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Capítulo 22 Infecção Urinária de Repetição na Mulher

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119GUIA PR`TICO DE UROLOGIA
Capítulo 22
Irineu Rubinstein
Infecçªo UrinÆria de
Repetiçªo na Mulher
Endereço para correspondência:
Hospital Universitário Pedro Ernesto - FCM-UERJ
Disciplina de Urologia
Av. 28 de Setembro, 77 - 5o andar - Vila Isabel
20551-031 - Rio de Janeiro - RJ
Tel.: (0--21) 587-6223
E-mail: rubinst@ibm.net
Introdução
A infecção do trato urinário (ITU) pode ser considerada
a segunda infecção mais comum, levando-se em conta o esta-
do gripal como a mais freqüente. Nos Estados Unidos, são
computadas cerca de sete milhões de consultas/ano para as
infecções urinárias não-complicadas, representando um custo
extremamente elevado. Embora a maioria dessas infecções
apresentem-se confinadas à bexiga, permanecendo autolimi-
tadas com tratamento adequado, o urologista muitas vezes é
solicitado a tratar infecções urinárias de caráter recorrente. As
manifestações clínicas das infecções recorrentes compreen-
dem um amplo espectro e devem ser diagnosticadas e tratadas
da melhor forma possível.
A patogênese e as formas de tratamento da ITU têm sido
estudadas extensivamente nas últimas duas décadas. Disto re-
sultaram maneiras mais simplif icadas de terapêutica da ITU.
Tratamentos de curta duração com antibióticos selecionados
têm provado a eficácia desta forma de terapia. Também deve-
mos levar em conta que a qualidade dos antimicrobianos de-
senvolvidos contra bactérias e fungos melhorou de maneira
marcante nos últimos 20 anos, possibilitando, assim, melho-
res índices de cura e menor morbidade.
Fatores de risco
Nas mulheres, os períodos de maior risco para ITU são a
infância e a menopausa. Durante a infância, 6% a 8% têm ITU
a cada ano. Cerca de 20% das mulheres apresentam um episó-
dio de ITU pelo menos uma vez na vida. Aproximadamente
20% das mulheres têm infecções recorrentes em função de
fatores anatômicos e imunológicos locais; porém, entre 3,6%
e 4,2% terão um quadro de pielonefrite aguda e, destes, me-
nos de 1% evoluirá para pielonefrite crônica.
A incidência de ITU aumenta com a idade, mas existem
outros fatores de risco consideráveis: anomalias congênitas,
processos urinários obstrutivos, cateterismo vesical, instrumen-
tação urológica, diabete, pacientes imunodeprimidos, ativida-
de sexual e gravidez.
Nos casos de ITU não-complicada, os estudos mais re-
centes sugerem que os tratamentos de curta duração têm efi-
cácia comprovada, além de diminuir a morbidade e os custos.
Embora muitos progressos já se tenham realizado, as pesqui-
sas evoluem no sentido de buscar uma terapêutica mais efeti-
va das ITU e, principalmente, os mecanismos moleculares que
atuam entre as células do hospedeiro e as bactérias, responsá-
veis pela aderência bacteriana e invasão tecidual. As investi-
gações estão sendo feitas no sentido de melhorar nossos co-
nhecimentos em relação a patogênese, tratamento e preven-
ção da infecção do trato urinário.
Síndrome uretral
Por vários anos, o critério de cultura de urina quantitativa
com mais de 100 mil colônias por ml vinha sendo utilizado
para o diagnóstico de infecção do trato urinário. Com os estudos
de Stamm et al. foi provado que em mulheres com ITU não-com-
plicada o critério de 100 mil colônias por ml de urina tinha alta
especif icidade diagnóstica, porém baixa sensibilidade.
