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CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 1 Serviço Social Estado e Serviço Social no Brasil Aula 1 Professora Carla Andréia Alves da Silva Marcelino CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 2 Conversa Inicial Olá! Seja bem-vindo à primeira aula da disciplina “Estado e Serviço Social no Brasil”, que tem como foco alguns temas oriundos das Ciências Políticas. Trabalharemos a partir de agora as concepções de Estado e de sociedade, que serão a base para os estudos das próximas aulas, quando procuraremos entender a formação do Estado Liberal, do Estado de Bem-Estar Social e também a formação do Estado no Brasil. Primeiramente, faremos aqui uma diferenciação entre a Ciência Política e a Sociologia Política e trabalharemos alguns conceitos-chaves em teoria política, focando principalmente no Estado e nas relações de poder inerentes a ele. Para encerrar, trabalharemos de forma bastante pontual três autores que podemos considerar terem sido os mais importantes para a formação do pensamento e da teoria política moderna, com maior ênfase para Nicolau Maquiavel, o qual é considerado um grande clássico das Ciências Políticas por sua forma peculiar de analisar o Estado (embora não trate dele diretamente) e o exercício do poder de quem está à frente deste Estado. Os outros dois autores que trabalharemos serão G. F. Hegel e I. Kant. É importante ressaltar que não são apenas esses os autores clássicos das Ciências Políticas. É necessário fazer referência também aos chamados “contratualistas”, como Locke, Hobbes e Rousseau, que ganharam um destaque a mais nesta área e serão estudados na aula 2. Antes de começar, acesse o material on-line e confira a videoaula introdutória da professora Carla! CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 3 Contextualizando A atualidade de temas tratados nos clássicos das Ciências Políticas é latente, em especial dos escritos de Maquiavel, que por vezes parecem ter sido produzidos sob inspiração e análise fiel do comportamento de muitos governantes que existem em nossos dias, no Brasil e no exterior. Para Maquiavel, a política é dotada de uma ética diferente da ética chamada por ele de “cristã” e, por isso, para esse autor, muitas vezes é necessário que o “príncipe” haja de forma mais rude para atingir um objetivo ou proteger o Estado, entendendo essas ações como eticamente justificáveis. Para iniciar a discussão a respeito desse assunto, acesse o link a seguir e leia a reportagem “Um dia triste para os professores do Paraná”: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/um-dia-triste-para-os-professores-do-parana- 506.html Acesse o material on-line e confira o vídeo da professora Carla, que apresenta a contextualização a partir da reportagem que você leu. Pesquise Tema 1 – Ciência Política e Teoria Política A Ciência Política é um ramo, uma especialidade dentro das chamadas Ciências Sociais. Vocês devem estar se perguntando: mas se estamos no Bacharelado em Serviço Social, por que estudar sobre conceitos das Ciências Sociais? Como vocês já devem ter visto, o Serviço Social, apesar de produzir conhecimentos próprios da área, não se caracteriza como uma ciência, por isso buscamos nossos fundamentos, em especial teórico-metodológicos, nas correntes clássicas das Ciências Sociais, tais como a de origem marxista ou a positivista, já em desuso na nossa área. As Ciências Sociais são as áreas de conhecimento que se dedicam ao estudo da gênese, do desenvolvimento e da organização das sociedades. O CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 4 cientista social: Pesquisa e analisa os fenômenos, as estruturas e as relações existentes nas organizações sociais, culturais, econômicas e políticas; Analisa os movimentos e os conflitos sociais, a construção das identidades e a formação das opiniões, costumes e hábitos; Investiga as relações entre indivíduos, famílias, grupos e instituições. Para dar conta de uma gama tão grande de áreas de estudos, as Ciências Sociais se dividem em três grandes áreas, cada uma delas com as suas especificidades de estudo e seus métodos de pesquisa e análise diferenciados: Sociologia: é o maior dos ramos das Ciências Sociais e se dedica a investigar as estruturas e a dinâmica das sociedades, levando sempre em conta os processos históricos de transformação das organizações sociais. Antropologia: dedica-se ao estudo das diferentes culturas humanas, realizando