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sumário 1 COMPLEXO DENTINO-PULPAR: fisiologia e resposta às injúrias 1 Diana Gabriela Soares o Ana Paula Dias Ribeiro o André Luiz Fraga Briso o Josimeri Hebling o Carlos Alberto de Souza Costa Introdução 1 Complexo dentino-pulpar 1 Odontogênese 1 Dentina 3 Polpa dental 4 Resposta do complexo dentino-pulpar aos agentes irritantes 4 Repercussão dos procedimentos clínicos no complexo dentino-pulpar 7 Preparo cavitário 8 Turbina de alta velocidade 8 Método químico/mecânico 9 Laser de Er:YAG 9 Procedimentos restauradores 10 Capeamento pulpar indireto 11 Hidróxido de cálcio 11 Sistemas adesivos 12 Cimento de ionômero de vidro 14 Capeamento pulpar direto 15 Agentes cimentantes 18 Clareamento dental 19 Considerações finais 20 Referências 20 2 A BIOLOGIA MOLECULAR APLICADA À DENTÍSTICA 25 Marcela Rocha de Oliveira Carrilho o Cristina de Mattos Pimenta Vidal o Polliana Scaffa o André Guaraci De Vito Moraes o Fábio Dupart Nascimento Introdução 25 O papel das proteases endógenas na progressão das lesões de cárie 25 Contribuição da Biologia Molecular na proposição de um novo modelo para explicar a progressão das lesões de cárie 25 O papel das proteases endógenas na integridade das restaurações dentais 34 Contribuição da Biologia Molecular na proposição de terapêuticas de controle da degradação das restaurações adesivas 34 Considerações finais 37 3 TRATAMENTOS CONSERVADORES DA POLPA DENTÁRIA 43 Linda Wang o Marcela Pagani Calabria o Luciana Fávaro Francisconi o Maria Teresa Atta o José Carlos Pereira Introdução 43 Complexo dentino-pulpar 43 Diagnóstico da cárie 48 Diagnóstico clínico da condição pulpar 49 Testes subjetivos 49 Anamnese e exame clínico 49 Testes objetivos 49 Testes clínicos de confirmação de diagnóstico 52 Materiais para os tratamentos conservadores da polpa 52 Hidróxido de cálcio 54 Agregado de trióxido mineral (MTA) 56 Sistemas adesivos 57 Procedimentos conservadores da vitalidade pulpar 59 Tratamento expectante ou terapia pulpar indireta 60 Terapia pulpar indireta: 1ª sessão 60 Terapia pulpar indireta: 2ª sessão 62 Tratamentos da polpa exposta ao meio bucal 62 Proteção pulpar direta 64 Proteção pulpar direta: 1a sessão 64 1. Isolamento absoluto 64 2. Remoção completa do tecido cariado e conclusão do preparo cavitário 64 3. Hemostasia e limpeza com água de hidróxido de cálcio 64 Iniciais_ed_eletrônica.indd 13 05/11/2013 17:37:06 XIV o Sumário 4. Capeamento pulpar propriamente dito 64 5. Procedimento restaurador 65 Proteção pulpar direta: 2a sessão 65 1. Anamnese e exames clínico e radiográfico 65 2. Inspeção da área da exposição 65 Curetagem pulpar 66 Curetagem pulpar: sequência operatória 66 Considerações finais 68 Referências 69 4 CÁRIE: diagnóstico e planejamento preventivo e restaurador 73 Renata C. Pascotto o Raquel Sano Suga Terada o Mitsue Fujimaki o Samuel Jorge Moysés Introdução 73 Considerações gerais 73 Etiologia da cárie 74 Abordagem biológica ou individual 74 Abordagem socioecológica 74 Métodos de diagnóstico da cárie 75 Método de diagnóstico clínico individual 77 Diagnóstico de lesões de cárie proximais 80 Diagnóstico de lesões de cárie oclusais 82 Método de diagnóstico comunitário 82 Planejamento preventivo e restaurador 83 Planejamento clínico individual 83 Planejamento das ações coletivas 86 Diferença entre o planejamento individual e coletivo 86 Gestão em saúde bucal como ferramenta básica para o planejamento coletivo 87 Papel da promoção da saúde 88 Construção das redes de atenção à saúde 88 Métodos coletivos de prevenção da cárie 88 Fluoretação das águas de abastecimento 88 Escovação dental supervisionada com dentifrícios fluoretados 88 Restaurações ART como estratégia de promoção de saúde bucal 89 Enxaguatórios (bochechos) bucais 90 Educação em saúde bucal 90 Monitoramento e avaliação da atenção 90 Formação dos profissionais para uma visão ampliada sobre saúde geral e bucal 91 Clínica ampliada como modelo de organização 91 Considerações finais 91 Referências 92 5 O MANEJO DA DOR NA DENTÍSTICA RESTAURADORA 95 Flávio Augusto Cardoso de Faria o Bella Luna Colombini Ishikiriama o Carlos F. Santos Introdução 95 Por que o controle da dor é importante na Dentística restauradora? 95 Controle transoperatório da dor: anestésicos locais 97 Mecanismo de ação 98 Duração da anestesia 100 Influência do pH 100 Sensibilidade diferencial das fibras nervosas 101 Associação de vasoconstritores 101 Reações adversas dos anestésicos locais 105 Doses máximas recomendadas 106 Uso de anestésicos locais na gravidez e lactação 106 Controle pós-operatório da dor: AINEs e opioides 107 Considerações finais 112 Referências 113 6 REMOÇÃO PARCIAL DA DENTINA CARIADA: Odontologia atual baseada em evidências 115 Denise Fonseca Côrtes o Luana Severo Alves o Marisa Maltz o Vera Mendes Soviero Introdução 115 Diagnóstico de cárie, detecção de lesões cariosas e decisão de tratamento 115 Métodos de identificação e remoção do tecido cariado 116 Adesão dentinária e remoção parcial de tecido cariado 119 Evidências científicas sobre a remoção de tecido cariado 119 Tratamento expectante 120 Capeamento pulpar indireto com dentina cariada subjacente 120 Remoção parcial de dentina cariada em lesões profundas de cárie em dentes permanentes 120 Selamento de lesões cariosas sem remoção prévia de tecido cariado 122 Tratamento restaurador atraumático 122 Evidências clínicas 122 Evidências microbiológicas 122 Iniciais_ed_eletrônica.indd 14 05/11/2013 17:37:06 Sumário o XV Evidências radiográficas 123 Evidências laboratoriais 124 Considerações finais 124 Referências 125 7 PREPARO CAVITÁRIO PARA RESTAURAÇÕES DIRETAS: novas perspectivas 129 Ricardo Amore o Camillo Anauate-Netto o Hugo Roberto Lewgoy o Andréa Anido-Anido o Roberta Caroline Bruschi Alonso o Marcela Rocha de Oliveira Carrilho oFábio Dupart Nascimento o Paulo Henrique Perlatti D’Alpino o Vinicius Di Hipólito o Alejandra Hortencia Miranda González Introdução 129 Principais requisitos dos preparos cavitários 131 Adequação cavitária para restaurações minimamente invasivas 131 Caso clínico 134 Caso clínico de cavidade tipo túnel 136 Preparos cavitários com largura maior que um quarto da distância intercuspídica 136 Preparo cavitário para amálgama 136 Configuração da caixa proximal em preparos de classe II para amálgama 139 Preparo cavitário para resina composta 140 Considerações finais 146 Referências 147 8 PREPARO CAVITÁRIO PARA RESTAURAÇÕES ESTÉTICAS INDIRETAS 149 Marco Antônio Masioli o Marcelo Massaroni Peçanha o Bianca M. Vimercati o Milko Villarroel Introdução 149 Princípios biológicos e mecânicos 150 Princípios biológicos 150 Conservação da estrutura dental 150 Preservação da saúde pulpar 150 Conservação e manutenção da saúde dos tecidos adjacentes 150 Princípios mecânicos 150 Retenção e estabilidade 150 Altura e forma do preparo 151 Características da cimentação 151 Considerações sobre preparo cavitário para restaurações estéticas indiretas 152 Cerâmicas pobres em sílica 152 Cerâmicas ricas em sílica 152 Características peculiares 152 Restaurações com espessura uniforme 152 Expulsividade das paredes do preparo 152 Paredes planas e ângulos arredondados 152 Términos cervicais 153 Tipos de preparos para as restaurações indiretas 153 Protocolo de preparo para restaurações estéticas indiretas 154 Inlay em cerâmica pura 154 Onlay em cerâmica pura 155 Coroa total em cerâmica pura 156 Caso clínico de faceta indiretaem cerâmica 158 Considerações finais 159 Referências 159 9 ALTERNATIVAS CLÍNICAS PARA MINIMIZAR A DEGRADAÇÃO DA INTERFACE DE UNIÃO À DENTINA 161 Alessandra Reis o Issis V. Luque Martinez o Viviane Hass o Alessandro D. Loguercio Introdução 161 Fatores envolvidos no envelhecimento das interfaces de união à dentina 162 Degradação da parte resinosa 163 Degradação das fibrilas colágenas 165 Como melhorar a estabilidade da união resina- dentina 166 Melhorar a impregnação do adesivo em dentina desmineralizada e mineralizada 167 Melhorar a resistência do polímero formado pelos sistemas adesivos 170 Melhorar a resistência das fibrilas colágenas à degradação enzimática 173 Outras abordagens 176 Considerações finais 176 Referências 177 10 CIMENTAÇÃO ADESIVA 183 Rubens Côrte Real de Carvalho o Angela Mayumi Shimaoka o Alessandra Pereira de Andrade o Marcio Vivan Cardoso Introdução 183 Tipos de agentes de cimentação 184 Agentes cimentantes não adesivos 184 Agentes cimentantes adesivos 184 Cimentos de ionômero de vidro 184 Cimentos resinosos 185 Técnica operatória 188 Considerações finais 193 Referências 193 Iniciais_ed_eletrônica.indd 15 05/11/2013 17:37:06 XVI o Sumário 11 TRATAMENTO DE LESÕES CERVICAIS 195 Ana Regina Cervantes Dias o Katia Regina H. Cervantes Dias o Silvia Alencar Gonçalves o Marcos Barceleiro Introdução 195 Tipos de lesões não cariosas 196 Erosão 196 Abrasão 199 Atrição 199 Abfração 200 Lesões multifatoriais 201 Tratamento 202 Restauração 203 Hipersensibilidade 206 Laser 207 Flúor 208 Cloreto de estrôncio e sais de potássio 208 Dessensibilizantes dentinários resinosos 208 Derivados de caseína 209 Novamin® 209 Nano-hidroxiapatita 209 Arginina 210 Procedimentos cirúrgicos 210 Considerações finais 211 Referências 211 12 PRINCÍPIOS E PROCEDIMENTOS PERIODONTAIS APLICADOS À DENTÍSTICA 213 Sérgio Kiyoshi Ishikiriama o Bella Luna Colombini Ishikiriama o Rodrigo Carlos Nahas de Castro Pinto o José Antônio Mesquita Damé Introdução 213 O que é biológico? 214 Distâncias biológicas 215 Biotipos periodontais 216 O que é estético? 