Cerca de um terço das mulheres com sintomas de cisti-
te aguda têm entre 100 e 10 mil colônias por ml de E. coli,
Staphylococcus saprophyticus ou outros patógenos na cultura
colhida do jato médio. Estas mulheres têm sido classif icadas
com o que chamamos síndrome uretral aguda. Assim, o crité-
rio clássico de 100 mil colônias deve ser reexaminado para
que não deixemos de diagnosticar muitos casos com conta-
gens bacterianas mais baixas. As pacientes com disúria agu-
da, polaciúria, urgência e piúria, culturas com contagens entre
100 e 10 mil UFC/ml de um patógeno, fornecem a melhor
combinação de sensibilidade e especif icidade para o diagnós-
tico de infecção do trato urinário. Entretanto, a detecção de
somente 100 UFC/ml de urina pode ser muito difícil com
qualquer técnica microbiológica. Por este motivo, Stamm
sugeriu como medida prática a utilização da contagem mí-
nima de 1.000 UFC/ml, limite que daria uma segurança maior
em relação ao tratamento.
Bacteriúria assintomática
É de ocorrência freqüente em mulheres idosas e em geral
poderá deixar de ser tratada nos casos em que não ocorra com-
120 GUIA PR`TICO DE UROLOGIA
prometimento patológico do aparelho urinário. A exceção a
esta conduta acontece nas pacientes diabéticas e grávidas, que
deverão sempre ser tratadas.
Entre as gestantes, a bacteriúria assintomática constitui um
fator de risco, pois há maior possibilidade de desenvolverem pie-
lonefrite no terceiro trimestre da gravidez. Por isso, é importante
a recomendação de tratamento nas mulheres grávidas.
Infecção urinária não-complicada
A infecção urinária não-complicada do trato inferior (cis-
tite, primeiro episódio ou episódios ocasionais) é bastante co-
mum entre mulheres sexualmente ativas. Estima-se que entre
10% e 20% das mulheres adultas sofrerão invasão bacteriana
do seu trato urinário em alguma época da vida.
O quadro clínico é bastante característico, predominan-
do os sintomas miccionais: polaciúria, disúria, urgência, dor
hipogástrica, estrangúria e muitas vezes hematúria final.
Como tratamento geral recomenda-se ingestão abundan-
te de líquidos para aumentar a diurese e diluir a população
bacteriana; micções completas e repetidas para promover o
esvaziamento vesical e recomendação de higiene perineal apu-
rada. A utilização de antiespasmódicos e analgésicos ajudam
a aliviar os sintomas desconfortantes. Podem-se também em-
pregar analgésicos de vias urinárias e substâncias inibidoras
da prostaglandina.
Em relação à terapêutica medicamentosa devemos admi-
nistrar agentes antimicrobianos com a finalidade de erradicar
as bactérias invasoras do trato urinário. Antes de se iniciar o
tratamento com uma droga antimicrobiana, podemos indicar
a colheita de urina para cultura e contagem de colônias. Po-
dem-se utilizar os seguintes fármacos: associação sulfameto-
xazol + trimetoprim, quinolonas, nitrofurantoína, amoxicilina
e cefalosporina.
O tratamento convencional da cistite sempre foi propos-
to com duração de sete dias. Com a f inalidade de minimizar
os efeitos colaterais (“rash” cutâneo, náuseas, vômitos, diar-
réia, vaginite) observados quando se utiliza um plano de trata-
mento prolongado, tem sido proposta uma terapia de curta
duração. As quinolonas (norfloxacina, ciprofloxacina, lome-
floxacina, ofloxacina), a amoxicilina, associação sulfameto-
xazol + trimetoprima, quando utilizadas por três dias apresen-
tam índices de cura bastante elevados, em cerca de 80% a 90%
dos casos.
Com o advento das quinolonas fluoradas, ultimamente vem
sendo utilizada uma terapia de dose única para o tratamento da
ITU não-complicada, com excelentes resultados. Uma pequena
quantidade de antimicrobiano pode afetar o processo infeccioso,
pois dificulta a formação de fímbrias, e mesmo quando estas se
formam são aberrantes quanto a morfologia e função, impedindo
desta maneira a aderência bacteriana à célula do hospedeiro. Uma
ação sinérgica de anticorpos e uma pequena quantidade de anti-
microbiano explicam a esterilização da urina após a administra-
ção. Este fato constitui a base do tratamento da ITU não-compli-
cada com dose única de um antimicrobiano.
