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1 A Baixa Mesopotâmia: da sua ocupação até a Babilônia Cassita* Texto organizado por Luís Manuel Domingues O meio físico da Mesopotâmia Os rios que formam a planície aluvional mesopotâmica - o Eufrates e o Tigre - nascem nas montanhas da Anatólia. O primeiro depende do desgelo das neves durante a primavera e de dois afluentes da sua margem esquerda (Balikh e Khabur); o segundo, das chuvas da região dos montes Zagros e de numerosos rios tributários (os dois Zab, o Diyala e o Karum). Nos períodos de cheias, os dois rios inundam suas margens e as fertilizam. A cheia do Tigre atinge o máximo em abril, a do Eufrates, em maio, atingindo ambos o nível mais baixo nos meses de setembro e outubro. O Tigre, mais impetuoso e de curso muito irregular em relação à planície, é menos favorável a irrigação do que o Eufrates, que corre acima do nível do seu vale. Apesar das enchentes dos rios mesopotâmicos renovarem anualmente a fertilidade do solo com aluviões, elas ocorrem justamente no momento em se aproxima à colheita, sendo necessário, portanto, proteger os cereais e plantas cultivadas das águas fluviais que transbordam com ímpeto. Em termos geológicos, a Mesopotâmia é uma depressão formada pela junção, no Plioceno, da placa tectônica da Arábia com a da Ásia Ocidental, que foi posteriormente recheada de sedimentos aluviais depositados pelos dois grandes rios. Acreditou-se, durante muito tempo, que os rios Tigre e Eufrates desembocavam separadamente no golfo Pérsico, sem se juntarem, como hoje, no Shatt al-Arab. Esta compreensão adivinha das informações dos documentos sumérios mencionarem cidades como Ur e Eridu, hoje distantes do golfo, como detentoras de portos marítimos. A nova pesquisa tem levado os especialistas a afirmarem que a região de lagos semipermanentes e pântanos, ao sul das cidades sumérias, era vista, pelos antigos habitantes, como parte integrante da paisagem oceânica, haja vista que os navios marítimos podiam atravessar os pântanos e penetrar facilmente no Eufrates até chegar àquelas cidades e seus portos. Tomando como limite o ponto do seu curso médio onde o Eufrates e o Tigre mais se aproximam um do outro, é possível considerar duas sub-regiões: a Alta Mesopotâmia, a noroeste, e a Baixa Mesopotâmia, a sudeste. A primeira é mais elevada, menos propícia à irrigação e, em parte, adequada à agricultura de chuva (no planalto assírio, no lado leste) ou à criação (Assíria, mais a oeste), contendo, ainda, ricos recurso florestais. A Baixa Mesopotâmia é pouco servida pelas chuvas, baixa, muito plana e potencialmente fertilíssima - dependendo de um sistema de irrigação artificial para conter as destruições das cheias e da drenagem que evite a salinização -, mas de todo carente de madeira, pedra e minérios. A terra fértil forma um conjunto de bacias entremeadas e propícias para o gado, sendo que os vales fluviais são cercados, para oeste e para leste, por outras faixas estépicas freqüentadas por pastores. As zonas pantanosas próximas ao golfo continham pastos extensos e serviam à pesca e à coleta vegetal. A argila de alta qualidade e abundante foi também explorada na Antigüidade. A navegação fluvial era realizada através dos rios e dos canais maiores e foi o principal meio de comunicação. O transporte terrestre, até a difusão do dromedário, dependia de caravanas de muares ou carros e trenós puxados por bovinos e asinos. Quando de suas cheias anuais, o Eufrates e o Tigre depositam no leito normal os sedimentos mais pesados, formando diques naturais ou levées. Era nestes diques naturais que se concentrava o habitat humano na Baixa Mesopotâmia, nos quais desenvolviam preferencialmente a agricultura irrigada em virtude de apresentarem menos problemas quanto à drenagem. Quanto aos problemas relacionados com as atividades agrícolas estava o da salinização causada por drenagem insuficiente e o avanço do deserto sobre as terras cultivadas - condição que deve ter motivado as disputas por terras cultiváveis. 2 A ocupação, colonização e revolução urbana na Baixa Mesopotâmia Durante o terceiro milênio, do ponto de vista lingüistico, a Baixa Mesopotâmia podia ser dividida em duas partes: ao sul, a Suméria, ou país de Sumer, onde predominava o sumério, língua aglutinante sem vínculos conhecidos e que deixaria de ser falada no início do segundo milênio; ao norte, o país de Akkad, onde se concentrava a maioria da população que falava o acádio, uma língua de flexão do grupo semita e que predominou, juntamente com o babilônico dele derivado e o aramaico, na região baixo-mesopotâmica a partir do segundo milênio. Nos textos, escritos em sumério e acadiano, ainda no terceiro milênio, constatou-se a presença de palavras não-sumérias e de vocábulos estranho à estrutura das duas línguas faladas na região baixo- mesopotâmica, levando a supor a idéia de uma tradição tardia suméria na qual tanto o sumério como acadiano teriam substituído uma língua falada num passado pré-histórico. Foi esta idéia que aventou a possibilidade da chegado dos sumérios pelo golfo Pérsico, por volta de 3100 a.C., mas as pesquisas arqueológicas os vincularam ao sudoeste do Irã (o Elam, ou Susiana). Recentemente, foi formulada a opinião, à luz da lingüística e levando em conta as noções étnicas bem posteriores provenientes da Babilônia, que os habitantes encontrados pelos antepassados dos sumérios fossem a gente de Subaru (Alta Mesopotâmia), que arqueologicamente já estavam presentes na Baixa Mesopotâmia desde mais ou menos 3500 a.C.; o que implica ter havido na região um povoamento mais remoto de populações oriundas das áreas plenamente neolíticas. Enquanto na Anatólia, Siro-Palestina e Alta Mesopotâmia a ocupação permanente por aldeias neolíticas plenamente sedentárias, comunidades que baseavam sua subsistência numa agropecuária estável e não mais na caça, na pesca e na coleta de plantas selvagens, ocorreu no período de 9000 a 7000 a.C., a ocupação por cultivadores da Baixa Mesopotâmia - potencialmente fértil, mas pouco adequada à agricultura de chuva - só tem início, de forma esporádica, entre 6000 a 4500 a.C., por cultivadores oriundos dos maciços do Curdistão e dos Zagros, formando as culturas de Hasssunah, Samarra e Halaf. Só a partir do 5º milênio, a planície aluvial do Tigre e do Eufraste será ocupada permanentemente por grupos de cultivadores oriundos do leste, introduzindo mudanças importantes na atividade agropastoril e preparando o longo caminho que conduziu ao modo de vida urbano e, consequentemente, ao surgimento das civilizações. A mudança importante dessa fase foi o desenvolvimento de técnicas eficazes de irrigação, permitindo a expansão do povoamento. No 5º milênio, com o surgimento de comunidades nas encostas próximas aos rios que atravessavam as planícies da Baixa Mesopotâmia, simples valas eram construídas para desviar os cursos de água que corriam para os campos próximos. Esta irrigação em pequena escala era usada de início como prevenção contra a seca em áreas já alimentadas pela chuva. Entretanto, no decorrer do 5º e 4º milênio, os sistemas de irrigação conhecidos e desenvolvidos permitiram a colonização de regiões áridas, antes fora do alcance das comunidades agrícolas. Como conseqüência desta empreitada, inúmeras pequenas aldeias surgiram às margens da planície fluvial da Baixa Mesopotâmia, área de enorme potencial agrícola, mas deficiente em madeira, pedra dura e minérios para a produção de utensílios e armas. Por volta de 3100-2900 a.C., quase dois mil anos após o início da ocupação efetiva e construção dos pequenos sistemas de irrigação, a Baixa Mesopotâmia estava já urbanizada, apresentando quatorze cidades mais importantes que subordinavam outras menores e numerosas aldeias. Trata-se da maisantiga região do mundo a urbaniza-se. Portanto, constitui-se na única região que efetuo por si só o processo de urbanização sem dispor de modelos externos a que se pudesse referir. Ao longo de milênios, a região 3 precisou buscar soluções para os problemas novos que fossem surgindo, enquanto o modo de vida urbano vai se delineando e se consolidando. Entre o ano 5000 e 2900 a.C. a Baixa Mesopotâmia transitou de uma fase basicamente neolítica para uma época caracterizada pelo que se convencionou chamar de revolução urbana. Entre 5000 e 3500 a.C., a região conheceu a fase de Ubaid, em que o modo de vida era neolítico, com o aparecimento de cerâmica pintada, o surgimento dos primeiros objetos fabricados de cobre - a partir de 4500 a.C.