estudos etnográficos, de comportamentos, costumes e características comuns a determinados grupos sociais. Ciência Política: é a que nos interessa mais neste momento, pois se dedica a analisar os sistemas, as instituições políticas, as políticas públicas, a organização da política e o comportamento político. Acesse o material on-line e confira a videoula da professora Carla. Ela vai estabelecer a diferenciação entre Sociologia Política, Sociologia da Política, Filosofia Política e Ciência Política. Acesse o link a seguir e confira um interessante texto que traz mais informações sobre a definição de Ciência Política: http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/sociologia/ciencia-politica.htm CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 5 A teoria política está dentro da Ciência Política e se dedica a estudar o pensamento, a filosofia e a história da construção de conceitos clássicos em política, por meio de autores do Século XV até os dos dias atuais. Em nosso próximo tema, veremos um pouco sobre os temas centrais em teoria da política clássica. Tema 2 – Temas Centrais em Teoria da Política Clássica Como já dissemos, a Ciência Política se ocupa do estudo das instituições, dos sistemas e das organizações políticas, em especial dos estudos sobre o Estado. As análises comuns à Ciência Política são normalmente pautadas no empirismo, ou seja, na observação científica da realidade social. Porém, não é possível fazer uma análise que se diga de fato científica sem que tenhamos como base conceitos ou ideias-chaves, que deem luz às nossas análises. Neste sentido, a teoria política se ocupa da construção de conhecimentos e conceitos a partir da filosofia política, a qual tem seu início marcado nos primeiros estudos dos filósofos gregos, tais como Platão e Aristóteles. Ela ganhou força efetivamente após o Renascimento e o movimento Iluminista, no qual se tem os primeiros ensaios de teoria política que não perpassavam por questões metafísicas nem pela lógica da moral cristã, dando um novo lugar ao estudo da política. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 6 Teixeira Junior (2009) explica a diferença do objetivo da política com o decorrer do tempo: Para os filósofos gregos Garantir a justiça para com os cidadãos da polis. Para Maquiavel e os demais autores que o sucederam na época moderna (séculos XVII, XVIII e início do XIX) Estabelecer o papel do Estado e garantir a manutenção deste Estado e dos governos. Para os autores contemporâneos Ocupa-se mais do estudo das organizações políticas e do comportamento político, sendo mais voltada à observação da realidade e à coleta de dados, valendo-se de registros, questionários e métodos que visam construir teses sobre o funcionamento das instituições políticas atuais. Como nosso objetivo neste tema é tratar da teoria política clássica, vale elencarmos aqui os principais temas que permearam essas teorias com os autores modernos: Constituição e manutenção da ordem pública; Contrato Social; Separação das esferas pública e privada; Divisão entre os poderes. Acessando o material on-line você tem acesso à videoaula da professora Carla. Ela vai explicitar cada um dos temas centrais em teoria política citados acima. Não deixe de conferir! Para saber mais sobre as teorias políticas, sugerimos a leitura do artigo “Filosofia da Teoria Política: Alguns Momentos”, de José Geraldo Teixeira Junior. Acesse o link a seguir e confira: http://200.17.141.110/periodicos/cadernos_ufs_filosofia/revistas/ARQ_cadernos _5/geraldo.pdf CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 7 Tema 3 – Autores Clássicos em Teoria da Política: Maquiavel Nicolau Maquiavel (1469-1527) foi filósofo, político, artista, poeta, músico, historiador e diplomata italiano. Nasceu em Florença, local onde viveu quase toda a sua vida. Antes de falarmos da obra de Maquiavel e de seu significado para a teoria e às ciências políticas, é necessário que contextualizemos a sociedade em que viveu esse pensador. Ele nasceu num período chamado de Renascentismo ou Renascimento, o qual marcou uma grande revolução na Europa no campo das artes, das ciências e da filosofia. Antes de prosseguir a leitura, acesse o material on-line e confira o vídeo da professora Carla, no qual ela explica o que foi o Renascentismo e o Absolutismo. O período em que Maquiavel viveu foi marcado pelo principado da família Médici na região de Florença e da Toscana italiana. Tratava-se de uma família muito