217 Parâmetros estéticos do periodonto 218 Zênite gengival 218 Posição da margem gengival 218 Papila interdentária ou gengival 219 Solucionando problemas biológicos 221 Invasão do espaço biológico 221 Cirurgia de aumento de coroa (osteotomia e osteoplastia) 222 Extrusão dentária 224 Falta de mucosa ceratinizada 226 Solucionando problemas estéticos 226 Planejamento multidisciplinar para o tratamento de discrepâncias de margem gengival 226 Recessão gengival 227 Sorriso gengival 229 Considerações finais 230 Referências 232 13 PRINCÍPIOS FÍSICO-QUÍMICOS DA FOTOATIVAÇÃO: implicações clínicas em restaurações diretas com resinas compostas 235 Lawrence Gonzaga Lopes o João Batista de Souza o Wagner Baseggio o Eduardo Batista Franco Introdução 235 Processo de polimerização das resinas compostas ativadas com luz visível 236 Fontes de luz 239 Lâmpada halógena (LH) 239 LED (light emitting diode – diodos emissores de luz) 239 Resinas compostas à base de metacrilato 240 Cinética da reação de polimerização 241 Efeito da técnica de fotoativação nas propriedades finais do polímero 243 Técnicas de fotoativação 243 Modo contínuo de irradiação 244 Uniforme contínuo 244 Gradual ou soft-start 244 Exponencial ou ramp 244 Alto pulso de energia 244 Modo descontínuo de irradiação 244 Pulso interrompido, pulso tardio ou pulse delay 244 Resina composta à base de silorano 246 Considerações finais 248 Referências 250 14 RESTAURAÇÕES EM DENTES VITAIS E TRATADOS ENDODONTICAMENTE: prognóstico e riscos 253 João Carlos Gomes o Osnara Maria Mongruel Gomes o Alessandra Reis o Antonio S. Sakamoto Junior o Cristian Higashi o Felipe Augusto Villa Verde o Giovana Mongruel Gomes o Yasmine Mendes Pupo Introdução 253 Restaurações em dentes vitais 254 Restaurações diretas em dentes anteriores 254 Restaurações indiretas em dentes anteriores 254 Restaurações diretas em dentes posteriores 257 Iniciais_ed_eletrônica.indd 16 05/11/2013 17:37:06 Sumário o XVII Restaurações indiretas em dentes posteriores 257 Procedimentos clínicos para melhor desempenho das restaurações em dentes vitais 260 Restauração de dentes tratados endodonticamente 261 Dentes tratados endodonticamente 261 Restauração de dentes tratados endodonticamente 262 Restaurações com pinos de fibra 263 Restaurações com núcleos metálicos fundidos 263 Considerações finais 268 Referências 268 15 A INTERVENÇÃO ORTODÔNTICA ALIADA AOS PROCEDIMENTOS RESTAURADORES 273 Galdino Iague Neto Introdução 273 Diagnóstico 273 Proporção anterior 274 Planejamento e sequência do tratamento 275 Passo 1: ajuste da relação molar 275 Passo 2: correção da relação de pré-molares e caninos 275 Passo 3: distribuição dos espaços na região anterior 275 Oportunidades para o tratamento restaurador 276 Tratamento restaurador prévio ao tratamento ortodôntico 276 Tratamento restaurador concomitante ao tratamento ortodôntico 276 Tratamento restaurador posterior ao tratamento ortodôntico 277 Tratamentos complementares 281 Considerações finais 283 Referências 284 16 EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS E INDICAÇÕES CLÍNICAS DOS LASERS DE ALTA E BAIXA POTÊNCIA EM DENTÍSTICA RESTAURADORA 285 Carlos de Paula Eduardo o Ana Cecilia Correa Aranha o Patricia Moreira de Freitas o Karen Muller Ramalho o Marina Stella Bello-Silva Introdução 285 O laser em Odontologia 285 Interação da luz com os tecidos 286 Lasers de alta potência 289 Lasers de baixa potência 289 Indicações dos lasers de baixa e alta potência em Dentística restauradora 289 Preparos cavitários conservadores, condicionamento dental e adesão ao substrato irradiado 289 Caso clínico 291 Redução de sensibilidade pós-operatória 293 Laser de baixa potência na manutenção da saúde gengival 294 Caso clínico 296 Redução microbiana 298 Lesões cervicais não cariosas e hipersensibilidade dentinária cervical 299 Caso clínico 303 Novas propostas do uso do laser em procedimentos relacionados à Dentística restauradora 304 Terapia fotodinâmica no tratamento restaurador direto 304 Histórico da terapia fotodinâmica 304 Mecanismos de ação 304 Mecanismo tipo I ou via formação de radical 304 Mecanismo tipo II ou via formação de oxigênio singleto 304 Fotossensibilizadores (FS) 305 Terapia fotodinâmica em Dentística no tratamento restaurador direto 305 Condicionamento interno de cerâmicas odontológicas 308 Clareamento dental 310 Fontes de luz utilizadas no clareamento dental 311 Luz halógena 311 LED 311 Lasers (alta potência) 312 Lasers como métodos promissores para o diagnóstico e prevenção da cárie dental 312 Considerações finais 313 Referências 316 Iniciais_ed_eletrônica.indd 17 05/11/2013 17:37:06 COMPLEXO DENTINO-PULPAR: fisiologia e resposta às injúrias Diana Gabriela Soares Ana Paula Dias Ribeiro André Luiz Fraga Briso Josimeri Hebling Carlos Alberto de Souza Costa 1 o INTRODUÇÃO Neste capítulo, abordaremos, de maneira geral, o complexo dentino-pulpar, desde sua formação, durante a odontogênese, passando pelas características dos teci- dos que o compõem (dentina e polpa), até como esta es- trutura responde às agressões que recebe durante a vida do elemento dental. Nesse contexto, serão discutidos, com base em evidências científicas, os possíveis danos que determinados procedimentos clínicos podem cau- sar no complexo dentino-pulpar e como podemos evi- tar, ou pelo menos minimizar, a ocorrência delesões nesta estrutura responsável pela vitalidade do elemento dental. Para isso, serão abordados os materiais dentá- rios e as técnicas amplamente empregados na Dentística restauradora contemporânea. COMPLEXO DENTINO-PULPAR A dentina e a polpa são tecidos que apresentam inter- -relação estrutural e funcional durante toda a vida do ór- gão dental. Responsáveis pela síntese e deposição da matriz de dentina, as células da polpa, denominadas odontoblas- tos, permanecem com seus prolongamentos citoplasmáti- cos no interior dos túbulos dentinários. Consequentemen- te, as repercussões e os mecanismos de resposta tecidual ocorrem de forma integrada, o que determina que a denti- na e a polpa sejam entendidas e reconhecidas como inte- grantes de um mesmo complexo, o complexo dentino-pul- par (Figuras 1.1 a 1.3). Odontogênese A inter-relação dentina/polpa tem início na odonto- gênese. Em sítios específicos do epitélio bucal (banda epi- telial primária), células proliferam para formar as lâmi- nas dentárias. Imediatamente ao redor delas, ocorre o fenômeno denominado condensação do ectomesênqui- ma, em que um aglomerado de células ectomesenquimá- ticas determina a formação da papila dentária, responsá- vel pela origem tanto da dentina quanto da polpa dental. Pelo fato de as células da lâmina dentária assumirem, em conjunto, uma estrutura cuja conformação assemelha-se a um broto, esse estágio é chamado de estágio de botão. Com a condensação das células do ectomesênquima, as células localizadas no interior do epitélio continuam a se desenvolver, caracterizando a formação de uma estrutura que assume a forma de um capuz. Essa nova estrutura, que Capitulo_01.indd 1 16/09/2013 10:24:11 2 o Dentística: Uma Abordagem Multidisciplinar repousa sobre a papila dentária, recebe o nome de órgão dentário, cuja morfologia determina uma nova fase da odontogênese, o estágio de capuz. Ao redor do órgão den- tário e da papila dentária, um grupamento significante de células ectomesenquimáticas se organiza para originar o folículo dentário. Nesse momento, o germe dentário passa a ser composto de: (1) órgão dentário, que dará origem ao esmalte; (2) papila dentária, responsável pela formação da dentina e da polpa; e (3) folículo dentário, que dá origem aos tecidos de suporte do elemento dentário, como o osso alveolar, o ligamento periodontal e o cemento.1 Ocorrem diversos fenômenos durante a fase seguinte da odontogênese, chamada de estágio de campânula. Nes- sa etapa, diferentes estratos (epitélio dentário externo, retí- culo estrelado, estrato intermediário e epitélio dentário interno) podem se diferenciar no órgão do esmalte. Já na periferia do órgão dentário, as células mais próximas à pa- pila dentária (epitélio dentário interno) adquirem forma cilíndrica baixa e interagem reciprocamente com as células do ectomesênquima, o que resulta na formação do comple- xo dentino-pulpar. No epitélio dentário interno, as células relacionadas às futuras cúspides tornam-se colunares al- tas, dando início ao estágio tardio de campânula, além de promover uma sinalização, por meio da membrana basal, que passa a diferenciá-las das células mais periféricas da papila dentária, transformando-as em pré-odontoblastos. Esse fenômeno se inicia pela secreção de fatores de cresci- mento, particularmente aqueles pertencentes à superfamí- lia TGFβ, os quais se acumulam na membrana basal. Essas proteínas bioativas se relacionam com os receptores de membrana dos pré-odontoblastos, que passam a secretar fibronectina e a expressar a proteína 165kDa, específica para interagir com a fibronectina. A interação entre essas moléculas resulta na diferenciação final dos pré-odonto- blastos em odontoblastos, momento em que ocorre o alon- gamento das células e a polarização do núcleo (assumindo a posição basal), bem como o desenvolvimento do retículo endoplasmático rugoso que se dispõe paralelo ao longo do eixo da célula.2 A partir desse momento, inicia-se a deposição de matriz de dentina, composta principalmente de colágeno tipo I, proteoglicanos e proteínas não colagenosas, como sialopro- teína óssea, sialoproteína da dentina, osteocalcina, fosfofori- na, osteopontina, osteonectina, entre outras. Nesse processo, denominado dentinogênese, os odontoblastos se deslocam centripetamente em relação à papila dentária, movimento em que deixam para trás de seu corpo um prolongamento citoplasmático. Durante a mineralização da