-, e a construção dos primeiros santuários como o de Eridu. A fase seguinte, a de Uruk, de 3500 a 3100 a.C., caracteriza-se pelo início da urbanização, invenção da escrita e dos processos de numeração e pelo aparecimento de uma clerezia dedicada ao serviço de deus com residência nos lugares santos e exercendo um domínio sobre as comunidades rurais. A transição da civilização urbana é completada no período de 3100 a 2900 a.C., durante a fase de Jemdet-Nasr, marcada pelo desenvolvimento da organização social e de instituições político-administrativas nas cidades, que reconhecem como soberano uma grande divindade que personifica uma das forças da natureza (Enlil, o vento; Anu, o céu; Enki, a água; Ianna, a fertilidade). Ao mesmo tempo, esta fase conhece uma grande concentração de residências dos cultivadores nas planícies e o aparecimento de um grande contingente de artesãos especializados e trabalhando em tempo integral nas cidades. É a fase com a qual começou a Época Inicial do Bronze. As razões da revolução urbana na Baixa Mesopotâmia Desde o período basicamente neolítico até os inícios da urbanização e das cidades nascentes da Baixa Mesopotâmia, as populações locais tiveram que enfrentar dificuldades consideráveis e buscar soluções aos problemas em princípio intransponíveis. Contudo, foi no enfrentamento das dificuldades e na busca de soluções que a região transitou para civilizações urbanizadas com instituições político- institucionais e administrativas. O povoamento da Baixa Mesopotâmia dependia dos rios que cortam as planícies fluviais. A agricultura de chuva, típica das regiões do Levante e da Anatólia, não é praticável na região. Por outro lado, os rios se acham em vazante na parte do ano em que é preciso semear. As enchentes possuem um efeito, por um lado, fertilizador, mas, por outro lado, dá-se em épocas em que os cereais cultivados já estão crescidos e, em sua violência, ameaça levá-los de roldão juntamente com rebanhos e casas. Tinha-se, portanto, que dispor de reserva de água para os meses mais secos do ano, e de obras hidráulicas de proteção contra os efeitos das enchentes fluviais. Estas necessidades obrigaram a construção de um sistema complexo de barragens, diques, canais de irrigação e drenagem, cuja manutenção e extensão exigiram um enorme e constante esforço. Por outro lado, a Mesopotâmia tinha à sua volta estepes habitadas por nômades criadores a oeste e a leste nas montanhas. A planície fértil do Eufraste e do Tigre tinha que ser disputada com armas nas mãos aos pastores nômades que nelas tentavam se estabelecer ou, simplesmente, pilhar os assentamentos sedentários. Além do mais, em virtude da salinização causada por drenagem insuficiente e ao avanço do deserto sobre as terras cultivadas, estes últimos competiam entre si pelos recursos naturais: água, campos, bosques. Sendo a região da Baixa Mesopotâmia carente em madeira, pedra dura e metais era preciso suprir os povoamentos em expansão de materiais básicos que só podiam ser encontrados em áreas elevadas e distantes. As recentes escavações arqueológicas comprovam que, desde a fase basicamente neolítica, as comunidades locais efetuavam trocas regulares, às vezes a distâncias muito consideráveis. A questão pertinente para a história político- institucional e administrativa e de formação das 4 cidades com espaços urbanos institucionais é: quem tinha a responsabilidade de procurar soluções para os problemas apresentados acima? Ante as pressões descritas, os vilarejos da Baixa Mesopotâmia começaram a organizar órgãos colegiados e a caminhar para instituições político-institucionais com a responsabilidade de buscar soluções. Segundo Ciro Flamarion Cardoso, três instituições, sucessivas e recentes, encarregaram-se de enfrentar as dificuldades que apareceram ao longo do processo de urbanização e, depois, no período inicial da vida já totalmente urbana: órgãos colegiados com origem nas organizações tribais, que sobrevivem ao processo de destribalização; os templos, compreendidos como complexos econômicos e administrativos, além das funções religiosas; e o palácio real, também, um complexo com múltiplas funções. Ao iniciar os tempos históricos, o sul da Mesopotâmia estava dividido, então, em uma dúzia de cidades-Estados bem consolidadas e ciosas de sua independência. Já existiam em cada cidade baixo- mesopotâmica privilégios fiscais, legais e de jurisdição reconhecidos aos homens livres proprietários, integrantes do corpo de cidadãos dotados de direitos bem estabelecidos. Estes traços são compreensíveis ao se admitir a origem tribal - e, portanto local e dispersa - dos primeiros órgãos colegiados de poder que existiram nas cidades nascentes, anteriores ao surgimento das instituições centralizadoras e subordinadoras dos complexos templários e palaciais. Desde o começo do processo de urbanização, os órgãos encarregados de tomar as decisões mais importantes eram dois: o conselho de anciãos (notáveis locais) e a assembléia dos homens livres. Só com urbanização plena, por volta de 3100 a 2900 a.C., surgem os templos como complexos político-econômicos com controle sobre a administração das cidades-Estados. Mas, só em meados do terceiros milênio, é que vai aparecer o palácio real como entidade diferente dos templos, deles separada no espaço, e epicentro político-administrativo no sul da Mesopotâmia. Cada cidade-Estado do sul da Baixa Mesopotâmia compreendia três setores urbanos: a cidade propriamente dita, cercada de muralhas; uma área periférica (chamada de “cidade externa” em sumério), ocupada por residências, estábulos, campos, hortas e pomares, na qual residiam os habitantes da cidade; e o porto (fluvial na maior parte dos casos), centro da atividade comercial de longa distância e lugar de residência dos mercadores estrangeiros (não admitidos intramuros). A sede urbana controlava um território composto de aldeias, campos, bosques, pastos, e, não muitos raros, outras cidades subordinadas. Cada cidade-Estado tinha uma divindade principal que a “possuía”. O período de domínio das cidades-Estados templárias na Baixa Mesopotâmia Uma história da evolução político-administrativa da Baixa Mesopotâmia do momento em que aparece plenamente urbanizada, período de Jemdet Nasr (3100 a 2900 a.C.), até 2500 a.C. apresenta dificuldades acerca de conhecimento, no mínimo razoável, sobre as realidades políticas locais. Os textos são raros e os que se tem em mão são parcialmente legíveis e pouco informativos a esse respeito. A arqueologia é a base quase única de conhecimento direto da primeira época urbana, sendo, contudo difícil extrair dela informações precisas sobre o poder e as instituições. Um dos poucos documentos que nos fornece informações sobre os primeiros tempos da urbanização é a Lista real suméria, redigido em época bem posteriormente. O texto fala que “a realeza que desceu do céu”, pela primeira vez, antes do dilúvio e de que cinco cidades dominaram sucessivamente a cenapolítica regional “antes do dilúvio”: Eridu, Badtibira, Sippar, Larak e Shuruppak. O último rei de Shuruppak nesta longínqua fase é o herói mesopotâmico do dilúvio, Ubartutut ou Ziusudra. A arqueologia confirma uma inundação fluvial localizada na localidade onde 5 foi achada a cidade de Shuruppak, mais ou menos em 2900 a.C., podendo esta relacionada ao dilúvio da tradição mesopotâmica. As informações são mais precisas sobre a história política da Baixa Mesopotâmia para o período dinástico primitivo, ou período pré-sargônico (2900-2334 a.C.), ocasião em que “a realeza desceu do céu” depois do dilúvio. Para este período, de norte a sul, quatorze aglomerações urbanas mais importantes podem ser relacionadas: Sippar, Kish, Akshak, Larak, Nippur, Adab, Shuruppak, Umma, Lagash, Badtibira, Uruk, Larsa, Ur e Eridu. Nem todas as cidades-Estados estavam organizadas segundo um mesmo modelo. É o caso de Nippur, centro religioso de toda a região, e Sippar, aglomerado de acampamentos comerciais de tribos nômades no extremo norte da zona urbanizada. Outras aglomerações urbanas menores dependiam das principais. Outras aglomerações urbanas de tradição suméria estão situadas fora da Baixa Mesopotâmia, são os casos de: Mari, situada na margem direita do Médio Eufrates, Assur na Alta Mesopotâmia, Tell Khuera na Síria, Tell Asmar no vale do Diyala. Somadas as cidades-Estados mais importantes da Baixa Mesopotâmia e mais algumas aglomerações menores, mas de alguma importância - sedes de governadores de províncias - teremos algumas dezenas. Segundo Ciro Flamarion Cardos, no livro Sete olhares sobre a Antigüidade, a evolução político- administrativa da Baixa Mesopotâmia apresenta duas tendências persistentes ao longo do terceiro milênio a.C.: 1. um aparente predomínio das instituições templárias e de órgãos colegiados que representavam os cidadãos livres foi cedendo lugar a uma realeza cada vez mais laica e poderosa, com o palácio se constituindo numa instituição independente que acabou por superar os templos no seu grau de controle sobre recursos e pessoas; 2. ocorreu uma alternância entre fases de independência política das cidades- Estados com outras em que se deram tentativas, cada vez mais consistentes, de formação de unidades políticas mais amplas. De início, a arqueologia e os documentos mais antigos mostram a inexistência de palácios reais como estruturas separadas. O governante da cidade era chamado de en, ‘senhor’, atuando tanto como chefe secular como sumo sacerdote do deus principal (o ‘dono’ da cidade), em cujo templo residia. Embora persistisse por muito tempo a designação de en, documentos posteriores evidenciam duas outras formas de referir-se aos governantes da cidade durante o dinástico primitivo: ensi, ‘governador’, e lugal, ‘grande homem’, traduzido como ‘rei’. A relação entre os três títulos encontra dificuldades de explicação à luz dos documentos e da arqueologia. Em alguns casos, porém, o ‘rei’ dominava várias cidades e tinha sob sua autoridade os respectivos ‘governadores’. É provável que, antes de se separar do cargo de sumo sacerdote e, fisicamente, do templo, o governante da cidade era uma espécie de encarnação viva do deus principal da cidade-Estado. Era o encarregado de cerimônias relacionadas com a liturgia do deus da localidade: o casamento sagrado anual, no qual tomava o lugar do deus e se unia à sacerdotisa que representava a deusa, operacionalizando uma liturgia que visava liberar as forças da natureza. No cemitério real de Ur, até pouco antes de 2500 a.C., há comprovação da existência de uma realeza sagrada constituída de um rei e uma rainha (com o título de nin, ‘senhora’), que eram enterrados com suas riquezas e servidores ritualmente mortos. A partir de 2400 a.C., há provas de que o governante supremo deixou