abastada, patrona das artes e das letras na região, tendo como principal expoente Cosimo Médici, um banqueiro que conquistou o poder em Florença em meados do século XV. Usando seus recursos para “apadrinhar” a classe média florentina e financiar as artes e as ciências, os Médicis ganharam poder e apoio e se transformaram numa dinastia que durou quase 300 anos, segundo os historiadores. Conforme Lopes (2009), ícones da arte renascentista (como Donatello, Fra Angelico, Michelangelo, Leonardo da Vinci, Boticelli e Rafael) e cientistas (como Galileu Galilei e Evangelista Torricelli) foram favorecidos pelo mecenato dos Médicis em algum momento da vida. Na época, a Itália era aberta e republicana, sendo que o governo dos Médicis trabalhou arduamente para ruir as instituições republicanas, tornando-se um governo autoritário, muito similar ao absolutismo, consolidado anos mais tarde. Maquiavel, por suas posições políticas, chegou a ser preso por um dos descendentes de Cosimo Médici e, depois de solto, viveu em exílio, tendo CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 8 falecido pobre e sem nenhum cargo político. É importante fazer essa contextualização pois ela influenciou muito a principal e mais polêmica obra de Maquiavel, a qual se mantém atual se analisarmos o modus operandi dos governantes até os dias atuais. Estima-se que “O Príncipe” tenha sido escrito por volta de 1513 e sua primeira publicação datou de 1532. Para a grande parte dos autores contemporâneos, a obra de Maquiavel inaugurou a teoria política moderna ou, ao menos, ficou no limiar dela. “O Príncipe” inova na área porque foi o primeiro tratado sobre o Estado na concepção do termo entendido nos dias de hoje, tratando-o como é de fato e não como deveria ser, como faziam alguns autores e filósofos que o antecederam. Em seus escritos, a grande inovação fica por conta da defesa de que a ética cristã, propagada até então, não deveria ser a orientadora das ações do governante, colocando a política, a nosso ver, num campo diferente do da religião e da moral cristã. Observe o diagrama abaixo que explica essa distinção: Ética cristã Ética política Salvar a alma e fazer o bem. Salvar a cidade, manter o poder do estado e ser mau quando necessário. Maquiavel chocou o meio em que vivia em seu tempo, principalmente a igreja católica. Isso porque em sua obra, como dissemos, o autor descreve, de forma muito clara e objetiva, conselhos e orientações para que o príncipe mantenha o controle e o poder do Estado. Entre eles os mais famosos são: Se um governante quiser se manter no poder terá que mentir e usar “máscaras”; Crueldades são necessárias, mas devem ser “bem usadas”; É melhor ser temido do que ser amado; O mal, quando necessário, deve ser feito de uma só vez e de forma CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 9 irreparável, enquanto o bem deve ser feito aos poucos, para que as pessoas não esqueçam dele tão rapidamente. Por essas e outras máximas, o autor chegou a ser intitulado na época de “filho do demônio”, sob acusações severas de negar a religião e os seus preceitos morais. Por isso a vinculação de seu nome ao termo “maquiavélico”. Atenção: o termo “maquiavélico” é de uso coloquial e tem tom pejorativo, vinculando alguém àquilo que é mau e cruel. Nas Ciências Sociais, quando estamos nos referindo a algo sobre Nicolau Maquiavel e seus pensamentos, utilizamos o termo “maquiaveliano”. Acesse a Biblioteca Virtual, por meio do Único, e procure pelo livro “O Príncipe”, de Nicolau Maquiavel. A leitura dele é muito importante para continuidade dos estudos. Isaiah Berlin (2002), filósofo contemporâneo, o qual acreditamos ter feito a mais completa análise sobre a obra de Maquiavel e sobre seus comentaristas, relata que existem cerca de vinte significados diferentes da obra desse autor, sendo os mais recorrentes: “O Príncipe” foi uma ode ao absolutismo; A obra teria sido um alerta velado contra o absolutismo; Tinha interesses políticos, já que buscava agradar aos governantes europeus; Queria agradar aos Médicis para sair da prisão; Teria escrito o livro como uma sátira, pois o autor não poderia ter querido dizer o ele disse literalmente; “O Príncipe” era apenas uma tabulação de tipos de governo e de governantes e um manual de diretrizes para se manter no poder. