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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DA PARAÍBA CENTRO DE HUMANIDADES DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA “OLHARES GEOGRÁFICOS – Grupo de Pesquisa em Geografia Cultural e da Percepção” A NATUREZA DA GEOGRAFIA E SUAS MULTIPLAS AÇÕES “O homem é a natureza adquirindo consciência de si própria”* (RECLUS, 1887)* AUTORES: Profº. Dr. Belarmino Mariano Neto (UEPB/CH)1 Prof. Dr.. Luiz Gustavo Lima de Sales (UFCG/Pombal)² Profa. Dra. Ricélia Marinho de Lima Sales (UFCG/Pombal)³ COORDENADORIA DE ENSINO MÉDIO - G E O G R A F I A: REFERENCIAIS CURRICULARES DO ENSINO MÉDIO DO ESTADO DA PARAÍBA. João Pessoa, Paraíba: Secretaria de Estado da Educação e Cultura, Agosto de 2006. ISBN 978-8598357-33-1 João Pessoa, Agosto de 2006. * Cf. RECLUS, Élisée, 1887-1892. Reproduzido de ANDRADE, 1985, p.38 1 O artigo foi produzido a partir de uma consultoria que fizemos para a constituição dos referenciais curriculares para o ensino médio da Paraíba. No artigo foi atualizado em agosto de 2016. 2 INTRODUÇÃO: Pensar a natureza da geografia no inicio de século 21 é um desafio para todos os acadêmicos da disciplina de Geografia, na qual são sugeridos elementos de análise que podem representar categorias essenciais dessa ciência. Nesse sentido, parte-se da correlação existente entre o espaço-tempo e a sociedade-natureza, para que se possa mediar os conceitos-chave da Geografia que adquirem significados na articulação com os conceitos estruturadores da área de Ciências Humanas e suas tecnologias, quais sejam: relações sociais, dominação, poder, ética, identidade, cultura e trabalho. Assim, a Ciência Geográfica pode ser articulada a quatro dimensões fundamentam o conhecimento geográfico: Espaço, Tempo, Sociedade e Natureza. Estas são bases para a construção material e formal desta ciência. Figura 01 – Esquema teórico metodológico de analise da Geografia. Fonte: Construído por Mariano Neto, Arquivos do autor. O espaço aqui é representado como a categoria central da análise geográfica, no qual, processa-se a interação entre os elementos da paisagem natural (meio físico ou ambiental) e os elementos da paisagem humana (sócio-político-econômico-cultural). Atualmente, nota-se que existe um elo entre esses elementos na construção e/ou reconstrução de um determinado espaço que é a informação. Nota-se que a informação transforma o mundo, reduz o espaço e sintoniza os diferentes pontos em redes, nas quais o tempo, a razão e a 3 emoção faz-se natureza do espaço-técnica (SANTOS, 1996). Este é um dos caminhos escolhidos para a constituição da ideia de espaço aqui apresentada; Quanto ao tempo é entendido a partir de dois aspectos: a) como um contínuo processo de transformações ritmadas pela dinâmica social, categorizados pela história e cultura humana na natureza (evento social) e; b) enquanto ritmos da própria natureza (eventos naturais ou geológicos), em seu quase que completo atropelamento pela lógica de tempo tecnológico do humano. Tempo enquanto compartimentação, fragmentação, rapidez e fluidez em constante metamorfose (SANTOS, 2001, p. 80-83); Já a sociedade é pensada como todo o complexo de relações humanas, conflitos, convergências, valores e atitudes de indivíduos ou comunidades que associam-se ou desassociam-se segundo interesses ou pressões, disputas e controles estabelecidos pelo poder político-ideológico e pelos grupos, aceitos ou contestados ao longo dos eventos de cada sociedade; Por fim, a natureza enquanto ideia de vida sistematizada em elementos bióticos e abióticos que interagem num constante fluxo de energia em infinitas possibilidades para desenvolver a vida ou a não vida. A natureza cientificamente pensada em grandes e pequenos sistemas constituídos a partir dos elementos fogo, ar, água, terra e vida. Estes em diferentes manifestações, estados e combinações até atingirem uma condição biológica em múltiplos cenários, desenhos, arranjos e relações. A natureza pensada como suporte físico dos vários fenômenos geográficos, ecológicos, biológicos, geológicos, hidrológicos, fitológicos