de ser o sumo sacerdote e do surgimento de complexos palaciais independentes do templo (Eridu, Kish e, fora da Baixa Mesopotâmia, Mari), sem, contudo, perder de todo as funções sacerdotais e a justificação religiosa do seu poder. Outras provas de que a realeza se laicizava é a manutenção pelos palácios de algumas cidades de milícias permanentes, embora não pudéssemos falar de um exército profissional, o recrutamento de milícias era 6 feito entre os dependentes do templo. Os textos de Shuruppak mencionam que o palácio real passou a manter entre 600 e 700 guardas permanentes em serviço, além de carros de guerra puxados por muares. Os fatos apontados mostram uma crescente independência da instituição real em relação ao templo, bem como em relação ao conselho de anciãos e à assembléia dos homens livres influentes das cidades-Estados. Em meados do terceiro milênio a.C. as monarquias já eram permanentes e hereditárias, se levarmos em conta que no passado elas eram eletivas. O período dinástico ou sargônico da Baixa Mesopotâmia Estas transformações reformularam em profundidade o domínio sobre as riquezas e as pessoas. O palácio real, após a sua laicização, avançou sobre muitas terras, rebanhos e outros bens dos templos, como também forçou particulares a vender-lhes terras, redistribuição de excedentes e distribuindo concessões de terras como forma de pagamento aos serviços prestados por funcionários. Exemplo deste processo é o sistema estatizante da III dinastia de Ur, no qual o palácio controlava a maioria das terras e rebanhos, o comércio exterior e boa parte da mão-de-obra, sustentada com rações aparentemente ínfimas. A partir de meados do terceiro milênio a.C., as funções dos reis mesopotâmicos aparecem com muita clareza. São funções suas: a iniciativa da construção e reconstrução dos santuários; passou a ser sua atribuição à construção e o conserto de canais, diques e reservatórios, apresentando-se como o distribuídos da 'água em abundância’; manter abertas as rotas de comércio, tanto a fluvial como a feita através de caravanas de muares, garantindo assim o fluxo de matérias-primas carentes na Baixa Mesopotâmia; manter a integridade do território e a posse dos recursos naturais. Boa parte destas funções requeria uma ação guerreira crescente ora contra as cidades-Estados vizinhas ora contra os povos estranhos a região, que ao que parece se constituiu num dos fatores fundamentais na consolidação de uma realeza independente e forte. A segunda metade do terceiro milênio a.C. é caracterizada pela alternância de fases de descentralizações com outras em se tentavam unir as cidades-Estados em unidade político-territoriais maiores. As cidades-Estados ‘possuída’ pelo seu deus, com seus cidadãos livres mais notáveis detendo prerrogativas e com um clero igualmente privilegiado, um fator político que tinha fundas raízes políticas e históricas constituía uma tendência com bases sólidas e reais. Contudo, um conjunto de cidades-Estados sob o comando único de um rei poderoso se apresentava, também, como uma tendência sólida e real, à medida que um poder concentrado podia garantir melhores as rotas comerciais do comércio de longa distância, constituir uma barreira mais eficaz aos ataques externos e a possibilidade de garantir um fluxo maior de riquezas como resultado de saques e tributos para a capital. Temos aqui, de certo modo, um conflito entre o particularismo das cidades-Estados e uma consciência étnica unitária. Entre meados do século XXV e final do século XXI a.C., é possível delinear quatro grandes fases da história política da Baixa Mesopotâmia: 1. as primeiras tentativas conhecidas de centralização do poder; 2. o império de Akkad; 3. o domínio gútion, seguido de uma volta à fragmentação política de cidades-Estados independente; 4. o ‘renascimento sumério’ e a III terceira dinastia de Ur. Na ‘estela dos abutres’, o ensi de Lagash, Eannatum (2454-2425 a.C.),relata sua vitória sobre a cidade-Estado vizinha de Umma, em função de disputas de fronteiras. a seguir fala de vitórias sobre os lemaitas estabelecidos em parte de Sumer e de expedições ao Elam. Ele chegou também a obter a realeza de Kish e enviar expedições militares ao norte (Mari). Posteriormente, Lagash conheceu um novo período de vitórias contra Umma sob o domínio do seu sobrinho Entemena (2404-22375 a.C.), que teria feito alianças com o rei de Uruk e Ur, então reunidas sob um único governo. A seguir, a Baixa Mesopotâmia foi 7 controlado em termos político, sucessivamente, por Uruk, Adab e Mari. Já na cidade de Lagash, dois sacerdotes de Ningirsu tomaram o poder e avançaram sobre as propriedades dos templos, com as suas famílias submetendo a população local a vexames e extorsões. Esta situação só foi interrompida pela ação e reformas do ensi Urukagina (2351-2341 a.C.), que teve a sua carreira interrompida pela expansão do ensi de Umma, que depois de instalado em Uruk e Lugalzagesi (2340-2316 a.C.), fez-se rei de Sumer e Akkad e tendo ainda, mesmo que passageiramente, dominado a Mesopotâmia e a Síria, avançando até o Mediterrâneo. Foi após este período que se formou o primeiro império na região, o de Sargão I de Akkad (2334- 2279 a.C.). A origem de Sargão é obscura, inicialmente ele teria prestado serviços ao rei Urzababa de Kish, tendo aparentemente destronado-o. Após dezenas de guerra venceu Lugalzagesi e outros governadores da Baixa Mesopotâmia. Dominou toda a Mesopotâmia e seus arredores imediatos e, de forma menos direta, parte da Síria, Ásia Menor regiões costeiras do golfo Pérsico. Para capital do império fundou uma nova cidade, Akkad - até hoje não localizada pelos arqueólogos. Tanto no campo de batalha como no institucional, Sargão I e seus de sucessores imediatos dispensaram enormes esforços para a estabilização do império. Entre os esforços de consagrar a unidade política da região está o de Sargão ter inaugurado o costume de nomear as filhas do soberano supremo da Mesopotâmia como chefe do clero do deus lunar de Ur na tentativa de aproximar-se do sul sumério. Por outro lado, membros da família real e outros acadianos foram nomeados governadores de cidades e províncias, embora em certos casos se mantivessem os governantes originais. Ainda com o propósito de manter o controle da administração do império, o rei ampliou as dependências e capacidade de serviços do palácio real e da burocracia a ele ligado, com o acádio, ao lado do sumério, assumindo o status de língua administrativa. Ante o trabalho de grande organização, especialmente no Elam e na Assíria, o exército foi muito ampliado e modificado, baseando-se, agora, não mais na falange, mas em arqueiros seguidos por uma infantaria mais leve do que no passado. Contudo, Sargão e os seus sucessores tiveram de lutar contra o separatismo das cidades-Estados e contra a pressão crescente dos montanheses do Elam e dos Zagros (llullubi, gútions), bem como de grupos tribais de pastores da síria. No interlúdio seguinte, algum ponto da Baixa Mesopotâmia conheceu o domínio dos gútions e várias cidades-Estados reassumirem a sua independência. No período 2141-2122 a.C., o ensi Gudea de Lagash fomentou importantes construções sagradas em sua cidade, obras de arte e a expansão do comércio para o exterior, compondo ainda, em sumério, um belo hino religioso. Após a vitória sobre os gúntions pelo ensi de Uruk, Utuhegal (em 2120 a.C.), o governador de Ur, Urnammu, assumiu os títulos de rei de Ur, de Sumer e Akkad, fundando a III dinastia de Ur, capital do império que durou entre 2112-2004 a.C. É desta época a construção da torre de degraus ou ziggurat para servir de base a um santuário, tornando-se por excelência o símbolo da arquitetura da Mesopotâmia. Seus sucessores empreenderam esforços na construção de uma realeza divina, declarando-se deuses, para a qual construíram templos em que estátuas do soberano reinante recebiam cultos. O filho e sucessor de Urnammu, Shulgu (2094-2047 a.C.), na metade do seu reinado tentou controlar a situação a leste, guerreando nos Zagros, e, depois, utilizando-se do expediente de casar sua filha com um dos governantes elamitas, o que não impediu de novas guerras com o Elam. No seu apogeu, o império chegou a compreender a Mesopotâmia, a maior parte do Elma e algumas cidades da Síria e Fenícia (Ebla, Mari e Biblos). 