de 
finalismo social. 
Formula-se determinada doutrina acerca do fundamento do poder 
e da obediencia, e, mediante o criterio perfilhado nessa doutrina, mede-
se a seguir a legitimidade de uma ordem politica qualquer, seu teor de 
veracidade ou erro, que ha de variar consoante a tabua dos valores 
estabelecidos subjetivamente. Busca-se entao menos o poder que é do 
que propriamente o poder que deveria ser. 
6. Os fundamentos sociolOgicos da legitimidade 
0 conceito de legitimidade expresso por Vedei, segundo o qual 
"chama-se principio de legitimidade o fundamento do poder numa 
determinada sociedade, a regra em virtude da qual se julga que um 
poder deve ou nao ser obedecido" nos leva assim sem nenhuma 
intermitencia a compreensao sociolegica do termo. 2 
A esse respeito, vale ressaltar a importancia que tem o 
entendimento sociologico da legitimidade, a qual implica sempre numa 
teoria dominante do poder. Suscitando o problema da autoridade, em 
termos sociolegicos, distingue Max Weber, conforme veremos, tres 
formas basicas de manifestagao da legitimidade, que sao capitais para a 
explicacao de todos os fenennenos do poder observados em qualquer 
tipo de organizacao social: a carismatica, a tradicional e a legal ou 
rational. 
6.1 A legitimidade como representactio de uma teoria dominants do poder 
A observagao nos mostra, segundo Duverger, que numa certa 
epoca e num certo pais, ha sempre uma teoria dominante do poder, 
qual adere a massa dos governados. 
0 governo, erguido a base dessa doutrina, que impera no 
assentimento da populagdo, sera do ponto de vista sociolegico o govern() 
legitimo. 
Nao cabem aqui, assevera o jurista trances, as digressOes 
ideolegicas, metafisicas e doutrinarias relativamente a natureza do 
poder. Em conseqiiencia, desde que o estudioso nada afirma de falso ou 
verdadeiro sobre o carater do principio de legitimidade socialmente 
imperante e apenas considera as doutrinas propagadas atraves dos 
povos e das epocas como meros fatos sociolegicos, que cumpre ter em 
conta e averiguar, pela adesdo neles refletida de parte das consciencias 
individuais, pondera e conclui o publicista frances que assim 
considerada, "a legitimidade se torna uma nogdo puramente relativa e 
contingente, cujo conteiido depende das crengas efetivamente 
espalhadas num certo momento, em determinado pals". 3 
Gragas a esse criterio, fez-se possivel, segundo o mesmo autor, 
compreender os pontos de transigao historica por que ha passado no 
curso da civilizagdo politica ocidental o principio da legitimidade, o 
conflito travado entre o direito divino dos reis e o direito dos povos, 
entre a legitimidade teocratica e a legitimidade democratica, do mesmo 
modo que hoje se contraptie, num duelo de preponderancia, a 
legitimidade burguesa do povo encarnada no abstrato conceito de nagao 
e a legitimidade proletaria corn assento no dogma de classe soberana e 
predestinada que o proletariado resume.4 
6.2 As tres formas bdsicas de manifestacd o da legitimidade: a 
carismatica, a tradicional e a legal ou racional 
Debaixo do mesmo prisma sociolOgico, Max Weber faz que a 
legalidade repouse sobre tres formas basicas de manifestacao da 
legitimidade: a carismatica, a tradicional e a legal ou racional. 
Esses tres tipos de poder legitimo abrangido no classic° esquema 
de Max Weber tem resumidamente a explicagao que se segue, segundo 
as palavras mesmas do celebrado sociOlogo. 
A autoridade carismatica assenta sobre as "crencas" havidas em 
profetas, sobre o "reconhecimento" que pessoalmente alcangam os 
herOis e os demagogos, durante as guerras e as sedigOes, nas ruas e nas 
tribunas, convertendo a fe e o reconhecimento em deveresinviolaveis 
que lhes sao devidos pelos governados. 0 poder carismatico se baseia, 
segundo o sociOlogo, na direta lealdade pessoal dos seguidores. 