e químicos, que serve como princípio elementar da ciência dos humanos. A natureza pensada como recursos para atender as constantes demandas sócio-econômicas da sociedade (ATLAN, 1992). No caso específico da Geografia, dar-se-á destaque para duas relações destas dimensões: a Relação Sociedade-Natureza, materializada pelo Trabalho (Técnica) e a Relação Espaço-Tempo, materializada pelos Eventos (sociais e/ou naturais) (Figura 02): Figura 02 – Relação Espaço-Tempo e Sociedade-Natureza. Fonte: lhttp://linguagemgeografica.blogspot.com 4 As imagens demonstram um processo em que a sociedade transformou profundamente a natureza, através do tempo e ritmado pela técnica. Estas relações são perceptíveis quando a história humana é considerada como a própria história de uma ruptura progressiva que envolve os seres humanos e seu entorno, em decorrência de suas técnicas e da imposição da tecnologia sobre o meio ambiente. Visto por este ângulo, a principal forma de relação entre a sociedade humana e a natureza é materializada pelo trabalho (trabalho abstrato) ou técnica (SANTOS, 2004). O trabalho é uma categoria que proporciona desprendimento da vida enquanto um aspecto meramente biológico, e a relação com a natureza passam a ser uma busca para suprir as necessidades meramente humanas, que, consequentemente, desenvolverá atividades voltadas para atender essas necessidades. Contudo, as atividades sempre estarão articuladas ao trabalho abstrato ou técnica. Mas o que seria essa técnica? Segundo Santos (2004, p. 29), “as técnicas são um conjunto de meios instrumentais e sociais, com os quais o homem realiza sua vida, produz, e, ao mesmo tempo, cria espaço”, espaço este que ao longo do tempo passa por profundas transformações. Santos (2004) sugeriu que, essas transformações do espaço podem ser estudadas a partir de três períodos: o meio natural; o meio técnico e; o meio técnico- científico-informacional. No primeiro período, o ser humano retirava da natureza apenas aquilo que era necessário para a sua sobrevivência, alimento, abrigo, etc. Na verdade, “o homem escolhia da natureza aquelas suas partes ou aspectos considerados fundamentais ao exercício de sua vida” (SANTOS, 2004, p. 235). Era uma relação sem muitas conseqüências para a natureza que mesmo alterada, em parte se regenerava. Esse período também era caracterizado por um uso e uma ocupação de uma determinada área restrita à localidade. O papel do intercâmbio nas determinações sociais não interferia na criação das técnicas, nos limites de utilização, nem nos tempos sociais, já que a própria sociedade local comandava todas essas determinações (SANTOS, 2004, p. 236). Dessa maneira, não sofria grandes interferências de fora. A relação sociedade/natureza era marcada apenas pela utilização dos recursos naturais para atenderem às necessidades básicas de cada comunidade. A “técnica utilizada” não era tão agressiva à natureza, um dos exemplos era o pousio, a rotação de terras, a agricultura itinerante, denominados por Santos (2004) de “sistemas técnicos sem objetos técnicos”. Porém, com o passar do tempo, essa relação, que era amistosa, passa por algumas transformações. As culturas tradicionais foram sendo substituídas pela cultura tecnológica, passando a imperar uma nova ordem econômica, onde se inicia timidamente uma ação mediada por objetos técnicos rudimentares. O que era um desejolatente de sobreposição dos caprichos da natureza pela vontade humana, começa a se corporificar. Criam-se condições para a instauração de um período técnico, cujas características são as inserções de um espaço que se mecaniza e uma sobreposição do tempo ritmado pelas práticas 5 humanas sobre o tempo da natureza. Santos (2004, p. 237) disse que, “utilizando novos materiais e transgredindo a distância, o homem começa a fabricar um tempo novo, no trabalho, no intercâmbio, no lar. Os tempos sociais tendem a se sobrepor e contrapor aos tempos naturais” (Figura 03): Na verdade, tempo e espaço são realidades históricas, são eventos e, o ponto de partida, em qualquer momento, para entender esses eventos, deve