8 A principal característica da III dinastia de Ur está em ter tentado um sistema administrativo coerente e homogêneo na Baixa Mesopotâmia. Separou-se o poder civil do militar, entregando tais postos a funcionários. Em algumas áreas periféricas foram mantidos os governantes de extração local, mas mesmo nelas tendeu-se a processar o que se vinha operando nas outras partes do império: a substituição dos governantes locais por funcionários do rei. Para tornar mais ágil a administração e a segurança do império foram criadas um sistema de guarnições, correio (mensageiros reais) e aberto e/ou melhorados as vias de comunicação da região. A economia era gerada, sobretudo pelo palácio, apesar do comércio externo tenha sido feito em proveito dos altos funcionários e de comerciantes comissionados. Além de prata e rações, os grandes funcionários recebiam terras estatais em usufruto e outras vantagens. Foi também instituído um sistema judiciário que recebeu grande atenção, tendo o fundador da dinastia publicado uma série de precedentes ou julgamentos típicos (as ‘leis de Urnammu’) com o objetivo de regular as relações dos cidadãos com os Estado e demonstrar que o monarca cumpria a sua função de promover a justiça nos territórios sob sua administração, com o império arcando com os custos e nomeação dos juizes. Após o reinado de Shulgi, os reis de Ur investiram muitos recursos e esforços na conquista e na organização do Elam, tentando bloquear as investidas que no passado haviam derrubado o império de Akkad e, por conseguinte, devolvendo a Lagash a sua importância. Contudo, eram agora, sobretudo os pastores tribais amorreus (ou amorritas) que ameaçavam a oeste o império. Ao mesmo tempo, os particularismos locais debilitavam a unificação. Antes mesmos de desaparecer, o império foi divido em três partes: a oeste, uma zona de rebelião, sob o comando de um ex-governador nomeado por Ur, Ishbierra de Isin conseguiu se por à frente dos amorreus; a nordeste, um reino com a capital em Larsa, sob o comando de Naplanum, provavelmente de origem semita; ao sul, reinava o último rei da III dinastia, Ibbisuem (2028- 2004 a.C.), sobre Ur e parte do Estado de Lagash. No ano de 2004 a.C., os elamitas, aliados aos su (ou sua), povo dos Zagros, destruíram e saquearam Ur, levando cativo, para o Elam, o último rei da III dinastia de Ur. O período de domínio dos grandes Estados na Baixa Mesopotâmia Logo após a queda de Ur, uma dinastia instalada em Isin recolheu com sucesso a herança do império sumério. Sob a hegemonia de Isin, os elamitas foram expulso e a economia da Baixa Mesopotâmia permaneceu estatizada, com os monarcas mantendo cuidadosamente os padrões tradicionais da realeza suméria. O sumério foi mantido como língua oficial e floresceu literariamente, embora a maioria da população falasse línguas semíticas e o sumério já tivesse desaparecido como língua viva. Um dos reis de Isin retomou a tradição de publicar coleção de preceitos legais ou precedentes judiciários, o chamado ‘código de Lipitishtar’ (1934-1924 a.C.). Desde meados do século XX a.C., os reis de Isin legislaram no sentido reformista de abolição das injustiças sociais e econômicas devido às dificuldades profundas na região, ligadas às dívidas e ao avanço dos interesses e atividades privadas. Contudo, por detrás da hegemonia de Isin,escondia-se uma considerável dispersão do poder, principalmente com continuação da entrada maciça de amorreus. Uma dinastia amorrita, estabelecida em Larsa, surgiu como nova força na região com o rei Gungunun (1932-1906 a.C.), tomando Ur ao rei de Isin e abrindo uma longa disputa pela hegemonia da região. Esta disputa parece estar ligada, por um lado, ao controle do comércio do golfo Pérsico, e, por outro lado, a tentativa de uma das duas cidades de controlar o sistema de canais da Baixa Mesopotâmia. A luta quase permanente entre Isin e Larsa teve como conseqüência a pulverização do poder na região, criando a oportunidade do surgimento de diversas dinastias de chefes amorreus, os quais, 9 apoiados em suas tribos, tornaram-se reis de Kish, Uruk, Sippar e outras. Uma destas dinastias se estabeleceu por volta de 1894 a.C. em uma localidade mencionada desde a época do império de Akkad, mas sem grande importância no passado, de Babilônia. Hammurapi foi o sexto rei amorita da Babilônia (1792-1750 a.C.). Cerca de uma década depois de ter subido ao trono, na mesma época em que caía o Primeiro Império Assírio, Hammurapi encontrou um certo equilíbrio de poder na Mesopotâmia, estabelecido entre si e Larsa e os demais governantes vitoriosos nos anos anteriores (Rimsin, vencedor de Isin, Ibalpiel de Eshunna, Zimrilim de Mari). Entre o quinto e décimo primeiro ano de seu reinado, Hammurapi tratou de aumentar o seu pequeno território inicial com a ocupação de Isin, Malgium e outras cidades. Após estes sucessos militares, voltou-se, durante quase vinte anos, para a fortificação de cidades, até que, a partir do vigésimo nono ano do seu reinado, começou a avançar decisivamente, aliando diplomacia a operações militares limitadas, mas muito bem calculadas. Depois de vencer cidades ou coalizões de cidades, passou a dominar toda a região da Baixa Mesopotâmia, do reino de Mari ao vale do Diyala, estabelecendo ainda uma hegemonia sobre a Alta Mesopotâmia e passageiramente sobre o Elam. Consolidado o seu domínio e hegemonia, Hammurapi se declarou ‘rei das quatro regiões do Universo’, sem buscar se divinizar. O Império Paleobabilônico assim criado foi efêmero. Já sob Samsuiluna (1749-1712 a.C.), filho e sucessor de Hammurapi, o território já havia sido reduzido em boa parte e, sob outros soberanos, até o fim da dinastia em 1595 a.C., não cessou de diminuir. Hammurapi na prática surge como um dos grandes soberanos de sua época. Contudo, muitos historiadores tendem a situá-lo em uma categoria à parte pelo seu ‘código’ - o mais extenso e importante documento em língua acádia -, cuja descoberta em 1901-1902 permitiu iluminar um período pouco conhecido da histórica mesopotâmica. Por outro lado, o seu reinado começou a importância da cidade da Babilônia como metrópole política, econômica, religiosa e cultural da Baixa Mesopotâmia. Na estrutura administrativa do Império de Hammurapi encontramos remanescentes das cidades- Estados primitivas como a assembléia dos homens livres gozando de plenos direitos (puthum) e o conselho de anciãos (shibutum), existente em cada cidade. Prevalecia o princípio de que cidadão estava vinculado, primeiramente, à sua cidade: ‘filhos da cidade’ (maru alim). No entanto o tais órgãos colegiados só tinham certas funções judiciárias e funcionavam como corpos assessores do ‘prefeito’ (rabianum) da cidade. Inspirado no sistema administrativo instalado por Shamshiaddu da Assíria, décadas antes, Hammurapi instalou nas cidades maiores um governador ou um lugar-tenente (shakanakum), superior aos prefeitos mencionados. Os coletores de impostos (makisu) garantiam o fluxo de tributos (cereais, gado, metais preciosos). As corvéias eram requisitadas para diversas atividades civis e militares. O palácio real, centro da administração do império, compreendia múltiplos escritórios povoados de escribas, permitindo a Hammurapi manter uma correspondência muito copiosa e constante com os seus subordinados. Admitia-se o apelo direto ao monarca em matéria judiciária ou administrativa. As funções públicas e as militares eram remuneradas com a concessão do usufruto de terras públicas a indivíduos ou a grupos: tanto aos serviços quanto à terra concedida aplicava-se o termo ilkum. Os grandes comerciantes - tamkarum - conduziam negócios do Estado e os próprios, sendo vigiados por superintendentes da administração pública (uaki tamkari). Contudo, os serviços dos grandes comerciantes só podiam ser realizados com o recebimento de um documento do rei que autorizava aos mesmos ou aos seus subordinados fazerem expedições mercantis ao exterior. O Código de Hammurapi parece ter sido uma proclamação da justiça real para servir como 10 exemplo e precedente, mas com limitado poder de força de lei. As medidas decididas pelo rei que ‘estabeleciam a justiça’ (misharum) tinham mais poder de força de lei que o próprio código, principalmente quando intervinham esporadicamente no sentido de anular as dívidas e a servidão (temporária) por dívidas em que caíam pessoas nascidas livres. Como codificação e reforma legal, uma tentativa de unificar o direito durante o seu reinado, O Código de Hammurapi foi precedido por outros códigos e conjuntos de leis na Baixa Mesopotâmia, como o código de Lipitishtar (1934-1924 a.C.), as leis reformistas de Urukagina de Lagash (2351-2341 a.C.) e as leis da III dinastia de Ur (2112-2004 a.C.). Mesmo com conhecimento da limitação da força de lei do Código, ele se revela como o mais extenso, importante e um dos mais completos documentos da Baixa Mesopotâmia para o conhecimento de certos aspectos da economia, vida social, relações sociais, religião, estrutura social, estrutura familiar e de certos costumes. O Código de Hammurapi é dividido em prólogo, corpo legal e epílogo. Logo nos primeiros parágrafos do prólogo é nítida a tentativa de legitimar o Código através da reverência e da consagração divina. A seguir, no seu corpo legal, é possível vislumbrar os seguintes aspectos: a compensação pecuniária que fosse julgada insuficiente podia ser recorrida para revisão junto ao soberano, chegando até a aplicação rígida da pena de talião; intervenção no domínio econômico, com estabelecimento de preços correntes e salários e a manipulação do padrão de valor; consagração da desigualdade social a nível jurídico-social a partir da legitimação jurídica de três classes sociais (Awilum, Muskenum, Wardum); legitima e regula as operações do tamkarum. Por outro lado, o Código atuava como moderador das tensões sociais ao estabelecer empréstimos abaixo da taxa autorizada, ajudar os indivíduos submetidos à servidão por dívida a adquirir a liberdade, instituir o perdão das penas. No entanto, muito destas decisões dependiam das medidas deliberadas pelo rei, que ‘estabelecia a justiça’, e não eram de aplicação automática pelas instâncias jurídicas existentes. Como fonte de conhecimento histórico, o Código nos permitiu identificar a existência de três classes, pelo menos ao nível jurídico-social: o awilum, homem livre que gozava de plenos direitos políticos (funcionários, escribas, sacerdotes, profissionais independentes, comerciantes e soldados de patente), mas com diferenças sociais entre os seus membros; o muskenum, homem livre de status inferior e intermediário entre o awilum e o wardum, compreendendo grande parte da população (pequenos arrendatários, pastores, camponeses, saldados de patentes mais simples, libertos) e os indivíduos que trabalhavam como jornaleiros; o wardum, integrantes de uma camada ínfima da sociedade e com sorte dependente da vontade de terceiros, compreendiam indivíduos submetidos à servidão, os servos por