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 10 Autores modernos, importantes no seu tempo, não deixaram de comentar a obra do italiano, entre eles Spinoza, Bacon, Hegel e até Marx e Engels. Sugestão de leitura: “Estudos sobre a humanidade” de Isaiah Berlin (São Paulo: Companhia das Letras, 2002). Nas páginas 299 a 348 há um texto que trata da originalidade de Maquiavel. Ainda segundo Berlin (2002), Maquiavel revoluciona a teoria política porque traz algo completamente inédito, diferente do que os demais pensadores haviam desenvolvido até então. Diferentemente dos demais filósofos, o autor não traz questões relacionadas às leis naturais, tampouco elementos da teologia cristã, como pecado, redenção ou salvação. Embora muitos digam que Maquiavel negou a religião em sua obra, Berlin (2002) afirma que além de não a negar, ele deu a ela uma importância fundamental: de manter a coesão e a solidariedade entre os homens, dando um valor social à religião. Segundo Berlin (2002, p. 307) “o enfraquecimento dos laços religiosos é uma parte da decadência e corrupção gerais; não há necessidade de que a religião se baseie em verdade, desde que seja socialmente efetiva”. Na mesma linha, Berlin (2002) também defende que Maquiavel, como é acusado pela grande maioria de seus comentaristas, não separou a ética da política ou criou uma política sem ética. Para o autor, Maquiavel apenas se pautou pelo fato de que a ética cristã não pode ser orientadora da ação política do governante, pois seria incompatível. Para Maquiavel, os homens são naturalmente maus, ingratos, volúveis, mentirosos, covardes e gananciosos e precisam ser governados para seremcontrolados em seus instintos. Para governá-los com soberania, o príncipe não deve ser bom o tempo todo. Ou seja, em uma análise rasa, um príncipe bom poderia facilmente ter seu poder tomado pelos homens. Dessa forma, para se manter, era necessário também ser mau. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 11 Explicando o ponto central da obra maquiaveliana, Berlin (2002, p. 314- 315) diz que: O que Maquiavel distingue não são valores especificamente morais de valores especificamente políticos; o que ele faz não é emancipar a política da ética ou da religião [...], o que ele institui tem um impacto ainda mais profundo – uma diferenciação entre dois ideais incompatíveis de vida e, portanto, duas moralidades. Uma é a moralidade pagã: os seus valores são a coragem, o vigor, a fortaleza na adversidade, a realização pública, a ordem, a disciplina, a felicidade, a força, [...]. Contra esse universo moral [...] coloca-se em primeiríssimo lugar a moralidade cristã. Os ideais do cristianismo são a caridade, a misericórdia, o sacrifício, o amor, o perdão aos inimigos, o desprezo pelos bens desse mundo, a crença na salvação da alma individual. Assim, ainda utilizando a referência de Berlin (2002), um príncipe teria que escolher entre uma das duas moralidades, pois na prática de governo elas são incompatíveis. Dessa forma, o príncipe que escolhe a moralidade cristã está fadado ao insucesso como governante. Porém, é interessante que seus governados pratiquem a ética cristã, pois “escolher uma vida cristã é condenar- se à impotência política: ser usado e esmagado pelos poderosos” (BERLIN, 2002, p. 316). Desta forma, é importante reforçar que Maquiavel defendia que o príncipe precisava ser mau quando necessário, mentir, dissimular e não se pautar pelo bem cristão, mas pelo agir bem, ainda que pautado nas regras pagãs. Assim, defendemos que Maquiavel não separou a política da ética, mas construiu uma ética política, ainda que isso possa ser questionado por muitos autores modernos e contemporâneos. Esta ética política, seguindo a linha de Berlin (2002), não é oposta à ética cristã, mas faz parte de uma senda diferente. Uma coisa é certa para Maquiavel: o Estado e a religião são coisas bastante diferentes e estariam em paralelo. Aí mora a grande originalidade da obra desse autor. Assim, inaugurando uma forma insipiente de enxergar o Estado, Maquiavel o traz como um aparato necessário para impor e manter a ordem, impedindo a desordem que levaria os homens de volta à barbárie. Para manter esse poder, o governante precisa muitas vezes lançar mão de meios nem CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 12 sempre tidos como “bons” para chegar ao objetivo final: a manutenção do poder, do Estado e da ordem. Curiosidade: é importante saber que Maquiavel nunca disse a célebre frase comumente atribuída a ele: “os fins justificam os meios”. Essa é uma afirmação apreendida do conteúdo de sua obra por seus analistas e comentaristas, mas o autor de fato jamais