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LITERATURA PORTUGUESA AULA 1 – FORMAÇÃO DA LITERATURA PORTUGUESA: LITERATURA MEDIEVAL A formação da identidade portuguesa e a questão linguística A formação da literatura portuguesa dá-se em um contexto específico: O de organização da própria identidade pátria. Para os processos de formação da identidade nacional, um elemento fez-se primordial: a língua. É importante compreender a existência de um elo entre os atos de ser e de sentir-se português e o falar da língua portuguesa. Pelo menos a partir do século XII, há uma distinção entre a língua falada no território ibérico e a língua da escrita oficial: a latina. Nesse momento, os principais falares são oriundos do mesmo tronco linguístico, o galego. Tanto o galego-português, que viria a originar a língua portuguesa, como o castelhano são desdobramentos dessa língua neolatina. Segundo António Saraiva, no século XII, as crônicas eram escritas em latim – embora não mais em sua modalidade clássica. Nesse momento, foi escrita uma crônica sobre a batalha de Uclés, ocorrida em 1108. Em tal crônica, há uma passagem na qual a escrita em latim é interrompida. Essa passagem narra um acontecimento terrível e muito emotivo: a dor sentida pelo rei de Leão e Castela, Afonso VI, ao perder seu amado filho. Sua fala sentida não é narrada em latim, mas em sua língua materna, o galego. A crônica sobre a batalha de Uclés ganha força ao identificar a língua ao sentimento. Essa percepção é importante e estará presente, mais tarde, no imaginário ibérico. Afonso VI veio a ser, justamente, avô do primeiro rei de Portugal: Afonso Henrique, que ainda escreve seu testamento em latim, apesar do predomínio, no período de sua morte, do galego-português em seu reino. Já o neto de Afonso Henrique, Afonso II, optou por escrever o seu testamento em português, no século XIII, legando, assim, um dos primeiros documentos escritos em nossa língua. Portanto, a língua portuguesa, desde os seus primórdios como língua galego-portuguesa, vem a ser uma instância poderosa de organização identitária. Como expressão de linguagem, a literatura assumiu um papel importante nesse processo organizacional. Podemos considerar a poesia galego-portuguesa como uma dimensão fundamental nas reflexões sobre a identidade portuguesa. Agora, conheceremos algumas de suas expressões. Durante a Idade Média, o domínio da vida cultural e da educação pertencia ao universo da Igreja Católica. No romance O nome da rosa, de Umberto Eco, esse monopólio cultural da Igreja é figurado artisticamente. A obra narra uma série de assassinatos ocorridos em um mosteiro e que são, pouco a pouco, desvendados. Descobre-se, então, que os monges morriam envenenados por uma tinta com a qual se escreviam cópias de livros proibidos pela Igreja Católica. A trama representa um pouco do universo limitado e opressivo da cultura erudita medieval. Além do ambiente cultural controlado tão estritamente pela Igreja Católica, havia a cultura popular. Não verdade, não tão além: não podemos considerá-la como uma cultura laica, pois é ligada, ainda, à Igreja, como ocorre com os autos medievais, que representavam histórias bíblicas e a vida de santos, por exemplo. No universo medieval, muitas vezes, o profano emerge como sagrado e vice-versa. Porém, a partir do século XII, surgiu, em Portugal, um novo tipo de expressão artística: os cancioneiros e os jograis de poesia trovadoresca. Esse tipo de poesia transitava tanto entre as feiras medievais como entre as cortes dos palácios e era apresentado sempre acompanhado pela música. Muitos jograis eram verdadeiros espetáculos. Os primórdios da expressão literária em Portugal A Idade Média assistiu ao surgimento de uma nova forma poética ligada ao gênero lírico: a cantiga. Denominamos cantiga o poema medieval que une a palavra poética à música. É a cantiga da forma fundamental da poesia trovadoresca e tem sua origem na poesia popular. O termo trovador é originário do verbo francês trouver, que significa ―encontrar‖. Remetia à necessidade de encontrar adequação entre a música e a palavra. Os primeiros trovadores surgiram na região da Provence (Provença), no Sul da França. Faziam jograis nos quais entoavam os seus poemas, ao som de melodias. O crítico literário António Saraiva, em Iniciação à Literatura Portuguesa, descreve a poesia provençal da seguinte forma: ―Uma poesia lírica, que, pela subtileza psicológica, pela ductilidade, gracilidade e esplendor de ritmos e imagens e pela sua inspiração individualista, não tinha então paralelo na cultura ocidental‖ (SARAIVA, 1999, p. 14). Para Saraiva, será a poesia trovadoresca a matriz de vários poetas fundamentais de épocas posteriores, como os italianos Dante e Petrarca. O trovadorismo da Provença conquistou território para além do francês e alcançou a Itália e a Península Ibérica. Como elementos de contato entre os portugueses e a poesia provençal francesa, podemos citar: o refúgio dos hereges de Toulouse na Península Ibérica; as Cruzadas; os casamentos reais entre herdeiros de países diferentes e a educação de reis portugueses, em cortes francesas. O movimento trovadoresco foi muito bem acolhido pela nobreza ibérica. Os seus jograis foram amplamente representados no ambiente das cortes palacianas. A poesia trovadoresca, originada na tradição popular, acabou por assumir uma posição relevante em um universo aristocrata. Os poetas do Trovadorismo português eram oriundos da nobreza e até mesmo reis. O cruzamento entre o popular e o erudito acabará por impactar os próprios modos de configuração dos poemas trovadorescos, como acontecerá nas cantigas de amor, as quais representarão as relações sociais hierárquicas, através de metáforas amorosas. Em Portugal, a língua dos jograis provençais gerava dificuldades de compreensão e foi, paulatinamente, sendo substituída pelo galego-português. Com o extraordinário sucesso dos jograis em galego-português, a literatura portuguesa passou a ser escrita também nesta língua. Ou seja: o galego-português tornou-se uma língua literária. Esse fato abriu espaço para o posterior aparecimento da língua portuguesa como modo de expressão oficial, a partir do final do século XIII (1290). Um dos principais apoiadores dos jograis foi o rei Alfonso X, cuja corte ficava na cidade de Toledo, na atual Espanha. O monarca criou um dos mais importantes códices medievais: as ―Cantigas de Santa Maria‖, escrito, é claro, em galego-português. Outro códice importante desse momento foi o ―Cancioneiro da ajuda‖. Primeiras manifestações literárias Durante muito tempo, considerou-se como o primeiro movimento literário registrado em Portugal a publicação do poema A Ribeirinha, de Paio Soares de Taveirós. Mais tarde, descobriu-se um poema ainda mais antigo: Ora faz host'o senhor de Navarra, de João Soares de Pávia. O poema de João Soares de Pávia, considerado o mais antigo da literatura portuguesa. De qualquer modo, os dois poemas datam do começo do século XIII, sendo A Ribeirinha uma cantiga de amor carregada de ironia e, por isso, considerada também como de escárnio. É dirigida a uma jovem chamada Maria Pais Ribeiro. As formas da cantiga medieval: de amor, de amigo, de escárnio e de maldizer. A ironia na cantiga de Paio Soares já mostra um traço importante da poesia trovadoresca portuguesa, que, influenciada pela provençal, vai além de sua cópia, pois cria elementos específicos, que a diferenciarão, como veremos. Cantigas de amor: pode ter soado estranho o fato do eu lírico de 'A Ribeirinha" ter empregado o termo ―Senhor‖ para referir-se à mulher amada. No entanto, na época, a expressão ―senhora‖ inexistia em um universo fortemente patriarcal. A mulher amadaera a ―senhor‖, pois era posta em uma condição superior, como objeto da devoção do eu lírico, que metaforizava, na relação amorosa representada literariamente, aspectos hierárquicos de uma sociedade fortemente hierarquizada e teocêntrica. São justamente os ideais relacionados ao sistema ético cristão - como as noções de honra, de temperança e de fidelidade, que aparecem tanto nas relações entre os nobres como, sob figuração literária, nas poesias trovadorescas, especialmente nas chamadas "cantigas de amor". Pode-se afirmar que a cantiga de amor representa elementos presentes nas relações de suserania e de vassalagem, entre o senhor feudal e o nobre com quem criava laços de proteção e lealdade. Ela figura uma história de amor entre o eu-lírico masculino e uma mulher de classe social superior, a "senhor", com quem terá uma relação de "vassalagem amorosa". Podemos perceber esses elementos na tradução da cantiga abaixo, ―O que vos nunca cuidei a dizer‖, escrita por Dom Diniz, na qual o eu lírico mostra a sua veneração pela sua ―senhor‖, a ponto de preferir morrer a perdê-la As cantigas de amor referem-se e dirigem-se a um público erudito e palaciano e figuram um ritual de "amor cortês", no qual os valores cristãos aos quais nos referimos, como a honra, a fidelidade e a prudência, estão presentes. No amor cortês, a dama amada, a "senhor", é o bem mais precioso do eu lírico. Ciente disso, ele despreza os bens materiais e aceita a "coita", isto é, o sofrimento por amor, como aparece na cantiga de Bernal de Bonaval: ―Senhor fremosa, tan gram coyta ey / por vós que bom consselho no me sey, / cuydand´em vós, ma senhor mui fremosa‖ (Senhor formosa, tão grande coita tenho / por vós que não conheço bom conselho/ pensando em vós / minha senhor muito formosa). Do ponto de vista formal, as cantigas