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1 O papel do Estado na garantia do direito à educação de qualidade: organização e regulação da educação nacional Fábio Alves (Departamento de Educação/UFS) São vários os aspectos trabalhados quando se discute a questão educacional. Um desses pontos destacados, principalmente no Brasil, é a responsabilidade do Estado ou, melhor dizendo, do poder público em suas três instâncias. Estamos habituados a cobrar do Estado ações efetivas que garantam a qualidade da educação ofertada entre nós. Não obstante, reflete-se pouco sobre o significado desta ação e, principalmente, sobre as responsabilidades de cada cidadão diante desta proposta. É preciso, então, para melhor entender esta temática refletir sobre alguns conceitos fundamentais e sobre a história deles em território brasileiro. Afinal, vivemos em um país democrático e a construção desse senso democrático envolve o entendimento sobre a relação estabelecida entre os cidadãos e o poder público. A questão da democracia, e da existência dela no Brasil, é um tema bastante discutido. Pretendo trabalhar aqui a relação entre este conceito e um outro, a educação. Esta relação também tem sido objeto de vários estudos acadêmicos e projetos políticos. Pretendo abordar este tema à luz de sua historicidade, situando-o em um período bastante específico da história do Brasil. Partirei do fim do Regime Militar (1964-1985), com a intensa manifestação em prol da redemocratização do país, passando pela reformulação da política nacional de educação na década de 1990 e as ações empreendidas neste início de século XXI (SHIROMA: 2004; SAVIANI, 1997). Sendo assim, o fim do Regime Militar e a implantação daquilo que se chamou de Nova República implicou na criação de um novo tipo de cidadão brasileiro. Um cidadão participativo, sabedor de seus direitos e deveres, ciente da importância de suas ações para a construção de uma nação forte e também um sujeito que saiba conviver com a diversidade. Na construção desta redemocratização foi reservado um espaço privilegiado para a escola e a ação pedagógica que ela desenvolve (SHIROMA: 2004; FÁVERO, 1996). 2 Nenhuma destas medidas alcançaria algum êxito sem a criação de espaços democráticos na gestão da educação. Os conselhos criados para acompanhar o repasse e uso de verbas, a compra e distribuição de alimentação, a formulação dos projetos pedagógicos das secretarias em diferentes instâncias e das escolas, constituem oportunidade única de construção de uma educação diferenciada para o Brasil. Ainda assim, a participação cidadã nestes espaços está aquém do desejado. Nos dizeres de Jamil Cury, ainda estamos num tipo de estadania, em que precisamos aprender a ocupar nossos lugares nas formulações de políticas para a educação. 1. A Educação como política de Estado Compreender a responsabilidade do Estado para com a educação demanda saber o significado da instituição Estado e, particularmente no Brasil. Isto porque é comum confundir-se Estado com Governo. Em sua abordagem, Heloisa de Mattos (2001) apresenta o Estado como um conjunto de instituições permanentes (como os tribunais, o exército, as casas legislativas etc.). Governo seria um conjunto de programas que um grupo social propõe para a sociedade. O governo se realiza quando a burocracia estatal trabalha no sentido de realizar um programa de governo. O governo é o exercício das funções de Estado por parte de um grupo social por um determinado período de tempo. O exercício do Governo, então, envolve mais do que a máquina burocrática estatal. Envolve a participação de membros da sociedade civil. Esta participação está condicionada àquilo que podemos chamar de contornos do Estado, ou seja, se mais ou menos democrático, se mais ou menos voltado para políticas públicas sociais. O perfil do atual Estado Brasileiro é democrático e promovedor de políticas públicas de corte social. Mas esta não foi a forma como se apresentou sempre. Este é um fenômeno que tem uma localização temporal bastante específica na história do Brasil. A experiência ditatorial vivenciada no Brasil entre os anos de 1964 e 1985 deixou um trauma profundo na sociedade brasileira. O período do Regime Militar foi 3 sem dúvida umas das etapas mais contraditórias de nossa história. Se, por um lado, é evidente o modo truculento de governar daqueles anos, é inegável que progressos houve para o Brasil em diversos campos, incluindo aí a educação. Todavia, se houve avanços do ponto de vista da organização, o sentido antidemocrático da direção do processo e da execução foi algo muito mais perceptível e marcante. Sobre isso, tome-se como exemplo o aumento do clientelismo entre o Governo Federal e os municípios