usou esta máxima em seus livros. Acessando o material on-line você confere a videoaula da professora Carla, com mais informações sobre o livro “O Príncipe”. Laurentiis e Silva (2011) afirmam que é possível que Maquiavel tenha formulado a primeira teoria realista da política, na qual o autor “anunciou o reino da ciência moderna, que converte a natureza em matéria, de direito plenamente manipulável” (STRAUSS, apud LAURENTIIS E SILVA, 2011, p. 298). Ele segue afirmando que não se pode julgar sua principal obra, “O Príncipe”, como sendo uma obra moral ou imoral, mas que devemos vê-la com um livro técnico. Os autores acima citados são enfáticos ao afirmar que Maquiavel nos deu as bases para a construção da teoria política moderna a partir do momento em que criou uma tese contraposta ao humanismo pautado na ética e na moral, recorrente até então. Além de não utilizar padrões metafísicos para construir a sua teoria política, Maquiavel também não trabalha com parâmetros abstratos, o que torna a sua obra inovadora para sua época e sempre atual. Assim, para encerrarmos esse tema, reafirmamos a importância de Maquiavel para a teoria política moderna e até mesmo para a contemporânea, utilizando a afirmação de Laurentiis e Silva (2011, p. 301): Esta contraposição aponta para um ponto de inflexão no pensamento político: foi justamente a partir da perspectiva crítica e prática defendida por esse autor que noções como a unidade do poder político e o imperativo da preservação da ordem pública puderam ser construídos. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 13 Tema 4 – Autores Clássicos em Teoria Política: Kant Immanuel Kant (1724-1804) é um filósofo prussiano (antiga Prússia, hoje incorporada ao território alemão) que se destacou no movimento Iluminista, o qual teve como centro a Europa. No Iluminismo, apregoou-se o domínio da razão como orientadora da ação humana, em detrimento aos preceitos de caráter metafísico, tais como a religião. Foi o período do desenvolvimento e da valorização das ciências. Neste contexto iluminista, Kant tornou públicas várias obras, entre as principais está “Crítica à Razão Prática”, “Crítica à Razão Pura”, “A Paz Perpétua” e “Ideia de Uma História Universal”, sendo que sua teoria política fica mais explicitada na obra “Fundamentação da Metafísica dos Costumes”, publicada pela primeira vez em 1785. Kant não chegou a cunhar diretamente uma teoria sobre o Estado ou formalizar um conceito sobre ele. É consenso entre grande parte dos comentaristas deste filósofo que a concepção de Estado e de seu papel passam obrigatoriamente pela compreensão do que era o direito. Para esse autor, existiam dois tipos de leis: as da natureza (que versam sobre os assuntos da física) e as da liberdade (que tratam da ação livre dos homens). Em Kant, a liberdade do homem está na sua ação autônoma, totalmente orientada pela razão. Toda sua teoria sobre a moral está pautada nesta autonomia humana, neste agir livre de cada homem, no fazer a sua vontade orientada racionalmente. Nas teses kantianas, a moral não poderia se fundar na fé (religião), na natureza ou nas sensações, mas sim na razão humana. Essa moralidade também não poderia se fundar no conceito maniqueísta de bem e mal, de que o homem deveria agir somente em busca de um suposto “bem”. Assim, o autor funda uma nova moralidade e uma nova ética, na qual a ação do homem deveria ser pautada exclusivamente pela sua vontade. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 14 Mas como se organizaria o mundo se cada um fizesse exatamente aquilo que bem entendesse? Para dirimir esta questão, Kant define que o ser humano deve pautar a sua vontade no “agir bem”. Para dar esse limite ético à vontade humana, Kant cria o seu famoso imperativo categórico: “Age apenas segundo a máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal” (KANT apud SILVA, 2004, s/p). Ou seja, o limite ético para uma ação é que ela possa ser generalizada a todos sem causar dano nenhum à sociedade e aos outros homens. E se nem todos os homens respeitarem o imperativo categórico? Se esta moral pautada na vontade não funcionar para todos? Para resolver essas questões é que Kant fundamenta o direito, enquanto conjunto de leis que exercem uma coerção externa nos homens para garantir o exercício das liberdades de todos. Assim, Kant separa o direito da moral. Sendo a moral “a lei interna” do homem e o direito o conjunto de leis externas, que exercem coerção de fora para dentro. De