ser a sociedade humana em processos dinâmicos, realizando-se sobre uma base material: “o espaço e seu uso; o tempo e seu uso; a materialidade e suas diversas formas; as ações e suas diversas feições” (SANTOS, 2004, p. 54). Mais uma vez, a técnica tem um papel fundamental, agora para compreender o tempo e o espaço. Ela entra aqui como um traço de união, de um lado, dá a possibilidade de empirização do tempo e, de outro lado, a possibilidade de uma qualificação precisa da materialidade sobre a qual as sociedades humanas trabalham. Desta forma, (...) é por intermédio das técnicas que o homem, no trabalho, realiza essa união entre espaço e tempo (...) As técnicas participam na produção da percepção do espaço e também da percepção do tempo, tanto por sua existência física que marca as sensações diante da velocidade, como pelo seu imaginário. (...) A técnica é, pois, um dado constitutivo do espaço e do tempo operacionais e do espaço e do tempo percebido. Ela poderia, assim, Figura 02 – O Espaço Geográfico e suas transformações – São Paulo/SP. Fonte: www.letsvamos.com 6 ser essa busca da referência comum, esse elemento unitário, capaz de assegurar a “equivalência” do tempo-espaço (SANTOS, 2004, p. 54-55). Equivalência esta que se pode perceber através das profundas transformações impostas pelo humano ao seu entorno, criando assim uma segunda natureza. Em decorrência disso, a natureza não é mais natural, pois a partir de sua instrumentalização, o meio natural passa a ser um processo social. Isso significa que as múltiplas ações humanas em sociedade, provocam significativos impactos na natureza. Os meios técnicos e a sociedade de consumo fruto do modelo capitalista de desenvolvimento é o maior responsável pelos impactos negativos na contemporaneidade (Figura 04): A imagem em tela representa a atual fase em que a sociedade de consumo e desperdício, em que, se estabeleceu a lógica dos descartáveis que representam uma grande carga de lixo, na forma de resíduos sólidos, como: plástico, borracha, papel, papelão, vidro etc. Esse modelo serve de alerta para os riscos ambientais para a continuidade da vida no Planeta Terra. A antiga ideia de natureza pura vem sendo cada vez mais substituída pela ideia da natureza artificial, na qual a ordem racional rompe definitivamente com o antigo laço de “amizade” com o meio natural. É a emergência do espaço mecanizado que, na visão dos ecologistas, deveu-se principalmente aos humanos que lutavam permanentemente com a natureza. Figura 04 – Relação sociedade natureza, impactada lixo humano. Fonte: ehttp://ecologiaurbanacwb.blogspot.com 7 No começo da história dos seres humanos, o espaço é simplesmente o conjunto dos complexos naturais. À medida que a história vai acontecendo, esse espaço, que era apenas complexos naturais, vai sendo substituído pelas obras das diferentes sociedades humanas, são: estradas, plantações, pontes, casas, depósitos, portos, fábricas, cidades, etc. Nota-se que com o passar do tempo, cria-se um espaço que é cada vez mais o resultado de uma produção histórica e tende a uma negação da “natureza natural”, substituindo-a por uma natureza inteiramente humanizada (SANTOS, 2004, p. 62). Um meio que viveu milênios como meio natural ou pré-técnico, um meio ao qual se chamou de meio técnico ou maquínico durante dois ou três séculos, e que hoje estamos propondo considerar como meio técnico- científico-informacional (SANTOS, 2004, p. 41). No terceiro e último período, denominado de meio técnico-científico-informacional, origina-se para alguns países após a Segunda Grande Guerra (1939-1945), porém, para outros, como foi o caso dos países ditos de Terceiro Mundo (Subdesenvolvidos), apenas na década de 1970, viu-se essa transformação de um período técnico para um técnico- científico-informacional. Essa fase distingue-se das demais devido à profunda interação entre a ciência e a técnica. Aqui, A natureza deixou de ser uma parte significativa do nosso meio ambiente. A ideia de um meio artificial faz-se uma evidência. A técnica, produzindo um espaço cada vez mais denso, transforma-se no meio de