no início da década de 1980, ou a desvalorização dos profissionais da educação a partir da desvinculação de recursos da União na segunda metade dos anos 1960. Os índices apresentados pelo Brasil no início da década de 1980 eram desanimadores e desabonadores das práticas governamentais adotadas até ali. Como aponta Eneida Otto Shiroma, 50% das crianças repetiam ou eram excluídas ao longo da 1ª. Sério do 1º. Grau; 30% da população eram analfabetos, 23% dos professores eram leigos e 30% das crianças estavam fora da escola; 8 milhões dos alunos do 1º. Grau tinham mais de 14 anos, dos quais 60% estavam nas três primeiras séries que reuniam 73% das reprovações (SHIROMA ET AL, 2004). Internacionalmente, a consolidação do modelo neoliberal de Estado em países como Grã-Bretanha, demandava novas diretrizes para a educação. O perfil de egresso do sistema educacional já não era mais aquele que havia balizado as reformas implementadas pelo Regime Militar. Tão pouco condizia com aqueles tempos a concepção de Estado adotada no Brasil se este quisesse figurar entre as nações pertencentes a um determinado grupo capitaneado pelos EUA e a maioria dos Europeus. Nacionalmente, o enfraquecimento do poder dos militares no jogo das relações de força da política brasileira abril espaço para o processo de redemocratização. A anistia concedida a várias personalidades perseguidas pela Ditadura permitiu o retorno de figuras importantes no cenário político. No tocante à educação, a reabertura dos espaços democráticos possibilitou a organização dos profissionais da educação. Reorganizados, passaram a discutir as principais mudanças que deveriam ser realizadas para garantir um padrão de qualidade da educação. Era preciso, na perspectiva desse grupo, implantar medidas que possibilitassem a efetiva permanência do aluno na escola durante os anos necessários para cumprir o processo educacional. Também fazia urgente rever as condições do 4 exercício da docência, de sua formação ao término de suas atividades profissionais. Somavam-se a essas medidas, as questões relativas à vinculação de verbas públicas para a escola pública, da gestão democrática e da extensão da duração da Educação Básica. O debate sobre os novos rumos da educação brasileira contaram com a participação de entidades representantes da sociedade civil organizada, tais como ANPED, ANDES, CNTE, SBPC e as Conferências Brasileiras de Educação. Destaque que na IV CBE, realizada em 1986, produziu-se um documento conhecido como Carta de Goiânia. Segundo Dermeval Saviani, este documento foi adotado quase na íntegra no capítulo da Constituição Federal destinado à educação. Esta participação democrática na construção de um novo Brasil é que deu início ao processo de construção de uma política estatal para a educação, de maior duração, no lugar das velhas políticas de governo, tão passageiras quanto os mandados governamentais. 2. O Sistema Nacional deEducação Um dos aspectos mais trabalhados no debate educacional quando o assunto são as responsabilidades do Estado é a criação de um sistema nacional. Vários estudiosos localizam o início desta questão entre nós entre as décadas de 1920 e 1930. Este é, sem dúvida, um período crucial para a construção de várias políticas estatais, não só no campo da educação, porque é um período de reconfiguração do perfil do Estado brasileiro, que alarga os raios de sua atuação e controle sobre a gestão da sociedade de modo geral. Ao longo de todo o século XX, acompanhamos o desenvolvimento, hora mais evidente, hora mais discreto, desse novo contorno de Estado e da sua relação com a sociedade civil em várias áreas. As décadas de 1980 e 1990 consolidaram, assim, um processo gestado durante essa fase de média duração. Esta gestação não ocorreu de modo harmônico, mas de acordo com uma realidade política conflituosa característica das democracias em construção, mas ainda assim consolidou as bases para a construção de um sistema nacional de educação. 5 Ao analisar a Lei nº. 9.394/96, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Carlos Roberto Jamil Cury afirma que esta lei não constitui um texto, mas um intertexto. O mesmo pode-se dizer da Constituição Federal Brasileira. Ela é antes o produto conflituoso de diversos interesses, do que a transcrição consensual dos anseios das forças que compõem a sociedade. Não obstante todas as críticas, no tocante à educação isto é bastante evidente. Ao longo dos quase vinte anos de vigência (a ser completados em 05 de outubro), as disposições contidas na Constituição Federal produziram vários resultados na educação. O primeiro deles foi abrir espaço para a elaboração de uma nova LDB. A que estava em vigência era a Lei 4.024 de 