Os seguintes requisitos são necessários para a utilização
de uma terapia com dose única (tabela 1):
• O agente antimicrobiano deve ser efetivo contra a maio-
ria dos patógenos causadores de infecção urinária; deve
apresentar uma concentração urinária adequada após
sua administração e manter uma concentração urinária
ativa no mínimo por 24 a 48 horas.
• A infecção deve estar limitada à urina ou apresentar
somente um comprometimento superficial da mucosa
(habitualmente infecções não-complicadas do trato uri-
nário inferior). Quando a infecção compromete o pa-
rênquima renal (pielonefrite), a terapia com antibióti-
cos deve ser mais agressiva e prolongada.
• A infecção urinária deve ser do tipo não-complica-
da, isto é, sem alterações anatômicas e funcionais
do aparelho urinário, deve apresentar ausência de cor-
pos estranhos (cálculo, cateter) e ausência de altera-
ções das defesas orgânicas.
As vantagens do tratamento da ITU não-complicada com
dose única são enumeradas a seguir:
• eficácia comprovada em vários ensaios clínicos;
• comodidade e certeza da tomada da dose adequada do
antibiótico (adesão da paciente ao tratamento);
• menor incidência de efeitos colaterais;
• custos reduzidos;
• menor alteração da flora vaginal e intestinal.
Havendo falha na resolução da bacteriúria em dois ou
três dias, sugere-se uma invasão tecidual mais profunda, o que
vai exigir um tratamento mais intenso e prolongado, ou a ne-
cessidade de uma investigação urológica mais completa e ade-
quada (por imagem e/ou endoscopia).
As seguintes drogas antimicrobianas preenchem estes
requisitos quando utilizadas em dose única: as quinolonas fluo-
radas (pefloxacina, lomefloxacina, ofloxacina), fosfomicina
trometamol, amoxicilina (3 g) (tabelas 2 e 3).
Infecção urinária recorrente
A reinfecção é caracterizada por uma cultura positiva após
o tratamento e é devida a um germe diferente daquele presen-
te no episódio inicial da infecção, detectado após a segunda
semana do término do tratamento.
 TRATAMENTO DA ITU EM
DOSE ÚNICA - INDICAÇÕES
• ITU não-complicada
• Alguns antibióticos
• Mulheres com menos
de 60 anos
• Não-diabéticas
• Não-grávidas
• Sem infecção recente
• Sem insuficiência renal
 Tabela 1
121GUIA PR`TICO DE UROLOGIA
 COMPARAÇÃO DA DURAÇÃO
DO TRATAMENTO
 Tabela 4
 TRATAMENTO EM DOSE ÚNICA
CONTRA-INDICAÇÕES
 Tabela 3
 AGENTES IDEAIS PARA ITU
NÃO-COMPLICADA
 Tabela 2
Estima-se que 80% das mulheres com infecção urinária
tratada venham a apresentar recorrência. As pacientes com
cistite recorrente costumam apresentar dois ou mais episódios
de infecção por ano. Entre os episódios de infecção, o apare-
lho urinário é estéril.
Já foi largamente demonstrado que entre as mulheres
sujeitas a cistite de repetição havia uma maior capacidade de
aderência da E. coli às células do epitélio do vestíbulo vagi-
nal. Uma inadequada resposta imunológica local também cons-
titui um fator importante responsável pela maior aderência
bacteriana ao epitélio vaginal.
Sob o ponto de vista clínico, instalado um novo episódio
de cistite o agente causal pode ser identificado pelos métodos
laboratoriais habituais e tratado convenientemente (tratamen-
to em três dias ou dose única).
Ocorrendo a cura clínica e laboratorial, e desde que os
episódios de reinfecção sejam muito freqüentes, pode-se ado-
tar uma das seguintes estratégias de tratamento:
• quimioprofilaxia prolongada de baixa dosagem;
• quimioprofilaxia pós-coito;
• autotratamento.