de amor portuguesas partilhavam com as cantigas de amigo o uso de paralelismos, refrões e repetições. O trovador poderia mostrar a sua mestria – o seu domínio dos códigos poéticos - como faz Dom Diniz na cantiga citada, considerada como de mestria. Alguns desses códigos diziam respeito ao emprego de versos pares, de modo predominante na cantiga; ao uso da redondilha maior e do verso sem rima, chamado de palavra perdida. Em Portugal, as cantigas trovadorescas desenvolveram características peculiares e apresentaram elementos inovadores. No caso das cantigas de amor, a percepção sobre o amor cortês apresentará diferenças na literatura lusa. Na poesia provençal, a relação amorosa é figurada de modo idealizado e espiritual. Crê-se na mesura, isto é, na superioridade do amor físico sobre o amor espiritual. E embora a mesura seja um conceito também aceito na poesia portuguesa, nesta, o jogo amoroso pode escapar dos limites do ideal e abrir-se para a possibilidade de realização, dada a presença da correspondência amorosa entre o eu lírico e a "senhor", o que não ocorria na lírica trovadoresca provençal. Outro ponto específico das cantigas de amor portuguesas é a presença de certa ironia e humor, relacionadas aos lamentos pela relação amorosa e ao arrependimento por amar em vão, em contraposição ao tom sério das cantigas de amor provençais. Cantigas de amigo: têm como traço característico o fato de serem escritas por homens, porém, enunciadas por um eu lírico feminino. São voltadas para o espaço doméstico ou a vida no campo e representam o lamento da mulher abandonada por seu parceiro, por este ter ido à guerra ou ter partido em companhia do rei. O autor imagina como seria o sentimento da mulher e escreve, a partir disso, o poema. Cantigas de amigo de Martin Códax Referem-se a um contexto histórico no qual o espaço do lar passou a ser governado pela figura feminina, por conta da ausência dos homens, que partiam para as Cruzadas e/ou a serviço do monarca. São cantigas de cunho popular, com traços arcaicos e, geralmente, representam diálogos entre o eu lírico feminino, suas amigas, sua mãe. Há, ainda, diálogos entre o eu lírico e elementos naturais, como as ondas do mar e as árvores. A tais diálogos chamamos de ―tenções‖. Formalmente falando, as cantigas de amigos configuram-se pelos jogos de simetrias, repetições e rimas que alternam as vogais ―i‖ e ―a‖. O refrão indica o estado psicológico da moça ou o assunto do poema. Há várias modalidades de cantigas de amigo, como a barcarola e a baila. Veja abaixo os tipos de cantigas de amigo: Barcarola – refere-se ao mar e à saudade pela ausência do amado; Baila – fala sobre dança e conquista; Alba - refere-se ao momento em que os amantes se despedem, ao amanhecer; Pastorelas - sobre a vida no campo; Fonte - sobre o encontro amoroso em rios e fontes; Romaria – apelo aos santos, pela vida amorosa; Tecedeira – fala sobre a vida doméstica. As cantigas de amigo usam alguns conceitos presentes nas cantigas de amor como a coita e a mesura. Todavia, se contrapõem às convenções presentes nas cantigas de amor, pois o amor, nas cantigas de amigo, é muito mais erotizado e possível. Nesse sentido, há a presença de metáforas referentes aos encontros de amor físico, como "lavar as tranças―,―ir à fonte‖, ―encontrar o cervo‖ e "banhar-se no mar", como aparece na cantiga de Martim Códax. Pode-se perceber também certo tom realista nas cantigas, ao representarem a saudade e as dores de amor da voz lírica feminina. Cantigas de escárnio e de maldizer: são cantigas satíricas, que apontam maus costumes e posturas. Cabe lembrar a sua adequação ao princípio presente na poética clássica da sátira como modo de educação, pois, através do riso, buscava-se castigar aqueles que ousavam desobedecer aos códigos de conduta social. A principal diferença entre as cantigas de escárnio e as cantigas de maldizer é o tom mais leve da primeira, que satiriza de modo indireto: não é revelada, claramente, a identidade da pessoa ridicularizada. O uso da ambiguidade e da ironia permitem esse afastamento, como podemos perceber na cantiga a seguir, escrita por Anrique de Almeida Passos e compilada no Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende. A narrativa medieval A narrativa medieval divide-se em novelas de cavalaria, prosa doutrinária (cujo objetivo era formar e orientar moralmente) e relatos históricos - gênero do qual faziam parte os cronicões (livros de crônicas), os livros de linhagem e as hagiografias (relatos da vida de santos). É importante ressaltar que a noção de histórico, na Idade Média, é muito diversa do sentido atual; àquela época, um simples depoimento poderia ser considerado fato histórico. Você conhecerá mais sobre as novelas de cavalaria agora. Novelas de cavalaria: também são conhecidas como romances de cavalaria. Surgem na Idade Média - a documentação mais remota data do século XIII - mas alcançam o século XVI e sobrevivem, sobretudo, pela tradição oral, alcançando tanto a população letrada como a popular, via transmissão oral. Seu auge ocorre nos séculos XIV e XV. Há um processo de passagem da escrita na forma de versos para a prosa, durante a Idade Média. Frente à emergência das novelas de cavalaria escritas em prosa, assiste-se ao declínio da poesia oral, embora algumas novelas tenham surgido de jograis, como Mio Cid, por exemplo. Inicialmente, as narrativas cavalheirescas chegadas em Portugal eram traduções das canções de gesta francesas e inglesas, chamadas de matéria da França e da Bretanha, respectivamente. O processo de tradução e a difusão das ditas narrativas em Portugal criaram versões específicas, através dos desvios de tradução, do corte, da mudança e da inserção de elementos nas narrativas originais, o que gerou, muitas vezes, ciclos de novelas paralelas ou derivadas. As novelas de cavalaria tiveram grande sucesso e aceitaçãoem Portugal, especialmente as do ciclo de lendas sobre o Rei Artur. A primeira novela de cavalaria considerada como verdadeiramente ibérica (há controvérsias sobre sua origem espanhola ou portuguesa) foi Amadis de Gaula, escrito, provavelmente, em 1508. Não há consenso sobre a sua autoria, mas boa parte da crítica literária a atribui a Montalvo ou a Vasco de Lobeira. Jovem cavaleiro de ascendência nobre, Amadis, porém, é bastardo, pois é fruto de uma relação proibida. Amadis é criado como alguém sem posição e torna-se pajem da princesa Oriana, por quem se apaixona e arrisca a vida, em aventuras e lutas. Sua recompensa é o amor da moça, que deixa de ser donzela para ser ―feita dona‖, antes mesmo do casamento. Embora influenciada por temas do ciclo arturiano, Amadis de Gaula criou um universo narrativo diferente, pois era um exercício criativo independente, sem recontar os mitos e lendas vindos da tradição oral. Além disso, o livro estabeleceu um novo conceito de cavalaria, no qual o conflito entre o subjetivo e o coletivo e o fortalecimento do poder do rei já anunciavam as sementes do que afloraria, tempos depois, como uma sensibilidade humanista. AULA 2 – PASSAGENS PARA UM NOVO MUNDO: A POÉTICA DE GIL VICENTE As Especificidades do Humanismo em Portugal A obra dramática de Gil Vicente tem como pano de fundo um período sui generis em Portugal: o século XVI, época das grandes navegações portuguesas e do Humanismo. Oficialmente, o Humanismo português começa antes, em 1418, conforme Massaud Moisés (1998, p.39). Esse é um momento especial em Portugal, no qual o contato com outros povos e culturas, bem como o enriquecimento do país criou um quadro de desorganização do modo de vida português e de seus valores. Destarte, em Portugal, a visão de um mundo teocêntrica, oriunda do universo medieval, não havia sido sobreposta, ainda, pelo pensamento humanista. Na verdade, o que ocorria era um choque entre o imaginário medieval e as novas formas de pensar o mundo que emergiam da visão humanista do mundo. Dentro desse choque, emergem aspectos importantes, como o surgimento de uma cultura laica. Cronistas importantes aparecem neste período, como Fernão Lopes, que prefere a documentação escrita ao relato oral, como matéria de suas crônicas, além de demonstrar excelente talento literário. É no século XVI que assistimos à separação entre letra e música, no cancioneiro, a partir da publicação do Cancioneiro Geral, de Garcia de Resende. Conhecendo um Pouco a Vida de Gil Vicente Gil Vicente nasceu em 1465 ou 1466, provavelmente. Escreveu a maior parte dos seus autos em sua juventude, entre os catorze e os vinte e cinco anos. Aos cinquenta, ele, acusado tantas vezes de anticlericalismo, tornou-se sacerdote. É considerado o pai do teatro português, pois antes dele havia apenas manifestações parcas e incipientes. Antes de começar a sua carreira teatral, Vicente era ourives e tinha o cargo de Mestre da balança da Casa da Moeda de Lisboa. A ele é atribuída, ainda que com dúvidas, a Custódia de Belém, uma das joias mais belas e valiosas do país. Vicente ingressa no teatro após a oportunidade de visitar a Câmera Real e declamar um monólogo, conquistando a oportunidade de apresentar as suas peças para o público palaciano, entre 1502 e 1536, com o mecenato real. É a partir desse quadro que Gil Vicente escreve. De sua pena, saem críticas severas a uma sociedade que experimenta uma modificação profunda e ainda não sabe como reorganizar os seus valores. Todos os setores sociais mereceram o seu olhar impiedoso: o clero, a nobreza, a burguesia e o campesinato Vicente usa o drama para pensar e criticar um