dívidas e os escravos, sendo que o Código estabelecia diferença entre osescravos (a escrava que dava filhos no lugar da esposa era privilegiada e os escravos de guerra eram os mais explorados), o limite máximo do tempo de trabalho por dívida, o indivíduo submetido à servidão ou escravidão podia casar com o(a) filho(a) de um homem livre e que os filhos do deste casamento eram livres. O Código ainda estabelece sanções do crime segundo a classe da vítima. Por fim, a partir do Código de Hammurapi é possível observar a existência de uma estrutura familiar com bases no sistema patriarcal. Mesmo a poligamia sendo permitida, o casamento monogâmico era reconhecido e só valia para a primeira mulher do homem que optasse pela poligamia, ficando esta com plenos direitos. O pai escolhia a esposa para o filho e pagava uma espécie de dote, o terhatum, sendo que nas famílias mais ricas, além do terhatum, pagavam o biblum. A esposa levava consigo para o casamento um dote, o seriktum, que era sua propriedade durante o matrimonio, destinado-o aos filhos após a 11 sua morte ou levando consigo quando voltava para a casa dos pais caso o contrato matrimonial fosse rompido. Havia ainda o costume de filiação adotiva entre as famílias. No ano de 1595 a.C., uma expedição hitita derrubou a primeira dinastia da Babilônia e conseguiram se estabelecer na cidade por um breve tempo, fundando a II dinastia da Babilônia, em cujo governo foi sucedido por reis cassitas ( III dinastia da Babilônia) a partir de 1570 a.C. Mais tarde, no final do segundo milênio a.C., a região foi controlada pelo Império Assírio, até que no século VII os caldeus restabeleceram a domínio da Babilônia sobre a região, fundado o Império Neobabilônico. Neste tempo todo, a estela do Código de Hammurapi circulou por diversos lugares até se perder, só sendo recuperado no início deste século e só assim nos permitindo ter um conhecimento mais confiável tanto sobre o período de Hammurapi como sobre as épocas anteriores das regiões de Sumer e Akkad. Queda do Império da Babilônia e a época kassita*** O Império da Babilónia irá afundar-se durante os dois últimos reinados da primeira dinastia babilónica. Quatro inimigos o assaltaram, um após outro: os Semitas, das regiões marítimas da Suméria; os Elamitas, dos montes Zagros; os Hititas, vindos do norte; e, por fim, os criadores de cavalos kassitas que viviam ao norte do Elam. A vitória coube às tribos marítimas que se apoderaram do Sul do império e aos kassitas que se estabeleceram no Centro e no Norte da Babilónia. O rei kassita Gandash aí fundou uma dinastia. Os seus sucessores submeteram a parte meridional do país. A dominação dos kassitas durou até o ano 1165 antes da nossa era. Descendo das montanhas e tornando-se senhores da Babilónia, os Kassitas instalaram-se aí em comunidades de clã. Após se terem apoderado de vastas regiões despovoadas e dizimadas pelas invasões e pelas guerras, eles passam rapidamente à agricultura sedentária, utilizando as técnicas dos Babilónios. Os reis kassitas apoiam-se sobre as suas próprias milícias, mas encontram também aliados entre os sacerdotes da Babilónia, sobretudo os da cidade santa de Nippur. A época kassita divide-se em dois períodos. Durante o primeiro, até cerca do último quartel do século XV antes da nossa era, o país restabelece-se das terríveis devastações e da ruína econômica. São empreendidos grandes trabalhos para reparar a rede de irrigação das águas, reconstruir os diques e construir novos reservatórios. No fim do século XV antes da nossa era começa o segundo período, durante o qual a vida econômica se desenvolve intensamente. Estabelece-se um comércio regular com o Egito e outros países, o que impele os reis kassitas a melhorar as rotas das caravanas, empregando grandes esforços para as defenderem dos ladrões assaltantes. Ao mesmo tempo continuam a construir-se templos. As comunidades kassitas desagregam-se e por esse fato consolida-se a propriedade privada das terras Os reis gratificam «perpetuamente» os seus senhores com terras obtidas daquelas comunidades (na maior parte kassitas). Os decretos reais de alienação e de gratificação são geralmente inscritos em pedras chamadas kudurru, colocadas nos limites dos terrenos em questão. As dimensões destes novos domínios são bastante maiores do que no Antigo império da Babilónia (vão de 20 a 200 hectares); mas o seu número é sem dúvida muito inferior ao do tempo de Hammurabi. O desenvolvimento da economia real e privada é devido à espoliação das comunidades e dos seus membros, a custo restabelecidos da guerra e da ruína. A restauração do comércio real pressupõe um recrudescimento da opressão, do mesmo modo que a erecção de novos templos gera um agravamento da obrigatoriedade do trabalho braçal em benefício do Palácio. A alienação dos bens comunitários é uma autêntica pilhagem feita aos aldeões, que nada recebem em troca, pois o pagamento, se o há, é 12 recebido pelos anciãos. Este estado de coisas beneficia os usurários. As suas operações de rapina tornam- se tão descaradas que alguns entre eles tomam à risca a cobrança dos impostos reais e roubam, sem piedade, a população. Aumenta o descontentamento das comunidades e, em 1345 antes da nossa era, dá- se uma sublevação. As «gentes kassitas» revoltam-se contra o rei Karahindash, matam-no e colocam no seu lugar um homem obscuro. Os dignitários e os sacerdotes, incapazes de vencerem os insurrectos pelos seus próprios meios, pedem o auxílio do rei da Assíria, que sufoca a rebelião pelo sangue e restabelece a dinastia kassita. Estes antagonismos internos debilitam o poder monárquico. Em meados do século XIII antes da nossa era, o império kassita é invadido e devastado pelos Assírios. O rei da Assíria Tukulti-Inurta I penetra na Babi- lónia, dizima o exército kassita, saqueia Babilónia e coloca lá um governador. Mas a Babilónia recupera em breve a sua independência, favorecida por revoltas internas que se produziam na Assíria. No século XII antes da nossa era, o país sofre a invasão dos Elamitas. Em 1165, despovoado e arruinado, o império cai nas mãos de um senhor da cidade de Isin, que destronou o último rei kassita e fundou a IV dinastia babilónica. Desde então, e até à queda da Assíria, a Babilónia passa por um longo período de decadência política. (*) O presente texto é uma resenha realizada a partir de alguns textos pertinentes (vide bibliografia abaixo) à história da Baixa Mesopotâmia. Portanto, trata-se de uma sistematização de questões, de teses, de trechos de ensaios e de informações das obras consultadas, organizados em forma de texto para uso nas aulas de História Antiguidade. (**) Texto organizado pelo Prof. Luís Manuel Domingues, Professor de História Antiga do Departamento de História da UNICAP. (***) Este texto foi extraído de DIAKOV, V. e KOVALEVE, S. História da antiguidade. A sociedade primitiva. O Oriente. Lisboa: Editorial Estampa, 1976, pp. 155-157. (v. I) 13 A Assíria e o primeiro ensaio de império no Antigo Oriente Próximo Por Luís Manuel Domingues do Nascimento Os rios que formam a planície aluvional mesopotâmica - o Eufrates e o Tigre - nascem nas montanhas da Anatólia. O primeiro depende das neves derretidas na primavera e de dois afluentes da margem esquerda (Balikh e Khabur); o segundo, das chuvas da região dos montes Zagros e de numerosos rios tributários (os dois Zab, o Diyala e o Karum). Em termos geológicos, a Mesopotâmia é uma depressão formada pela junção, no Plioceno, da placa teutônica da Arábia com a da Ásia Ocidental, que posteriormente foi recheada de sedimentos aluviais depositados pelos dois grandes rios. Tomando como limite o ponto do seu curso médio onde o Eufratese o Tigre mais se aproximam um do outro, é possível considerar duas sub-regiões: a Alta Mesopotâmia, a noroeste, e a Baixa Mesopotâmia, a sudeste. A primeira é mais elevada, menos propícia à irrigação e, em parte, adequada à agricultura de chuva (no planalto assírio, a leste) ou à criação (Assíria, mais a oeste), contendo, ainda, ricos recursos florestais. A Baixa Mesopotâmia é pouco servida pelas chuvas, baixa, muito plana e potencialmente fertilíssima - dependendo de um sistema de irrigação artificial para conter as destruíções das cheias e da drenagem que evite a salinização -, mas de todo carente de madeira, pedra e minérios. A terra fértil formam bacias entremeadas que são propícias para o gado, sendo que os vales fluviais são cercados, para oeste e para leste, por outras faixas estépicas freqüentadas por pastores. Como na Anatólia e na região Sírio-Palestina, a ocupação permanente na Alta Mesopotâmia por aldeias neolíticas plenamente sedentárias, comunidades que baseavam sua subsistência numa agropecuária estável e não mais na caça, na pesca e na coleta de plantas selvagens, ocorreu no período de 9000 a 7000 a.C., enquanto que a ocupação por cultivadores da Baixa Mesopotâmia - potencialmente fértil, mas pouco adequada a agricultura de chuva - só tem início, de forma esporádica, entre 6000 a 4500 a.C., por cultivadores oriundos dos maciços do Curdistão e dos Zagros. Só a partir do 5º milênio, a planície aluvial do Tigre e do Eufrastes será ocupada permanentemente por grupos de cultivadores oriundos do leste, introduzindo mudanças importantes na atividade agropastoril e preparando o longo caminho que conduziu ao modo de vida urbano na região. As primeira menções aos governantes na Alta Mesopotâmia, mais especificamente na Assíria, estão contida numa lista real assíria que menciona em primeiro lugar dezessete reis ‘que viviam em tendas’. A julgar pelos nomes, parecem que eram chefes tribais hurritas e amoritas. No