acordo com Scorza (2007), Kant “cria”o seu conceito de direito fundamentando-o como sendo o imperativo que permite conciliar a convivência entre as vontades livres dos homens: “Kant enuncia, então, um princípio universal do direito, afirmando que está conforme o direito qualquer ação que possa coexistir com a liberdade de todos, de acordo com uma lei universal” (SCORZA, 2007, p. 2). Podemos aduzir que para Kant residia aí o papel do Estado, enquanto detentor do domínio de coação e coerção, utilizando-os para garantir o exercício dos direitos naturais do homem, sendo a liberdade o maior e mais importante deles. Assim, o Estado seria o guardião do direito ao exercício das liberdades individuais, lançando aí as primeiras “sementes” para constituição do Estado Liberal, sobre o qual trataremos nas próximas aulas. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 15 Importante frisar que para Kant, havia o direito privado, que regia as relações entre os homens, no âmbito particular, e o direito público, promotor da justiça e guardião dos direitos individuais. Neste sentido, Scorza (2007, p. 4) nos esclarece: O direito público é definido por Kant como um sistema legal de caráter geral estabelecido para um pouco ou multiplicidade de povos através de uma vontade unificadora representada em uma constituição a fim de estabelecer a justiça. O Estado é definido como a totalidade de indivíduos sob uma mesma condição civil e legal em relação com os membros desta totalidade. Para Kant, a forma de Estado mais adequado é o Republicano, pois as repúblicas são fundadas no princípio da liberdade dos membros da sociedade e garantem igualdade de direitos por meio de vinculação ou dependência de uma lei única, que seriam as Constituições de cada Estado ou Nação. Kant era veementemente contrário ao absolutismo. Em sua obra defendeu um Estado forte, mas com a desconcentração do poder. Neste sentido, o autor defende as teses de outro filósofo, o francês Barão de Mostesqueiu, o qual em sua obra “Do Espírito das Leis” (1748) desenvolveu a tese da separação dos três poderes. Neste sentido, para Kant, há uma regra para que o absolutismo fosse evitado: o criador das leis não pode ser o mesmo governante que executa as leis nem o mesmo que julga aqueles que transgridem as leis. Embora não utilize diretamente os termos “Poder Executivo”, “Poder Legislativo” e “Poder Judiciário”, é consenso entre os analistas e comentaristas de Kant que era a esses três poderes que o autor se referia. Certamente as teses kantianas renderiam outras discussões, mas as principais concepções do autor utilizadas na teoria política foram expostas nesse tema. É importante estabelecer uma comparação entre Maquiavel e Kant em relação ao papel do Estado: Maquiavel Kant Garantir a ordem Garantir o exercício das liberdades individuais CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 16 Acesse o link a seguir, leia o texto “O Estado na obra de Kant” e complemente seus estudos: https://jus.com.br/artigos/9580/o-estado-na-obra-de-kant Para mais informações sobre as ideias de Immanuel Kant, acesse o material on-line e confira a seguir o vídeo da professora Carla. Tema 5 – Autores Clássicos em Teoria Política: Hegel George W. F. Hegel (1770-1831), filósofo alemão que também vivenciou o período iluminista, deu sua contribuição à teoria política através de sua filosofia do direito, contida em especial na obra “Princípios da Filosofia do Direito”. É consenso entre os estudiosos da teoria política que a maior inovação trazida por Hegel para esta área foi a estruturação do conceito e da ideia de sociedade civil. Assim, enquanto para outros autores, como Maquiavel e Kant, já estudados aqui, havia a esfera particular (da vida privada) e a esfera pública (do Estado), para Hegel existiria aí uma terceira esfera: a sociedade civil. Moreira Neto (2010, p. 39-40), ao analisar a sociedade civil em Hegel, explica que: A estruturação desse mundo tem sua primeira esfera na família, cuja função consiste em satisfazer as necessidades primárias [...]