1961, resultado das disposições contidas na Constituição de 1946. As reformas implementadas pelas leis 5.540/68 e 5.692/71 apenas alteraram dispositivos referentes ao ensino superior e de 1º. e 2º. Graus. Dentre as reivindicações da sociedade civil organizada estava a elaboração de uma nova lei que organizasse a educação no Brasil, para o novo país que se queria fundar. As discussões parlamentares sobre esta nova lei tiveram início ainda em dezembro de 1988. A futura Lei 9.394, de 1996, iria incorporar literalmente o texto do Capítulo III da Constituição. Salvo todas as objeções produzidas sobre a LDB, ela só foi possível graças aos dispositivos da Carta Magna. A Constituição Federal também foi responsável pelo foco privilegiado sobre o Ensino Fundamental (único nível de ensino obrigatório) e o combate ao analfabetismo. Antigos problemas da sociedade brasileira, a universalização de um e a erradicação do outro eram há muito ponto de pauta nos debates nacionais e internacionais. Passadas duas décadas, o Brasil reduziu consideravelmente os índices de analfabetismo e alcançou quase 99% de atendimento no Ensino Fundamental. Todavia, o acesso e mesmo a permanência ainda é uma realidade distante para muitos brasileiros. Tome-se como medida a disparidade entre o número de matrículas na 1ª. Série do Ensino Fundamental em relação à quantidade de concluintes do Ensino Médio. Sem falar do baixíssimo percentual de pessoas de ingressam no Ensino Superior. Também graças ao disposto na Carta Magna ficou claro, enfim, o raio de atuação dos níveis de governo no que diz respeito ao setor educacional. Assim, ficou estabelecido que a União é responsável pelo ensino superior e outros estabelecimentos 6 federais e por garantir assistência técnica e financeira aos Estados e Municípios. Os Estados têm como prioridade atuar no ensino fundamental e médio. Os municípios devem atuar na educação infantil e no primeiro ciclo do fundamental. Além disso, estas ações devem ser realizadas em regime de colaboração entre os sistemas de ensino, o que engloba o Governo Federal, os 27 Estados, o Distrito Federal e os mais de 5.500 Municípios. Com esta proposição, em vinte anos tornou-se possível uma melhor organização e responsabilização dos níveis de governo na questão educacional, embora o regime de colaboração não seja algo totalmente claro para as diversas instâncias. O financiamento da educação é sempre assunto polêmico. A Constituição Federal de 1988 foi responsável pela definição de percentuais mínimos, que não constavam na legislação anterior. Com isso, o setor educacional conta com garantias legais de seu financiamento. Tem-se questionado muito a suficiência destes recursos, a lisura de sua aplicação e os resultados alcançados com os percentuais aplicados. Todavia, somente com a disposição em lei desta obrigação financeira é que se fazem possíveis estes questionamentos. O Brasil investe hoje algo em torno de 3,5% do PIB, bem abaixo dos valores reconhecidos como necessários. Mas, sem dúvida, são percentuais com os quais se pode contar sem estar à mercê das variações políticas. Além do que, tem se tornado cada vez mais claro à sociedade o que pode ser considerado despesa com educação. Uma medida tomada para redimensionar positivamente o montante de verbas destinada à educação foi a criação do FUNDEF, hoje substituído pelo FUNDEB. Após dez anos de existência do fundo destinado a incrementar o Ensino Fundamental, foi dado um passo importante, uma vez que o novo instrumento subsídio educacional engloba toda a educação básica, ou seja, da Educação Infantil ao término do Ensino Médio. Com isto, espera-se melhorar os índices de aproveitamento dos alunos dentro do processo educacional. Pela lógica do FUNDEF a promoção ao Ensino Médio significava quase uma punição, visto que se perdia o acesso a uma série de medidas de assistência estudantil, como alimentação escolar, livro didático e transporte. Implantado em 2007, o FUNDEB visa corrigir esta disparidade. Os debates sobre a democracia e sua relação com a escola tiveram início antes mesmo das eleições presidenciais de 1985. Todavia, foi em 1986 que intelectuais 7 ligados ao campo educacional, personalidades do mundo da política e profissionais da educação de diversos segmentos, reunidos na IV Conferência Brasileira de Educação, formularam as bases da construção da escola que aquele novo regime que instalara requeria. Daquele encontro saiu um documento que foi batizado de Carta de Goiânia. Esta carta subsidiou a construção do capítulo sobre Educação presente na Constituição Federal de 1988. No mesmo ano de promulgação da Constituição, foi realizada a V Conferência Brasileira de Educação, de onde se originou a