existência de boa parte da humanidade (ROSTENSTRICH, 1985, p.71 In: SANTOS, 2004, p. 239). Nota-se que dentro da periodização da relação sociedade/natureza, as culturas tradicionais foram sendo substituídas pela cultura tecnológica, passando a imperar uma nova ordem econômica e é sob esta ótica, que a natureza tem sido apreendida e transformada. Desta forma, a Geografia torna-se uma disciplina de fundamental importância para o entendimento dessas grandes transformações que se processaram e ainda processam-se no espaço geográfico, principalmente, neste mundo cada vez mais globalizado, um espaço de modernidade (para alguns, pós-modernidade), no qual, ciência, tecnologia e cultura são os principais construtores das novas paisagens humanas. Assim, diante da interação entre um mundo globalizado, o surgimento de um espaço de modernidade, a ciência, a tecnologia e a cultura, a Geografia depara-se com campos de conhecimento que estão colocando em prova importantes bases ou categorias geográficas. Nesse sentido, é importante pensar nas questões dos espaços virtuais e um exemplo de neologismo que para a ciência geográfica é o Ciberespaço. Este novo arranjo espacial aponta para a formatação de novas relações sociais em redes de computadores. Parece até que a dimensão espaço-tempo perde o sentido de existir 8 em sua condição material. Claro que para que toda essa rede de computadores funcione é preciso os pontos fixos no espaço. A lógica da técnica em sua alta resolução configurando o ciberespaço como um sistema de redes de comunicação digital, permite uma espécie de fluidez e fluxos de imagem, som, informação que redefinem a organização material das práticas sociais de tempo compartilhado que funciona por meio de fluxos informacionais (CASTELLS, 1999). O Ciberespaço é a mais nova dimensão do espaço a partir da sociedade em rede, onde os fluxos definem novas formas de relações sociais (CASTELLS, 1999). O espaço-tempo em lógicas diferentes e até contraditórias de acordo com a dinâmica sócio-espacial em um espaço virtual (Figura 05): O ciberespaço é o próprio espaço virtualizado por novas experiências técnico- informacionais (LEVY, 2000). Uma rede de fluxos que se materializam nas relações sociais e nos negócios estabelecidos enquanto relações e eventos humanos. Um exemplo é a mundialização da produção da produção, da circulação e circuitos financeiros imediatos que são manobrados virtualmente pelo capital especulativo, que circula a uma velocidadeluminar, com paradas de metrô em cada uma das bolsas de valores mundiais (MARIANO NETO, 2001, p. 64). O ciberespaço é uma rede posta e que permite o desenrolar das relações sociais, mas só existe em função das redes sociais reais, expressas em cidades reais e no jogo de interesses de grupos e forças econômicas reais. Cabe a Geografia compreender esse conjunto de novas situações para que os professores consigam se incluírem e incluir seus alunos ao novo mundo dos códigos digitais e da virtualidade. Para que ocorra a compreensão do mundo atual, a Geografia deve fundamentar-se em um corpo teórico-metodológico. Para muitos, a categoria central de análise da Ciência Figura 05 – O Ciberespaço e a era digital. Fonte: diariomidiatico.wordpress.com 9 Geográfica é o Espaço Geográfico. Este é entendido como um produto histórico e social das relações entre a sociedade e a natureza. Como um arranjo dinâmico de objetos naturais e objetos sociais construídos historicamente pelo trabalho humano. Porém, dentro deste espaço encontram-se várias outras categorias com as quais a Geografia trabalha, sendo elas: território, lugar, paisagem e região, incorporando também dimensões de análise que contemplam tempo, cultura, sociedade, meio ambiente, poder, relações econômicas e sociais, redes, territorialidade, dentre outras (Figura 05). O diagrama acima representa um “carrossel geográfico” da completa inter-relação entre as diferentes categorias exploradas na Geografia e que, historicamente, foram trabalhadas pelas várias correntes do pensamento geográfico, bem como, por princípios que fundamentaram as diferentes áreas