universo no qual os valores medievais estão em crise, mas ainda não há novos valores para substituí-los. Ao contrário, o que ele percebe e figura em suas peças é uma crescente falta de ética, em contraponto a um mundo medieval, que idealiza, em contraposição à ganância e ao enriquecimento fácil perceptíveis no novo Portugal do século XVI. Uma das principais críticas de Gil Vicente referia-se ao fato do trabalho braçal ter arrefecido em Portugal. Isso ocorreria em decorrência das navegações, em um quadro assim descrito pelo crítico literário Benjamim Abdala Junior. Frente a esse quadro, a população lisboeta aumentou e reuniu uma enorme variedade de tipos, advindos de todas as regiões do país. Essa pluralidade foi um material importante para a obra vicentina, pois auxiliou na criação de personagens que tipificavam classes e comportamentos diversos, como o parvo, a alcoviteira, o padre namorador, o comerciante ladrão, tal como aparece, por exemplo, no Auto da Barca do Inferno A Classificação da Obra de Gil Vicente Autos: são dramas surgidos na Idade Média. São assim chamados por conta de sua duração, equivalente a de um ato do teatro clássico. Os autos podem se divididos em: • Mistério – Sobre questões relacionadas à fé. • Moralidades – Discussão de questões éticas e morais. • Milagres – Sobre a vida dos santos. • Episódios pastoris – Falam sobre a vida rural. Teatro romanesco: baseado nos romances de cavalaria. Fantasias alegóricas: segundo Spina, ―seus antecedentes ‗são os ―momos‘ realizados no fim da Idade Média, especialmente no reinado de D. João II; estas fantasias, que aparecem emolduradas pelos processos técnicos da pura cenografia alegórica, lembram muito o nosso teatro de revista‖ (SPINA, 1970, p. 31). Farsas: • Episódicas – Centradas em tipos específicos; • Novelescas (ou narrativas) – histórias mais ou menos completas, a partir de uma intriga. As Personagens do Teatro Vicentino As personagens dos dramas vicentinos, como visto, tendiam a representar, de modo caricato, os tipos sociais presentes na sociedade portuguesa, especialmente a lisboeta. Suas ações representavam o choque entre os valores humanistas e medievais e a desorganização social. O desejo de ascensão social é muito criticado nas personagens, pois demonstraria um caráter questionável e uma postura ambiciosa, egoísta e, muitas vezes, corrupta. Esse comportamento ia ao encontro do contexto da expansão marítima portuguesa, com as suas promessas de enriquecimento fácil. Um ponto importante sobre as personagens do teatro vicentino é a ausência do tom épico na sua configuração. Por exemplo, no Auto da Barca do Inferno há a exaltação dos cavaleiros cruzados, mas não dos heróis da navegação. Além disso, os cavaleiros não são nomeados, o que mostra o caráter vão da glória terrena. Outro ponto importante é a linguagem atribuída às personagens vicentinas. Gil Vicente aplica realismo ao seu teatro ao conectar a linguagem empregada pela personagem à classe social à qual pertence. Em o Auto da Barca do Inferno, por exemplo, o corregedor e o frade proferem termos em latim; já o parvo mimetiza as falas das personagens, ridicularizando-as. Ele tem essa chancela, pois é uma personagem julgada como inconsciente. A Sátira no Teatro Vicentino Vicente valorizava as condutas de personagens que não se importam em ascender socialmente, mas em ser honestas e honradas. O trabalho, a fidelidade e a verdade também são princípios importantes. Através do riso, Gil Vicente pune e ridiculariza as personagens cujos padrões de comportamento afastavam-se desse ideal, seguindo os padrões estabelecidos pela poética clássica, que viam no riso uma forma de moralização. O riso no teatro de Gil Vicente, portanto, não era gratuito, mas ligava-se a um princípio de adequação, que buscava, pela sátira, modificar aspectos sociais. A fim de potencializar esse aspecto, Vicente inseriu em suas obras algumas inovações, como a abordagem de questões contemporâneas e mais realistas, que apareceriammescladas às alegorias. Além disso, aproveitou--se de elementos presentes na dramaturgia popular, como a participação da plateia no drama representado, que era interpelada pelos atores e poderia participar da representação. Influências do Teatro Popular na Obra Vicentina O teatro de Gil Vicente era voltado para o público nobre, mais especificamente para a Corte portuguesa. Tratava-se, portanto, de uma obra palaciana. Gil Vicente, entretanto, inovou e inseriu elementos presentes na dramaturgia popular medieval, em seus textos. Além da participação da plateia, como vimos, outros elementos oriundos do teatro popular, na obra vicentina, são: elementos do teatro popular (uso de alegorias; emprego de temas relacionados ao universo bíblico, em algumas obras; presença de personagens advindas da população mais pobre e iletrada; alusão às temáticas populares, como o marido traído e a mulher que fica só, após o marido partir para o mar; incorporação de canções e termos presentes no imaginário popular). Apesar da influência popular, o teatro vicentino também agregou elementos humanistas. O Auto da Barca do Inferno O Auto da Barca do Inferno foi apresentado pela primeira vez em 1517. É uma peça alegórica, que representa um processo de julgamento de almas, nos moldes do juízo final católico. Passa-se à beira do rio da Morte, em um tempo indefinido. Outras Peças do Gil Vicente Após o Auto da Barca do Inferno, Gil Vicente decidiu criar peças que privilegiassem o enfoque em um tipo, apenas. Em o Auto da Índia, por exemplo, há a discussão sobre o adultério, a partir da representação da protagonista que espera o retorno de seu marido da Índia. Outro exemplo seria a Farsa de Inês Pereira, baseada no ditado popular ―Mais vale um burro que me leve que cavalo que me derrube‖. A partir dele, dá-se a representação de um momento crucial da vida da protagonista: a escolha do marido com quem se casará. Cabe destacar, ainda, um auto de moralidade, o Auto da Alma. Neste auto, apresenta-se o embate entre o bem e o mal, através do difícil percurso da alma a caminho da salvação. AULA 3 – A POÉTICA DE LUÍS DE CAMÕES Renascimento e Classicismo em Portugal O contexto renascentista Para falarmos sobre o Classicismo em Portugal, é necessário, antes, abordamos um tema já discutido na segunda aula: o Renascimento. O período renascentista português pode ser localizado entre os séculos V e XVI. As principais expressões literárias do momento deram-se na historiografia, na prosa doutrinária - escrita por reis e nobres, visando à formação integral do homem fidalgo e na poesia. A poesia portuguesa, durante o momento renascentista, passou por uma modificação extrema: a ruptura com o ideal trovadoresco, isto é, a separação entre letra e música. Além disso, há a inserção de novos temas líricos, que resgatados da cultura clássica greco- romana, seguindo um movimento surgido na Itália. Essas inovações ocorrem dentro do contexto da expansão marítima e do fortalecimento da classe burguesa em Portugal, que enriquece enormemente. É legítimo, inclusive, afirmar que o Renascimento ocorreu no ápice do poder e da riqueza material do país. Esse enriquecimento possibilitou a constituição de um novo público intelectual e a ruptura com o domínio cultural da Igreja Católica. É formada uma classe de jovens cujos estudos laicos afastam-se da escolástica e abrem espaço ao resgate e à valorização do pensamento humanista e da visão de mundo clássica, vista como padrão estético e moral, entretanto, não ocorre o predomínio absoluto do Humanismo em Portugal. Ao contrário, os portugueses do século XV assistiram a uma grande crise de valores, fruto da tensão entre a nova forma de perceber o mundo e os resquícios de um mundo medieval que entrava em declínio. Desse embate nasce o que seria chamado de Fusionismo. O Fusionismo é a fusão entre o pensamento religioso medieval e o pensamento antropocêntrico do Humanismo, de modo a mesclar os elementos herdados do Cristianismo aos oriundos da cultura clássica greco-romana. O Antropocentrismo português tendeu a uma fusão com certos valores ainda resistentes do universo medieval, de modo que não é legítimo afirmar o seu caráter antirreligioso. Apesar disso, há a ciência de que surge um novo Homem, que assiste a profundas transformações, como as grandes navegações, a invenção da imprensa e a emergência do pensamento racionalista, ainda que este tivesse em tensão com resquícios do teocentrismo, como dissemos. O novo Homem era identificado com a ambição e o lucro, ideais tão caros à burguesia. É um Homem que redimensiona os seus conhecimentos sobre o mundo e volta-se para a razão e os prazeres, ciente da brevidade da vida. Elementos da Poesia Renascentista Portuguesa É nesse momento, justamente, para e sobre esse Homem que surgem as primeiras sementes de uma consciência individual na poesia portuguesa. São poemas nos quais o eu lírico fala sobre questões subjetivas, revelando a percepção e o pensamento sobre a existência individual. Como exemplo, podemos citar o poema Vilancete seu, de Bernadim Ribeiro. ―Vilancete seu‖ (Bernardim Ribeiro) Antre mim mesmo e mim Nam sei que s´alevantou Que tam meu imigo sou Uns tempos com grand´engano Vivi eu mesmo comigo; Agora no mor perigo Se me descobre o mor dano Caro custa um desengano E, pois m´este nem matou, Quam caro que me custou! De mim me sou feito alheo; Antr´o cuidado e cuidado Está um mal derramado Que por mal grande me veo Nova dor, novo receo Foi este que tomou: Assi me tem, assim estou. No