matriz dentiná- ria, os prolongamentos citoplasmáticos dos odontoblastos são envolvidos pela matriz mineralizada, formando, assim, os túbulos dentinários, os quais conferem a característica de permeabilidade à dentina. Os odontoblastos se organizam em monocamada em toda a periferia da polpa dental, for- mando a camada odontoblástica1 (Figura 1.4). Essa camada de odontoblastos é forte e intimamente unida por junções intercelulares vigorosas que funcio- o Figura 1.1 Vista geral da polpa coronária de um pré- -molar humano jovem extraído. É possível observar que a polpa (P) está envolvida pela dentina (D), a qual é internamente revestida por uma camada contínua de odontoblastos (setas). Tricrômico de Masson, 32 ×. o Figura 1.2 Polpa radicular do mesmo dente apresenta- do na Figura 1.1. Verifica-se, nesta figura, o tecido conjuntivo fibroso denso (FD) no centro da polpa radicular. Tricrômico de Mas- son, 32 ×. o Figura 1.3 Detalhe da polpa radicular. Nota-se o con- traste entre o tecido pulpar central fibroso (FD) e o tecido pulpar periférico frouxo (F). Observa-se aqui a camada contínua de odontoblastos que resveste internamente a dentina radicular (setas). Tricrômico de Mas- son, 180 ×. D P D FD FD F Capitulo_01.indd 2 16/09/2013 10:24:14 Complexo Dentino-Pulpar o 3 nam como um filtro que permite a passagem de água e de algumas proteínas de baixo peso molecular e íons, for- mando, assim, o fluido dentinário, o qual preenche toda a extensão dos túbulos dentinários. Ao mesmo tempo em que a atividade de síntese dos odontoblastos primários ocorre, células mesenquimais do centro da papila dentá- ria se diferenciam em outros tipos celulares, dando ori- gem à região central da polpa. Dentina A dentina é considerada um tecido parcialmente mi- neralizado, formado quase em sua totalidade por cristais de hidroxiapatita, em meio à matriz de colágeno.3,4 De maneira geral, tem sido demonstrado que sua composi- ção, em volume, é de aproximadamente 55% de minerais, 30% de material orgânico e 15% de fluido.5 O tecido dentinário é depositado pelos odontoblastos por toda a vida do órgão dental. Durante a odontogênese até a erupção e completa formação do ápice radicular, ocorre deposição rápida de dentina (dentina primária) pelos odontoblastos primários. Após esse período, ocorre uma abrupta redução na deposição de dentina pelos odontoblastos, porém essa atividade permanece de forma lenta por toda a vida do órgão dental. Aqui, trata-se da dentina secundária, a qual promove uma diminuição fi- siológica do volume da câmara pulpar e do canal radicu- lar com o passar dos anos. Como os prolongamentos dos odontoblastos estão presentes, a dentina primária e a se- cundária apresentam característica tubular e são tam- bém consideradas fisiológicas6 (Figura 1.5). No tecido dentinário, é possível diferenciar, ainda, dois tipos distintos de estruturas com composições diferentes. Entre os túbulos dentinários, há um tecido mineralizado com interposição de colágeno, denominado dentina inter- tubular. Já ao redor dos túbulos dentinários, existe um te- cido dentinário altamente mineralizado (95%), que leva o nome de dentina peritubular. A deposição de dentina peri- tubular promove redução do diâmetro dos túbulos denti- nários da periferia (0,9 µm) até a polpa (3,0 µm), o queper- mite que os túbulos dentinários apresentem a característica de cone invertido. Além disso, o número de túbulos denti- nários é menor na superfície da dentina (15.000/mm2) do que próximo à polpa (65.000/mm2). Esses fatores permi- tem que a morfologia da dentina adquira diferentes carac- terísticas de acordo com a profundidade, fato este que apresenta repercussão direta sobre a eficácia dos procedi- mentos restauradores, bem como a respeito dos diversos procedimentos clínicos sobre o tecido pulpar.4,6 o Figura 1.4 Detalhe do complexo dentino-pulpar de pré-molar humano íntegro. Aqui, vê-se que os odontoblastos, organizados em camada para re- vestir internamente a dentina, apresentam prolongamentos citoplas- máticos (setas) que se localizam no interior dos túbulos dentinários. Tricrômico de Masson, 125 ×. o Figura 1.5 A Corte transversal na região de deposição de matriz dentinária não mineralizada (pré-dentina) demonstrada em B. É possível observar a presença dos túbulos dentinários que contêm, individualmente, prolon- gamentos citoplasmáticos (setas) dos odontoblastos. Entre os túbulos, pode-se observar a matriz dentinária (MD) rica em colágeno. TEM. B A MD MD Capitulo_01.indd 3 16/09/2013 10:24:16 4 o Dentística: Uma Abordagem Multidisciplinar Polpa dental A polpa dental é constituída por um tecido conjuntivo frouxo especializado, estruturalmente dividido em ca- madas: a odontoblástica; a acelular; a rica em células; e a central. Na periferia da polpa, encontram-se células orga- nizadas em paliçada logo abaixo da pré-dentina, conheci- da como camada odontoblástica (Figura 1.6). Os odontoblastos, quando completamente diferencia- dos, apresentam-se altamente polarizados (núcleo locali- zado próximo à região subodontoblástica) e carateriza- dos como células secretoras, com presença abundante do retículo endoplasmático rugoso e complexo de Golgi. Além disso, seus corpos celulares estabelecem entre si numerosos contatos por meio das junções intercelulares, as quais permitem comunicação intercelular e trocas me- tabólicas.7 Responsáveis pela produção contínua de den- tina fisiológica (dentina secundária), quando expostas a injúrias, essas células podem participar do processo de esclerose dentinária e produção de dentina reacional, bem como estão envolvidas na resposta imunoinflamató- ria da polpa. Logo abaixo dos odontoblastos, encontra-se uma del- gada área com nenhuma ou com poucas células, denomi- nada zona acelular (zona de Weill). Essa camada, atraves- sada por prolongamentos de células adjacentes, vasos e fibras nervosas, é parcialmente ocupada pelo plexo de Rashkow, constituído por fibras mielínicas (A-δ e A-β) e fibras amielínicas (fibras C). Essa estrutura nervosa se caracteriza por numerosos filetes nervosos, originados de um ou mais feixes nervosos centrais que penetram a polpa pelo forâmen apical e acompanham os vasos san- guíneos em sua rota. Deste plexo alguns filetes nervosos, ricos em receptores para dor, passam através dos odonto- blastos e terminam na pré-dentina ou dentina (cerca de 100 µm dentro dos túbulos dentinários). Em virtude da localização periférica dessas fibras nervosas de rápida condução e baixo limiar de excitabilidade, estímulos ex- ternos que conseguem provocar rápida movimentação do fluido dentinário promovem a ativação das terminações nervosas na embocadura dos túbulos e na câmara pulpar, gerando o quadro clínico de hipersensibilidade.8 Propos- ta por Brännström no ano de 1986, essa teoria hidrodinâ- mica é a mais aceita pela comunidade científica para ex- plicar o fenômeno de hipersensibilidade dentinária.9 Junto à camada acelular, existe uma delgada área es- pecífica de tecido conjuntivo que apresenta notável quantidade de células, a zona rica em células. Nessa re- gião, está presente uma quantidade considerável de célu- las mesenquimais indiferenciadas que funcionam como um sistema de reserva e que estão diretamente relaciona- das com a manutenção da camada odontoblástica e, con- sequentemente, com a reparação pulpar. Já foi observado que, quando ocorre morte de odontoblastos, seja por um mecanismo natural de morte celular programada (apop- tose) ou por um processo patológico, as células mesen- quimais de reserva são estimuladas por meio da intera- ção de mediadores químicos e fatores de crescimento com receptores de membrana, o que resulta em sua dife- renciação em novos odontoblastos, que agora levam o nome de odontoblastoides.10,11 Esse processo de recruta- mento e diferenciação celular ainda não está bem escla- recido, porém sabe-se que ele é distinto daquele da odon- togênese, no qual a presença de células epiteliais se faz necessária.12 A última camada, conhecida como zona central, é constituída por um tecido conjuntivo frouxo singular, no qual estão presentes fibroblastos, células mesenquimais indiferenciadas, células do sistema imune (macrófagos e linfócitos), além de capilares e fibras nervosas distribuí- das de forma equilibrada na matriz extracelular. Essa ma- triz é composta de elementos fibrosos e da substância fundamental (formada por proteoglicanas, glicosamino- glicanas, glicoproteínas e água), sendo o colágeno o cons- tituinte fibroso mais abundante (Figura 1.7), e permite a difusão de nutrientes, oxigênio e proteínas entre os com- ponentes celulares e a microcirculação, o que lhe consa- gra papel importante na manutenção da capacidade de reparação pulpar.1,2,7 RESPOSTA DO COMPLEXO DENTINO-PULPAR AOS AGENTES IRRITANTES Uma vez rompida a integridade do esmalte, o comple- xo dentino-pulpar fica exposto às diversas injúrias do meio bucal, que compreendem desde estímulos de ori- o Figura 1.6 Neste corte histológico de um dente humano íntegro, pode-se obser- var as distintas estruturas e camadas que caracterizam o complexo dentino-pulpar: dentina (D); pré-dentina (PD); camada de odonto- blastos (CO); camada acelular (CA); camada rica em células (CRC); e região central da polpa (P). Tricrômico de Masson, 250 ×. D PD CO CA CRC P Capitulo_01.indd 4 16/09/2013 10:24:17 Complexo Dentino-Pulpar o 5 gem microbiana, traumática e iatrogênica (preparos cavi- tários e outros procedimentos clínicos) até traumas de origem química advindos de materiais dentários. De ma- neira geral, esse complexo responde a esses irritantes com a produção de dentina, tendo como principal objetivo