A autoridade carismatica, acrescenta Max Weber, a despeito de 
haver sido uma das potencias mais revolucionarias da HistOria, 
transformadora dos sentimentos e destinos de povos e civilizagOes 
inteiras conserva nas suas formas mais puras o carter autoritario e 
imperativo. 5 
Ja a autoridade tradicional se apOia na crenca de que os 
ordenamentos existentes e os poderes de mando e direcao comportam a 
virtude da santidade. 0 tipo mais puro, prossegue Max Weber, 6 o da 
autoridade patriarcal, onde o governante é o "senhor"; o governado, o 
"sficlito" e o funcionario, o "servidor". 
Afirma o sociOlogo: presta-se obediencia a pessoa por respeito, em 
virtude da tradicao de uma dignidade pessoal que se reputa sagrada. 
Todo o comando se prende intrinsecamente a tradicao, cuja violacao 
brutal por parte do chefe podera eventualmente pOr em perigo seu 
pr6prio poder, cuja legitimidade se alicerca tao-somente na crenca 
acerca de sua santidade. A criacao de um novo direito em face das 
normas oriundas da tradiflo é em principio impossivel. 6 
 Conseqilentemente, a direcao politica do meio social goza de uma 
solidez e estabilidade que se acha sob a dependencia imediata e direta 
do aprofundamento da tradicao na consciencia coletiva. 
Quanto ao ultimo tipo, o da autoridade "legal", que informa toda a 
epoca do racionalismo ocidental, temos o poder fundado no estatuto, na 
regulamentagao da autoridade. Aqui assevera Max Weber: o tipo mais 
puro e o da autoridade burocratica. Sua concepgao fundamental se 
resume na postulacao de que qualquer direito pode ser modificado e 
criado ad libitum, por elaboracao voluntaria, desde que essa elaboracao 
seja formalmente correta. A obediencia se presta nao a pessoa, em 
virtude de direito prOprio, mas a regra, que se reconhece competente 
para designar a quem e em que extensao se ha de obedecer. 7 
Demais, o poder racional ou legal cria ademais em suas 
manifestacties de legitimidade a nocao de compete ncia, o poder 
tradicional a de privilAgio e o carismatico, desconhecendo esses 
conceitos, dilata a legitimacao ate onde alcance a missao do chefe, na 
medida de seus atributos carismaticos pessoais, conforme observa 
aquele pensador. 8 
7. 0 aspect° juridico da legitimidade 
Ultimando a transicao do sociolOgico ao juridico, Carl Schmitt, o 
mais conspicuo jurista da Alemanha comprometido com o nacional-
socialismo, intenta demonstrar que a posse do poder legal em termos de 
legitimidade requer sempre uma presuncao de juridicidade, de 
exeqUibilidade e obedi6ncia condicional e de preenchimento de 
clausulas gerais, cuja importancia pratica e teOrica nao deve ser 
ignorada pela teoria constitucional nem pela filosofia do direito, visto 
que tanto servem de criterio de controle da constitucionalidade da 
legislagao como de ponto de partida a uma doutrina do direito de 
resistencia. 8 
Foi justamente a falta de tal consciencia alimentada na formagao 
do povo alemao, cultivada entre os seus magistrados, disseminada na 
massa de servidores pUblicos, implantada no espirito da diregao politica 
do pais, referida tambem aos partidos politicos de lideranca 
democratica e republicana, aquilo que na hora fatal da conspiragdo 
nazista entregou a ordem juridica da Alemanha a ditadura 
inescrupulosa, desarmando depois o sentimento de resistencia da 
nacao as praticas criminosas e violentas do nacional-socialismo. 
Schmitt mesmo foi vitima dessa emboscada histOrica da legalidade 
hitlerista, tendo raziies pessoais de sobra, por experiencia doutrinaria, 
para acrescentar como corretivo democratico e constitucional a 
postulagdo de limites juridicos eficazes a legitimidade invocada pelos 
titulares do poder legal. 