poema, podemos perceber o pensamento do eu lírico sobre a sua condição subjetiva, refletida em um tema que será frequente, também, em outros poetas da época, como Sá de Miranda: o alheamento de si. Foi, inclusive, Sá de Miranda considerado o precursor de uma lírica renascentista em Portugal, em 1527. Após uma viagem à Itália, o poeta trouxe à sua terra natal o novo fazer poético, caracterizado, principalmente pela adoção de uma nova forma métrica, a chamada ―medida nova‖, isto é, pelo emprego dos versos decassílabos. Com a adoção da medida nova, as redondilhas, até então predominantes na lírica escrita portuguesa, passaram a ser conhecidas como ―medida velha‖. Apesar da abertura para novidades como a adoção da medida nova, a poesia portuguesa não abandona todo os fazeres poéticos medievais. Assim como houve o fusionismo no pensamento português na época, houve a continuidade de aspectos da poesia medieval que, muitas vezes, apareciam de modo mesclado a elementos mais modernos, oriundos das propostas poéticas italianas e, até mesmo, espanholas. Além de Sá de Miranda e Bernadim Ribeiro, outros escritores destacaram-se no período, como Antônio Ferreira e Diogo Bernardes. Mas, dentre eles, o mais importante, sem dúvida, foi Luís de Camões. Luís de Camões é considerado um dos maiores poetas de Portugal e do mundo. A Poesia Lírica Tradicional Camoniana A poesia de Luís de Camões pode ser dividida em duas instâncias: lírica e épica. A sua produção lírica, por sua vez, se reparte duplamente, em uma lírica tradicional e uma lírica erudita. O lirismo tradicional camoniano dialoga com as produções medievais, especialmente em seus aspectos populares, como o emprego da medida velha e de temáticas relacionadas à vida no campo. Além disso, recupera formas poéticas típicas da passagem do medievo para a Idade Moderna, como as esparsas (poemas de temática amorosa, geralmente com única estrofe e seis sílabas poéticas) e os vilancetes (poemas com um mote (motivo) e voltas, ou seja, glosas, usando a medida velha). No poema, podemos perceber queo mote é alheio, ou seja, não foi criado pelo poeta, o que era comum, pois o mesmo poderia apropriar-se de um dito popular, por exemplo. A parte das voltas, como convinha aos vilancetes, apresenta estrofes de sete versos. O último verso pode recuperar os versos do mote, como ocorre aqui. Ao usar a forma do vilancete e a medida velha, Camões revela a continuidade de elementos do universo poético medievo na poética renascentista, como referido. Entretanto, a forma poética medieval, em sua clave popular, tensiona-se com a presença de um jogo intelectualizado de contraposição de ideias. No poema, o pensamento sofisticado revela-se, ainda, no emprego ambíguo da palavra ―pena‖, como pluma e como castigo. Além disso, o crítico literário Massaud Moisés demonstra a possibilidade de o perdigão ser uma figuração do próprio poeta, pois ―pelo pensamento / Subiu a um alto lugar‖ (MOISÉS, 2004, p. 83). É importante ressaltar que, segundo o mesmo crítico, o jogo de ideias antitéticas presentes na poética camoniana já anunciaria uma sensibilidade conceptualista, que desabrocharia com força na poesia barroca. Outra manifestação da lírica tradicional camoniana é o poema Descalça vai pera a fonte: Mote Descalça vai pera a fonte Leonor pela verdura; Vai formosa, e não segura Voltas Leva na cabeça o pote, O texto nas mãos de prata, Cinta fina escarlata, Sainho de chamalote, Traz a vasquinha de cote, Mais branca que a neve pura, Vai formosa, e não segura. Descobre a touca a garganta, Cabelos de ouro entrançado, Fita de cor de encarnado, Tão linda que o mundo espanta; Chove nela graça tanta Que dá graça à formosura, Vai formosa, e não segura. Aqui, podemos notar, do mesmo modo, a forte dicção popular, de inspiração medieval, presente no emprego da medida velha e da temática, próxima as das cantigas de amigo. Além disso, aqui permanece a tensão entre a simplicidade da poesia popular e o jogo de ideias mais sofisticado. Um outro ponto interessante são os elementos de comparação, que também serão importantes na poesia barroca, posteriormente. A Poesia Lírica Erudita Camoniana A poesia lírica erudita de Luís de Camões tem como base, principalmente a poesia italiana. Em termos de formas literárias, privilegiava o soneto. Do mesmo modo, a poesia camoniana apresentava-se como odes, écoglas, elegias, oitavas, tercetos e sextetos. A medida era a nova que, como vimos, empregava versos decassílabos. A temática da lírica erudita camoniana versa sobre questões filosóficas e existenciais e revela um pensamento complexo e tenso. Muito se pensa sobre o desassossego, a inadequação e as contradições do mundo, como podemos perceber no poema Ao desconcerto do mundo. Ao desconcerto do mundo‖: Os bons vi sempre passar No mundo graves tormentos; E para mais me espantar, Os maus vi sempre nadar Em mar de contentamentos. Cuidando alcançar assim O bem tão mal ordenado, Fui mau, mas fui castigado. Assim que, só para mim, Anda o mundo concertado. Com uma única exceção, o desconcerto é rompido: quando se trata do poeta que, com ironia, garante o tom jocoso de um poema filosófico, o que representa um mundo sem sentido e no qual o desejo afasta-se da concretização. A ideia do desconcerto retorna no soneto Amor é um fogo que arde sem se ver, no qual será o amor o elemento paradoxal a ser discutido: Amor é um fogo que arde sem se ver, É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer. É um não querer mais que bem querer, É um andar solitário entre a gente; É nunca contentar-se de contente; É um cuidar que ganha em se perder. É querer estar preso por vontade; É servir a quem vence, o vencedor; É ter com quem nos mata lealdade. Mas como causar pode seu favor Nos corações humanos amizade, Se tão contrário a si é o mesmo Amor? A temática do paradoxo amoroso e da contradição entre o desejo e o amor são influências da poesia de Petrarca, que ressaltava as dores do querer. É interessante perceber que, após demonstrar pelas metáforas as contradições do amor, o poema termina com uma pergunta e mantém a dúvida no leitor, afastando as certezas de um universo marcado pelas dúvidas e pela tensão de elementos antagônicos, elencados em uma sucessão de anáforas. Esse jogo de tensões e paradoxos, como falamos, remeterá aos primeiros sinais de uma estética barroca, mais precisamente do Maneirismo. O Maneirismo em Camões pode ser percebido pela expressão privilegiada dos paradoxos sentimentais e de um mundo áporo e agônico. Em termos formais, o emprego da antítese e das inversões refletiria os aspectos contraditórios de um mundo cujos valores encontravam-se em crise. Outra influência importante na poesia de Camões é a da filosofia neoplatônica, figurada também na poesia de Petrarca, especialmente na representação da experiência amorosa. A obra do poeta italiano, o amor por Laura, sua musa, mesmo após a morte da amada, cultivando a figuração de um amor idealizado e que transcenderia o desejo carnal. Como exemplo da influência de Petrarca e do neoplatonismo na poesia camoniana, pode-se citar o poema Transforma-se o amador na cousa amada. Aqui se pode perceber a influência neoplatônica na idealização da amada, tecida pelo eu lírico. Este entra em simbiose com a imagem do objeto amoroso, que não sai de seu pensamento. Essa reflexão desperta a ideia de que nada mais tem a temer, pois a própria amada nele habita. Todavia, o eu lírico não esgota a reflexão do poema em sua experiência, mas a amplia, investigando a condição do amor. Entretanto, a influência platônica apresenta o seu limite, pois o eu lírico não se conforma apenas com a idealização, demonstrando o anseio pela matéria, pelo amor carnal, ainda que contido, como convinha, aos padrões classicistas. AULA 4 – A POÉTICA DE LUÍS DE CAMÕES (PARTE II) A Epopeia no Classicismo O século XVI português, em meio ao movimento classicista, resgatou orientações estéticas e filosóficas da antiguidade clássica. Deste modo, a epopeia ganhou destaque na literatura classicista e, em Portugal, especialmente, a matéria épica ia ao encontro da urgência de cantar - e assim lançar à posteridade - as grandes conquistas vividas pelo país na era moderna. Camões criou uma épica para esses tempos modernos, reelaborando vários aspectos das orientações da poética clássica sobre o discurso épico. A Visão do Homem em Os Lusíadas Um dos principais vetores ideológicos para as mudanças implantadas por Camões no discurso épico foi o Fusionismo, que trazia à tona a dialética entre o imaginário cristão e a visão de mundo humanista. O Fusionismo pode ser percebido em Os Lusíadas a partir de aspectos tensionais, principalmente a tensão entre a obediência ao ―princípio de modéstia‖ da convenção clássica e a autocelebração e o conflito entre o divino e o humano. O princípio de modéstia é uma convenção da poética clássica e diz respeito ao silenciamento do autor sobre as suas qualidades, devendo este mostrar-se humilde e aquém do texto que apresentará. Assim, valoriza a matéria de seu poema, mostrando a sua incapacidade de expressar a grandiosidade do assunto. O princípio de modéstia está atrelado à convenção da ―causa externa‖, na qual o poeta não atribui a si o exercício criativo, mas a uma causa exterior a ele, geralmente às musas. O conflito entre o divino e o humano expressa-se de modo variado na narrativa, como na figuração dos deuses com sentimentos humanos, como a inveja e a paixão. Outra representação desse conflito ocorre na figuração dos humanos como seres