Quimioprofilaxia prolongada de baixa dosagem
ou tratamento supressivo
A droga ideal para este tipo de terapia deve ser efetiva
contra os patógenos habituais da infecção urinária, ser excre-
tada pela urina em alta concentração e em forma ativa, apre-
sentar poucos efeitos colaterais, não induzir a resistência bacte-
riana e ser pouco onerosa.
O esquema mais empregado e bem-sucedido neste tipo
de terapia utiliza a nitrofurantoína (100 mg) ou a associação
sulfametoxazol + trimetoprima administradas à noite pelo tem-
po mínimo de 90 dias. Estes dois agentes antimicrobianos são
particularmente desejáveis para uma terapia prolongada, pois
apresentam resultados bastante satisfatórios (redução signif i-
cativa do número de reinfecções por ano), têm boa difusão no
fluido vaginal, dificultando assim a colonização de entero-
bacteriáceas, e não modif icam a flora vaginal normal.
Quimioprofilaxia pós-coito
O ato sexual é um importante fator na instalação da cisti-
te recorrente, pois impele as bactérias colonizadas no intróito
vaginal para dentro da bexiga. Também foi demonstrado que
a abstinência sexual, sem qualquer tratamento adicional, pre-
veniu novos episódios de infecção urinária, apesar de estas
mulheres continuarem apresentando uma persistente coloni-
zação de enterobacteriáceas no intróito vaginal.
Nas mulheres que apresentam episódios de infecção uriná-
ria relacionados com o ato sexual, pode-se instituir uma terapia
profilática que consiste na recomendação de realizar um esvazia-
mento completo da bexiga logo após o coito, e na ingestão de um
comprimido da associação sulfametoxazol + trimetoprima ou
nitrofurantoína (100 mg). A quimioprofilaxia pós-coito é um es-
quema terapêutico simples, econômico e eficiente.
Automedicação ou autotratamento
Outro esquema terapêutico que pode ser utilizado é a
chamada automedicação. As mulheres que têm infecções uri-
nárias não-complicadas e possuem, por conseguinte, trato uri-
nário anatomicamente normal podem se automedicar a cada
episódio de cistite. As medicações mais empregadas são as
quinolonas e os derivados sulfa-trimetoprima em tratamentos
de curta duração.
• Atividade contra a maioria dos patógenos
• Pequeno potencial para resistência
• Tolerância e aceitabilidade
• Excelentes níveis urinários
• Remoção da flora periuretral
• Efetiva eliminação da aderência bacteriana
• Pequena ação da flora bacteriana
• Não causar colonização fúngica perineal
• Períodos prolongados entre recorrências
• Homens
• Crianças
• Grávidas
• Idosos
• Duração dos sintomas > 4 dias
Duração do tratamento (dias)
1 3 7
Eficácia
Quinolonas “““ ““““ ““““
Sulfa-trimetoprima “““ ““““ ““““
Betalactâmicos ““ ““ “““
Efeito sobre a flora vaginal “ “““ ““““
Efeitos colaterais “ “ “““
Custo “ ““ ““““
“ mínimo ““moderado “““ aumentado ““““máximo
122 GUIA PR`TICO DE UROLOGIA
 CAUSAS DE PERSISTÊNCIA
BACTERIANA NA MULHER
 Tabela 5
 INFECÇÃO URINÁRIA
NA GRAVIDEZ
 Tabela 6
Infecção urinária persistente
É caracterizada pela ocorrência de infecções subseqüen-
tes causadas pelo mesmo tipo de germe. Entre os episódios de
infecção, o sistema urinário não se apresenta estéril. Habitual-
mente, trata-se de uma infecção urinária complicada, instala-
da em um aparelho urinário que apresenta alterações anatômi-
cas e/ou funcionais e presença de corpos estranhos (cálculo,
cateter). Para que se possa debelar esse tipo de infecção é ne-
cessária uma investigação urológica bem detalhada e o trata-
mento adequado da patologia urológica associada (tabela 5).
