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UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO LICENCIATURA PLENA EM HISTÓRIA VICTOR HUGO RIBEIRO LEITE ROMA CHRISTIANA, ROMA AETERNA: A ASCENSÃO DO CRISTIANISMO NO IMPÉRIO ROMANO E A CONVERSÃO DE CONSTANTINO I SEGUNDO A HISTORIOGRAFIA Projeto de pesquisa SÃO PAULO 2017 UNIVERSIDADE NOVE DE JULHO VICTOR HUGO RIBEIRO LEITE ROMA CHRISTIANA, ROMA AETERNA: A ASCENSÃO DO CRISTIANISMO NO IMPÉRIO ROMANO E A CONVERSÃO DE CONSTANTINO I SEGUNDO A HISTORIOGRAFIA Projeto de pesquisa apresentado como requisito parcial à obtenção de nota da disciplina Metodologia de pesquisa em História sob orientação da Profª. Drª. Enidelce Bertin SÃO PAULO 2017 SUMÁRIO 1. LINHA DE PESQUISA DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA ................................................. 4 2. TÍTULO .................................................................................................................................... 4 3. INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 4 3.1 DELIMITAÇÃO TEMÁTICA ........................................................................................... 5 4. PROBLEMA DE PESQUISA ................................................................................................... 7 5. JUSTIFICATIVA ...................................................................................................................... 7 6. OBJETIVOS GERAIS .............................................................................................................. 8 6.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS .............................................................................................. 8 7. FONTES E METODOLOGIA .................................................................................................. 8 8. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................................ 10 9. REFERÊNCIAS ...................................................................................................................... 12 1. LINHA DE PESQUISA DE GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA História, cultura e sociedade. 2. TÍTULO Roma christiana, Roma aeterna: a ascensão do cristianismo no Império Romano e a conversão de Constantino I segundo a historiografia. 3. INTRODUÇÃO O trabalho que será desenvolvido a partir deste projeto de pesquisa tem como intenção analisar a atuação dos sujeitos históricos selecionados (Constantino, Diocleciano, Teodósio e a comunidade cristã) nos quatro primeiros séculos da era cristã com base na historiografia sobre o cristianismo primitivo e o Império Romano, levando em conta o contexto da ascensão do culto cristão no Império. A proposta primária consiste na análise dos sujeitos e das suas ações nos quatro primeiros séculos da era cristã tem como objetivo buscar aproximações e divergências na historiografia sobre este momento, especialmente na atuação de Constantino e na sua conversão. A proposta secundária é a análise dos eventos mais importantes no recorte temporal selecionado que poderá elucidar como os autores escolhidos interpretam os nuances da ascensão do cristianismo no Império Romano do Ocidente. O objetivo secundário consiste em buscar na perspectiva braudeliana1 de história como a conversão de Constantino foi predisponente para que o cristianismo pudesse ascender, partindo do pressuposto de que a conversão não possuiu caráter político-ideológico e não era um evento isolado nas transformações que o Império sofria. Suportada pelo conceito de história de média duração, as perseguições serão objeto de discussão para demonstrar como o processo de ascensão do cristianismo foi minado constantemente com vistas à manutenção do poder que era exercido pelo culto imperial pagão, superado pelas ações de Constantino, iniciada com sua conversão a fé cristã. Para compreender as investidas persecutórias que o Império executou é importante lembrar que até o século II todas as ações de perseguição encontravam-se circunscritas às autoridades das províncias romanas. Um caso exemplar das perseguições do Estado romano foi a condenação de Jesus de Nazaré, líder zelota2 interpretado como bandido3 pelo direito de Roma. A 1 A utilização conceito teórico de história de média duração apresentado por Fernand Braudel (2013) explica o objeto do estudo observando o contexto que ele está inserido. 2 Segundo Aslan (2013), o que configurava um homem como zelota era a ideologia nacionalista radical judaica que considerava como dever de todo judeu o combate a ocupação romana. 