Declaração de Brasília. Esta declaração foi a base do primeiro projeto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, sancionada apenas em dezembro 1996 (SAVIANI, 1997). O primeiro projeto de LDB foi apresentado em dezembro 1988. A proposta era reformar o setor educacional brasileiro, visto que a LDB de 1961 e as reformas empreendidas em 1968 e 1971 não atendiam mais ao perfil que se almejava para o Brasil (SAVIANI, 1997). Tanto nos aspectos políticos, quanto nos econômicos fazia-se necessário preparar a escola para formar um novo tipo de brasileiro adequado aos novos parâmetros que se apresentavam a partir dali. O cenário internacional havia mudado substancialmente com a derrocada do modelo socialista implantado em vários países capitaneados pela URSS. O modo de produção capitalista e a sociedade liberal apenas viriam a se fortalecer, principalmente a partir de 1989 com a queda do Muro de Berlin. Deste modo, liberalismos, capitalismo e democracia apresentavam-se como valores que deveriam não só ser cultivados como também ensinados ao povo brasileiro (SHIROMA: 2004). Não obstante as manifestações públicasde necessidade de mudanças no campo político brasileiro, as eleições de 1985 estiveram longe de representar uma efetiva transformação. Do ponto de vista do processo eleitoral, embora não tenha sido uma eleição direta, ao menos o novo presidente foi eleito por um colegiado. Todavia, as forças políticas vencedoras daquele pleito não eram representantes de mudança efetiva no quadro político nacional. Eram representações de grupos já estabelecidos mesmo durante o Regime Militar, hora apoiando, hora mostrando-se contrário às decisões tomadas, mas sempre um grupo presente. É na composição do quadro político nacional que encontramos explicações para o longo processo de formulação da LDB (1996) e do Plano Nacional de Educação (1996). Aqui cabe esclarecer um pouco acerca do trâmite de um projeto de lei no Poder 8 Legislativo. Composto por duas casas, a Câmara dos Deputados e o Senado, o Legislativo é responsável pela elaboração das leis que regem a conduta dos brasileiros. Uma lei, para ser aprovada, deve passar tanto pela Câmara, quanto pelo Senado, duas vezes. Neste percurso, o projeto passa às vezes por cortes, outras por ampliações. Ao final, o texto aprovado é encaminhado ao Presidente da República, podendo aí passar por sanções. Ou seja, não é um trajeto rápido nem tão pouco formado por unanimidades (SAVIANI, 1997). Uma vez apresentado o primeiro projeto deu-se início ao trâmite descrito acima. Ainda na Câmara dos Deputados o texto passou por muitas alterações. Para relator foi designado o Dep. Jorge Hage. Ele então abriu uma ampla discussão com a sociedade civil organizada para ouvir de diversas vozes suas proposições sobre os rumos da educação brasileira. Deste movimento surgiu um novo projeto que se apresentava substitutivo ao anterior e que deveria ser apreciado pela Câmara. Todavia, as eleições ocorridas naquele mesmo período reformularam a representação do Legislativo, o Dep. Jorge Hage não se reelegeu e o processo foi interrompido (SAVIANI, 1997). Enquanto isso, passou a tramitar no Senado um outro projeto de LDB, de autoria do Senador Darcy Ribeiro, conhecido sociólogo brasileiro. Este mecanismo era avesso a lógica de funcionamento da elaboração de leis no país, visto que o trânsito regular implicava na chegada de um texto já discutido na Câmara dos Deputados. O primeiro texto apresentado pelo Senador recebeu muitas críticas, uma delas ligada a questão do aspecto anti-democrático de sua construção. No entendimento de Darcy Ribeiro, em uma república representativa uma vez que o eleitor escolhe seus representantes a participação da sociedade civil já se efetivou. Não obstante este entendimento, o projeto foi reformulado, adotando uma série de questões apontadas por órgãos representativos dos profissionais da educação em seus vários níveis e foi posto em votação (SAVIANI, 1997). Apenas em dezembro de 1996, oito anos após a apresentação do primeiro projeto, é que foi sancionada a Lei 9.394, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, revogando as Leis 4.024/61, 5.540/68 e 5.692/71. 