. [...] quando as vontades particulares não podem mais ser satisfeitas, surge a necessidade de passar a viver fora de tal unidade. Dessa maneira, surge a esfera denominada sociedade civil (bürgerliche Gesellschaft) na qual [...] os indivíduos buscam formas imediatas de apropriação para a realização de seus desejos: a posse e a propriedade. Na mesma linha, Silva (2013) explica que para Hegel a ação humana é movida por interesses voltados à aquisição de bens específicos. Assim, o homem trabalha e produz para obter bens, mas não consegue fazê-lo sozinho, já que precisa de pessoas que produzam o que ele quer adquirir e outras que aceitem trocar aquilo que é objeto do seu interesse. Ainda segundo Silva (2013, p. 55) “a ação que conduz das necessidades CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 17 à sua satisfação gera um fluxo de nexos recíprocos entre os homens e cria um nível específico de interação e comunicação: a sociedade civil”. Assim, essa busca pela propriedade insere os indivíduos no “corpo social”, por afinidades de interesses particulares. Na esfera da sociedade civil os homens são livres para se associarem e se unirem sempre em prol de seus interesses particulares. Para Hegel, o Estado seria a terceira esfera existente, responsável pela manutenção de um direito universal de exercício da liberdade e dos interesses particulares. A essência do Estado moderno consiste na união da universalidade com a total liberdade da particularidade e da prosperidade dos indivíduos, de modo que, por um lado, o interesse da família e da sociedade civil deve ajustar-se ao Estado, mas, por outro, a universalidade da finalidade não pode progredir sem o saber e o querer da particularidade, que deve conservar o seu direito (HEGEL, apud GEORGE, 2016, p. 6). Silva (2013), Moreira Neto (2010) e George (2016) concordam que para Hegel a sociedade civil contempla a dimensão do social e o Estado a dimensão moral, da ética, já que ele é o “Estado de Direito”, o qual exerce a função de “mediar as querelas particulares movidas pelos conflitos antagônicos entre os interesses materiais que dominam a sociedade civil e superá-los em prol do interesse universal” (MOREIRA NETO, 2010, p. 40-41). Assim, o Estado seria o Estado da razão, o qual regulamenta e realiza a vida ética, garantindo o direito universal de defesa e a organização dos interesses particulares. Importante frisar que Hegel nega a concepção do Estado como contrato (veremos sobre o contratualismo em nossa próxima aula). Segundo George (2016), Hegel nega que o Estado seja constituído no contrato das vontades que deliberam sobre a melhor condição de se viver em sociedade. O mesmo autor afirma que Hegel “não admite a concepção de Estado como associação voluntária de indivíduos, fundada no contrato, mas a “unidade orgânica do povo” (GEORGE, 2016, p. 8). Ou seja, para Hegel o Estado seria algo natural CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 18 da organização social, formado para garantir o exercício da liberdade. Acesse o material on-line e confira o vídeo da professora Carla! Ela vai trazer mais informações sobre a sociedade civil e o Estado. Acesse também o link a seguir e leia um importante texto complementar, intitulado “Estado e Sociedade Civil em Hegel”, de Ricardo George Araujo Silva. http://www.uvanet.br/helius/index.php/helius/article/view/13 Trocando Ideias Como vimos, um dos mais importantes autores da teoria política, Nicolau Maquiavel, despertou ódios e paixões desde que escreveua sua obra “O Príncipe”, pois para muitos ele teria construído a ideia de que ética, moral e política não podem conviver no mesmo espaço. Agora que você sabe um pouco mais sobre a obra desse autor, entre no fórum e dê sua opinião sobre as ideias dele. Aproveite e veja o que seus colegas têm a dizer! Esse é o momento de compartilhar informações, não deixe de participar! Na Prática Imagine a seguinte situação: um governante dos dias atuais está com problemas de caixa em seu Estado devido à redução de receitas e precisa reequilibrar as contas públicas para poder seguir governando e cumprindo as promessas feitas à população. Para tanto, precisará aumentar a carga de impostos, grande parte deles incidindo diretamente no orçamento da população, como o IPVA (Imposto sobre a Circulação de Veículo Automotor) e o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços), o qual aumenta os valores de produtos básicos, como alimentos da cesta básica, combustíveis e outros itens que impactam diariamente na vida dos cidadãos. Considerando que vários impostos precisam ser reajustados e que, possivelmente, haverá um grande levante da população contra as medidas, CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 19 como deveria, segundo Maquiavel, agir esse governante para implantar tais medidas? Para responder a essa questão você precisará: Fazer uma leitura crítica da situação relatada; Ler