entanto, a história dos assírios está diretamente relacionada a cidade de Assur, localizada as margens do Tigre, que tem o nome do seu deus. A partir do século XX a.C., a cidade passou a ser independente e capital de um reino assírio mal conhecido que foi se expandido durante a primeira parte deste século, até então tinha sido o centro de poder dos acádios e depois de Ur na Alta Mesopotâmia. No reinado do monarca Ilushuma, meados do século XX a.C., empreendeu uma campanha militar vitoriosa, mas sem maiores conseqüências, na Baixa Mesopotâmia. Do fim desse século, e sobretudo do século XIX a.C., até aproximadamente 1780 a.C., a cidade de Assur passou a explorar por sua conta a grande rota comercial ao longo do seu rio e atingir uma riqueza que a sua agricultura não podia lhe fornecer. Nas feitorias comerciais assírias, instaladas na Ásia Menor, junto a cidades e fortalezas de principados locais, foram encontrados arquivos dos mercadores assírios (as famosas Placas da Capadócia) onde estão informações sobre caravanas de muares carregadas de estanho (proveniente do Elam) e de tecidos de Assur que se dirigiam à Anatólia, onde estavam as feitorias assírias, 14 e voltavam à Alta Mesopotâmia carregadas de ouro, prata e cobre. Tratados que protegiam cada feitoria e lhe garantiam certa autonomia administrativa eram negociados entre o reino assírio e os numerosos principados anatólicos. Através destas feitorias, o soberano da Assíria, modestamente se dizia sumo sacerdote de Assur, transmitia as ordens do seu governo e oferecia proteção aos principados locais. No final do século XIX a.C., e início do seguinte, deu-se uma breve expansão que é conhecida como Antigo Império Assírio, sob Shamschiaddu (1813-1781 a.C.). Filho mais novo de uma dinastia amorita que reinava na região do Alto Habur, no médio Eufrates, este monarca começou a carreira destronando o sumo sacerdotes de Assur (1813 a.C.) e toma nesta cidade o título real até aí reservado ao deus. Tentou então uma incursão militar, sem maiores conseqüências, até o Mediterrâneo. Mais tarde, aproveitando-se do assassínio do rei de Mari, Iahdun-Lim, apodera-se da grande cidade e domina então toda a Alta Mesopotâmia, do Tigre ao Eufrates, subordinando também os reinos de Akkad e diz ser rei do universo. Em seguida, dividiu o poder com dois filhos seus, um instalado em Mari e o outro em Ekallatum, cidade do médio Tigre. Os três governantes tiveram sérios problemas com os nômades, particularmente numerosos, à volta de Mari. Três grupos nômades são mencionados nas fontes: haneus, ben-iamina e suteus. Os heneus formavam, junto com os acádios, a população mais numerosa do médio Eufrates e viviam em acampamentos e aldeias com chefes próprios. Estavam integrados às estruturas estatais organizadas, mantendo relações estáveis com o governo, sujeitando-se aos censos, pagando tributos e fornecendo soldados para o exército. Os ben-iamina do Klabur e do Eufrates tanto resistiam tenazmente às tentativas de dominá-los e explorá-lo, que tinha o objetivo de sedentarizá-los, como também se aliaram sempre que possível aos inimigos dos assírios. Os suteus aparecem nas fontes como bandidos saqueadores de cidades e caravanas, sendo constantemente reprimidos. Os três monarcas assírios mantiveram boas relações com os reinos e principados da Síria - ajuda militar, garantias de pastagens, concessões de mineração, trocas de presentes -, mas relações difíceis com as tribos a oeste, ao norte e a leste da Assíria; mas tiveram como principal adversário o reino de Eshnunna, que no passado chegou a dominar por algum tempo a Assíria. Depois da morte de Shamshiaaddu, o Antigo Império Assírio se desagregou. Mari voltou aos herdeiros da antiga dinastia amorrita; as colônias assírias na Capadócia desapareceram com a unificação do país pelos príncipes hititas; a própria Assíria caiu sob a hegemonia da Babilônia em meados do século XVIII a.C.; depois desta, a dinastia amorrita é expulsa de Assur, com o território sendo reduzido a pouca coisa e disputado entre usurpadores efêmeros. No fim do século XII a.C., a Assíria encontrava-se numa penosa defensiva face as incursões dos arameus, que efetuavam pilhagens, reduziam a população a condição de cativos, levavam rebanhos e, não raramente, destruíam e queimavam cidades e aldeias. Os habitantes refugiavam-se nas montanhas, despovoando as cidades. A seguir veio um outro inimigo: eram as tribos que viviam na atual Armênia, à volta do lago Van e ainda mais ao norte. Os assírios chamavam-lhe urartianos (Urartu). No século X a.C., os arameus se estabeleceram entre o Tigre e o Eufrates e avanço sobre a Assíria diminuiu. Já no fim deste século a Assíria havia reestruturado o seu reino e passou a ofensiva contra os adversários de então. São empreendidas campanhas contra os arameus, alternadas com incursões no Urartu e nos Zagros. Desde então, calcado num forte movimento nacional e na qualidade potência emergente do Oriente Próximo, os exércitos assírios vão todos os anos cobrar tributos nas cidades submetidas. Caso no ano seguinte as cidades deixassem de pagar os tributos, eram consideradas 15 como rebeldes ao deus Assur e ao rei da Assíria e tudo era permitido contra elas, dando lugar ao saque e a operações militares com um caráter de atrocidades até então desconhecido. Com efeito, o temperamento nacional, a inquietação de um povo sem fronteiras naturais, habitando uma região que foi palco de diversas incursões de povos migrantes e governantes desejosos de expandir seus domínios, e o desejo de vingar das crueldades cometidas pelos pastores arameus foram os fatores que criaram entres os assírios uma cultura de atrocidades e ódio para com todos os outros não-assírios. Mas, por outro lado, raramente os reis assíriosdo século IX a.C. se atentaram para a idéia de anexar as cidades vencidas. Com Assurnatsirapli II (884-859 a.C.), são intensificadas as campanhas militares. Depois de 876 a.C, ele força a passagem do Eufrates e avança sobre as cidades hititas, arameias e fenícias do norte da Síria, chegando até Tiro. A todas as cidades submetidas exige tributos e aquelas que conseguiram manter uma resistência prolongada foram saqueadas e destruídas, com a sua população sendo massacrada. Um exemplo clássico desta ação é a cidade de Dirra, que segundo um relato do próprio Assurnatsirapli II, foi submetida ao saque e destruída, com os seus habitantes sendo objeto das mais variadas atrocidades (empalamentos, decepção de membros do corpo, cremação e extermínio em massa). O seu filho Shulman- asharedu III (859-824 a.C.) anexa o Bit Adini (reino arameu na passagem do Eufrates), submete os hititas e ataca os arameus; mas é feito prisioneiro na batalha de Qurquar, junto a Hamat (853 a.C.), por uma coligação sob a direção de Damasco. Ainda em 841 a.C., os assírios voltam a Síria e impõe tributos à Israel. Contudo, os hititas e arameus continuam a revoltar-se, e logo que os assírios a abandonam os seus países recuperam a sua soberania. Os lucros das pilhagens são utilizados basicamente no embelezamento de Calu, capital desde Assurnatsirapli II. A cidade é composta de palácios com decorações e mobiliários que mostram os caracteres permanentes da arte assíria, totalmente consagrada à glorificação do rei, o grande sacerdote do deus Assur, escolhido durante um milênio numa família sagrada. O rei é representado conforme o tipo étnico e na função de sumo sacerdote dos deuses, com os relevos mostrando ele recebendo tributos, caçando animais, banqueteando-se em honra dos deuses e derramando a libação sobre os cadáveres. Há também figuras com cenas de guerra. Por outro lado, são raras as representações do deus Assur, o deus do império, em nome do qual se fazem todas as guerras. Só em alguns santuários rupestres aparece com um aspecto humano, já nos palácios aparece apenas, na parte superior de algumas cenas, os símbolos tradicionais de Assur: a espada ou disco alado, de onde emerge por vezes o busto do deus. A arte assíria produz sobretudo baixos-relevos esculpidos no ortoestatos que disfarçam a base de muros de tijolos. A um tratamento estereotipado dos membros do corpo humano, principalmente das pernas e dos braços, só ocorrendo originalidade e exatidão na representação de animais. Um progresso na composição será verificado durante o reinado de Tukultiapilesharra III (746-727 a.C.), mas será durante o reinado de Assur-ban-apli (659-627 a. C.) que os relevos de um grande palácio de Nínive atingiram o máximo da escultura assíria. Também, durante o reinado deste governante, será construída a Biblioteca de Nínive, que chegou a reunir mais 5000 placas com uma antologia da literatura e da adivinhação de Sumer e da Babilônia. A estatuária, praticada após o século IX a.C., é pesada e convencional. Os afrescos manifestam um gosto artístico mais seguro. Por fim, os soberanos assírios colecionam marfins retirados aos povos submetidos ou trabalhados na Assíria por deportados ou nativos formados localmente no trabalho com o marfim. No fim do reinado de Shulman-asharedu III, os seus filhos envolvem-se numa guerra civil pela sucessão do trono. O vencedor Shamshi-Adad VI (824-810 a.C.) é obrigado a fazer concessões à 16 grande nobreza, com o seu representante se tornando inamovíveis nos seus cargos de altos funcionários e de governadores e exercendo um controle mais estreito sobre a sucessão real, sobre o governo central e sobre a redistribuição dos lucros das pilhagens. Na prática, são os altos funcionários, na primeira metade do século VIII a.C., que passam a dirigir o império assírio, evidenciado pela fundação de cidades com nomes de altos