do saber científico. Esta não é uma questão resolvida entre os geógrafos, mas a Ciência Geográfica, a partir dos anos de 1970, deu significativos saltos em suas análises sendo reconhecidamente uma Ciência da área de Humanas mais com uma forte relação com as Ciências Exatas e da Natureza, em especial depois que as questões ligadas ao Meio Ambiente passaram a ser um campo de contato com todas as áreas do conhecimento científico. Para a Geografia, todas as categorias estão relacionadas ao ambientalismo como o mais novo paradigma para discutirmos os melhores caminhos em nossas categorias de análise. Sociedade Território Lugar Paisagem Região Meio Ambiente Tempo Natureza Trabalho ESPAÇO GEOGRÁ FICO Figura 05 - Categorias fundamentais da Geografia Fonte: produzido pelo autor. 10 Território, Lugar, Paisagem e Região: categorias de análise da Geografia O embasamento teórico para a categoria território foi aqui formulado a partir de Santos e Silveira (2001), por considerarem território enquanto uma construção social que se estabelece a partir da relação terra e pessoas, perante as novas condições de existência, vida e trabalho. Para estes autores, o território não é visto apenas como palco de relações ou conflitos, o território aqui é visto como ator na dinâmica social, considerando delimitações, reconstruções de contextos e noções de uso do território enquanto alicerces da abordagem teórica. O que interessa discutir é então o território usado como sinônimo de espaço geográfico. E essa categoria, território usado, aponta para a necessidade de um esforço destinado a analisar sistematicamente a constituição do território. (...) O território, visto como unidade e diversidade é uma questão central da História humana e de cada país (...) a divisão territorial do trabalho envolve, de um lado, a repartição do trabalho vivo nos lugares e, de outro, uma distribuição do trabalho morto e dos recursos naturais (...) (SANTOS; SILVEIRA, 2001, p. 20). Na atualidade, diante das constantes mudanças políticas, econômicas, sociais, culturais e ambientais que vêm ocorrendo mundialmente, as questões inerentes ao território emergem com bastante vigor, convocando esforços dos geógrafos e de diversos estudiosos das mais variadas áreas para uma melhor apreensão da mesma. Desta forma, a noção de território se torna interdisciplinar, pois ultrapassa os limites do campo da Geografia, sendo concebida e utilizada pela Sociologia, Ciência Política, Ciência Econômica, Antropologia e, de forma menos intensa, pela Psicologia. Além dessas diferentes abordagens do território denotar não somente sua complexidade, mas também sua riqueza para o campo das relações sociais que estabelece- se em um dado local, ela também chama a atenção para um problema que, as Ciências Humanas e suas Tecnologias, devem resolver, a precariedade do diálogo interdisciplinar. Enquanto o geógrafo tende a enfatizar materialidade do território, em suas múltiplas dimensões (inclusive a dimensão da interação sociedade/natureza) (...); a Ciência Política enfatiza sua construção a partir de relações de poder (na maioria das vezes, ligada à concepção de Estado); a Economia, que prefere a noção de espaço à de território, percebe-o muitas vezes como um fator locacional ou como uma das bases da produção (enquanto “força produtiva”); a Antropologia destaca sua dimensão simbólica, principalmente no estudo das sociedades ditas tradicionais (mais também no tratamento do “neotribalismo” contemporâneo); a Sociologia o enfoca a partir de sua intervenção nas 11 relações sociais, em sentido amplo; e a Psicologia, finalmente, incorpora-o no debate sobre a construção da subjetividade ou da identidade pessoal, ampliando-a até a escala do indivíduo (COSTA, 2004, P.37 – Grifo nosso). COSTA (2004) propõe que, o diálogo interdisciplinar entre as áreas do conhecimento já citadas seja levado adiante e, para isso acontecer, inicia o diálogo, tentando sintetizar as várias noções de território agrupando-as em quatro vertentes básicas, são elas: a) política ou jurídica-política, na qual comenta que é a mais defendida, onde o