9 Embora se perceba um longo trajeto até a finalização dos trabalhos relativos à lei maior da educação, é fundamental registrar o perfil democrático da elaboração da definição daquilo que deveria ser a educação no Brasil a partir de então. O perfil adotado então considerava as observações de agentes envolvidos diretamente com o processo educacional. E não só professores e diretores de escola, mas também pais de alunos organizados em suas associações. A diversidade de grupos que compuseram os espaços de discussão possibilitou uma maior abrangência da lei, mas também o visível caráter contraditório que ela apresenta (SAVIANI, 1997; CURY, 2000). Cinco anos após a promulgação da LDB, outro assunto disposto na Constituição obteve sua regulamentação. Não sem pressão da sociedade civil, em setembro de 2001 foi apresentado o Plano Nacional de Educação. Baseado sobre diagnósticos sobre os diferentes níveis de ensino, o PNE estabelece as diretrizes, os objetivos e as metas para a educação brasileira entre os anos de 2001 a 2010. Mesmo tendo sido o texto final adverso de um outro projeto apresentado por políticos ligados ao Movimento em Defesa da Escola Pública, o projeto oficializado tem alcançado resultados razoáveis. 3. O Plano Nacional de Educação A nova LDB reformulava consideravelmente a organização da educação brasileira. Estava estabelecido um novo conceito de Educação Básica, composta agora pela Educação Infantil, o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, totalizando dezessete anos de formação escolar. Regulamentou-se também as modalidades de ensino, a saber: Educação Especial, Educação Profissional e Educação de Jovens e Adultos. Houve espaço, ainda, para tratar da Educação Indígena e de Afro descendentes. As formas de financiamento foram alteradas, bem como as de gestão administrativa e pedagógica da escola. A entrada e o exercício do magistério também passaram por mudanças, exigindo-se a partir daí, no plano da lei, a formação em Nível Superior. As responsabilidades de cada instância também foram aclaradas. A União, os Estados e os 10 Municípios passaram a ter atuação definida legalmente, dentro de um sistema cooperativo e complementar. A promulgação da Lei 9.394 não representou mudanças imediatas nos rumos da educação brasileira, embora seja o nascedouro de uma série que veio a seguir. O exercício da profissão docente ainda hoje não atende aquilo que a lei estabelece. O financiamento ainda não garante as condições desejadas. Os níveis de rendimento dos alunos ainda não são excelentes. Mas o princípio foi estabelecido a partir dali. Um dos aspectos daquela lei que demoraram a ser postos em funcionamento foi a elaboração do Plano Nacional de Educação. Decorreram cinco anos até que, em 2001, foi publicado o documento que estabelecia metas a serem alcançadas. O Plano Nacional de Educação padeceu do mesmo mal que a LDB. Mudanças na configuração política, atendimento a vozes dissonantes, interesses diversos envolvidos. Àquela altura, estava ainda mais acirrada a disputa entre a chamada esquerda e a direita na política nacional. Um projeto advindo do primeiro grupo, formulado com base na participação da sociedade civil, foi substituído ao final por um outro construído de modo distinto (VALENTE, 2001). Este movimento pode ser compreendido dentro da dinâmica própria do campo da política. Grupos em permanente conflito pela consolidação de seus projetos. Todavia, como é característico das sociedades democráticas ocorreram mudanças significativas na composição do cenário político brasileiro no início dos anos 2000. Apresentava-se a chance para a implementação de uma série de projetos até então embrionários ou mesmo que estavam no plano das intenções. Desta reformulação surgiram uma série de planos que vieram complementar o Plano Nacional de Educação de 2001. Dentre eles podemos destacar o Plano de Desenvolvimento da Educação e o Plano de Ações Articuladas, ambos de 2007. Este conjunto de ações fortaleceram de um lado o estabelecimento efetivo de um sistema nacional de educação, bem como a participação democrática da sociedade civil na construção do modelo de escola e de educação que desejamos para as futuras gerações. É a partir da constituição desta rede articulada de agentes envolvidos com o campo educacional que podemos almejar um futuro de desenvolvimento e progresso social e tecnológico para o Brasil. Não obstante, este projeto só tem como se consolidar com a efetiva participação democrática de todos os envolvidos. Participação 11 esta que não deve selimitar ao plano das intenções e sugestões, mas também da fiscalização e do acompanhamento das ações projetadas e implementadas. 