os Capítulos XVII, XVIII e XIX de “O Príncipe”, de Nicolau Maquiavel (livro indicado no Tema 3); Descrever, segundo Maquiavel, de que forma o governante deveria implantar tais medidas para evitar a sua impopularidade. Depois de resolver a questão, confira a seguir o comentário da professora Carla: Para Maquiavel, o Príncipe deve sempre procurar ser visto como alguém piedoso, amável e bondoso. Mas nem sempre isso será possível, pois para manter os interesses do Estado muitas vezes é necessário fazer o mal ou ser cruel. Maquiavel recomenda que um Príncipe nunca deve permitir ser odiado pelos seus governados, mas sim temido. Ele deve ser amado e temido, mas quando essas duas coisas não forem possíveis, então é melhor ser temido do que ser amado. Nesta linha, o autor diz que quando o Príncipe for fazer o bem à população, deve fazê-lo aos poucos, em doses suaves, para que os cidadãos estejam sempre lembrando da benevolência do governante. Porém, quando for fazer algo ruim ou que será mal recebido pela população, o Príncipe deverá fazê-lo de uma vez só e de forma rápida, pois segundo Maquiavel os governados tendem a logo esquecer o mal feito. Neste sentido, o governante de nosso caso estudado deveria fazer um grande “pacote” de maldades, aumentar todos os impostos necessários de uma única vez, ainda que isso impacte na economia dos cidadãos. Assim, todos ficariam revoltados naquele momento, mas logo adequariam seus orçamentos à nova carga tributária e seguiriam a vida adiante, “esquecendo” as medidas negativas tomadas pelo governante. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 20 Síntese Chegamos ao fim de nossa primeira aula! Nesse encontro, fizemos uma breve introdução à teoria política, a qual é resultado do pensamento de filósofos e políticos modernos e contemporâneos, os quais estabeleceram o conceito de alguns pontos-chave, em especial do Estado, o qual é um dos principais objetos de estudo das Ciências Políticas. Apresentamos, de forma um pouco mais extensa, a obra de Nicolau Maquiavel, em especial os preceitos de “O Príncipe”, obra que demarcou o limiar da teoria política moderna, inovando ao falar do Estado e da política sem correlacioná-los com religião ou com aspectos metafísicos. Essa obra é, até os dias atuais, motivo de grande discussão na Filosofia, Sociologia, História, Direito e muitas outras áreas do conhecimento que, de alguma forma, dedicam-se ao estudo do Estado e das práticas que envolvem a manutenção do seu poder e do seu funcionamento. Como dito, Maquiavel inova, pois separa a moral e a ética tradicionais (cristãs) da política, construindo, na visão de grande parte de seus comentaristas, uma nova ética: a ética política, a qual coexiste com a ética cristã. Por fim, apresentamos também o pensamento de Kant e Hegel sobre o Estado e seu papel. Esses dois filósofos viveram e escreveram suas obras no contexto do iluminismo, bradando contra o absolutismo e defendendo o exercício das liberdades individuais, sendo suas obras e suas teses utilizadas até os dias de hoje nos estudos sobre o Estado e o Direito. Não finalize seus estudos sem antes acessar o material on-line e conferir a videoaula de síntese da professora Carla. CCDD – Centro de Criação e Desenvolvimento Dialógico 21 Referências BERLIN, Isaiah. A originalidade de Maquiavel. In: Estudos sobre a humanidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Trad. Carmen C. Varriale, Gaetano Lo Mônaco, João Ferreira, Luís Guerreiro Pinto Cacais e Renzo Dini. 11. ed. Brasília: UNB, 1998. GEORGE, Ricardo. Estado e sociedade civil em Hegel. 2016. Disponível em <http://pt.slideshare.net/ricardogeo11/estado-e-sociedade-civil-em-hegel>. Acesso em: 19 abr. 2016. LAURENTIIS, Lucas C.; SILVA, Roberto B. D. Nicolau Maquiavel: realismo e humanismo na teoria política. Revista Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte, n. 102, p. 291-303, jan/jul 2011. LOPES, Reinaldo J. Os Médici: a grande família. Revista Aventuras na História. 2009. Disponível em <http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras- historia/medici-grande-familia-485434.shtml>. Acesso em: 19 abr. 2016. MOREIRA NETO, Estevam A. Sobre a sociedade civil em Hegel, Marx e Gramsci. In: IV Simpósio Lutas Sociais na América Latina, 2010, Londrina-PR, anais. Disponível em: <http://www.uel.br/grupo- pesquisa/gepal/anais_ivsimp/gt8/5_estevamneto.pdf>. Acesso em: 19 abr. 2016. RIBEIRO, Fernando J. A. 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