capazes de concretizar tarefaspara além de sua capacidade e dotados de poder. Por outro lado, há um paradoxo entre esse poder humano e a sua condição inferior, como u.m ―bicho homem‖, pequeno e limitado diante do sofrimento e das guerras. No mar tanta tormenta, e tanto dano, Tantas vezes a morte apercebida! Na terra tanta guerra, tanto engano, Tanta necessidade avorrecida! Onde pode acolher-se um fraco humano, Onde terá segura a curta vida, Que não se arme, e se indigne o Céu sereno Contra um bicho da terra tão pequeno? (Canto 1, estrofe 106) A tensão entre a celebração dos êxitos da expansão marítima, em suas aventuras e glórias, e a recusa da inversão de valores medievais, como a honra e a prudência, trazidas pelo contexto dos descobrimentos é outra face do conflito entre o divino e o humano. Em relação aos processos de expansão ultramarina portuguesa, o paradoxo de uma celebração que traz, ao mesmo tempo, o questionamento de suas consequências e da própria noção de glória é representado, principalmente, em uma personagem: o velho do restelo. Essa personagem é um homem velho que permanece às margens do rio Tejo, questionando os impactos e desdobramentos das viagens ultramarinas. Condena a viagem de Vasco da Gama que trará desgraças, além de deixar Portugal vulnerável ao inimigo espanhol. "Mas um velho d'aspeito venerando, Que ficava nas praias, entre a gente, Postos em nós os olhos, meneando Três vezes a cabeça, descontente, A voz pesada um pouco alevantando, Que nós no mar ouvimos claramente, C'um saber só de experiências feito, Tais palavras tirou do experto peito:‖ (Canto IV, estrofes 94 a 104) As palavras tiradas do ―experto peito‖ são, na verdade, uma imprecação contra a febre das conquistas marítimas. Interessante notar o fato de seu saber ser somente ―de experiências feito‖, um saber empírico, mas ainda assim valorizado. A inserção da personagem de ―O velho do restelo‖ na narrativa é uma inovação importante trazida por Camões à épica, pois apresenta uma visão relativa do acontecimento histórico celebrado na epopeia. A personagem questiona o conceito de glória trazido pelo descobrimento e mostra como todo aquele processo desorganiza os valores medievais de honra e trabalho, em nome da cobiça e da vaidade: ―Ó glória de mandar, ó vã cobiça‖ (Canto IV, estrofe 95). O aspecto paradoxal avança ainda no canto IV, no momento em que a personagem amaldiçoa o inventor da primeira embarcação e roga que os nautas sejam esquecidos e silenciados pelos poetas: - "Ó maldito, o primeiro que no mundo Nas ondas velas pôs em seco lenho, Dino da eterna pena do profundo, Se é justa a justa lei, que sigo e tenho! Nunca juízo algum alto e profundo, Nem cítara sonora, ou vivo engenho, Te dê por isso fama nem memória, Mas contigo se acabe o nome e glória. (Canto IV, estrofe 102) O paradoxo óbvio de condenar o canto e a memória das expedições em uma obra que, justamente, comemora os feitos dos argonautas lusos é somente uma das contradições da narrativa. Tal contradição, entretanto, deve ser vista como uma inovação extremamente rica, pois põe em xeque a própria matéria épica, em consonância com a crise de valores do mundo em que o poeta vivia. Temporalidade e Narrativa Na obra, o tempo da narração difere do tempo da narrativa e é possível estabelecer uma analogia entre o pensamento fusionista e a representação temporal na narrativa, pois assim como existe a tensão entre os valores medievais e humanistas no pensamento, há uma temporalidade vária que congrega o passado e o tempo coevo a Camões, a Época Moderna. O passado é figurado pela narração da história de Portugal; o presente, pela expedição de Vasco da Gama à Índia. Destarte, podemos considerar a presença de outra esfera temporal: o futuro, presente nas profecias. É importante lembrar que a profecia é um aspecto importante da épica, previsto pela convenção clássica, e alude à sua faceta maravilhosa – no sentido de sobrenatural. Destarte, as profecias ligam-se à ideia de um destino português marcado pela fé. Mas, contraditoriamente, as intervenções do narrador opõem-se às profecias e revelam a mente renascentista, preocupada com as mudanças ocorridas no mundo que, no entender do poeta, sempre levam ao pior e catalisam o ―desconcerto do mundo‖, do mesmo modo como revelam os seus sonetos. Essas duas visões paradoxais revelam a contradição do fusionismo. Outro ponto importante sobre as profecias na obra é o fato de referirem-se a acontecimentos que já haviam ocorrido, no momento da escrita da narrativa. Leia uma das profecias da obra, na qual Dom Manuel, em uma visão, vê o rio Ganges revelando que a conquista das Índias se dará de modo violento: - "Eu sou o ilustre Ganges, que na terra Celeste tenho o berço verdadeiro; Estoutro é o Indo Rei que, nesta serra Que vês, seu nascimento tem primeiro. Custar-te-emos contudo dura guerra; Mas insistindo tu, por derradeiro, Com não vistas vitórias, sem receio, A quantas gentes vês, porás o freio."- (Canto IV, estrofe 74) Em termos de organização da temporalidade, a obra Os Lusíadas apresenta um recurso clássico da epopeia, o in media res. In media res significa ―no meio dos acontecimentos‖ e é um recurso no qual a narrativa quebre a estrutura clássica do início, meio e fim, ao começar pelo meio, voltando ao início e, novamente, ao meio. Assim, a narrativa quebra a ordem linear – início, meio e fim. Inicia-se a narração no meio da história, já com Vasco da Gama em alto-mar. Em Melinde, a voz narrativa passa a ele que conta a história de Portugal até o reinado de Dom Manuel e como se dera a sua viagem até o momento a partir do qual fala. Depois, volta-se para a narração dos episódios mais relevantes da história portuguesa para depois retornar à viagem de Vasco da Gama. A narrativa é então retomada e apresenta, por vezes, digressões sobre o passado ou sobre o futuro. A Estrutura de Os Lusíadas Os Lusíadas é uma obra que segue os preceitos formais clássicos. Assim, é composta por dez cantos, com estrofes de oito versos, cuja métrica é decassílaba. O esquema de rimas vem a ser: ABABABC. Sabemos que a epopeia compõe-se de cinco partes: Proposição: apresenta o objeto do poema, sua parte introdutória, a viagem, Canto I, estrofes 1-3; Invocação: o poeta pede proteção e inspiração as Ninfas (Tágides) para compor, Canto I, estrofes 4-5; Dedicatória: o traço no poema é dedico ao Rei D. Sebastião, por ser jovem e a esperança do Povo Português, Canto I, estrofes 6-17; Narração: o poeta narra a Viagem de Vasco da Gama as Índias, envolvendo dois momentos, o mitológico e o histórico, Canto I, estrofe 18, ao Canto X, estrofe 144; Epílogo: é a conclusão do poema, porém, com lástimas, com um sentimento de desânimo, sobre a realidade da vida do povo Português, assim não vendo mais um futuro de triunfos ao seu País, Canto X, estrofes 145 a 156. Camões respeitou a tradição épica, seguindo os modelos de Homero e Virgílio, e inseriu as cinco partes em sua obra. Na proposição, expõe o tema principal, a viagem de Vasco da Gama até as Índias. Depois, invoca as Tágides, as ninfas do rio Tejo e dedica o poema a Dom Sebastião, iniciando, posteriormente, a narrativa em si. A Questão do Herói em Os Lusíadas Na poesia épica clássica, o herói representa a grandeza de seu povo. É uma personagem com características excepcionais, de caráter e moral elevados. O herói épico aceita o seu destino e sacrifica os seus desejos em prol do coletivo, mas não há, na antiguidade clássica, a consciência do indivíduo. Segundo o crítico literário António Saraiva (1999), não se destaca na narrativaum herói específico, pois o próprio povo português vem a ser o protagonista. Portanto, embora destaque-se na obra a personagem Vasco da Gama e sejam exaltados o seu heroísmo, a sua liderança e a sua coragem, na verdade pode-se afirmar que a figura do herói está além desse navegante português, assumindo uma dimensão coletiva. Na obra, esta dimensão é celebrada logo no Canto I, quando o narrador refere-se às "armas e os barões assinalados": As armas e os barões assinalados, Que da ocidental praia Lusitana, Por mares nunca de antes navegados, Passaram ainda além da Taprobana, Em perigos e guerras esforçados, Mais do que prometia a força humana, E entre gente remota edificaram Novo Reino, que tanto sublimaram; Na estrofe, o termo ―barões‖ não se refere a nobres, mas a varões, ou seja, aos homens corajosos que levariam Portugal a um império tão grandioso quanto os maiores da antiguidade. Celebra, portanto, o coletivo, o universo luso cujos filhos são capazes de ousar passar pelos ―mares nunca de antes navegados‖ e de passar para ―além da Taprobana‖, a região do atual Sri-Lanka. A Presença da Mitologia na Narrativa A mescla entre a mitologia e os acontecimentos históricos é uma marca da matéria épica. Em Os Lusíadas, o fantástico da mitologia articula-se ao aspecto referencial do discurso histórico. A obediência à convenção clássica, soma-se o fato, percebido pela crítica literária Cleonice Berardinelli, em Estudos Camonianos, de a mitologia funcionar "como elemento estruturador e decorativo indispensável da mentalidade da época". Para António Saraiva, em Introdução à Literatura Portuguesa, a mitologia em Os Lusíadas tem um papel fundamental: o de organizar a unidade de conjunto na narrativa. Para Saraiva, sem a fábula mitológica, a obra seria apenas uma coletânea de episódios desconexos entre si. A mescla entre os elementos mitológicos e a matéria histórica pode ser observada nas ações paralelas dos deuses e dos nautas