li- mitar a difusão de componentes tóxicos para o tecido pulpar, pela diminuição da permeabilidade do tecido dentinário, bem como afastar-se da fonte agressora. Des- sa forma, a resposta do complexo dentino-pulpar com- preende três mecanismos básicos de defesa, que estão in- timamente relacionados e que dependem do tempo e da intensidade da agressão: a deposição de dentina intratu- bular; a deposição de dentina terciária; e a inflamação/ resposta imune.13,14 O primeiro mecanismo, a deposição de dentina intra- tubular, resulta na formação da esclerose dentinária. Esse fenômeno é considerado um importante mecanismo de defesa da polpa, o qual reduz e pode até mesmo obstruir a luz interna dos túbulos dentinários, reduzindo drasti- camente a permeabilidade da dentina. Essa redução no diâmetro tubular pode ocorrer em virtude do acúmulo de cristais de apatita provenientes da própria dissolução da dentina no interior dos túbulos, que leva à liberação de proteínas não colagenosas aprisionadas na dentina mine- ralizada, as quais podem atuar diretamente nos odonto- blastos, estimulando a produção de matriz extracelular.15 Segundo Pashley e colaboradores,16 quando o dente é ex- posto à atrição, ocorre uma alteração no movimento de fluido dentinário do interior da polpa para fora, com o objetivo de conduzir e formar depósitos de minerais no interior dos túbulos. Já nos casos de lesões de cárie, estemecanismo também está associado à resposta dos recep- tores de membrana localizados nos odontoblastos e/ou em seus prolongamentos citoplasmáticos, que seriam ati- vados por proteínas metabolicamente ativas provenientes da dissolução da dentina. Essas proteínas são liberadas no interior dos túbulos e ativam os odontoblastos, esti- mulando a secreção de proteínas relacionadas à deposi- ção de matriz dentinária. Dessa forma, os túbulos de den- tina próximos ao processo de lesão por cárie podem ser obstruídos por proteínas secretadas pelos odontoblastos em associação com cristais do fluido dentinário e da den- tina descalcificada, além dos próprios componentes in- ternos dos túbulos. Quando ocorre a deposição de dentina terciária na pe- riferia pulpar em resposta a um estímulo externo, o meca- nismo de defesa é conhecido como deposição de dentina terciária, considerada patológica, cujo objetivo, de maneira geral e simplória, seria o distanciamento dos odontoblastos do agente agressor. A dentinogênese terciária engloba um amplo espectro de respostas que vão desde a secreção de uma dentina tubular, que pouco difere da dentina primá- ria e da secundária, até a deposição de uma dentina amorfa e atubular. Dessa forma, a dentina terciária tem sido sub- classificada em reacional e reparadora em virtude dos dis- tintos eventos biológicos que envolvem sua deposição, bem como de suas características morfológicas.17 Em situações em que o complexo dentino-pulpar é submetido à agressão de baixa intensidade, os odontoblastos primários (os mes- mos responsáveis pela deposição da dentina primária e da secundária) são estimulados a depositar e mineralizar ma- triz dentinária, provavelmente por mecanismos associados à inflamação de baixa intensidade. Essa dentina, denomi- nada reacional, pouco se diferencia da dentina primária e da secundária, apresentando, na maioria das vezes, carac- terística tubular (Figura 1.8). Quando a agressão é de alta intensidade, pode ocorrer morte dos odontoblastos ou mesmo aspiração dessas cé- lulas para o interior dos túbulos dentinários (desenca- deando um processo de autólise). Durante esse processo, o Figura 1.7 A Detalhe da região central da polpa selecionada a partir de B. Nota-se que, neste tecido conjuntivo frouxo, há a presença de células do siste- ma imune, fibroblastos (seta amarela) e vasos sanguíneos (VS) TEM. B A VS Capitulo_01.indd 5 16/09/2013 10:24:19 6 o Dentística: Uma Abordagem Multidisciplinar células mesenquimais indiferenciadas da polpa são “esti- muladas” a se diferenciar em células odontoblastoides e secretar matriz de dentina, inicialmente amorfa e, muitas vezes, atubular, a qual caracteriza a dentina reparadora. A deposição de uma matriz tubular por células polariza- das é observada posteriormente na superfície dessa ma- triz amorfa. Esse processo de reparação pulpar é mais complexo e envolve diversos eventos bioquímicos/mole- culares, que dependem diretamente das condições e ca- racterísticas da polpa previamente à ação do agente irri- tante18,19 (Figura 1.9). A diferenciação entre esses dois tipos de dentina terciá- ria é de grande importância no estudo da biocompatibili- dade dos materiais dentários. Isso porque, se determina- do material resultar na deposição de dentina reparadora, sabe-se que ocorreu a morte dos odontoblastos agredidos e nova formação de camada de células odontoblastoides pela diferenciação das células mensequimais indiferen- ciadas subjacentes. Consequentemente, um número me- nor de células mesenquimais permanecerá na polpa re- manescente, o que pode reduzir a capacidade do complexo dentino-pulpar de responder a agressões futu- ras. Como ocorre a morte dos odontoblastos, o prolonga- mento deles será degradado. O último mecanismo de defesa, a inflamação/respos- ta imune, está relacionado à capacidade das células pul- pares de induzir uma resposta inflamatória e imune fren- te aos agentes agressores do complexo dentino-pulpar. Esse mecanismo envolve tanto uma resposta imune inata quanto a adaptativa, incluindo desde o fluido dentinário até diversos tipos celulares e suas citocinas inflamató- o Figura 1.8 Dentina reacional (DRL) depositada abaixo de uma área de agressão de baixa intensidade aplicada sobre o complexo dentino-pulpar. Nota- -se a linha cálcio-traumática (setas), sendo que, abaixo dela, a matriz de dentina reacional recém-depositada exibe túbulos dentinários evi- dentes. Uma camada contínua de odontoblastos também pode ser observada. H/E, 250 ×. o Figura 1.9 Dentina reparadora (DRA) depositada abaixo de uma área de agres- são de forte intensidade aplicada sobre o complexo dentino-pulpar. Nota-se que resíduos de odontoblastos primários mortos permanece- ram incluídos em uma matriz de dentina amorfa (setas oblíquas), a qual, em uma região mais interna, apresenta alguns túbulos dentiná- rios irregulares (setas horizontais). Essa dentina terciária reparadora está revestida por uma delicada camada de células odontoblastoides de variada morfologia, que foram recém-diferenciadas. Tricrômico de Masson, 250 ×. DRL DRA rias.20,21 O resultado final dessa resposta imune é um qua- dro inflamatório exacerbado, cujo objetivo principal é eliminar os agentes agressores. Entretanto, se o agente agressor não for eliminado, como pode ocorrer durante a evolução do processo carioso, essa inflamação imune eventualmente leva à destruição irreversível da polpa.21 A resposta inicial compreende o aumento da pressão intrapulpar, resultando na exsudação do fluido dentiná- rio. Quando a dentina é exposta, a pressão positiva da polpa dental limita a invasão dos túbulos dentinários por bactérias e seus produtos, bem como de outras substân- cias nocivas, prevenindo, pelo menos durante um perío- do curto inicial de tempo, que cheguem até o tecido pul- par.22 Em polpas injuriadas, observou-se um alto conteúdo de anticorpos no interior dos túbulos dentiná- rios próximos à região afetada, possivelmente como for- ma de reagir aos antígenos de forma específica ou não.14 Outro fenômeno frequentemente encontrado nessa situa- ção específica é a precipitação de proteínas plasmáticas de alto peso molecular no interior dos túbulos dentiná- rios, entre eles o fibrinogênio, que podem reduzir a per- meabilidade da dentina.23 Por estarem localizados na periferia da polpa e, conse- quentemente, em contato direto com a pré-dentina e com a dentina, por meio de seus prolongamentos, os odontoblas- tos representam o primeiro grupo celular a entrar em con- tato com os agentes agressores que podem se difundir pe- los tecidos mineralizados do dente. Apesar de sabermos Capitulo_01.indd 6 16/09/2013 10:24:22 Complexo Dentino-Pulpar o 7 que a principal função dos odontoblastos é a síntese e pos- terior mineralização da matriz dentinária, estudos recen- tes demonstraram a participação desse tipo celular no pro- cesso de reconhecimento de padrões moleculares associados aos patógenos, na produção de citocinas e quimiocinas e na regulação do fluxo sanguíneo pulpar.20,21,24 Os odontoblastos expressam receptores do tipo Toll (“Toll-like receptors”), que induzem a fase efetora da res- posta imune inata pela ativação da via NF-κB, resultando em secreção de citocinas pró-inflamatórias e quimioci- nas, na produção de peptídeos antimicrobianos e na ma- turação das células dendríticas.25,26 Além disso, essas cé- lulas são responsáveis pela produção de certas quimiocinas, como as CCL2 (que participam da quimio- taxia de células dendríticas imaturas), os monócitos, os macrófagos ativos etc., para o sítio injuriado.24 Com rela- ção à participação dos odontoblastos na microcirculação, foi demonstrado o aumento na expressão da quimiciona pró-angiogênica CXCL2 quando essas células foram esti- muladas com LTA (ácido lipoteicoico), o quepode contri- buir para o aumento na vascularização durante o proces- so inflamatório, particularmente em virtude de sua posterior ligação a receptores nas células endoteliais.27 Esse mesmo estímulo (LTA) sobre células odontoblastoi- des e outras células pulpares resultou em aumento na produção do fator de crescimento endotelial vascular (VEGF), um importante indutor de angiogênese e per- meabilidade vascular.28 Essas células também podem