funcionários e a ausência de menção aos reis assírios nas suas inscrições. Irritadas com o poderio das grandes famílias e pela política de distribuição dos lucros das pilhagens, as revoltas da população se multiplicam no país, provocadas, basicamente, pela pequena nobreza sem poder e bens e pelos homens livres despossuídos. Este quadro político levou a um enfraquecimento da Assíria, permitindo a Urartu (séculos IX-VII a.C.) aparecer em primeiro plano na região como um novo e forte Estado. É com Tukultiapilesharra III (746-727 a.C.) que tem início uma série de reformas que restituem todo o vigor à Assíria. A multiplicação de cargos áulicos e dos governos provinciais enfraquece a alta nobreza, aumentando os seus efetivos. No exército são criados corpos permanentes, recrutados entre escravos e os vencidos de véspera, que tendem a substituir as milícias locais, ficando os assírios só aparecendo nas tropas especiais (fortificações, carros, cavalaria). A cavalaria passa a substituir os carros de guerra como tropa de choque, ficando os carros para o transporte das tropas. A sua política externa passa ser conseqüente: intervenção sistemática nas disputas dinásticas e nas guerras locais; campanhas conduzidas para o esmagamento do adversário; deportações locais com o objetivo de quebrar as unidades culturais e políticas locais. A nova fase de conquistas e expansionismo assírio é redefinido em seus objetivos. Se até então o propósito maior era garantir um fluxo de riquezas, através de saques e da imposição de tributos, redistribuído entre o poder central e os altos funcionários e a grande nobreza, a conquista de terras passa a ter como propósito o de anexá-las ao Estado assírio. Com isto, foi possível fazer uma redistribuição de terras de terceiros entre os assírios sem posse e criar espaços políticos e condições de obtenção de riquezas e de status à pequena nobreza. Ao mesmo tempo, a distribuição do fluxo de riquezas para o centro do império foi redefinido de forma a atender a subsistência de setores não beneficiados até então com os saques e tributos. Em outras palavras, o imperialismo assírio vai se caracterizar pela conquista e domínio de regiões que garantam recursos básicos para sua existência e proporcionar um suprimento de bens de todos os tipos, objetivando ainda a obtenção de territórios que seriam administrados e distribuídos entre os assírios. A partir de 743 a.C., os assírios dão início a uma fases de conquistas, invadindo o norte da Síria e expulsando os urartenses desta região. A população local, após algumas revoltas, é deportada e o país passa a ser governado por assírios. Em seguida, o Egito (734 a.C.) e Damasco (733 a.C.) são ocupados. Na outra extremidade do Oriente Próximo, os assírios ocupam o norte dos Zagros até o centro do Irã (737 a.C.), criando uma linha defensiva contra as invasões dos medos. Na Baixa Mesopotâmia, aproveitando-se da anarquia política local, os assírios tomam a Babilônia (729 a.C.). Com a chegada ao poder de Sargão II (722-705 a.C.), após algumas perturbações na sucessão, os assírios voltam-se para defesa dos domínios ameaçados pelos faraós, esmagando o rei arameu de Hamat e fazendo recuar o exército egípcio no delta do Nilo. Igualmente é a preocupação de Sargão II em proteger as suas fronteiras setentrionais ameaçadas pelo reino de Urartu e Mita, tendo derrotado estes dois reinos, respectivamente, em 719 e 714 a.C., o que permitiu se expandir e anexar a região da Capadócia. Finalmente, em 710 a.C., é retomado o domínio da Babilônia , que havia sido tomada pelo chefe caldeu 17 Marduk-apla-iddin, e vencidos os arameus, deportados em seguida para garantir a paz na região. No início do VII a.C., os assírios pareciam caminhar para a constituição de um domínio universal no Antigo Oriente Próximo e adjacências. Contudo, já nas primeiras décadas desteséculo o ensaio de um império universal mostrava a sua impossibilidade. Segundo Godofredo Goossens, o império era demasiadamente vasto para o povo que o deve manter e administrar; a Assíria se esgotou ao querer manter domínios como a Síria e Babilônia, pois por trás dos rebeldes destas regiões estavam o interesse e o apoio estratégico de Estados poderosos, o Elão e o Egito; os reis assírios se fixaram neste dois objetivos, relegando a um segundo plano a pressão dos povos migrantes e nômades. Poderíamos ainda acrescentar outros fatores como: a capacidade de conquista e de repressão não foram acompanhadas por uma estrutura administrativa e burocrática que pudessem gerir os territórios dominados; a política de deportações e o uso sistemático de atrocidades como instrumento de dominação criou entre as mais diversas etnias, culturas e formas políticas o consenso da necessidade de reagir e aniquilar o império assírio. Após Sargão II, Sin-ahe-eribe (705-681 a.C.) , que transferiu a capital para Nínive e a dotou de numerosos edifícios e enormes aquedutos, teve problemas para manter os domínios sobre a Babilônia e dificuldades para reprimir as rebeliões dos fenícios e dos palestinos. O mesmo foi assassinado por dois filhos seus que disputavam a sucessão, seguindo-se uma guerra civil. Assur-ah-iddin (681-699 a.C.), outro filho de Sin-ahe-eribe, finalmente chega ao trono e manifesta a ansiedade de seguir a política de conquista de seus predecessores, decidindo conquistar o Egito, mas os preparativos da empreitada é inviabilizada pelas revoltas de Sidon e Tiro. Ao mesmo tempo, os nômades da Grande Estepe invadem o Oriente Próximo. Assur-ah-iddin, após muito esforço, consegue deter os nômades e retomar o controle sobre as cidades fenícias e a região do delta do Nilo. Mesmo assim, em 669 a.C., os exércitos egípcios reaparecem no delta. A última fase de expansão assíria foi durante o reinado de Assur-ban-apli (659-627 a.C.). Conhecido como administrador e homem letrado, o soberano assírio quase não abandona a capital (Nínive) e delega o comando dos seus exércitos. Primeiramente, os seus exércitos restabelecem a dominação sobre o Egito, depois volta-se para disputas contra o reino do Elão e os arameus pelo controle da Babilônia, retomando-a em 648 a.C. Contudo, já a partir de 652 a.C., a Assíria tem de se defender de uma coligação de povos (elamitas, árabes, cidades sírias, reis da Babilônia, e, posteriormente, medos, cimérios e citas, estes dois últimos povos oriundos das Grandes Estepes). Os sucessores de Assur-ban-apli têm que fazer frente a um duplo ataque ao seu império. De um lado, a ofensiva da coligação comanda pelos medos, do outro lado, o do rei Nabuapla-utsur, que fundou na Babilônia a dinastia caldeia (626-539 a.C.). Aos poucos o território do império assírio volta a se restringir ao do reino da Assíria, mas a ofensiva avançam sobre o próprio território assírio, com as capitais do reino sucumbindo uma a uma (Assur, 614 a.C., Calu e Nínive, em 612 a.C.) e os destroços do exército assírio fogem para o Ururtu. Os métodos impiedosos dos conquistadores assírios voltam-se contra eles mesmos; as sua cidades queimadas já são apenas um amontoados de tijolos. A Assíria com a sua política de anexações e deportações realizou na prática uma unificação e fusão cultural das populações do Antigo Oriente Próximo, que desde então passam a caminhar para a constituição de uma cultura comum. Enquanto os medos continuavam acampados na Alta Mesopotâmia e logo depois tiveram que regressar para o Irã para fazer frente aos problemas políticos internos, a herdeira da Assíria passou a 18 ser a dinastia caldaica da Babilônia, fundada em 626 a.C. Os reis da Babilônia empreendem campanhas de conquistas à Síria e a Palestina, dominando a região durante o reinado de Nabu-kudur-utsur II (605-562 a. C.). Contudo, foram obrigados a fazer incursões contra Tiro (Fenícia) e o reino de Judá (Palestina), submetendo a população local a deportação, para fazer frente as revoltas que aí explodem com o apoio do Egito, que o exército babilônico tentou várias vezes invadir. Os empreendimentos militares são, contudo, limitados e a Babilônia, após cinco séculos de insegurança, volta a conhecer finalmente um período de paz, que vai possibilitar a região se torna a mais evoluída e rica da Ásia Ocidental à época. A população que emprega o aramaico, o acádio da Babilônia e o cuneiforme continuam a ser a língua e a escrita dos escribas, que continuam a redigir os seus anais e a colecionar presságios. No século VI a.C., são aperfeiçoados os métodos de observação e de cálculos astronômicos. Mas a civilização neobabilônica é celebre pelos trabalhos de Nabu-kudur-utsur II na grande cidade da Babilônia. Em primeiro lugar, o rei se preocupou em proteger a capital contra um ataque dos medos, mandando construir um muro e barragem no istmo entre o Tigre e o Eufrates; depois , a capital foi cercada por uma muralha com 8 e 18 km de perímetro; as duas metades de Babilônia separadas pelo Eufrates estão apenas ligadas por uma ponte cujas traves são retiradas todas as noites. Na cidade da Babilônia são construídos o palácio da cidadela com os seus jardins suspensos, o palácio de Verão, o pavilhão da Festa de Ano Novo, o templo de Marduk revestido de ouro, de mármore e de lápis-lazuli, a sua zigurat de sete pisos, monumento de 90 m de altura. Da Assíria, a arte babilônica herdou o gosto pelo colossal, mas a nova concepção religiosa proíbe a representação de cenas históricas ou culturais e limita as figuras aos animais simbólicos (dragão de Marduk, auroque de Adad, leão de Ishtar) em relevos de tijolo esmaltado cujos frisos adornam os lugares santos (porta de Ishtar, muralhas dos templos e muros da via das procissões). Embora menos extenso, o império babilônico é mais frágil do que o dos assírios. Após a morte de Nabu-kudur-utsur II, em 562 a. C., a sucessão é motivo de uma revolução no palácio. Só em 556 a.C., os chamados ‘fazedores de reis’ escolhem Nabu-naíd como soberano. Este se volta para a restauração de cultos e templos e termina por perder toda a autoridade sobre a Babilônia. Ante o avanço das tropas persas, comandadas pelo rei Ciro, o reino neobabilônico escolhe a defensiva para conter o avanço destes. Contudo, em 539 a.C., a Babilônia cai sob os golpes de Ciro e finda o reino neobabilônico. Os anos seguintes serão marcados pela expansão e conquista persa de todo o Antigo Oriente Próximo. A vitória persa foi sem dúvida facilitada pelas guerras e pelas deportações assírias que, desde o século IX ao VI a.C., enfraqueceram a consciência dos povos e prepararam assim o terreno para um império que será mais vasto e menos contestado que o da Assíria. 