e no emprego do recurso homérico do deus ex-machina. Deus ex-machina é um recurso narrativo que diz respeito à resolução de uma situação pela interferência dos deuses na situação. Em Os Lusíadas, o elemento catalisador da narrativa é um concílio dos deuses que deve decidir o destino de Portugal. Baco e Netuno resolvem criar empecilhos para a viagem. Baco, por temer a difusão da fé cristã e a supremacia de Portugal perante os antigos romanos. Netuno, por temer perder o controle dos mares. Porém, é decidido que Portugal receberá o seu fado: ser um grande império. Os navegantes recebem a proteção de Vênus e Marte e, após a chegada heroica às Índias, são recompensados com a ida à Ilha dos Amores. Repare que a proteção venusiana e marciana pode ser tomada como alegorias da natureza amorosa e guerreira do povo português. Cabe lembrar que o título do poema refere-se a uma lenda sobre Portugal e Luso, deus filho de Baco. Com base em uma antiga lenda, Camões recupera o discurso de que os portugueses seriam descendentes de Luso. Os Planos de Construção No poema, podem ser percebidos três planos de construção: Mítico: no plano mítico, temos o concílio dos deuses como fio condutor, como dissemos, a presença alegórica do gigante Adamastor, a Ilha dos Amores e as profecias. Literário: no plano literário, destacamos os excursos do narrador. O excurso trata-se da inserção dos pensamentos, críticas e questionamentos do narrador no texto. Histórico: no plano histórico, temos as referências aos principais eventos da história de Portugal, através de um elenco de batalhas, de reis e de grandes navegadores, dentre esses, destacando-se Vasco da Gama. A experiência pessoal de Camões permitiu relatos muito precisos em sua obra sobre a vida na guerra e nas embarcações, referindo-se com propriedade no poema às minúcias da vida a bordo, como os surtos de escorbuto. Cabe ressaltar a condição de Camões como um poeta que fora soldado e já havia participado de longas viagens marítimas, enfrentando, inclusive um naufrágio, no qual perdeu sua amada, a chinesa Dinamene. Segundo histórias da época, o poeta teria preferido salvar os manuscritos de Os Lusíadas no lugar de Dinamene. Por uma questão didática, iremos elencar as principais matérias de cada plano, separadamente. O Narrador em Os Lusíadas O narrador épico clássico pauta-se pelo seu afastamento. Com o foco narrativo em terceira pessoa, narra a história de um modo impessoal e impassível, reforçado pela simetria dos versos. Uma das inovações da obra consiste, justamente, na presença de um narrador que rompe a impessoalidade. Mostra-se presente, muitas vezes, em excursos questionadores, inclusive, da própria matéria épica e da condição do poeta cujo valor é subestimado. Prefere a pena à espada e critica os portugueses que desprezam a poesia, bem como os que cobiçam a fama, mas não a merecem: Enfim, não houve forte capitão, Que não fosse também douto e ciente, Da Lácia, Grega, ou Bárbara nação, Senão da Portuguesa tão somente. Sem vergonha o não digo, que a razão De algum não ser por versos excelente, É não se ver prezado o verso e rima, Porque, quem não sabe arte, não na estima. (Canto V, estrofe 97) O narrador chama a atenção ao seu valor e à sua genialidade em suas intervenções, promovendo a sua imagem e mostrando a sua coragem e a sua valentia ao lutar pelo reino português. Outra inovação em relação à voz narrativa dá-se na cessão da voz narrativa a personagens que assumem a narração de batalhas, profecias e episódios: alternam-se no texto como as de Vasco da Gama, Velho do Restelo e do mitológico gigante Adamastor. Alguns Episódios Que Se Destacam em Os Lusíadas Sobre Inês de Castro, no canto IIII, nas estrofes 118 a135. Trata-se do amor, tido como imenso e verdadeiro, entre D. Pedro e a dama Inês de Castro, assassinada a mando do rei Afonso IV, que temia a influência da amante sobre o príncipe. A história de Inês de Castro havia sido contada por vários poetas e historiadores, mas, na obra, Camões inova ao considerar o amor o único culpado pela morte de D. Inês. Sobre o gigante Adamastor, no canto V, estrofes 41 a 48. Personagem da mitologia grega, Adamastor, na obra personifica o Cabo das Tormentas e tenta impedir a passagem dos navegantes portugueses liderados por Vasco da Gama. Sobre a Ilha dos Amores, nos cantos IX e X. Apresenta o prêmio criado por Vênus aos nautas lusos. É, obviamente, uma passagem fictícia e alude ao banquete oferecido por Tethys e aos jogos de sedução entre ninfas e portugueses que inserem no texto épico um contexto de sensualidade e de erotismo. A Máquina do Mundo Um ponto fundamental da narrativa está no capítulo X, quando Vasco da Gama, pela ligação com a deusa Thétys é aceito no Olimpo e vê a máquina do mundo, uma miniatura do universo, nos moldes da proposta de Ptolomeu. A máquina aparece como um signo da capacidade de realização do povo português e vê-la é um prêmio para um de seus grandes realizadores, Vasco da Gama que pode, então, contemplar o universo. Aqui, anuncia-se uma perspectiva fortemente humanista, no que toca ao domínio e ao poder do homem e de sua ciência, mas a partir da mescla com os elementos mitológicos, em uma perspectiva alinhada aos outros aspectos fusionistas presentes no texto. AULA 5 – A PARENÉTICA EM ANTÓNIO VIEIRA O Movimento Artístico Barroco O barroco foi um movimento artístico iniciado no século XVI, cujo alcance dá-se até o século XVIII. O termo barroco é posterior ao movimento e foi criado pelos neoclássicos, ferrenhos opositores da arte barroca. Ao chamarem àquela arte barroca, fazem-no de modo pejorativo ereferem-se a um tipo de pérola imperfeita. Para os neoclássicos, a arte barroca era exagerada e de mau gosto; deveria ser combatida pelo apelo ao equilíbrio e à harmonia, como proposto pelo neoclassicismo, no século XVIII. O crítico literário Massaud Moisés, em Literatura Portuguesa, identifica, em Portugal, o início do período barroco pelos marcos da morte de Camões e do começo da União Ibérica. Já o crítico Antônio Saraiva, em Introdução à Literatura Portuguesa, percebe como especificidade do movimento barroco português a confluência entre o estilo da escolástica medieval e o estilo classicista italiano. Moisés, em Literatura Portuguesa (2003) identifica o movimento pela: ―Luta por conciliar o claro e o escuro, a matéria e o espírito, a luz e a sombra, no esforço de anular pela unificação a dualidade básica do Homem dividido entre os apelos do corpo e da alma‖. O esforço de conciliação presente no barroco, como aludido por Moisés, não se resolve, mas mantém-se em torno de um modo de expressão artística construído na tensão entre duas forças opostas: o teocentrismo e o antropocentrismo. Esta tensão foi potencializada pela Reforma e pela Contra-Reforma, o que criou uma aporia que será o cerne das manifestações barrocas. São geradas percepções do mundo fundadas no choque entre o espírito e a matéria, o pecado e a virtude, o eterno e o fugaz, em um enfrentamento que não se resolve, mas antes agrega os opostos, e que se torna uma marca forte da mentalidade e da arte barroca. Um elemento importante da expressão barroca é o discurso engenhoso. Diz respeito à habilidade do artista e ao domínio das convenções poéticas. De acordo com Saraiva (1999), ao discurso engenhoso: ―Interessava menos a representação do real do que a arte criada pelo puro engenho. A agudeza, mãe do engenho, não se confunde com o juízo, que serve para discriminar o verdadeiro do falso‖ (p.73). É possível inferir, a partir da fala de Saraiva, o afastamento proposital da realidade no discurso engenhoso. Ao poeta engenhoso, cabe ter agudeza, ou seja, engenho. A agudeza é demonstrada pelo domínio da linguagem e pelo diálogo com os códigos artísticos estabelecidos, como, por exemplo, a criação de cadeias de imagens correspondentes, o paralelismo, a correspondência entre dois elementos diferentes, por imagens simétricas ou contrastantes, o emprego da hipérbole, o preciosismo das imagens e o falar com propriedade, isto é, usando as palavras mais adequadas possíveis para o que se deseja exprimir. Cabe ressaltar que o discurso engenhoso já se encontrava na produção anterior ao barroco, em novelas de cavalaria, no Cancioneiro Geral de Garcia de Resende e, até mesmo, na poesia lírica e épica camoniana, por exemplo. Alguns tratados de poética criados no século XVII dedicaram-se ao estudo e à proposição da agudeza. Dentre eles, destaca-se Agudeza de Arte do Engenho, do espanhol Baltasar Grácian, que demonstra como a poesia engenhosa afasta-se da realidade, ao expressar-se por dois estilos: o gongorismo, também conhecido como cultismo, e o conceptismo. O Cultismo também é chamado de gongorismo pela referência ao castelhano Gôngora, o principal poeta identificado a este estilo, que se se expressa pelo emprego abundante de metáforas e de imagens. Objetiva descrever objetos ―raros e luminosos‖ (SARAIVA, 1999, p. 74) e, assim, levar o leitor à surpresa e ao conhecimento. A escrita cultista (ou gongorista) é enfeitada, rebuscada e cheia de pompa. Há o uso exagerado de figuras de sintaxe, propositalmente. Por sua vez, o conceptismo, cujo principal representante é o poeta espanhol Quevedo, é um estilo caracterizado pela tessitura de jogos de pensamento e de conceitos pautados na lógica e na razão. Por essa via discursiva, intentava conceituar aspectos da realidade. Portanto, o cultismo e o conceptismo são estilos opostos. Contudo, é incorreto pensar a sua absoluta exclusão, pois, em algumas