A doutrina mais recente dos autores franceses, ja em parte 
examinada, conforme vimos, se distribui, quanto ao problema da 
legalidade e legitimidade dos governos, nas seguintes posicoes: 1) a 
legalidade e tao-somente questa° de forma; a legitimidade, questao de 
fundo, substancial, relativa a consonancia do poder com a opiniao 
publica, de cujo apoio depende (Burdeau); 
2) a legitimidade é nocao ideolOgica, a legalidade, nocao juridica; 
do ponto de vista, porem, da ordem constitucional positiva as duas 
novies coincidem ou se confundem: "um governo e legal, 
conseqiientemente legitimo, sob o aspecto do direito, desde que se 
estabeleca de modo regular, conforme as regras da ordem estatutaria 
nacional", a saber, ao instituir-se de acordo com a Constituicao em 
vigor; 10 caso porem venha a contrariar essas regras, que deverao 
presidir igualmente ao seu funcionamento, semelhante governo deixard 
de ser legal, perdendo tambem sua condicao de legitimo; 11 
3) legalidade é a conformacao do governo com as disposiciies de 
um texto constitucional precedente, ao passo que a legitimidade 
significa a fiel observancia dos principios da nova ordem juridica 
proclamada; a legalidade sera assim urn conceito formal, a legitimidade, 
um conceito material, de maneira que, segundo essa posicao, um 
governo de fato far-se-a eventualmente legitimo se proceder segundo as 
regras por ele mesmo estabelecidas, fundamentando uma nova ordem 
politica ou constitucional (Duverger). 
De acordo porem corn a doutrina de Hauriou, mais antiga, "o 
principio de legitimidade nao e ern si outra coisa sena) o principio da 
transmissao do poder conforme a lei." 12 
Alude o publicista frances aos governos como meros depositarios 
de urn poder, cuja sede legitima se acha na lei, na autoridade, na 
competencia juridicamente definida, da qual sao instrumentos ou 
servidores obedientes, sendo a legitimidade a feel observancia dos 
mecanismos de transmissao do poder. 13 
Quanto ao poder de fato, o poder revolucionario, o poder que 
emerge das crises ou rupturas violentas da ordem legal vigente, a 
doutrina de Hauriou conserva o mesmo carater juridico formal, 
recusando a esses poderes legitimidade, que so se adquire 
eventualmente na medida em que os mesmos, uma vez estabelecidos, 
facam "a autoridade e a competencia prevalecerem sobre o poder de 
dominacao". A observancia e adocao da ordem juridica é a via aberta 
para a legitimaedo dos governos ou poderes de fato. 14 
8. A legitimidade no exercicio do poder 
A legitimidade abrange por ultimo duas categorias de problemas 
distintos. 0 primeiro problema se relaciona corn a necessidade e a 
finalidade mesma do poder politico que se exerce na sociedade atraves 
principalmente de uma obediencia consentida e espontanea, e nao 
apenas ern virtude da compulsao efetiva ou potencial de que dispee o 
Estado — instrumento maxim() de institucionalizacao de todo o poder 
politico. 
Vista debaixo desse aspecto, a legitimidade do poder s6 aparece 
contestada nas doutrinas anarquicas, nomeadarnente no marxismo, ao 
passo que as demais escolas conhecidas se empenham ern dar-lhe por 
fundamento ora os impulsos naturals, organicos e biologicos do 
homem, ora o consentimento Iivremente expresso por uma associagdo 
de vontades, como nas teorias do contrato social, reconhecendo-se ern 
qualquer das Ultimas posigOes mencionadas, por legitima, a existencia 
na sociedade de urn poder politico imposto as vontades individuais. 
Se a existencia do poder politico na sociedade se acha legitimada 
corn rara ou nenhuma discrepancia (sendo a Unica excegao a dos 
anarquistas) o problema da legitimidade, ao contrario, se complica 
quando a questao versada entra a ser a do exercicio legitimo do poder. 
Trata-se aqui de indicar o fundamento de legitimidade do governo 
ou dos governantes, manifestado como urn dado histOrico e relativo, 
consoante as doutrinas ou as crengas geralmente aceitas e que lhes 
servem de esteio, modificaveisconforme a epoca ou o pais. 
Na Idade Media, essa crenga-suporte da legitimidade foi Deus, a 
o sobrenatural, ao passo que contemporaneamente ela vem 
sendo o povo, a democracia, o consentimento dos cidadaos e a adesdo 
dos governados. 
Mas nao se exaure nisso o problema da legitimidade governativa. 
Cumpre passar ao segundo problema, o de saber se todo governo é legal 
e legitimo ao mesmo tempo e quais as hipOteses configurativas de 
desencontro desses dois elementos: legalidade e legitimidade. 
