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étnica e a prevalência de consangüinidade nesses povos(3). A hipercolesterolemia familiar homozigótica, muito rara, é caracterizada pela presença de dois alelos, cada qual com uma mutação herdada do pai e da mãe, res- pectivamente. Os indivíduos com o fenótipo homozigó- tico praticamente não expressam receptores para re- moção da LDL, sendo observados valores de coleste- rol plasmático acima de 600 mg/dl e de LDL-colesterol, acima de 500 mg/dl. Na hipercolesterolemia familiar ho- mozigótica, são freqüentes os casos de consangüini- dade, isto é, de casamentos entre familiares portado- res da forma heterozigótica(4). Em decorrência das elevadas concentrações plas- máticas de colesterol, os pacientes apresentam qua- dro clínico característico. Os xantomas ocorrem em quase 100% dos casos de hipercolesterolemia familiar homozigótica, antes dos 10 anos de idade, e caracteri- zam-se por lesões na pele, que nada mais são do que depósitos de colesterol no tecido subcutâneo, localiza- dos mais comumente na face dorsal das mãos, cotove- los, joelhos e tendão de Aquiles(5).O comprometimento cardíaco pode se estabelecer precocemente, com a presença de doença arterial coronária prematura e quadro clínico de angina, infarto do miocárdio ou mor- te súbita já na primeira infância. A formação da placa de aterosclerose acomete locais pouco freqüentes, in- cluindo aorta ascendente, arco aórtico e óstios coro- nários. A alteração inicial é o espessamento das ca- madas íntima e média da parede da aorta ascendente, o que predispõe à formação de placas nessa localida- de(5). As deformidades anulares do arco aórtico, como a estenose supravalvar aórtica, são achados caracte- rísticos da hipercolesterolemia familiar homozigótica, mas também a válvula aórtica e o seio de Valsalva são acometidos pela aterosclerose prematura. A coronari- ografia revela alta proporção de pacientes com este- nose dos óstios coronários e lesão triarterial. Provavel- mente, esses locais, pouco convencionais do acometi- mento aterosclerótico, refletem que o ateroma apre- senta bases etiológica e fisiopatológica decorrentes da hipercolesterolemia pura, oposta à origem multifatorial da doença coronariana que se observa na população em geral(6). DIAGNÓSTICO O diagnóstico da hipercolesterolemia familiar homo- zigótica é feito na presença de níveis muito elevados de colesterol total às custa da fração LDL-colesterol (geralmente acima de 600 mg/dl), associada ou não à presença de xantomas ou doença arterial coronária pre- matura, além da história familiar de hipercolesterole- mia ou doença cardiovascular precoce. Pode-se con- firmar o diagnóstico por meio da determinação genéti- ca da mutação, em centros especializados(5). TRATAMENTO Tratamento farmacológico O tratamento da hipercolesterolemia familiar homo- zigótica ilustra a dificuldade em se controlar os níveis de colesterol plasmático dos pacientes, pois a respos- ta à terapêutica farmacológica é quase sempre precá- ria e varia de acordo com a mutação presente. Há ca- sos em que as doses máximas de estatinas diminuem os níveis plasmáticos de LDL-colesterol em 5% a 28%, enquanto em outros não se observa qualquer redução dos mesmos, demonstrando capacidade quase nula de expressão dos receptores hepáticos de LDL, mesmo com associação de vários hipolipemiantes(7). Em pacientes com hipercolesterolemia familiar ho- mozigótica, foi observada a potencialização do efeito hipolipemiante quando se associou o ezetimiba, na dose de 10 mg/dia, à atorvastatina, na dose de 80 mg/ dia, com reduções de 25% dos níveis de colesterol to- tal e LDL-colesterol(5). As estatinas, associadas ou não a outras drogas ou a outras terapêuticas, devem ser consideradas preco- cemente em pacientes com hipercolesterolemia famili- ar homozigótica, principalmente nos pacientes que não têm acesso a terapêuticas não-farmacológicas. O conhecimento da história natural das