Infecção urinária na gravidez
A incidência de bacteriúria assintomática nas mulheres
grávidas varia de 1,5% a 15%. Cerca de 30% das pacientes
grávidas infectadas apresentam sintomas e 25% das grávidas
com urina estéril também apresentarão sintomas. Se estas pa-
cientes não forem tratadas, cerca de 20% a 40% desenvolve-
rão pielonefrite. O tratamento da bacteriúria assintomática na
gravidez baixa a incidência de pielonefrite para aproximada-
mente 3%. A pielonefrite está associada com prematuridade,
aborto, hipertensão e infecção urinária pós-gravidez. Em vir-
tude desses dados, é importante que as mulheres grávidas se-
jam monitoradas com estudo ultra-sonográfico do aparelho
urinário e com culturas de urina quantitativas.
As cefalosporinas, amoxicilina e nitrofurantoína são subs-
tâncias que demonstraram efetividade, segurança e boa tole-
rabilidade durante a gravidez. Os derivados de sulfas, tetraci-
clinas e aminoglicosídeos devem ser evitados durante a gravi-
dez. A utilização de quinolonas durante a gravidez ainda é
discutível (tabela 6).
Infecção urinária na terceira idade
As mulheres idosas são particularmente suscetíveis a in-
fecções urinárias recorrentes. Pelo menos 20% das mulheres
• Litíasede infecção
• Duplicação ureteral com obstrução unipolar
• Rim atrófico infectado
• Divertículo uretral
• Pólipo urotelial
• Glândulas parauretrais infectadas
• Coto ureteral infectado
• Anomalia uracal (cisto)
• Cisto renal comunicante infectado
• Fístula vesicovaginal, vesicoentérica ou outra fístula
para bexiga
• Necrose papilar
• Rim esponja medular
• Fazer rastreamento de bacteriúria
• Cultura de urina na primeira visita pré-natal
• Risco aumentado de pielonefrite
• Risco de prematuridade fetal
• Feto com peso baixo
• Tratar com cefalosporinas ou amoxicilina
• Tratamento com quinolonas ainda é discutível
acima de 65 anos têm bacteriúria assintomática. Muitos casos
de infecção urinária nessas pacientes podem ser considerados
complicados e por isto devem ser manuseados de maneira di-
ferente das infecções não-complicadas de pacientes jovens.
Várias alterações decorrentes da idade podem contribuir para
as potenciais complicações derivadas da infecção urinária:
• nas mulheres idosas, os problemas decorrentes dos pro-
lapsos genitais;
• diminuição dos estrogênios circulantes (hipoestroge-
nismo pós-menopáusico);
• pacientes que tiveram acidente vascular cerebral po-
dem ter instabilidade vesical;
• pacientes acamadas ou com uso de cateter vesical por
longo prazo podem ter hipotonia vesical e infecção uri-
nária crônica;
• pacientes com Doença de Alzheimer apresentam difi-
culdade de controle urinário e fecal associados com a
deterioração da função neurológica;
• pacientes diabéticas têm uma incidência maior de ITU
e podem desenvolver bexiga neurogênica.
A Escherichia coli é a responsável pela maioria das in-
fecções não-complicadas em todas as idades. No entanto, este
quadro se modifica nas pacientes idosas com infecção com-
plicada. Em relação a estas, a E. coli ocorre em menos da
metade dos casos. Outros patógenos vistos em ITU em pa-
cientes com mais de 65 anos incluem Proteus mirabilis, Pseu-
domonas, Klebsiella, Citrobacter, Enterobacter e Serratia.
Entre os germes Gram-positivos predominam os Enterococos
e Staphylococcus aureus. O Staphylococcus saprophyticus, co-
mum nas pacientes jovens, raramente infecta mulheres idosas,
possivelmente devido à diminuição do estrogênio e conseqüente
mudança na flora vaginal.
Tratamento das ITU complicadas
O manuseio das ITU complicadas difere daquele feito nas
infecções não-complicadas. Enquanto nas infecções não-com-
plicadas podemos até não lançar mão da cultura de urina, nas
123GUIA PR`TICO DE UROLOGIA
infecções complicadas este exame será obrigatório se a idade e o
quadro clínico da paciente assim exigirem. Os regimes terapêuti-
cos em dose única ou em três dias não devem ser utilizados nesta
forma de infecção devido ao grande número de falhas.