3 O termo bandido é empregado nesse projeto de pesquisa a partir da designação romana comum para qualquer sujeito rebelde ou insurreto discutida por Aslan (2013). administração romana entendeu que suas intenções em consolidar o Reino de Deus no Império eram direcionadas à obtenção do poder político de um rei autoproclamado, mesmo que Jesus negasse o título4, e por essa interpretação o Estado romano o acusou, julgou e condenou pelos crimes de perverter a nação, proibir o pagamento de tributos5 e sedição contra Roma. Como já foi elucidado, as ações persecutórias eram executadas pela administração romana, o que era a regra universal no Império: o código de lei limitava a pena capital estritamente ao governador romano, mesmo que Pôncio Pilatos afirmasse publicamente que Jesus de Nazaré seria inocente das acusações6, deixando que populares decidam sobre a condenação. Outro exemplo do Estado executando as perseguições é um dos eventos mais curiosos da história romana: o incêndio de Roma. Nero, suposto culpado pelo incêndio, procurou pretextos para não ser julgado responsável pelo incêndio, atribuindo-a um grupo de pessoas que foi incriminado, segundo descrito por Tácito: “Nero, para desviar as suspeitas, procurou culpados, e castigou com as mais terríveis penas a certo grupo, já odiado por suas abominações, que o vulgo chamava cristãos” (SILVA, 2011 apud Tácito. Anais XV. 44, p. 03). Segundo Croix (SILVA, 2011b apud CROIX, 1963), neste contexto, o poder imperial não intervinha diretamente sobre a questão dos cristãos, e sim os governadores de província, como contido no Evangelho segundo São Lucas, no episódio que Jesus de Nazaré foi interrogado por Pôncio Pilatos e Herodes Antípoda7, o que é divergente com o episódio em que Pilatos age como se fosse defensor de Jesus ao invés de promotor. 3.1 DELIMITAÇÃO TEMÁTICA A proposta deste projeto tem como objetivo primário buscar aproximações e divergências na historiografia sobre o cristianismo primitivo, escrita entre os séculos XVIII e XXI, notadamente buscando elucidar como sujeitos históricos específicos, Constantino, Diocleciano, Teodósio e a comunidade protocristã são apresentados no recorte temporal escolhido para análise, tomando preferencialmente a conversão de Constantino como objeto principal da discussão, concomitante a discussão sobre a relação do Estado com os cristãos. A discussão sobre o caráter 4 Em Lucas IX, 20-22, Jesus pergunta aos discípulos “Quem vocês dizem que eu sou”? e Pedro responde “O Cristo de Deus”. Jesus os advertiu severamente que não contassem isso a ninguém com a finalidade de evitar a associação messiânica a seu nome e posterior punição. “O Filho do homemdeve sofrer muito e ser rejeitado pelos anciões, pelos sumos sacerdotes e escribas, ser morto e ressuscitar no terceiro dia”. 5 Mateus XXII, 21: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Esta declaração de Jesus foi suficiente para as autoridades romanas o denunciarem como zelota. 6 Mateus XXVII, 24: “Estou inocente do sangue deste justo. Considerai isso”. 7 Lucas, XXIII, 5-7: “Eles, porém, insistiam, dizendo: ‘Ele subleva o povo, ensinando por toda a Judeia, desde a Galileia, onde começou, até aqui’. Ouvindo isto, Pilatos perguntou se era galileu. Informado que era da jurisdição de Herodes, remeteu-o a Herodes, que também naqueles dias estava em Jerusalém”. não ideológico da conversão de Constantino proposta inicialmente por Vitting-Hoft (1989) e posteriormente por Paul Veyne (2007) será contemplada na análise da bibliografia selecionada. O declínio do culto pagão, o cristianismo enquanto elemento de unidade (que a religião antiga não oferecia) e a densa filosofia cristã8 são sintomáticos para que em quatro séculos, embora com muitos episódios violentos, o cristianismo pudesse ascender e tornar-se religião do Estado. O maior destaque deste recorte temporal é a conversão de Constantino que, embora interpretada como uma tentativa de dar força para o Império em declínio, não foi um cálculo ideológico (VEYNE, 2007 apud VITTING-HOFT, 1989) e contribuiu para o declínio e a queda do Império Romano no ocidente (GIBBON, 2005), tornando clara a ideia de que o cristianismo não era um elemento isolado nas transformações que o Império Romano sofria. A partir da conversão de Constantino, o culto cristão pôde ser exercido em liberdade e era elemento de proteção divina para todo o Império, cumprido em aparente substituição do culto antigo pelo culto cristão. A ascensão do cristianismo é concomitante a crise que o culto pagão imperial sofria há sete séculos, evidenciada com o cristianismo em destaque: o cristianismo possui unidade, relação íntima do fiel com o elemento divino e uma filosofia, diferente do culto imperial que possuía elementos de impessoalidade que não oferecia nada de comparável9 ao culto cristão (VEYNE, 2007). A partir do momento que o cristianismo ganha alguma