obras, ambos encontravam-se interpenetrados. Destarte, era comum entre alguns autores barrocos a alternância, em suas obras, de poemas cultistas e conceptistas. A Parenética em António Vieira Antônio Vieira nasceu em 1608 e foi educado na Bahia, em um ambiente culturalmente incipiente. Viveu durante o reinado de Dom João IV e tornou-se jesuíta, além de alto funcionário da monarquia portuguesa. Vieira tinha plena ciência do poder do Mercantilismo. Segundo Alfredo Bosi, em Dialética da colonização (1996, p.120), Vieira, ao contrário do poeta baiano Gregório de Matos: ―Sabia que a máquina mercante viera para ficar, irreversível e inexorável. E que, sendo inútil lastimar a sua intrusão nos portos da Colônia, importava dominá-la imitando os seus mecanismos e criando, na esfera do poder monárquico luso, uma estrutura similar que pudesse vencê-la na concorrência entre os impérios‖. A palavra literária foi fundamental para essa tentativa de domínio, em um contexto no qual era preciso, ainda, posicionar-se contra o crescimento da Reforma Protestante, na condição de jesuíta, mas, ao mesmo tempo, questionar os desmandos e os excessos dos processos de inquisição da própria igreja da qual participava. A produção literária de Antônio Vieira foi profusa; dentro dela destacam-se a epistolografia e a parenética religiosa. Parenética é a arte da pregação, do sermão. Os sermões de Vieira foram instrumentos expressivos da reflexão de Vieira sobre questões de seu tempo, inclusive as mais polêmicas, como o tratamento dado aos indígenas brasileiros e aos cristãos-novos, isto é, aos judeus recém-convertidos ao catolicismo. Sermão é a interpretação de um texto religioso, retirado de uma obra considerada sagrada. A citação do texto precede ao início do sermão. Na produção parenética de Vieira, a questão do engenho está presente. A expressão da agudez em seus sermões é organizada por elementos como o esforço de criação de cadeias de imagens correspondentes, o uso da hipérbole e as imagens representadas com precisão. Além disso, os seus sermões primam pela procura da escrita com propriedade, buscando encontrar os termos apropriados para o que se deseja expor. O estilo adotado para a construção do discurso engenhoso, por Vieira, é claramente o conceptista. Há, ainda, uma oposição profunda ao cultismo, visto pelo autor como um discurso fútil, manipulador e nocivo. Um sermão cujo texto demonstra explicitamente a condenação do estilo cultista por Vieira é o ―Sermão da Sexagésima‖: ―Já que falo contra os estilos modernos, quero alegar por mim o estilo do mais antigo pregador que houve no Mundo. E qual foi ele? O mais antigo pregador que houve no mundo foi o Céu. Suposto que o Céu é pregador, deve ter sermões e deve ter palavras. E quais são estes sermões e estas palavras do céu? – As palavras são as estrelas, os sermões são a composição, a ordem, a harmonia e o curso delas. O pregar há de ser como quem semeia, e não como quem ladrilha ou azuleja. Não fez Deus o céu em xadrez de estrelas, como os pregadores fazem o sermão em xadrez de palavras. Se de uma parte está branco, de outra há de estar negro; se de uma parte está dia, de outra há de estar noite? Se de uma parte dizem luz, da outra hão de dizer sombra; se de uma parte dizem desceu, da outra hão de dizer subiu. Basta que não havemos de ver num sermão duas palavras em paz? Todas hão de estar sempre em fronteira com o seu contrário?‖ No texto anterior, Vieira critica um elemento específico da agudeza oriundo do cultismo: o uso de proporções contrastantes obtidas pelo emprego de antíteses, responsável pelo ―sermão em xadrez de palavras‖. Apesar de sua aderência aos princípios da agudeza, típicos do universo artístico barroco, a parenéticaem Vieira sustenta-se em uma linguagem herdada da escolástica, semelhante aos dos sermões de Santo Antônio de Lisboa, no século XIII. Como meios para alcançar a persuasão, emprega a dialética e o silogismo. Interpela a plateia de modo irônico, no sentido de fingir desconhecer as respostas às perguntas feitas, às quais dá respostas propositalmente contraditórias, como um modo de fazer a audiência questionar- se. Em termos de estrutura, os sermões de Vieira, em sua maioria, aderem à tripartição clássica, que divide os sermões em: Intróito: parte conhecida também como exórdio. Apresenta o texto sagrado escolhido e expõe o tema do sermão. Desenvolvimento: interpretação do texto e exposição do argumento. Peroração: conclusão do sermão e exortação aos fiéis. Alguns sermões escritos por Vieira não apresentam todas as três partes, como o ―Sermão da Primeira Sexta-Feira da Quaresma‖, que não possui a peroração. No que toca à interpretação, Vieira também segue a tradição escolástica, que prevê quatro sentidos para o texto: Literal ou histórico Alegórico Moral (Referente ao comportamento na vida terrena) Anagógico (Referente à vida após a morte terrena) Antônio Saraiva defende em sua obra que os modelos de interpretação escolástica serviam como ―um ótimo pretexto para o exercício do engenho e da agudeza‖ (1999, p. 76). Logo, a estrutura rígida da exegese medieval não se contrapôs ao exercício barroco da escrita engenhosa, mas amalgamou-se a este. Outro ponto de interseção entre o universo medieval e da Época Moderna, em Vieira, ocorre na mescla das alegorias bíblicas ao pensamento mercantil, como notou Alfredo Bosi, presente em seu modo de interpretação. Esse processo interpretativo é potencializado pelo domínio do latim e da língua portuguesa, por Vieira. Como exemplo desse domínio, Saraiva cita uma passagem do ―Sermão da Sexagésima‖, na qual o autor reflete sobre a própria natureza do sermão: ―Para o sermão vir nascendo há de três modos cair: há-de cair com queda, há-de cair com cadência, há-de cair com caso‖. No trecho citado, o autor trabalha com a comparação de três palavras, ―cair‖, ―queda‖ e ―cadência‖ e organiza uma rede comparativa de significados alusivos aos modos de proferir o sermão. A escolha dos termos dá-se por conta dos três serem derivados da palavra latina cadere, que significa cair, o que exemplifica o veio engenhoso e conceptista de Vieira. Apesar do domínio da linguagem parenética e do emprego do discurso engenhoso, os sermões de Vieira não se deram apenas como um exercício reflexivo; com eles, o autor intentava promover mudanças concretas e chamar à ação, como podemos perceber no trecho do ―Sermão do Terceiro Domingo do Advento‖: ―A verdadeira fidalguia é a ação. O que fazeis, isso sois, nada mais‖. A questão do desejo de agir expõe uma contradição fundamental no discurso panerético de Vieira: a construção de argumentos universais, mas que objetivava atingir, de modo particular, a nobreza e o clero portugueses, como pontua Alfredo Bosi (1997). A questão do desejo de agir expõe uma contradição fundamental no discurso panerético de Vieira: a construção de argumentos universais, mas que objetivava atingir, de modo particular, a nobreza e o clero portugueses, como pontua Alfredo Bosi (1997). Essa contradição era um grande desafio retórico para o padre, mas que ele consegue superar, por exemplo, no ―Sermão da Epifania‖, pregado na capela Real, no Maranhão, uma das localidades da colônia que mantinha a escravidão indígena. Vieira aproveitou a presença do rei e do infante para expor um discurso antiescravocrata, buscando na exegese da bíblia os seus argumentos, estratégia clássica da escolástica. Assim, citou a passagem do novo testamento sobre a visita dos reis magos ao menino Jesus para pregar a condição universal dos seres humanos como filhos de Deus, acusando, por isto, até mesmo a Igreja Católica, que permitira a escravidão sobre o pretexto de guerra justa (1997, p. 136). A escravidão africana também tocou a parenética de Vieira, em sermões sobre o rosário. A escolha deu-se por conta das Irmandades de Nossa Senhora do Rosário, formada apenas por negros. No ―Sermão XIV do Rosário‖, também estudado por Bosi em Dialética da Colonização, Vieira, pelo jogo de agudeza em torno de uma rede analógica, centrada no paralelismo entre o sofrimento dos escravos e a paixão de Cristo: ―Em um engenho sois imitadores de Cristo Crucificado: porque padeceis em um modo muito semelhante o que o mesmo Senhor padeceu na sua cruz, e em toda sua paixão. A sua cruz foi composta de dois madeiros, e a vossa em um engenho é de três (...) Cristo despido, e vós despidos; Cristo sem comer, e vós famintos; Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo‖. O sermão levava uma mensagem de esperança à plateia que o assistira, formada por homens negros, da Irmandade do Rosário onde o pregava, e mostrando a sua indignação frente a uma sociedade na qual a cobiça dos homens atiça uma desigualdade social que feriria os princípios naturais, cristãos e lógicos, o que provocou a confissão da perplexidade do orador, também demonstrada em outro sermão para uma Irmandade de negros, o vigésimo sétimo: ―Comparo o presente com o futuro, o tempo com a Eternidade, o que vejo, com o que creio, e não posso entender, que Deus que criou estes homens tanto à sua imagem e semelhança, como os demais, os predestinasse para dois infernos, um nesta, vida, outro na outra.