produzir a enzima NADPH-diaforase, envolvida na pro- dução de óxido nítrico, um potente vasodilatador.29,30 Outros componentes dessa resposta imune pulpar são os neuropeptídeos, responsáveis por alterar múltiplos pro- cessos, como a permeabilidade vascular e a vasodilatação no local da injúria.31 Entre os neuropeptídeos mais comu- mente encontrados no tecido pulpar, estão o peptídeo rela- cionado ao gene da calcitonina (CGRP), a substância P (SP), a neuroquinina (NKA) e o polipeptídeo vasoativo intestinal (VIP). O resultado final da inflamação neurogê- nica é um aumento transiente na pressão tecidual intersti- cial e na movimentação do fluido dentinário em sentido contrário à polpa, sendo considerado, como descrito ante- riormente, um fator protetor do complexo dentino-pul- par. No entanto, caso o tecido pulpar não consiga absorver esse excesso de fluido intersticial por meio dos sistemas linfático e circulatório, um aumento nos níveis dos neuro- peptídeos somado ao edema persistente podem levar à dor e possível necrose local na polpa.32,33 Os demais participantes da resposta imunoinflamató- ria pulpar incluem células típicas do sistema imune, como células dendríticas, macrófagos, linfócitos T e B, além de suas citocinas e quimiocinas. As células dendríticas são consideradas a população mais importante no reconheci- mento e na apresentação de antígenos do tecido pulpar. Diante da captura, do processamento e do reconhecimento dos produtos de patógenos, essas células em estado imatu- ro iniciam um processo de maturação funcional e migram até os nódulos linfáticos regionais para apresentar os antí- genos aos linfócitos T imaturos.34 O processo de maturação das células dendríticas resulta em maior produção de cito- cinas pró-inflamatórias, as quais sustentam o recrutamen- to desse tipo celular circulante imaturo, de seus precurso- res e também de células T para o local da injúria.35 Os macrófagos participam da resposta pulpar na apresentação de antígenos, na fagocitose e na modulação da resposta imune por meio da produção de diversas citocinas e fatores de crescimento.21 Essas células, quando ativadas, produ- zem TNF-α, IL-1, IL-10, IL-12, quimiocinas e vários me- diadores lipídicos, como o fator de ativação de plaquetas, prostaglandinas e leucotrienos. Com relação aos linfócitos, são mais encontradas células T do que B no tecido pulpar. Quando ativados, os linfócitos T participam no reconheci- mento do antígeno por meio dos receptores de membrana (células T “helper”) e atuam na eliminação de células do hospedeiro infectadas e transformadas por vírus, induzin- do a apoptose delas, além de produzir IFN-γ com objetivo de aumentar a fagocitose (células T citotóxicas). Os linfóci- tos B são geralmente encontrados em lesões de cárie pro- funda21 e caracterizam uma resposta pulpar adaptativa, ou seja, um antígeno específico. Além de sua função principal em produzir anticorpos, as células B podem também atuar como apresentadoras de antígenos, modular as funções das células dendríticas e produzir citocinas, como IL-10, IL-4 e IFN-γ, em resposta aos patógenos.36,37 REPERCUSSÃO DOS PROCEDIMENTOS CLÍNICOS NO COMPLEXO DENTINO-PULPAR A partir do rompimento da integridade do esmalte, seja por um processo carioso ou mesmo durante a reali- zação de um preparo cavitário, túbulos dentinários são expostos, criando, assim, uma via de comunicação direta entre o tecido pulpar e o ambiente externo. Com o objeti- vo de selar a dentina e atuar como agente de reparação tecidual, diversos materiais dentários estão sendo empre- gados na Odontologia. Entretanto, esses materiais apre- sentam características distintas no que se refere à compo- sição química, hidrofilicidade, resistência mecânica, adesividade com os tecidos dentários e presença de pro- dutos de degradação, fatores intimamente relacionados à resposta do tecido pulpar. Dessa forma, uma característi- ca extremamente importante na seleção do material den- tário ideal é a sua compatibilidade e capacidade de intera- gir com o complexo dentino-pulpar, com o objetivo de prevenir danos pulpares ou, pelo menos, contribuir para a reparação da polpa em um curto período de tempo. Outro fator a ser levado em consideração no que diz respeito à repercussão de um dado procedimento clínico no tecido pulpar é a profundidade do preparo cavitário. Capitulo_01.indd 7 16/09/2013 10:24:23 8 o Dentística: Uma Abordagem Multidisciplinar Sabe-se que, dependendo da profundidade da cavidade, o tecido dentinário assume características completamente distintas quanto ao número e diâmetro dos túbulos den- tinários, como relatado anteriormente neste capítulo. As- sim, atenção especial deve ser dada quando se está traba- lhando em dentina profunda, um substrato que apresenta elevada permeabilidade, em virtude do maior número e diâmetro dos túbulos dentinários, o que também deter- mina uma elevada umidade nesse tecido. Esses fatores devem ser levados em consideração quando da escolha do material odontológico a ser aplicado nesse tipo de subs- trato. Quanto maior a permeabilidade do tecido dentiná- rio, maior a possibilidade de difusão transdentinária de componentes dos materiais dentários não polimerizados para o tecido pulpar. Os componentes liberados pelos materiais que conseguem atravessar a dentina para al- cançar a polpa podem desencadear reações no tecido pul- par que vão desde uma leve reação inflamatória até ne- crose. Dessa forma, a espessura do remanescente dentinário (RDT – Remaining Dentin Thickness) deve ser considerada como um importante fator a ser avaliado quando da seleção do material dentário ideal para solu- cionar uma situação clínica específica. Preparo cavitário O procedimento clínico mais comumente praticado pelos cirurgiões-dentistas e que pode provocar desequilí- brio entre os diversos componentes do complexo dentino- -pulpar é aquele onde o esmalte e a dentina são cortados durante a realização de um preparo cavitário. Uma vez que esse procedimento pode gerar danos ao tecido pulpar de intensidade variada, cuidados simples devem ser levados em consideração e respeitados durante sua confecção. Com o advento do condicionamento ácido dos teci- dos duros dentários proposto por Buonocore,38 associa- do à aplicação de sistemas adesivos, os antigos conceitos atribuídos aos preparos cavitários passaram por uma profunda transformação. Ao deixar de ser prioridade a forma de retenção, atualmente recomenda-se que o pre- paro cavitário limite-se à remoção do tecido cariado (preparo cavitário minimamente invasivo). Sabe-se que, quanto maior a profundidade do corte da dentina, maior a probabilidade de dano direto aos odontoblastos pelo corte dos seus prolongamentos citoplasmáticos presentes nos túbulos dentinários.12 Dessa forma, com essa nova filosofia restauradora, passou-se a valorizar a capacida- de reparadora da polpa, já que o prolongamento dos odontoblastos é preservado, aumentando o potencial de formação de esclerose dentinária. Além disso, o corte de dentina sadia promove exposição de túbulos sem escle- rose dentinária promovida pelo processo carioso, ou seja, ocorre exposição de túbulos com amplo diâmetro e altamente permeáveis.13 Turbina de alta velocidade Convencionalmente, os procedimentos de corte dos tecidos dentais são realizados a partir da utilização de instrumentos rotatórios associadosà turbina de alta velo- cidade. O contato direto da broca com as superfícies do dente gera uma alta intensidade de calor, a qual é neutra- lizada pelo jato água/ar que atinge a porção ativa da broca e dos tecidos dentários remanescentes. Sob essa condição, a broca e o dente são refrigerados, o que impede que o calor excessivo seja transmitido para o tecido pulpar, ou seja, evita-se que o aquecimento venha a causar danos de variada intensidade a esse tecido conjuntivo especializa- do39 (Figura 1.10). O aquecimento do elemento dental é a principal causa de alterações irreversíveis aos odontoblastos. O estudo clássico desenvolvido por Zach e Cohen, em 1965, de- monstrou, pela primeira vez, os efeitos produzidos pelo calor em dentes de primatas. Os autores relataram que, quando se aplicou uma temperatura de 5,6°C na câmara pulpar dos dentes desses animais, 15% das polpas avalia- das sofreram necrose. Contudo, quando se elevou a tem- peratura para 16,5°C, 100% das polpas sofreram danos irreversíveis.40 Durante a preparação cavitária, o aumen- to inadvertido da temperatura na câmara pulpar pode ocorrer por diversos fatores. A utilização de brocas sem a correta atividade de corte e a excessiva pressão de corte aplicada sobre as estruturas dentárias, bem como a falta de refrigeração, podem, isoladamente, ou em associação, causar aquecimento e gerar sérios danos para o tecido o Figura 1.10 Dente humano submetido a preparo cavitário sem os devidos cuida- dos com a irrigação, pressão de corte da dentina e capacidade de corte da ponta diamantada. Observa-se a ruptura da camada odonto- blástica, sendo que muitos odontoblastos foram aspirados para o in- terior dos túbulos dentinários (setas). Nota-se a desorganização do tecido pulpar subjacente associada à hemorragia local. Tricrômico de Masson, 250 ×. Capitulo_01.indd 8 16/09/2013 10:24:26 Complexo Dentino-Pulpar o 9 pulpar. Por esse motivo, é recomendada a substituição frequente das brocas empregadas em procedimentos clí- nicos.41-43 Da mesma maneira, movimentos de pressão intermitentes devem ser aplicados sobre a estrutura den- tária durante a preparação cavitária, o que reduzirá a possibilidade de aquecimento excessivo do elemento den- tal. Pode-se recomendar a pressão de corte de quatro