território é visto como “um espaço delimitado e controlado, através do qual se exerce um determinado poder na maioria das vezes (...) relacionado ao poder político de Estado” (COSTA, 2004, p.40); b) cultural ou simbólico-cultural, na qual prioriza a dimensão simbólica e mais subjetiva e o território é visto como o “produto da apropriação/valorização simbólica de um grupo em relação a seu espaço vivido”. (Ibid., p. 40); c) econômica, enfatiza a dimensão espacial das relações econômicas, onde o território é visto apenas como fonte de recursos e/ou incorporado no “embate entre classes sociais e na relação capital-trabalho” (Ibid., p. 40) e; d) por fim, a última vertente seria a ambiental, na qual a noção de território teria como base a relação sociedade-natureza. O que evidencia o caráter interdisciplinar do enfoque territorial é considerá-lo enquanto uma categoria híbrida – híbrida entre sociedade e natureza, híbrida entre política, economia e cultura. O que apenas vai diferenciá-la é a escala. Para uns, o território é construído muito mais no sentido de uma área-abrigo e fonte de recursos, a nível dominantemente local. Para outros, interessa enquanto articulador de conexões ou redes de caráter global. Portanto, trabalha-se com esse território híbrido, construído a partir das relações entre a sociedade e natureza e entre o território e as pessoas que dele se utilizam. Como se pode observar, essa relação entre território-sociedade-natureza é inseparável e permite uma visão da própria dinâmica do cotidiano vivido pelas pessoas, pelos moradores de uma determinada localidade. Dinâmica essa representada pela intervenção realizada pelos seres humanos no território,criando e recriando significados em torno dessa apropriação que se passa no dia a dia. Neste sentido, utiliza-se também o termo territorialidade, como uma maneira ímpar de se apropriar, fazer usos da terra, do território, que se faz pelos significados e ressignificações que os sujeitos vão construindo em torno de suas experiências de vida em cada lugar (KOGA, 2003, p.38). Percebe-se que a categoria geográfica de lugar insere-se nesta discussão em torno do território-territorialidade, pois, a compreensão dos caminhos que se constroem em determinados locais pode revelar um mundo desconhecido pelos diagnósticos normais de apreensão da realidade. São sutilezas, nuanças que os dados não costumam revelar. A trama da relação sociedade/natureza também passa por este caminho, onde a organização interna de dado lugar tem seu significado para as populações que ali residem e relacionam-se. 12 Porém, este mesmo lugar, que revela dinâmicas próprias da relação sociedade/natureza, em cada localidade, também se expande para além dos limites geográficos. A dimensão territorial ganha concretude justamente pelo seu aspecto intrinsecamente relacional, em decorrência não somente das relações sociais estabelecidas no lugar cotidiano, como também pela possibilidade de seu alcance com outras dimensões (...). Pois a partir do território vai-se além da visão micro ou do localismo reducionista, tendo em vista que as próprias condições de vida do lugar remetem diretamente a relação entre populações e lugares, entre pedaço e outro da cidade, entre o lugar e a totalidade da cidade, entre a situação do lugar e as políticas que se direcionam à manutenção ou à transformação das condições de vida (KOGA, 2003, p.55). É a partir das próprias condições de vida de um lugar que as relações entre uma dada sociedade e a natureza se expressam e as desigualdades sociais tornam-se evidentes entre os cidadãos. No momento da configuração de um lugar que as condições e a qualidade de vida dos moradores de uma cidade ou de um sítio ou fazenda no campo desvenda-se através de formas e práticas diferenciadas, nas quais os fatores contribuintes, tais como, a presença ou ausência dos serviços públicos, funcionam como parâmetros reveladores das desigualdades sócio-espaciais. Como dito anteriormente, o Espaço-Tempo e a Sociedade-Natureza materializam-se através do trabalho (técnica) combinando-se na constituição de eventos que