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111GUIA PR`TICO DE UROLOGIA Capítulo 20 Aloysio Floriano de Toledo Eurico Jacques Dornelles Neto Litíase Vesical e Uretral Litíase vesical No século passado, a incidência de litíase vesical na po- pulação pediátrica era muito elevada, pois era resultante da deficiente oferta nutricional da época. Com o grande desen- volvimento tecnológico ocorrido neste século, houve, por sua vez, aumento da oferta nutricional, resultando no quase desa- parecimento, na atualidade, da litíase vesical de causa alimen- tar em países desenvolvidos. Contudo, ela ainda permanece muito elevada em alguns países em desenvolvimento, nos quais o poder aquisitivo da população e, por conseqüência, o regi- me alimentar, é deficiente. Portanto, a litíase vesical pode ser endêmica, decorrente de def iciência alimentar; ou secundária a algum fator de estase urinária vesical. A litíase vesical endêmica costuma ocorrer nos meninos de países do norte da África, leste europeu e Ásia (principal- mente Tailândia e Indonésia). Esses meninos, geralmente me- nores de dez anos, formam cálculos vesicais em conseqüência de sua deficiente dieta nutricional. A baixa ingesta de leite materno e a suplementação precoce com arroz, acarreta uma dieta pobre em proteínas e minerais, provocando o aumento da excreção urinária de oxalato, cálcio, ácido úrico e amônia e a redução da excreção de fosfato. Outros fatores, como a maior ingesta de vegetais ricos em oxalato, clima quente e baixa in- gesta de líquidos, também contribuem para a formação de cál- culos vesicais nessas regiões. A litíase vesical que ocorre nos países desenvolvidos, en- tretanto, não tem nenhum fator alimentar relacionado a sua etiologia. Pode ser classificada em primária, geralmente rela- cionada à estase urinária vesical ou à presença de corpo estra- nho na bexiga (fios); e secundária, conseqüente à migração de um cálculo do trato urinário superior. A população acometida por essa patologia é a de homens, em geral com mais de 50 anos, com algum fator obstrutivo infravesical. Portanto, é de fundamental importância, quando identif icamos a presença de cálculo na bexiga, o estudo do trato urinário inferior, para que possamos descartar estenose de uretra, hiperplasia benigna da próstata, divertículo vesical e bexiga neurogênica, condições que podem ocasionar litíase vesical. Os cálculos primários de bexiga são constituídos por áci- do úrico em aproximadamente 50% dos casos, e a metade res- tante são cálculos de estruvita. Portanto, a presença de um cálculo de oxalato de cálcio ou cistina na bexiga sugere que o cálculo tenha migrado do trato urinário superior. Geralmente os pacientes com litíase vesical apresentam- se com um único cálculo na bexiga. No entanto, na presença de divertículo de bexiga, podem apresentar-se com múltiplos cálculos facetados. Quanto à clínica, os pacientes podem apresentar apenas sintomas de obstrução infravesical em decorrência de alguma patologia associada (estenose de uretra, hiperplasia benigna prostática) e o diagnóstico de litíase vesical pode ser feito de forma incidental. Normalmente, entretanto, os pacientes apre- sentam também sintomas provocados pela própria litíase, tais como hematúria terminal dolorosa e intermitente; dor supra- púbica, que piora com o movimento; dor na ponta do pênis, escroto e períneo; interrupção do jato urinário e dor severa ao final da micção – quando o cálculo impacta no colo vesical –, que é aliviada quando o paciente se deita. Associado à história clínica, algum exame subsidiário deve ser realizado para que possamos identif icar a presença de litíase na bexiga. Eventualmente, apenas um raio X sim- ples de abdome é suf iciente para a confirmação diagnóstica, mas, em algumas situações, quando o cálculo é radiotranspa- rente ou uma estrutura óssea se sobrepõe a ele, se faz necessá- rio utilizar outros métodos diagnósticos. Na fase cistográfica da urografia excretora, por exemplo, podemos identificar o cálculo como um defeito de enchimento do contraste. Outro exame de imagem que é muito útil na identif icação de cálcu- los radiotransparentes é a ultra-sonografia. Se há necessida- de, no entanto, do emprego de um método diagnóstico mais acurado deve-se realizar uma cistoscopia para identificação do cálculo, seu aspecto, localização e dimensão. Quanto ao tratamento, é de fundamental importância eli- minar fatores que causem estase