A utilização de uma quinolona do tipo ciprofloxacina ou
ofloxacina é eficaz devido a sua baixa resistência (< 5%). Os
tratamentos devem durar entre sete e dez dias.
Para as infecções mais sérias, geralmente recomenda-se
a terapia parenteral e posteriormente o seguimento é feito com
medicação oral. Atualmente, alguns autores recomendam tra-
tamento com quinolonas orais para as mesmas indicações da
terapêutica parenteral. As vantagens desse esquema terapêuti-
co incluem bons índices de cura e custo apropriado. Deve-se
ter em conta que as pacientes idosas com infecções complica-
das requerem doses ajustadas de antibióticos em função da
deterioração de sua função renal. Outra consideração a ser feita
é a possibilidade de interação de drogas. Anticonvulsivantes,
antiácidos, bloqueadores de H2, teofilina e anticoagulantes,
todos comumente usados em idosos, podem interferir na ab-
sorção dos antibióticos.
A infecção recorrente é um problema particular nas pa-
cientes idosas, com incidência de 10% a 15% nas mulheres
com idade acima de 60 anos. A presença de estrogênio esti-
mula o crescimento dos lactobacilos, fazendo baixar o pH
vaginal e auxiliando a inibir o desenvolvimento dos uropató-
genos. Com a menopausa ocorrem mudanças na flora vaginal
e os lactobacilos são substituídos por outros microrganismos,
particularmente E. coli. Esta modif icação da flora vaginal
aumenta a suscetibilidade às infecções urinárias recorrentes.
As mulheres na fase de menopausa têm mais probabilidade de
colonizar o intróito vaginal com enterobacteriáceas devido ao
pH elevado do fluido vaginal. Assim, a administração de es-
trogênio (sob a forma de creme vaginal) deve ser rotineira no
tratamento da ITU neste grupo de mulheres.
O trabalho de Raz e Stamm estudando 93 mulheres pós-
menopáusicas e com história de ITU recorrente prova uma
vez mais que o uso local de estrogênio e o retorno do epitélio
vaginal às condições pré-menopáusicas levam à diminuição
dos episódios de ITU. Estes autores sugerem que a melhoria
das condições locais da mucosa vaginal foi a responsável pela
melhor resposta nas mulheres que f izeram uso do estrogênio
local. Também é proposto que um regime prof ilático com es-
trogênio local pode ser uma alternativa ao tratamento antibió-
tico prof ilático a longo prazo nas mulheres idosas.
As infecções urinárias recorrentes são extremamente co-
muns e em relação a elas devem ser considerados os proble-
mas relacionados tanto aos fatores bacterianos quanto aos fa-
tores do próprio hospedeiro. Estas infecções ocorrem mais co-
mumente em mulheres que têm maior propensão à coloniza-
ção bacteriana das áreas periuretral e vaginal.
Os estudos mais recentes sugerem que os tratamentos de
curta duração nos casos de ITU não-complicada têm eficácia
comprovada, além de diminuir a morbidade e os custos do
tratamento. Atualmente, com a utilização das modernas fitas
reagentes e com os tratamentos de curta duração, consegue-se
aumentar a adesão e a tolerância da paciente ao tratamento,
sem com isto diminuir a ef icácia do mesmo.
Embora muitos progressos já se tenham realizado, as pes-
quisas evoluem no sentido de buscar uma terapêutica mais
efetiva das ITU e, principalmente, os mecanismos molecula-
res que atuam entre as células do hospedeiro e as bactérias,
responsáveis pela aderência bacteriana e invasão tecidual. As
investigações estão sendo realizadas no sentido de melhorar
nossos conhecimentos em relação à patogênese, tratamento e,
principalmente, na prevenção da infecção do trato urinário.
No futuro poderemos utilizar formas inteiramente distintas
de tratamento, incluindo a possibilidade de utilizar vacinas para
bloquear os locais dos receptores bacterianos e assim diminuir a
colonização bacteriana. Outra possibilidade interessante será a
alteração dos mecanismos de defesa do próprio hospedeiro.
Bibliografia recomendada
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