podem ser percebidos através da paisagem. Para muitos, esta categoria é entendida como tudo aquilo que a vista alcança e que se caracteriza pela diferenciação de suas combinações, homogeneizada em sua essência, forma, cor, odor e sentimento de quem a observa (paisagem natural ou artificial). Paisagem e espaço não são sinônimos. A paisagem é um conjunto de forma que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre o homem e natureza (SANTOS, 2004, p. 103). A paisagem também pode ser pensada enquanto sentido de ideia, sensação e percepção. A leitura da paisagem feita a partir da consciência doadora do sentido de valorização do vivido, tanto de forma física (natural e artificial), quanto emocional e até espiritual ou psicológica. A paisagem como um jogo de imagens e pensamentos, como representação do conhecimento e da imaginação, busca da experiência forjada pelo subconsciente, ativa possibilidades para o trabalho intelectual. A paisagem artificial a partir do humano enquanto ser que deseja e reage afetivamente aos acontecimentos do meio. Como pode ser percebida, a discussão sobre a paisagem passa por teorias, metodologias e linguagens específicas, ora convergentes ora divergentes, mas que aponta para a interação de conceitos e temas geográficos, tais quais: Paisagem e espaço; Paisagem 13 e cultura; percepção ambiental da paisagem; Paisagens dos lugares centrais e fragmentações espaciais; meio ambiente e paisagem rural; simbolismo e manifestações religiosas na paisagem. Assim pode-se pensar que a paisagem relaciona-se com as experiências vividas e seus diferentes significados. O lugar e o local; o território e a territorialidade; o espaço e o tempo enquanto categorias geográficas pensadas a partir da experiência vivida e percebida pelos seres humanos enquanto constituição paisagística. Nesse aspecto, a percepção ou sentir sensorial e emocional, permitem uma comunhão entre a natureza e o sujeito, na qual, a afetividade possibilita um reagir aos acontecimentos, suas formas, estruturas, cores, ruídos, sons, odores, sabores, etc. Uma paisagem pode expor ou esconder significados políticos, culturais, econômicos, sociais, artísticos, arquitetônicos e religiosos. Cabe ao olhar geográfico e aos geógrafos, o desvendar destes significados e a revelação analítica dos sentidos e significados da paisagem. O desvendar dos significados e a revelação analítica dos sentidos, quando relacionados aos sentidos e significados da paisagem, acrescenta um papel a Geografia. Ou seja, a Geografia pode ser um dos caminhos de construção da “intercomunicação dos sentidos” e, nesse caso, a percepção pode ser aplicada em situações especiais ou táteis para o alicerce desse estudo. Ao mencionar as situações especiais ou táteis, pensa-se em pessoas, e nesse caso, os cegos são colocados aqui enquanto exemplo de seres humanos portadores de necessidades especiais. No caso da paisagem que não pode ser vista pelos cegos, será preciso criatividade dos professores para pensar que “o que os olhos não vêem, o corpo e o coração sentem”. Com esta máxima fundamental, apresenta-se a “Intercomunicação dos sentidos”2, como iniciativa na qual articula-se um diálogo entre os cincos sentidos humanos, notadamente os sentidos tátil aqui passou a ser realçado bem mais que o visual. Destaca-se também o conceito de região como a espacialização das particularidades sócio-econômico, político-cultural e ambiental que se distinguem das demais áreas por possuir características próprias e homogêneas, tanto físicas quanto humanas (clima, vegetação, relevo, produção urbana ou rural, dentre outras). Além do que pode-se trabalhar o conceito de região numa perspectiva escalar, considerando-se as singularidades ou particularidades dos eventos sociais no espaço, bem como, considerando aspectos relacionados a conceitos de outras áreas, tais como, os das Ciências Sociais Aplicadas que pensa a região ligada ao desenvolvimento, por exemplo, a partir disso pode-se pensar no conceito de Região Metropolitana, Região Agrária, Região Semi-Árida, dentre outras. Os conceitos de região e desenvolvimento cruzam-se constantemente. No início, a ideia de natureza se sobressaía na delimitação de espaços que se denominavam Região. Posteriormente, foi o nível de “desenvolvimento”, que tornou-se imperativo na definição de limites e recortes (SILVA, 1999, p. 101). 