urinária vesical e assim evi- tar a formação de novos cálculos. Quanto ao manejo dos cál- culos, algum tratamento clínico pode ser tentado. Se o cálculo for de estruvita, a irrigação vesical com renacidina pode ter Endereço para correspondência: Rua Ramiro Barcelos, 910 - conj. 1.002 90035-001 - Porto Alegre-RS Tel.: (0--51) 311-7975 Fax: (0--51) 311-4902 112 GUIA PR`TICO DE UROLOGIA algum efeito na dissolução do mesmo. Se o cálculo, por sua vez, for de ácido úrico, deve-se promover a alcalinização da urina para sua conseqüente dissolução. Geralmente, entretanto, a litíase vesical é manejada atra- vés de litotripsia extracorpórea, procedimentos endoscópicos ou cirurgia aberta. Quando o cálculo é menor que 6 cm e não há nenhuma patologia infravesical associada, a litotripsia está indicada, pois é um procedimento pouco invasivo e com ra- zoáveis índices de sucesso. Quando há patologia infravesical associada, corrigível cirurgicamente ou cálculos grandes e múltiplos, deve-se optar pelo manejo endoscópico da litíase e da patologia associada. Se eventualmente não for possível a fragmentação e retirada do cálculo de forma endoscópica, a cirurgia aberta, através de uma abordagem suprapúbica, é a indicada. Litíase uretral A litíase uretral é uma patologia rara, correspondendo a menos de 1% dos pacientes com litíase do trato urinário. Normalmente, é ocasionada, nos homens, pela impactação de um cálculo que migrou da bexiga. Contudo, os cálculos primários de uretra, que ocorrem no segmento proximal a uma estenose de uretra ou dentro de um divertículo, tam- bém são relatados. Os pacientes manifestam-se com um parada súbita da micção, incapacidade de esvaziar a bexiga e dor irradiada para a ponta do pênis. É notado também que a dor varia conforme o local de impactação. O cálculo localizado na uretra poste- rior manifesta-se geralmente com dor irradiada para o períneo e reto, enquanto o cálculo de uretra anterior provoca dor pe- niana. Por sua vez, os cálculos presentes dentro de divertícu- los de uretra podem não produzir sintomas miccionais obstru- tivos. Manifestam-se, portanto, com infecções urinárias de re- petição, corrimento uretral e abaulamento sacular ao nível da face ventral do pênis. O tratamento depende do tamanho e da localização do cálculo. Os cálculos pequenos, em uretra anterior, podem ser manejados com a instilação uretral de xilocaína geléia para facilitar a eliminação espontânea. Eventualmente, em cálcu- los distais e de pequenas dimensões, consegue-se a extração através do seu ordenhamento. Podemos também utilizar o re- curso da litotripsia extracorpórea para sua fragmentação. Em algumas situações, quando há estenose de uretra distal ao cál- culo, é fundamental realizar-se uretrotomia interna para pos- terior retirada do cálculo por via endoscópica. Contudo, quan- do o cálculo está impactado há muito tempo, principalmente aqueles localizados na uretra posterior, se faz necessária uma abordagem perineal para realizar-se uretrotomia ex- terna. Naqueles pacientes com cálculo em divertículo de uretra, o tratamento que se impõe é a diverticulectomia com retirada do cálculo. As mulheres, por apresentarem uma uretra de pequeno comprimento, raramente são acometidas por litíase uretral. A única situação que propicia a formação de cálculos na uretra feminina é a presença de divertículo uretral. Costuma manifestar-se através de infecções urinárias de repetição, dispareunia e corrimento uretral. Ao exame gine-cológico, podemos evidenciar abaulamento ao nível da ure- tra, sendo possível palpar o cálculo. O tratamento é cirúrgico com diverticulectomia e retira- da do cálculo. Bibliografia recomendada 1. DOUENIAS R, RICH M, BALLANI G et al. Predisposing factors in bladder calculi: review of 100 cases. Urology 1991; 37:240-3. 2. EL-SHERIF AC, EL-HAFI R. Proposed new method for non-operative treatment of urethral stones. J Urol 1991; 146;1546-7. 3. JENKINS AD. In: GILLENWATER JY, GRAYHACK JT, HOWARDS SS, DUCKETT JW. Adult and Pedia- tric Urology 2nd ed, St. Louis, 1991, 403-43. 4. MENON M, PARULKAR BG, DRACH W. In: WALSH PC, RETIK AB, VAUGHAN ED, WEIN AJ. Campell’s Urology. 7th ed, Philadelphia, 1997. 2661-733. 5. SHARIFI AR: Presentation and management of urethral calculi. Br J Urol 1991; 68:271-2. 6. VAN REEN R. Idiopathic urinary bladder stone disease. Fogarty International Center Proceedings, no 37, 1977.
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