se- gundos com outros quatro segundos de descanso. Tam- bém devem ser obtidas adequada refrigeração das brocas e das estruturas dentárias pela utilização de turbinas que contenham pelo menos dois orifícios de diâmetros apro- priados, os quais devem estar totalmente desobstruídos durante o procedimento clínico de corte das estruturas dentárias.41,44 O descuido na observação de qualquer um desses itens poderá acarretar sérios prejuízos ao tecido pulpar, fato que certamente justifica os cuidados a serem tomados. Método químico/mecânico A remoção químico/mecânica do tecido cariado é um método que foi proposto com o objetivo de desenvolver procedimentos menos invasivos e mais confortáveis ao paciente. Ele propõe a aplicação de um agente químico que consegue atuar apenas na dentina comprometida pelo processo carioso, amolecendo-a e facilitando, assim, sua remoção mecânica por meio de instrumentos manuais especialmente desenhados.45 Já foram propostos diversos métodos químico/mecâ- nicos para remoção do tecido cariado.45,46 Atualmente, um método patenteado e com comprovada efetividade para essa atividade é o que emprega o Carisolv™ (Medi Team Dentalutveckling AB, Sävedalen, Suécia), um pro- duto que apresenta, na sua composição, três aminoácidos com diferentes funções que interagem efetivamente na dentina cariada: a lisina (aminoácido básico); a leucina (aminoácido hidrófobo); e a glutamina (aminoácido áci- do). Além dos aminoácidos, o Carisolv™ apresenta um evidenciador de dentina cariada, a eritrosina (E127B), água, hipoclorito de sódio e cloreto de sódio. A mistura do hipoclorito de sódio com os aminoáci- dos, em um pH elevado, gera a formação de um aminoá- cido N-clorado, em que o cloro frouxamente ligado é ati- vado e ataca o colágeno desnaturado na lesão de cárie.47 O hipoclorito de sódio é um agente proteolítico não especí- fico que consegue remover componentes orgânicos e com reconhecida atividade antimicrobiana; porém, os amino- ácidos neutralizam o efeito agressivo dessa substância sobre os tecidos sadios.48 O resultado é, basicamente, o amolecimento da dentina cariada, deixando a dentina subjacente, a qual, apesar da presença de poucos micror- ganismos, mantém seu potencial de remineralização.49 A eficácia desse sistema na remoção do tecido cariado foi avaliada em diversos estudos, que demonstraram que o Carisolv™ é eficaz na remoção do tecido cariado, ao ex- cluir quase que totalmente a necessidade de anestesia lo- cal; porém, o maior tempo clínico necessário para a exe- cução desse método foi considerado sua principal desvantagem.50-56 Em um estudo recente, desenvolvido com microtomografia computadorizada, ficou constata- do que esse método foi mais seletivo para remoção de cá- rie quando comparado a outros oito métodos.57 O efeito do Carisolv™ em polpas humanas expostas foi avaliado por Bulut e colaboradores.58 O produto foi aplica- do sobre a polpa exposta por um período de 10 minutos, tendo como controle a aplicação de solução salina. Após uma semana, uma resposta pulpar semelhante, que consis- tia em suave inflamação adjacente à área de perfuração, foi encontrada em ambos os grupos, não havendo diferença estatística entre eles. Os autores concluíram que o Cari- solv™ não causa reações adversas para o tecido pulpar de seres humanos, sendo considerado, assim, um produto biocompatível. Em estudo recente, Chang e colaborado- res59 demonstraram que a utilização do Carisolv™ em cavi- dades profundas, previamente ao capeamento pulpar indi- reto com hidróxido de cálcio, resultou em 95,3% de vitalidade pulpar em comparação com 87% quando o mé- todo tradicional foi empregado, uma diferença estatistica- mente significativa. Dessa forma, e segundo os autores, o método químico/ mecânico foi mais efetivo na preservação da vitalidade pulpar do que o método tradicional quando da realização de capeamento pulpar indireto em cavidades profundas. Outros estudos com polpa de ratos também foram realiza- dos, sendo observado que a aplicação do Carisolv™ em pol- pa exposta por períodos de 10 a 30 minutos não promoveu alterações significativas no tecido pulpar. Além disso, fo- ram observadas destruição tecidual superficial e necrose de coagulação em 150 μm de profundidade, limitada à área exposta. Segundo os autores, esse produto causa uma hi- drólise alcalina dos componentes celulares da polpa, po- rém não decompõe o colágeno desse tecido.49,60,61 Laser Er:YAG O sistema de ablação a ar pela utilização do laser Er:YAG é uma alternativa para remoção do tecido caria- do que tem sido bastante estudada.39,62 O laser Er:YAG atua em um comprimento de onda cujo valor é igual ao pico de absorção da água e muito próximo do grupo hi- droxila (OH–) referente à apatita mineral encontrada tanto no esmalte como na dentina.63-67 Esse importante fator permite que a energia liberada pelo laser Er:YAG seja satisfatoriamente absorvida, tanto pelo esmalte como pela dentina,63 uma vez que ambas as estruturas apresentam naturalmente água e cristais de hidroxiapa- tita na sua composição.68 Durante a aplicação desse tipo de laser na superfície dental, a água absorve a energia eletromagnética emitida pelo sistema de Er:YAG, transformando-a em energia tér- Capitulo_01.indd 9 16/09/2013 10:24:26 10 o Dentística: Uma Abordagem Multidisciplinar mica, passando rapidamente do estado líquido para o esta- do gasoso.69 Esse processo provoca intensa elevação da pressão interna do substrato mineral, rompendo a sua es- trutura pelo processo demicroexplosões, um fenômeno conhecido como ablação.63,70 É nesse contexto que o siste- ma de laser Er:YAG tem sido utilizado para remover tecido cariado e realizar preparos cavitários.66,71-73 A capacidade do sistema laser em ablacionar os tecidos dentais está dire- tamente relacionada a dois parâmetros: a energia por pul- so; e a taxa de repetição. Assim, à medida que se aumentam a taxa de repetição e a energia por pulso, maior é a eficácia de remoção do tecido dentinário. Porém, como consequ- ência, esse processo provoca aumento da temperatura do tecido irradiado.67,74 Segundo Kilinc e colaboradores,75 con- tudo, o aumento na temperatura da câmara pulpar, in vi- tro, observado para o laser Er:YAG foi significativamente menor que o verificado para as brocas em alta rotação, não ultrapassando 5,5°C. Outras pesquisas demonstram que a refrigeração pela utilização de jato água/ar previne o au- mento excessivo da temperatura produzido durante o pro- cesso de ablação, resultando em um mecanismo eficiente e seguro para procedimentos clínicos.39,76,77 De acordo com Hossain e colaboradores,78 a refrigeração com jato água/ar não apenas impede o aquecimento excessivo das estruturas irradiadas, como também aumenta a efetividade de ablação. Na literatura, não existe um consenso ou padronização em relação aos parâmetros utilizados para realização da pre- paração cavitária com o uso do laser, sendo que seus estudos empregaram diferentes parâmetros, o que torna difícil a eleição de um método seguro e eficaz.77,79 Em estudo in vitro, Promklay e colaboradores80 observaram que a aplicação do laser Er:YAG, com diferentes energias de pulso (120, 300 e 500 mJ), sobre superfície de discos de dentina com 0,5 mm de espessura não causou alterações significativas sobre fi- broblastos cultivados no lado oposto dos discos. Os autores observaram ainda que, para a energia de 500 mJ, houve au- mento na produção de colágeno tipo I pelas células. Os efeitos da preparação cavitária com laser Er:YAG sobre polpas humanas foi avaliada por João Fernando Kina.81 O autor empregou energia de pulso de 500 mJ, taxa de repetição de 10 Hz e volume de água de 8,4 mL/ min. O preparo com o laser foi realizado com movimen- tos horizontais, lentos e contínuos, para evitar acúmulo de energia em uma única região do preparo. A análise histológica dos dentes submetidos à preparação cavitária a laser e com turbina de alta velocidade não demonstrou alterações significativas no tecido pulpar. Nessa pesquisa, não foi mensurada a temperatura gerada durante a con- fecção das cavidades, entretanto o autor especulou que o calor gerado foi baixo, pois não ocorreram danos teciduais significativos na polpa dos pacientes, mesmo consideran- do que o RDT entre as paredes cavitárias e a polpa era, em média, de 935,2 μm. Em uma análise mais detalhada, foi possível constatar que apenas um (1) espécime de cada grupo experimental apresentou tecido pulpar com res- posta inflamatória significativa e notável desorganização tecidual no corno pulpar diretamente relacionado com as paredes cavitárias. Nesses espécimes, o remanescente dentinário entre o assoalho da cavidade e a polpa era de 214 μm, para o método com laser, e de 413 μm, para a turbina de alta rotação. Esses dados histológicos demons- tram que ambos os sistemas apresentam potencial para causar agressões pulpares quando do corte ou da ablação de tecido dentinário muito profundo (RDT < 0,5 mm). Assim, os cirurgiões-dentistas devem estar atentos quando da realização de procedimentos clínicos de pre- paração cavitária, especialmente quando houver a neces- sidade de remoção de dentina próxima à polpa. Como anteriormente discutido, esse procedimento se torna mais crítico quando o tecido dentinário profundo a ser mecanicamente removido apresenta-se cariado. Nesse caso, os possíveis danos pulpares causados pelo preparo cavitário podem se somar ao processo inflamatório pre- viamente instalado na polpa em decorrência da presença de bactérias e seus produtos citotóxicos. Quanto à morfologia da cavidade, no estudo realizado por Kina,81 foi relatado que o sistema laser não permitiu