hipercoles- terolemias familiares homo e heterozigóticas, bem como a resposta precária à terapêutica medicamentosa, con- tribuíram para o desenvolvimento de técnicas alterna- tivas para a redução dos níveis de colesterol. Cirurgia de derivação ileal O colesterol proveniente da dieta e o colesterol en- dógeno, presente na bile, alcançam o intestino delga- do, onde sofrerão ação dos sais biliares, sendo emulsi- ficados em micelas. As micelas prendem-se à borda Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo — Vol 15 — No 6 — Novembro/Dezembro de 2005 555 SANTOS RD e col. Abordagem terapêutica das dislipidemias em situações especiais: hipercolesterolemia familiar homozigótica refratária em escova das membra- nas dos enterócitos intes- tinais, para que o coleste- rol seja transferido das micelas para os enteróci- tos no duodeno e no jeju- no, através de um trans- portador de esterol (estu- dos ainda não definiram a natureza molecular desse transportador). Após a ab- sorção, uma parte do co- lesterol contido nos enterócitos retorna novamente ao lúmen intestinal, através de um transportador denomi- nado ABCG5/G8. Os sais biliares incorporam o coles- terol no lúmen intestinal, para que sejam absorvidos no íleo terminal, retornando para o fígado. O colesterol não absorvido é eliminado com as fezes. O metabolis- mo intestinal do colesterol é responsável pela absor- ção de 60%, em média, do mesmo(2). A partir de reconhecimento do íleo terminal como uma região especializada no processo de absorção de sais biliares e, conseqüentemente, de colesterol, Bu- chwald idealizou a cirurgia de derivação ileal, realiza- da pela primeira vez em 1968, como adjuvante no tra- tamento de pacientes hipercolesterolêmicos(8). A cirur- gia consiste na exclusão do íleo, em alça cega, do trân- sito intestinal, para redução da absorção de sais bilia- res e colesterol. Existem poucos estudos na literatura que utilizaram essa técnica, sendo o maior deles o es- tudo POSCH(9), iniciado em 1978 e elaborado para tes- tar a eficácia da cirurgia de derivação ileal, comparada à dieta, na redução do colesterol e de eventos coroná- rios. Foi um estudo randomizado, duplo-cego, em que foram avaliados 823 pacientes com doença coronária prévia e colesterol total acima de 220 mg/dl. Nesse estudo, um grupo de pacientes recebeu dieta e outro foi submetido a tratamento cirúrgico. Foram observa- das reduções de 23% dos níveis de colesterol total e de 38% do LDL-colesterol, com redução da progres- são da aterosclerose avaliada por angiografia e redu- ção de 35% de eventos combinados incluindo mortali- dade cardiovascular após dez anos, e que persistiu até 18 anos de seguimento no grupo tratado com cirurgia, comparativamente à dieta(10). O estudo POSCH, por- tanto, foi o pioneiro a comprovar a teoria lipídica de que reduções dos níveis de colesterol plasmático, pela técnica de derivação ileal, corroboraram a redução de eventos cardiovasculares. Atualmente, a derivação ileal não é indicada para o tratamento das hipercolesterolemias moderadas, pois existem medicamentos mais eficazes, como as estati- nas, na redução do colesterol e de eventos cardiovascu- lares. Vale ressaltar que o estudo POSCH foi concebi- do numa fase em que as mesmas não eram disponí- veis. Outro medicamento, o ezetimiba, vem sendo utili- zado, preferencialmente à colestiramina, para diminui- ção dos níveis de colesterol plasmático em associação com as estatinas(5), por meio da inibição da absorção intestinal do mesmo, mas ainda não há ensaios clíni- cos que demonstrem sua eficácia na redução de even- tos. A experiência dessa técnica com pacientes hiper- colesterolêmicos graves deu-se por meio de um estu- do de casos controle, no qual 27 pacientes com hiper- colesterolemia familiar heterozigótica foram seleciona- dos para tratamento cirúrgico e outros 27 compuseram o grupo controle recebendo dieta. Os níveis de coles- terol total de ambos os grupos eram, em média,