4. Considerações finais A experiência vivenciada pelo Brasil entre os anos de 1964 e 1985 não foi traumática apenas pelo extremo uso da violência física por parte do Estado. Também estabeleceu a relação que construímos com a idéia de democracia. A quase nula participação democrática da população brasileira na construção da política do país ocasionou a formação de ao menos duas gerações que desconheciam os princípios democráticos. A participação democrática é um aprendizado. A ausência desta vivência ocasiona um correlato do analfabetismo. O cidadão é a construção efetiva de um processo democrático de gestão da vida pública. Como visto até aqui, apesar dos contratempos, a organização da educação brasileira hoje conta com uma participação efetiva da sociedade civil na sua construção. Além disso, umas das premissas básicas com a qual convivemos no ambiente escolar é a gestão democrática. O termo, embora muito vulgarizado, é pouco entendido pela maior parte dos agentes envolvidos diretamente com o processo educacional. Geralmente, gestão democrática é relacionada única e exclusivamente com a eleição direta dos diretores escolares. Neste sistema, o diretor (ou a coordenação, em uma perspectiva mais recorrente) deve ser eleito entre os docentes pela comunidade escolar. Esta medida foi implantada visando erradicar a ação político-partidária na determinação dos rumos das atividades didático-pedagógicas que a instituição escolar deve desenvolver. Um olhar superficial induz ao entendimento de que está ação por si só seja capaz de produzir efeitos positivos na organização e no desenvolvimento da escola. Todavia, uma leitura mais detida da questão revela nuances problematizantes no que diz respeito a adoção desta prática (FREITAS, 2007). Mas este não é o objeto da presente discussão. 12 Cabe aqui explorar outro aspecto da gestão democrática. Ela diz respeito a muito mais do que eleições diretas de diretores escolares. Diz respeito à construção coletiva do Projeto Político Pedagógico da escolar. Também se refere às questões administrativas e financeiras, principalmente a partir do programa Dinheiro Direto na Escola. Está relacionada à elaboração de estratégias específicas para a solução dos problemas de evasão, repetência e distorção idade série. Ninguém melhor do que o corpo docente de cada escola para definir estratégias didático-pedagógicas de acordo com o perfil de seu alunado. É fato que a educação no Brasil está organizada de acordo com parâmetros curriculares nacionais. Parâmetros estes que servem de base para a organização das avaliações promovidas pelo Ministério da Educação. Todavia, os parâmetros não são limitadores da ação pedagógica dos professores e das coordenações das escolas. São delimitadores, o que algo completamente diferente. Não haveria como construir um sentido de nação se cada escola ensinasse o que bem entende. Porém, o fato de estabelecer o que deve ser aprendido na escola, não determina o modo como essa aprendizagem deve ocorrer. Além disso, os parâmetros estão vinculados às habilidades e competências, e não aos conteúdos a serem ministrados. Para entender um conjunto legislativo é preciso saber que toda lei diz respeito a uma sociedade e um tempo específicos. Quanto mais democrática a sociedade, mais grupos participarão da construção das leis e menos personalizado será o resultado. Dito de outro modo, uma lei que organize a educação no Brasil, cuja construção seja pautada na efetiva participação democrática, ao final não atenderá aos anseios do grupo A ou do grupo B, mas será uma conjunção de elementos distintos. Obviamente, não se pode atender aos objetivos de todos os grupos, por seu caráter naturalmente divergente. Mas, uma lei bem elaborada é aquela que contém a soma dos objetivos convergentes que visam o bem comum. A Gestão Democrática, quando bem entendida e realizada, é uma grande oportunidade, então, de construir uma escola que vise o bem comum porque está pautada na participação democrática. 13 Referências Bibliográficas BRASIL. Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. BRZEZINSKI, Iria (org). LDB interpretada: diversos olhares se entrecruzam. São Paulo: Cortez, 1997. CURY, Carlos Roberto Jamil. Legislação educacional brasileira. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. FÁVERO, Osmar (org.). A educação nas Constituintes Brasileiras 1823-1988. Campinas: Autores Associados, 1996. FREITAS, Dirce Nei Teixeira de. Avaliação e Gestão Democrática na regulação da Educação Básica Brasileira: uma relação a avaliar. Revista Educação & Sociedade, v. 28, n. 99, p. 501-521, maio/ago.2007. HOFLING, Heloisa de Mattos. Estado e políticas (públicas) sociais. Cadernos Cedes, nº 55, nov./2001, p. 30-41. SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação: trajetória, limites e perspectivas. 2. ed. Campinas, SP: Autores associados, 1997. (Coleção Educação Contemporânea). SHIROMA, Eneida Otto; et al (orgs.). Política Educacional. Rio de Janeiro: DP&A, 2004. VALENTE, Ivan. Plano Nacional de Educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. VALENTE, Ivan; ROMANO Roberto. PNE: Plano Nacional de Educação ou carta de intenção? Educação e Sociedade, v. 23, nº 80, p. 96-107, set./2002.
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