‖ Por fim, destacamos outro ponto importante nos sermões de Vieira: a distância existente entre o texto do sermão e a sua prática efetiva. Cabe lembrar: apenas temos acesso parcialmente aos textos dos sermões, pois só podemos lê-los, de modo que nos escapa a presença do orador, a inflexão de sua voz e os seus gestos. Afora isso, muitos dos sermões por nós conhecidos foram redigidos posteriormente às declamações, com a inserção ou exclusão de trechos. O Sebastianismo nos Livros de Vieira A produção de Vieira abarca obras proféticas, nas quais retoma o mito do sebastianismo. O sebastianismo é um mito messiânico e centrado na previsão da volta de Dom Sebastião, o jovem rei português, cujo corpo desapareceu na batalha de Alcácer-Quibir. Como Dom Sebastião não deixou herdeiros, o trono português transferiu-se para o domínio espanhol. Em meio à crise instalada pelo domínio espanhol, surgiram em Portugal o mito sebastianista e a esperança do retorno de Dom Sebastião, que fundaria o Quinto Império português. Na visão de Vieira, o Quinto Império começaria quando Cristo voltasse à Terra, o que ocorreria junto à vinda do Messias judeu, que seria Dom João IV. Desse modo, Vieira estabeleceu uma analogia entre os hebreus e os portugueses. O fato revela algo instigante: além da fabulação, as profecias tinham um cunho pragmático: a defesa do retorno dos judeus portugueses ao país e, consequentemente, do capital que possuíam. Portanto, as profecias sebastianistas de Vieira eram uma tentativa de ação política consciente, e não apenas fruto de uma mente fantasiosa. Um importante leitor das profecias de Vieira foi Fernando Pessoa. Em seu livro, Mensagem, o poeta empreendeu a releitura do mito sebastianista e do Quinto Império, tendo como uma de suas fontes a obra messiânica do escritor. AULA 6 – ARCADISMO E ROMANTISMO EM PORTUGAL O Iluminismo em Portugal O surgimento e a difusão do pensamento iluminista impactaram uma série de movimentos políticos, sociais e artísticos na Europa. O ideário iluminista alcançou Portugal no século XVIII, mesmo com a permanência de traços arcaicos na ideologia lusitana. Havia, à época, uma enorme tentativa de transformar o paísem um local mais aberto aos novos modelos de pensamento e de vida, organizada, principalmente, pelo Marquês de Pombal, ministro de Dom José I. O Marquês de Pombal O Marquês de Pombal empreendeu um movimento de reformas com o intuito de levar Portugal a ser um país ilustrado, ou seja, um país com Ilustração, sob o influxo dos ideais iluministas. Para tanto, o plano de Pombal apontava para a expulsão dos jesuítas dos domínios portugueses, o que marcou uma profunda mudança na universidade lusitana, através da consolidação de uma postura laica e propensa à abertura para as perspectivas ideológicas iluministas. O clima iluminista permaneceu em Portugal, mesmo após o encerramento do governo pombalino. No campo artístico, foi possível assistir à proliferação de movimentos estéticos cujo alimento ideológico consistia, justamente, no ideário iluminista: o Arcadismo* e o Neoclassicismo*. Nesse momento, a poesia portuguesa encontraria um forte clima antibarroco. * O Arcadismo, por sua vez, englobaria ―os traços ilustrados‖ (1993, p.42) e estaria ligado a uma designação geral do movimento, o que preveria, inclusive, a presença de laivos do maneirismo. * Apesar de ser relativamente comum encontrarmos o termo Neoclassicismo como sinônimo de Arcadismo, há, entre ambos, diferenças. Em seu livro Formação da Literatura Brasileira (1993), o crítico literário Antonio Candido atenta para as especificidades dos dois movimentos, surgidos no século XVIII, a partir de diálogos com a filosofia iluminista. Para Candido, o Neoclassicismo é um termo oriundo da Espanha e da Inglaterra para a imitação do classicismo francês. Propõe o combate ao Cultismo, de acordo com as orientações poéticas de Boileau, a fim de ―redefinir a imitação direta dos gregos e romanos‖ e tentar ―restabelecer vários padrões do período por excelência clássico na literatura portuguesa, p século XVI, promovendo, sob muitos aspectos, um verdadeiro quinhentismo‖ (1993, p.41). Em meio a esse contexto, é fundada em 1756 uma associação literária nos moldes das que já se uniam sob a égide da expressão arcádica, em um movimento iniciado pela Arcádia Romana, criada décadas antes. Tratava-se da Arcádia Lusitana, cujo lema era Inutilia Truncat, ou seja, eliminar o inútil. Tal lema apontava para a exigência de uma arte despida do que se percebia como os excessos do barroco. Assim, os ornamentos e os jogos rebuscados de palavras e de conceitos barrocos eram enxergados pelos membros da Arcádia como exagerados e de mau gosto; perpetuá-los indicaria a submissão a um estilo decadente, do qual o artista português deveria livrar-se. A repulsa aos excessos e ao rebuscamento da expressão barroca ia ao encontro da crescente repulsa ao estilo de vida da aristocracia e do clero, vistos como decadentes, em um momento no qual a burguesia ganhava força nas esferas social, econômica, política e cultural. A Celebração de um Modo Ideológico e Estético Em tal ―processo de destruição‖, os escritores árcades valeram-se, como dito, de traços do movimento classicista quinhentista, em um processo de recuperação, principalmente, do legado poético camoniano, e, em um recuo muito maior, da poética originada na Antiguidade clássica. Portanto, podemos afirmar o estímulo e a orientação da poética árcade pela herança poética, mitológica e filosófica greco-romana. A celebração de um modo ideológico e estético de representação que aludia à simplicidade, ao equilíbrio e à harmonia, não só resgatava índices da poética clássica, já visitados pelo Classicismo do século XVI, como identificava uma postura contrária aos exageros presentes nos modos de viver do clero e da nobreza. A singeleza presente na vida pastoril e o elogio ao bucolismo são os elementos-chaves da estética árcade e eram vistos como capazes de destruir a ―hidra do mau gosto‖ barroca, para empregarmos uma expressão da época. A essas idéias, o Arcadismo soma a visão iluminista da Natureza como espaço lógico e racional, defendido em torno da relação indissociável entre verdade, razão, natureza e beleza proposta por Aristóteles e retomada pelos iluministas. O belo é a verdade, e a verdade é o natural. Tal influência une-se o ideário iluminista. A percepção clássica da Natureza como um locus amoenus, ou seja, como um espaço de acolhimento contraposto ao espaço urbano repleto de vícios e ilusões, é difundida. É preciso fugere urbem, isto é, fugir da cidade e de seus enganos. O Arcadismo – O Belo é a, e a Verdade é o Natural A noção de verdade, entretanto, é tomada como uma representação, como uma convenção. O fazer literário arvora-se no Arcadismo como uma operação racional. Disto deriva dois elementos importantes para a sua compreensão, como previsto por Nicolas Boileau, autor de Arte Poética, e orientador-mor dos poetas setecentistas europeus: O processo de construção do texto literário é uma operação lógica e prevê dois momentos: A organização do poema, a partir do raciocínio sobre o tema e o planejamento de sua estrutura. Em um segundo momento, a elocução do poema. Portanto, para Boileau, a reflexão antecede a escrita, que não é um ato emocional, mas cuidadosamente refletido. Há uma distância entre a ontologia e a ética, no que toca à mimese árcade. Isto é: o escritor árcade depara-se com uma convenção que o leva a filtrar a realidade, de modo racional, em seu texto. Ele não pode representar as coisas como são, mas considerar esse processo de filtragem em sua literatura e sua conseqüente submissão às orientações poéticas clássicas. Destarte, a filtragem e a adequação à convenção na poesia árcade dizem respeito à percepção da literatura como meio propedêutico, isto é, de propagar o conhecimento, como proposto pela poética clássica. Portanto, o discurso poético árcade identifica o natural com as noções de razão, verdade e beleza. Defendem a possibilidade do Homem só aprender, verdadeiramente, sobre o real ao entrar em contato com a singeleza da vida bucólica, amparada no conceito de mediocridade dourada (áurea mediocritas). Compreendemos por mediocridade dourada um conceito filosófico grego que prega uma vida equilibrada, sem excessos ou carências. Outro ideal filosófico clássico recuperado pelo arcadismo é a idéia do carpe die (colha o dia), que aponta a necessidade da vivência plena em todos os momentos. Os ideais do carpe diem e da áurea mediocritas demonstram uma tensão do pensamento árcade, entre o epicurismo do primeiro e o estoicismo do segundo. Um elemento fundamental da poética árcade é o fingimento poético. Através dele o poeta árcade assumia um pseudônimo de pastor e se figurava como uma persona em um ―mundo habitado por deuses e ninfas, numa natureza e num tempo absolutamente fictícios‖ (MOISÉS, 1988, p.120). Outro ponto importante do Arcadismo é a presença do paganismo, expresso na alusão aos deuses grego-romanos e no panteísmo. Em Portugal, porém, muitos poemas foram escritos fora da tendência paganista; houve poemas, inclusive, que louvavam à Virgem Maria, ignorando este posicionamento árcade. Em termos formais, é possível afirmar a submissão da poesia árcade às convenções da poética clássica, também. A forma fixa mais utilizada era o soneto e na métrica, o decassílabo era a medida mais usual. Ao propor versos brancos (são os que representam métrica regular, embora não tenham rimas), porém, os poetas árcades inovaram. A Poética de Manuel Du Bocage Passados mais de trinta anos da fundação da Arcádia Lusitana, surgiu uma nova associação, em torno da qual se reuniam os árcades portugueses: a Nova Arcádia, cujo participante mais famoso viria a ser Manuel Du Bocage, ou melhor, Elmano Sadino, o seu pseudônimo pastoril.
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