controle efetivo da eliminação dos tecidos mineralizados do dente, quando foram obtidos preparos mais irregulares do que aqueles confeccionados com turbina de alta veloci- dade. Segundo o autor, esse fato pode ter resultado nas ex- posições pulpares acidentais que ocorreram apenas neste grupo durante a realização do experimento. Neves Ade e colaboradores57 observaram, em estudo in vitro com mi- crotomografia computadorizada, que a remoção do tecido cariado com laser Er:YAG resultou em remoção não seleti- va da cárie, quando comparado a outros métodos. Dessa forma, apesar de estudos demonstrarem a ausência de efei- tos adversos sobre o tecido pulpar, ainda não há evidências da segurança na utilização desse método para remoção do tecido cariado (já que pode resultar em remoção inespecí- fica do tecido dental sem efetivo controle operacional), bem como uma definição clara dos parâmetros ideais a serem empregados clinicamente. Procedimentos restauradores O procedimento restaurador visa a devolver as fun- ções, a morfologia e a característica de cor ao elemento dental, possibilitando o rápido reparo do complexo den- tino-pulpar.17 Assim, a biocompatibilidade é uma impor- tante propriedade a ser considerada na seleção de um agente restaurador, especialmente quando a restauração é realizada em cavidades profundas. Além da biocompati- bilidade, pesquisas recentes têm investigado a capacidade desses materiais dentários em interagir com o complexo dentino-pulpar e auxiliar no processo de regeneração por meio da modulação das respostas celulares.12 Sabe-se que, Capitulo_01.indd 10 16/09/2013 10:24:27 Complexo Dentino-Pulpar o 11 durante a dentinogênese, proteínas não colagenosas, além de fatores de crescimento, permanecem sequestra- dos na dentina após sua mineralização. Quando aplica- dos sobre a dentina, alguns materiais apresentam capaci- dade de liberar moléculas bioativas desse tecido dentário tubular, principalmente em virtude de suas característi- cas de acidez ou alcalinidade, bem como por seu poten- cial de atuar como agente quelante, o que pode auxiliar no processo de regeneração pulpar. Dessa forma, nesta seção será dado enfoque para os materiais utilizados para restauração de cavidades profundas (capeamento pulpar indireto), bem como para aqueles aplicados em polpa ex- posta (capeamento pulpar direto). Capeamento pulpar indireto Em casos de lesões profundas, o capeamento indireto da polpa é empregado com o objetivo de manter a vitalida- de pulpar: (1) detendo o processo carioso; (2) promovendo esclerose dentinária (reduzindo a permeabilidade); (3) esti- mulando a formação de dentina reacional; e (4) reminera- lizando a dentina cariada.82 O correto diagnóstico clínico da condição pulpar bem como a seleção do material cape- ador e de um material restaurador que permita adequado selamento da interface dente/restauração são essenciais para o sucesso desse procedimento restaurador. Como an- teriormente descrito neste capítulo, atualmente preconiza- -se a realização de preparos cavitários minimanente inva- sivos, limitados à remoção do tecido cariado. Essa remoção deve restringir-se à camada mais superficial de dentina cariada (dentina infectada), clinicamente apresentada como uma dentina necrótica, destruída e desorganizada, e pode ser feita facilmente com instrumentos manuais. A dentina infectada é rica em microrganismos, toxinas e en- zimas, não conservando estrutura histológica passível de reorganização e remineralização.83,84 Logo abaixo da dentina infectada, encontra-se uma estrutura dentinária contaminada (dentina afetada), que se apresenta como uma estrutura distorcida, de coloraçãoalterada, mas com textura parcialmente mantida. A den- tina afetada também contém microrganismos, embora em menor número83,84 (Figuras 1.11 e 1.12). Após remoção da dentina infectada, é recomendado que se aplique, sobre a dentina afetada, um material den- tário que apresente comprovada atividade antimicrobia- na, já que este deve atuar sobre microrganismos remanes- centes, inibindo sua atividade e metabolismo. Esse procedimento permite que o processo de cárie da camada mais profunda de dentina paralise, potencializando ou, pelo menos, criando condições adequadas para a repara- ção do complexo dentino-pulpar.84,85 Tem sido relatado que o material forrador ideal deve apresentar as seguintes propriedades: módulo de elastici- dade semelhante à dentina; adesão ao substrato dentiná- rio; atividade antimicrobiana; adequada resistência me- cânica; copolimerização com o material restaurador; baixa solubilidade; e biocompatibilidade com o tecido pulpar.84 Vários materiais dentários foram propostos para o capeamento indireto, sendo que sua viabilidade de utilização será descrita a seguir. Hidróxido de cálcio Os materiais a base de hidróxido de cálcio têm sido empregados como agentes forradores e capeadores com o Figura 1.11 Visão geral de uma lesão de cárie em evolução em um dente decíduo. Nota-se que a camada mais superficial da lesão, denominada dentina infectada (DI), apresenta elevado número de microrganismos e sua estrutura já está completamente desorganizada. Abaixo dela, observa-se um menor número de microrganismos penetrando na dentina por meio dos túbulos dentinários (setas). Esta parte da lesão, a qual, apesar de contaminada, ainda preserva a característica tubular da dentina, leva o nome de dentina afetada (DA). Brown & Brenn, 125 ×. o Figura 1.12 Detalhe de uma dentina infectada (DI), a qual se apresenta desorga- nizada e, consequentemente, sem potencial de remineralização. Brown & Brenn, 250 ×. DI DI DA Capitulo_01.indd 11 16/09/2013 10:24:30 12 o Dentística: Uma Abordagem Multidisciplinar elevados índices de sucesso clínico há décadas.14 Suas ca- racterísticas, que incluem ação bacteriostática e bacterici- da aliada à sua alcalinidade, parecem exercer papel fun- damental na paralização do processo carioso. Já foi demonstrado que esse material promove a deposição de dentina reacional e esclerose dentinária.86 Quando usado para forramento de cavidades profundas preparadas em dentes humanos ou mesmo para capeamento pulpar di- reto, foi demonstrado que o hidróxido de cálcio, nas suas diferentes formulações, causa mínima resposta inflama- tória pulpar, sendo considerado padrão-ouro em pesqui- sas.42,87-94 Apesar das vantagens do uso dos cimentos de hidróxido de cálcio como materiais para capeamento pulpar indireto, estes apresentam desvantagens relacio- nadas às suas propriedades físicas, como falta de adesão às estruturas dentárias, baixa resistência mecânica e ele- vada solubilidade. Dessa forma, apesar de os cimentos de hidróxido de cálcio (Hidro C, Dycal e outros) continua- rem sendo amplamente usados na clínica odontológica para forramento cavitário e capeamento pulpar indireto, outros materiais têm sido propostos e estudados. Sistemas adesivos A aplicação de sistemas adesivos diretamente em ca- vidades profundas foi proposta, há alguns anos, por clíni- cos/pesquisadores que não recomendavam a aplicação prévia de um agente capeador indireto biocompatível para proteção do complexo dentino-pulpar. Porém, já está comprovado, a partir de diversas pesquisas científi- cas, que esse procedimento pode causar reação inflama- tória crônica persistente do tipo corpo estranho e reab- sorção dentária interna associada ou não a áreas de necrose do tecido pulpar.87 Diversos fatores estão envolvi- dos neste processo, os quais serão discutidos a seguir. Atualmente, os sistemas adesivos são classificados de acordo com o número de etapas necessárias para sua apli- cação clínica e com o seu mecanismo de interação com o substrato dentinário. O primeiro grupo de sistemas ade- sivos que surgiu é formado por aqueles que preconizam a remoção completa da smear layer por meio do condicio- namento ácido total. Nesse procedimento, um ácido forte (ácido fosfórico 30 a 40%) é aplicado sobre a superfície dentinária, promovendo descalcificação da dentina in- tertubular e peritubular e alargando a embocadura dos túbulos dentinários. Em seguida, aplicam-se o primer e o adesivo, o que resulta na formação de uma camada híbri- da acidorresistente.45,95,96 O condicionamento ácido total aplicado em cavidades muito profundas (RDT < 0,5 mm) pode resultar na expo- sição de uma rede de fibrilas de colágeno parcialmente desnaturadas, entrelaçadas em meio a amplos túbulos dentinários desobstruídos, os quais passam a permitir uma intensa exsudação de fluido dentinário do interior da polpa para a parede pulpar da cavidade. Mesmo após a remoção do excesso de água da cavidade, esse tipo de substrato se mantém muito úmido, especialmente em virtude da presença do fluido dentinário, sendo que este quadro pode ser ainda mais intenso se o tecido pulpar apresentar-se inflamado.17 Atenção especial deve ser dada ao procedimento de secagem da cavidade. Sabe-se que, em condições ideais, esse procedimento deve ser realiza- do de forma delicada, tomando-se cuidado para não desi- dratar e ressecar a dentina e provocar o colapso das fibri- las colágenas, o que dificulta a formação da camada híbrida. Em substrato dentinário profundo, a secagem excessiva da cavidade gera um rápido movimento de saí- da do fluido dentinário,97 o que pode provocar aspiração do corpo dos odontoblastos para dentro dos túbulos den- tinários, ocasionando a morte dessas células, que são eli- minadas dentro de alguns dias. A aplicação do sistema adesivo em um ambiente que apresenta excesso de umidade resulta na formação de uma camada híbrida heterogênea e de qualidade inade- quada. O sistema adesivo compete com o fluido dentiná- rio para ocupar a