19 O Egito Antigo* Texto organizado por Luís Manuel Domingues do Nascimento** 1. A paisagem geográfica do Egito Atualmente, sabe-se que a disposição geral da paisagem geográfica do Egito não mudou nos últimos 25.000 anos; já então como no período histórico, os pântanos de papiros e os lagos cobertos de lótus e caniços, com sua fauna de hipopótamos, crocodilos e aves aquáticas, cobriam uma pequena parte do país. Em termos climáticos, porém, as mudanças foram maiores. No Holoceno, na fase subpluvial neolítica (mais ou menos 5500-2350 a.C.), algumas partes dos atuais desertos ainda abrigavam uma fauna numerosa e variada e a vegetação da estepe podia sustentar rebanhos, atraindo caçadores. A ocupação humana compreendia uma faixa de cinco a seis quilômetros de distância, de cada lado do rio. A própria planície inundável do rio Nilo atraia animais aquáticos dos bosques marginais e das estepes para beber, que eram perseguidos pelos caçadorese pescadores. Em linhas gerais, o regime do rio Nilo era caracterizado por cobrir anualmente a sua planície aluvional. Sua hidrografia é uma das mais regulares e previsíveis do que a de outros rios sujeitos as cheias anuais. Suas cheias dependem das monções climáticas e do derretimento das neves na atual Etiópia durante o verão; e das chuvas equacionais e bianuais no que são hoje Uganda e Tanzânia. A cheia ocorre, no Egito, entre julho e novembro, para em seguida as águas da inundação recuarem e o rio diminuir o seu nível paulatinamente, sem nunca secar totalmente. Com os transbordamentos, os sedimentos mais pesados são depositados junto às margens, formando-se em ambas as margens diques naturais ou levées, que ficam acima do nível da planície aluvional. Os sedimentos ou aluviões mais leves, altamente fertilizantes, são carregados e depositados nas margens a medida que as águas se espraiam e diminuem a sua velocidade. A planície nilótica do Egito é do tipo convexo, sendo naturalmente inundável e drenável. A água das enchentes penetram, através de pequenos canais naturais ou por pontos mais baixos das levées, em bacias naturais. Quando as águas voltam ao seu nível normal, as águas acumuladas nas bacias voltam ao leito normal do rio através de uma série de correntezas naturais. No delta, o rio abre-se em leque, correndo por numerosos braços. Como a inclinação do terreno e a força da correnteza são menores, os sedimentos mais pesados não podem ser depositados em grande quantidade. Nesta área, as levées são mais baixas, e as bacias podem tornar-se pântanos ou lagos perenes com maior freqüência. Desde o Paleolítico, utilizando-se dos diques naturais ou levées para residência, a ocupação humana mais densa se deu junto ao Nilo. Durante o Neolítico, após o escoamento das águas, as bacias serviam para plantar cereais, dispensado o trabalho de regá-los. O gado pastava na pradarias verdejantes que se formavam naturalmente ou nos pântanos. As levées eram cobertas de bosques de sicômoros, acácias, tamarindos e salgueiros. Já nestes, as chuvas não eram suficientes para a agricultura. De 3300 a.C. até mais ou menos 2200 a.C., houve uma queda radical da pluviosidade e, como conseqüência direta, uma redução drástica da flora e da fauna na ex-estepes, transformada finalmente em deserto. Ainda neste período, secaram-se os pequenos rios tributários do Nilo. Recentemente, constatou-se que o rio Nilo mudou muitas vezes de leito, e que, além das flutuações curtas, houve fases mais longas com tendências a cheias, seja de nível decrescente (durante todo o terceiro milênio a.C. e no período entre 1200 e 900 a.C.), sejam muito altas ou as vezes catastróficas (entre 1840 e 1770 a.C. e entre os séculos IX e VII a.C.). 20 A pesca e a caça eram atividades essenciais. A coleta objetivava plantas como o papiro, os juncos e os caniços. A caça era prática nos pântanos marginais do vale, nos tremedais do delta e no deserto, posteriormente, nos tempos históricos, tornou-se menos essencial economicamente, mas provia um complemento alimentar e animais para a domesticação. A pedra para construção, as pedras semipreciosas, as pedras duras para ferramentas e os minérios eram fornecidos pelas colinas que delimitam o vale a oeste e a leste, pela parte oriental do deserto da Arábia e áreas da península do Sinai. O sílex era extraído em todo o vale. O ouro vinha do deserto da Arábia. Já o cobre era extraído no mesmo deserto e no Sinai. Da região da Núbia vinha ouro, ametistas e pedra dura para construção. A importação de minério adicional aos trabalhos de metalurgia e outras atividades eram trazidos de diversas fontes fornecedoras: o lápis-lazuli vinha do atual Afeganistão através do Oriente Próximo; o cobre de Chipre; o estanho da Ásia; a osidiana da costa da Etiópia e da Somália; o arsênico vinha da Ásia; a madeira era importada do Líbano, especialmente o cedro. Não se sabe ao certo quando teve início as expedições marítimas realizadas pelos egípcios, mas sabe-se que não muito tardiamente elas eram feitas no Mediterrâneo e no Mar Vermelho. A navegação no rio Nilo dava-se em condições muito favoráveis: a correnteza fluvial no sentido sul-norte e as velas para aproveitar o vento constante no sentido norte-sul proporcionavam um excelente meio de comunicação durante o ano inteiro. Já para a comunicação terrestre, dentro e fora do país, os caminhos eram raros e o transporte era feito de burro até a difusão do dromedário, já no primeiro milênio a.C. 2. Questões acerca do povoamento do Egito e a sua ocupação e colonização Dentre os grandes problemas acerca da história do Egito, talvez o que mais tenha suscitado polêmica a partir da década de 50 foi a questão do povoamento. Baseado no estudo de ossadas, muito escassas e mal distribuídas - basicamente localizadas no Alto Egito -, três teorias quanto ao povoamento egípcio partiram de noções raciais - ou similares - e se defrontaram a partir de meados deste século. A primeira, sem levar em conta os estudos de F. Falkenburger, que a partir da análise de crânios afirmou existirem, já no quarto milênio a.C., na população egípcia, em proporções parecidas, três grupos de habitantes: negroides, mediterrâneos e mestiços ou pessoas similares ao homem de Cro-magnon, retomou uma tese do século passado que afirmava que a população egípcia antiga era fundamentalmente caucasóide ou branca: os ‘hamitas’ou ‘camitas’. Diametralmente oposta é a teoria proposta por Chikh Anta Diop e Théophile Obenga. No calor do pan-africanismo dos anos 50, estes autores afirmaram que: “O Egito faraônica, pela etnia de seus habitantes, pela língua dos mesmos, pertence totalmente, dos balbuceios neolíticos ao fim das dinastias arqueológicas, ao passado humano dos negros da África” (...) As duas posições polares se apegam de forma inaceitável a noção de raça. Uma terceira teoria, desenvolvida por Francois Duma, afirmou serem os egípcios antigos o resultado de uma mescla de pessoas de pele escura oriundas do sul do vale do Nilo com outras de pele mais clara que vieram do Saara, da Ásia Ocidental e talvez restos de populações pré-histórica da bacia do Mediterrâneo, sem que haja condições de precisar que camadas étnicas representam esses tipos anatômicos. O problema desta teoria é o de ainda insistir em correlacionar os supostos grupos étnicos da mescla as ‘raças humanas’. Pois hoje está cada vez mais evidente o quanto é estéril e que não existem meios unívocos e comprováveis de correlacionar determinados tipos anatômicos a idéia de ‘raças humanas’ ou a cor da pele. Sabe-se hoje que o caráter fundamental africano do povoamento e da cultura do antigo Egito 21 é essencial, mas sem se recair na discussão inútil sobre peles mais claras ou mais escuras. Tem-se também a convicção de que o Neolítico foi o período de mais fortes migrações povoadoras em direção ao vale do Nilo, e que população egípcia absorveu, permanecendo estável em suas características e sem mudar muito, as diversas migrações posteriores nos tempos históricos. Por fim, a descrença de serem os ‘hamitas’ou ‘camitas’ algo mais do que um grupo lingüístico, negando-lhes qualquer conotação racial. Só no fim do quarto milênio a.C., a agropecuária superou as atividades extrativas no vale, e posteriormente, na região do delta. A economia agrícola já existia desde o sexto milênio a.C. em concorrência com o extrativismo. Contudo, a riqueza dos recursos naturais aproveitada em forma de caça, pesca e coleta vegetal era tanta, na planície fluvial do Nilo e nas estepes depois substituídas pelo deserto, que pode ter retardado o desenvolvimento da agricultura. Os primeiros sinais de agricultura aparecem em sítios arqueológicos do extremo ocidental do
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