2 Projeto desenvolvido pelo professor Belarmino Mariano (UEPB) e Joana Belarmino (UFPB) em parceria com a Sociedade Paraibana de Cegos. 14 Nota-se que, inicialmente, a região ganha um conotativo de recortes do espaço, estes recortes foram naturalizados a partir das diferentes paisagens naturais em suas situações de homogeneidade em contraste de diferenciação com outras paisagens naturais. A medida que identifica-se várias transformações seja em âmbito mundial e até mesmo local, a região passa a acompanhar as ideologias geradas a partir de interesses políticos e combinações de poder, seja na amplitude de situações culturais e étnicas que aparecem na formação de um povo, seja na amplitude de uma dada religião.Na perspectiva do recorte observa-se que a ideia de região passa diretamente pelo que é contido e o que não é contido no espaço em questão. Um dos melhores exemplos é a ideia do Nordeste (brasileiro) existir enquanto unidade indissociável do Estado-Nação (Brasil). Enquanto conotação política a ideia de região pode ser pensada na desagregação da unidade nacional, como movimentos separatistas dos sulistas, paulistas e nordestinos. Em alguns casos, sentimentos confusos de regionalismo misturado com nacionalismo. A região também pode ser pensada a partir de situações sociais como o conjunto fantástico de desigualdades, tanto sociais quanto econômicas, em que a produção em suas várias esferas é testemunha dos desequilíbrios impostos pela hierarquia da organização do espaço geográfico. Nestas situações podem ser configurados recortes regionais por diferenciações. A melhor maneira de entender a região é a partir do espaço ou do território, é considerar estas categorias como uma construção social do humano pela via do trabalho com profundas diferenciações históricas e geográficas transcorridas no espaço-tempo. Nesse sentido a região pode ser entendida a partir de relações sociais antagônicas, formando grupos regionais e regiões mundiais em seus processos históricos e disputas políticas no interior dos estados. Bibliografia ATLAN, Henri. Entre o Cristal e Fumaça. Rio de Janeiro. Jorge Zahar editor, 1992. BRASIL. Orientações Curriculares do Ensino Médio. Brasília: DF, 2006. CARLOS, Ana Fani Alessandri (org). Milton Santos - ensaios de Geografia contemporânea. São Paulo: Edusp, 2001. CASTELLS, Manuel. A sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. COSTA, Rogério Haesbaert da. O mito da desterritorialização: do “fim dos territórios” à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004; KOGA, Dirce. Medidas de cidades: entre territórios de vida e territórios vividos. São Paulo: Cortez, 2003; LÉVY, Pierre. A inteligência Coletiva – por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 2000. 15 MARTINS, José de Sousa. "Dilemas e Perspectivas para o Desenvolvimento Regional no Brasil, com ênfase Agrícola e Rural na Primeira Década do Século XXI" (Seminário). Santiago do Chile: FAO/ONU, 11-13 de dezembro de 2001. MULLER, Geraldo. Complexo Agro-industrial e Modernização Agrária. São Paulo: Hucitec, 1989. SANTOS, Milton. A natureza do espaço: técnica e tempo – razão e emoção. São Paulo: Edusp, 2004. SANTOS, Milton. Natureza e sociedade Hoje: uma leitura geográfica. São Paulo: Hucitec, 1996. SANTOS, Milton. Por Uma Outra Globalização – do pensamento único à consciência universal. RJ/SP: Record, 2001. SILVA, José Borzacchiello da. “Pelo retorno da região: desenvolvimento e movimentos sociais no Nordeste contemporâneo”. In: CASTRO, Iná Elias de; MIRANDA. M.; EGLER, C. A. G. Redescobrindo o Brasil – 500 depois. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 1999. SILVA, José Graziano da. O novo rural brasileiro. Campinas/SP: UNICAMP, 1993. VEIGA, José Eli. O que é Reforma Agrária. São Paulo: Brasiliense, 1990.
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