Corn efeito, concebe-se perfeitamente urn governo legal que seja 
ilegitimo. Haja vista o exemplo frances, muito citado, do governo de 
Petain, que, investido legalmente no poder, cedo patenteou seu inteiro 
desacordo corn os sentimentos e esperangas e votos do povo frances. 
Dai resultou negar-lhe o pais adesao e consentimento, bases da 
legitimidade politica. 
Ja o governo trances de De Gaulle no exilio, que emergira das 
lutas da libertagdo nacional, foi ern 1944, como governo provisOrio da 
RepUblica francesa, o governo ilegal porem legitimo do povo frances. 
Via de regra, os governos que nascem das situacoes 
revolucionarias, dos golpes de Estado, das conspiracties triunfantes, sao 
governos ilegais mas eventualmente legitimos, se abracados logo pelo 
sentimento nacional de aprovagdo ao exercicio do seu poder. 
Confirmada a viabilidade desses governos, a legitimidade fundard entao 
corn o tempo a nova legalidade. E esta ha de perdurar, conciliada no 
binamio legalidade-legitimidade, ate que ulteriores comociies da 
consciencia nacional tragam corn a intervengdo sithita de crises 
imprevistas e profundas para a conservagdo do poder a perda do 
equilibrio politico dos sistemas legais e sua conseqUente destruica.o. 
9. A legalidade e legitimidade do poder como temas da ciincia 
politica 
0 espinhoso terra legalidade e legitimidade do poder politico 
abrange uma literatura juridica diminuta, apesar de tratar-se de 
materia controvertida, que sempre reponta na consciencia dos 
legisladores, dos politicos e dos pensadores sociais nas horas de crise 
do poder, quando se abre o inquerito das revoluyies, das ditaduras e 
dos golpes de Estado, quando se questiona acerca de estremecimentos 
no principio de autoridade, de quebra e afrouxamento dos lacos de 
obediencia que prendem os governados aos governantes. 
Dentre os estudos esparsos que compOem a pequena contribuicao 
classica sobre o assunto, faz-se mister ressaltar o livro de Ferrero, 
pertinente ao antigo principio de legitimidade 15 e o de Lenin 
(Esquerdismo, Doenca Infanta do Comunismo), obra capital cujo 
desconhecimento tornaria "anacronica" toda a discussao acerca do 
problema da legalidade, conforme ja advertiu um constitucionalista 
alemao, bem como os estudos de Max Weber" e a intervencao de Carl 
Schmitt sobre o assunto, em 1932, no ano crucial de sua polemica corn 
os constitucionalistas da Reptiblica de Weimar. 17 
Dos escritos mais antigos ainda conserva algum interesse nos 
dias presentes o de autoria de Benjamin Constant sobre o espirito de 
conquista e usurpacaols e mais alguns discursos politicos de Wilson, 
quando o Presidente dos Estados Unidos sustentou a doutrina 
americana da legitimidade democratica. 
1. Carl Schmitt, Legalitaet and Legitimitaet, e Das Problem der Legalitaet. 
2. Georges Vedei, Introduction aux Etudes Politiques, Fasciculo I, p. 28. 
3. Maurice Duverger, Droit Constitutionnel et Institutions Politiques, p. 39. 
4. Idem, ibidem, p. 39. 
5 Max Weber, Staatssoziologie, p. 106. 
6. Idem, ibidem, p. 101. 
7. Max Weber, ob. cit., p. 9. 
8. Idem, ibidem, p. 105. 
9. Carl Schmitt, "Das Problem der Legalitaet", in: Verfassungsrechtliche Aufsaetze, pp. 
440-451. 
10. Julien Laferriere, Manuel de Droit Constitutionnel, r ed., p. 838. 
11. Idem, ibidem, p. 838. 
12. Maurice Hauriou, Principios de Derecho Public() y Constitucional, traducao 
espanhola, 2' ed., s/d, p. 198. 
13. Idem, ibidem, p. 198. 
14. Idem, ibidem, p. 200. 
15. G. Ferrero, Potere. 
16. Max Weber. No celebre capitulo IX "Wirtschaft and Gesellschaft" parte segunda, 
sobre sociologia do poder, da obra Economia e Sociedade. ed., pp. 551-558. 
17. Carl Schmitt, ob. cit. 
18. Benjamin Constant. "De l'espirit de Conquete et de Pusurpation", in: Oueures, p. 
983 e s. 
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