região desmineralizada pelo condicio- namento ácido, ou seja, não consegue penetrar em toda a área desmineralizada; dessa forma, permanecem gaps de dentina descalcificada pobre em minerais, a qual é alta- mente suscetível à hidrólise. Esses gaps tornam-se, então, sítios de falhas do mecanismo de adesão. Já foi demons- trado que as metaloproteínases da própria dentina e/ou da saliva podem degradar a interface adesiva.98 Além dis- so, a ampla umidade pode interferir na polimerização dos monômeros resinosos do sistema adesivo: aqueles não polimerizados permanecem livres em meio ao fluido dentinário e podem se deslocar facilmente por meio dos túbulos dentinários em direção ao tecido pulpar. A difusão in vitro de componentes resinosos pela den- tina foi amplamente demonstrada na literatura.99-102 Costa e colaboradores103 demonstraram que, quando o sistema adesivo não é polimerizado, o efeito citotóxico in vitro so- bre células odontoblastoides é exarcebado, ao ser compara- do aos mesmos materiais submetidos à fotopolimerização. Diversos estudos in vivo relataram que a aplicação de siste- mas adesivos em cavidades profundas submetidas ao con- dicionamento ácido resultou na formação de longos tags de resina e na difusão transdentinária de monômeros residu- ais não completamente polimerizados do material em di- reção à polpa.42,87,91,92,94,104 Associado à penetração de tais glóbulos de materiais resinosos, observou-se no tecido pul- par de dentes humanos intensa reação inflamatória e de- sorganização da camada de odontoblastos, sendo que este quadro não foi reversível.42 Porém, quando o substrato dentinário não foi submetido ao condicionamento ácido, foi observada apenas uma leve reação inflamatória.42,87 Outro procedimento clínico que pode influenciar na difusão de componentesnão polimerizados para o tecido pulpar é a fotopolimerização do sistema adesivo. Foi de- Capitulo_01.indd 12 16/09/2013 10:24:31 Complexo Dentino-Pulpar o 13 monstrado no estudo de Hashimoto e colaboradores97 que, durante a fotopolimerização, o aumento na tempera- tura gerado pela luz promove inversão no sentido de mo- vimentação do fluido dentinário dentro dos túbulos, ou seja, este passa a se deslocar em direção à câmara pulpar, o que pode ocasionar maior difusão de monômeros resi- duais para o interior da polpa. Os sistemas adesivos apresentam, na sua composição, diversos monômeros resinosos, como HEMA (2-Hydro- xyethyl methacrylate), Bis-GMA (Bisphenol A-glycidyl methacrylate), TEGDMA (Triethylene glycol dimetha- crylate) e UDMA (uretano dimetacrilato), os quais apre- sentam reconhecida citotoxicidade sobre células de ma- míferos em cultura.42,105-108 Ratanasathien e colaboradores106 descreveram a se- guinte sequência decrescente de citotoxicidade: Bis-GMA > UDMA > TEGDMA >>> HEMA. Apesar de sua menor toxicidade em relação aos demais monômeros resinosos, o HEMA é o principal monômero presente nos sistemas adesivos. Já foi demonstrado que uma concentração de 16 μmol/L de HEMA causou efeito inibitório irreversível so- bre a síntese de DNA, proteínas e metabolismo celular sobre fibroblastos em cultura.109 Contudo, os sistemas adesivos apresentam uma concentração de 4.000 μmol/L de HEMA, número muito maior que o empregado no es- tudo de Hanks e colaboradores.109 Além disso, esse mo- nômero apresenta elevada hidrofilicidade e baixo peso molecular, o que pode facilitar sua penetração e difusão pelos túbulos dentinários. Acredita-se, então, que uma concentração considerável de HEMA possa atingir a câ- mara pulpar após aplicação do sistema adesivo em cavi- dades profundas condicionadas, ou seja, esse monômero provavelmente é o principal responsável pelos efeitos de- letérios no tecido pulpar após aplicação dos sistemas ade- sivos. Já o Bis-GMA, apesar de sua elevada citotoxicidade, apresenta elevado peso molecular e é um monômero hidro- fóbico, o que limita sua difusão pelos tecidos dentários.110 Foi demonstrado por estudos in vitro que o contato direto de monômeros resinosos com diferentes tipos ce- lulares promoveu aumento na produção de espécies reati- vas de oxigênio (EROs), além de diminuição da atividade de antioxidantes intracelulares, desencadeando o proces- so de estresse oxidativo celular, seguido de morte celular por apoptose.111-115 Quando em contato com o tecido pul- par, os monômeros resinosos desencadeiam uma reação inflamatória crônica. Podem ser vistos macrófagos na periferia da polpa relacionada à área de aplicação do sis- tema adesivo, células que apresentam capacidade para fagocitar os componentes dos materiais resinosos; po- rém, as enzimas lisossomais produzidas por elas não con- seguem digerir esses produtos, o que resulta em uma rea- ção inflamatória persistente (Figuras 1.13 e 1.14). Um segundo grupo de sistemas adesivos disponíveis para uso clínico leva o nome de adesivos autocondicio- nantes, os quais têm por objetivo modificar a smear layer e incorporá-la no processo de adesão.88 Como a smear layer não é removida, acredita-se que a difusão de com- o Figura 1.13 Dente humano submetido a preparo cavitário muito profundo (RDT = 287 µm). Após condicionamento ácido total, um sistema adesivo foi aplicado sobre todas as paredes cavitárias. Observa-se a desorganiza- ção da camada odontoblástica, sendo que as células morreram por aspiração para o interior dos túbulos dentinários ou por contato direto com componentes resinosos que se difundiram por meio dos túbulos dentinários. Tricrômico de Masson, 250 ×. o Figura 1.14 Detalhe de uma área da Figura 1.13, em que um macrófago apresen- ta grande quantidade de glóbulos de material adesivo que alcançaram a câmara pulpar. TEM. Capitulo_01.indd 13 16/09/2013 10:24:32 14 o Dentística: Uma Abordagem Multidisciplinar ponentes monoméricos a partir desses materiais em dire- ção à câmara pulpar possa ser minimizada. Com o obje- tivo de avaliar a segurança da aplicação de adesivos autocondicionantes em cavidades profundas, Souza Cos- ta e colaboradores92 realizaram estudo em dentes huma- nos. Os autores observaram presença de glóbulos de ma- terial resinoso não polimerizado em direção ao tecido pulpar em apenas dois dos 15 espécimes estudados, asso- ciada à intensa reação inflamatória, sendo que esses espé- cimes apresentaram RDT menor que 300 μm. Cetingüç e colaboradores102 demonstraram que a penetração de HEMA pelos tecidos dentais a partir de sistemas adesivos ocorre na seguinte ordem crescente: condicionamento ácido + aplicação do sistema adesivo > adesivo autocon- dicionante > aplicação do sistema adesivo sem condicio- namento ácido. Porém, no mesmo estudo, foi mostrado que, quanto menor é o RDT, maior é a difusão de HEMA a partir de sistemas adesivos autocondicionantes. Em es- tudo recente, foi demonstrado que a aplicação de diferen- tes sistemas adesivos autocondicionantes sobre discos de dentina in vitro resultou em difusão significativa de mo- nômeros resinosos – sendo o HEMA o principal compo- nente encontrado –, o que produziu redução significativa da viabilidade de células odontoblastoides semeadas na superfície oposta dos discos de dentina.116 Outros estudos demonstram que pode ocorrer nanoinfiltração na cama- da híbrida confeccionada sob substrato úmido.117,118 Des- sa forma, a degradação da camada híbrida e a consequen- te liberação de monômeros resinosos podem ocorrer com o decorrer do tempo e, assim, exacerbar os danos ao teci- do pulpar.92 Tem sido demonstrado que os monômeros advindos dos sistemas adesivos podem interferir no metabolismo celular causando danos ao DNA, com a ativação consecu- tiva de mecanismos de reparo e, eventualmente, apoptose celular.119 Mais recentemente, alguns estudos observaram um retardo na resposta do sistema imune inato frente a agentes agressores como o LPS (lipopolissacarídeo) cau- sado pelos monômeros resinosos em virtude da redução da ação das MAP-kinases e, consequentemente, redução de mediadores inflamatórios.120 Esse achado indica que os monômeros podem interferir na resposta inflamató- ria, permitindo que o sistema imune atue de forma mais branda. Essa ação de supressão dos sintomas inflamató- rios pelos monômeros ainda permanece em questiona- mento, pois, apesar de poder favorecer a regeneração teci- dual, também pode levar a um quadro de sépsis em razão da dificuldade em reverter o processo infeccioso.120 Outra particularidade dos monômeros foi observada no estudo de Galler e colaboradores,121 em que demonstrou-se que células pulpares expostas a baixas concentrações de TEGDMA apresentaram redução na expressão de genes relacionados à mineralização, como o colágeno tipo 1, a fosfatase alcalina, a silaproteína óssea, a sialofosfoproteí- na da dentina, entre outros. Os autores sugerem que esse fenômeno ocorreu porque não houve energia suficiente para a diferenciação celular, já que a maioria da energia disponível foi utilizada para reaver as reações oxidativas, impedindo, portanto, a formação de barreira mineraliza- da.121 Assim, como o advento desses materiais é recente e poucos estudos estão disponíveis na literatura, parece ainda ser de bom-senso, para situações clínicas de cavi- dade profunda, utilizar materiais forradores que definiti- vamente apresentem boas propriedades biológicas. Cimento de ionômero de vidro As indicações de um material forrador vão muito além de proteger a polpa dos possíveis efeitos tóxicos dos materiais dentários. Na atualidade, sabe-se que um agen- te forrador/base pode ser utilizado para: (1) inibir a ativi- dade bacteriana na dentina afetada por cárie após remo- ção da dentina infectada;
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