notoriedade, ele passa a ser discutido de forma austera, como aconteceu no século III, diferente do que era feito um século antes, tempo em que os cristãos eram ridicularizados e perseguidos intensamente. Até a administração de Diocleciano, as ações persecutórias foram violentas e serão abordadas desde os episódios de perseguição a Jesus de Nazaré, realizados na administração de Tibério César, até o ano 311 a fim de contextualizar o que era ser cristão no Império na era cristã. No momento da ascensão do cristianismo, a discussão sobre o que era a pequena seita judaica não poderia mais ser objeto do sentimento de indiferença. Pela sua originalidade, riqueza de detalhes e organização densamente complexa, o cristianismo obteve profundo interesse ou profunda rejeição10 pelos habitantes do Império. 8 Discutida por Russell (2015), a densa filosofia cristã se explica pelo fato de que a Igreja fez a aproximação das crenças filosóficas e das circunstâncias sociais e políticas, de forma, até então, inédita. 9 Segundo Veyne (2009, p. 41), se dermos crédito à Epístola aos Romanos ou a Hermas, o mundo pagão era apenas vícios. No começo da epístola, o subtítulo “A culpa dos pagãos” apresenta os vícios pagãos conforme Romanos I, 29: “Estão cheios de toda injustiça, malícia, avareza e maldade. Repletos de inveja, homicídio, discórdias, fraudes e malvadeza”. 10 Na mensagem de Constantino aos seus súditos orientais (VEYNE, 2007 apud CAMERON, A., HALL, S.G, 1999) em 325, o imperador conta que soube, em 303, que Apolo acabara de notificar em Delfos que já não podia fornecer oráculos verídicos, porque a presença de Justos sobre a Terra o impedia. Tendo o imperador Diocleciano perguntado, à sua volta, quem poderiam ser estes Justos, um oficial da guarda imperial respondeu: “Provavelmente os Cristãos”. Foi então que Diocleciano decidiu a Grande, e escreve Constantino, a cruel perseguição de 303. 4. PROBLEMA DE PESQUISA Este trabalho pretende analisar as relações entre a conversão de Constantino e a ascensão do culto cristão de acordo com dados historiográficos. 5. JUSTIFICATIVA A história do cristianismo é um grande desafio dentro da historiografia moderna, já que existe um número considerável de publicações sobre o assunto que não atende os padrões de análise documental e que são notoriamente superficiais. O cristianismo, tanto como qualquer tema, precisa de atenção especial no seu estudo a fim de não o inserir como parte da história total, já que sem aproximação, a história é muito rasa e provavelmente não agrega saberes significativos a construção do conhecimento histórico. Assim, a história do cristianismo precisa de atenção ímpar já que ele é o maior fenômeno cultural da história da humanidade e sua influência vai além das questões espirituais. Se olharmos para o curso da história, os últimos dois milênios foram, essencialmente, intervenção divina na história e o cristianismo é parte importantíssima da história do Império Romano, um marco em todos os períodos históricos. Nesta perspectiva, este projeto pretende interpretar o cristianismo como fator de cultura, formação e manutenção de identidade, opinião e filosofia na sua prática e disseminação. A proposta de estudar a ascensão do cristianismo no Império Romano vai além da compreensão do fenômeno da pequena seita judaica que conseguiu adesão por todo o Império e posteriormente pelo ocidente inteiro: a ideia de pensar como a historiografia trata a ascensão do cristianismo no Império Romano consiste no entendimento dos papéis dos sujeitos históricos que por suas ações, conscientes ou não, contribuíram para a legitimação de uma nova ordem religiosa e consequentemente de política de Estado. A compreensão de como o Império Romano tornou-se cristão é construída, além da compreensão da conversão de Constantino11, a partir da análise braudeliana dos séculos I ao IV e nessa perspectiva, pontos como as perseguições, a questão do cristianismo não ser um elemento isolado nas transformações do Império, tanto como o cristianismo ser elemento de unidade serão analisadas com o objetivo de contemplar os nuances da adesão ao cristianismo12, resultado da conversão de Constantino. 11 A discussão sobre a ascensão do culto cristão busca estudar, além do fato da conversão, as consequências deste fato. Segundo Veyne (2009), após sua conversão, Constantino não só fortaleceu o culto cristão como foi elemento essencial na criação da Igreja, suportada pela rede de bispados espalhadas por todo o território do Império Romano. Em suma, sem Constantino o cristianismo seria uma singela seita de vanguarda. 12 Segundo Maraval (2009), a série leis de leis emitidas de 391 a 394 radicalizam a manifestação do culto pagão. A lei de 24 de fevereiro de 391 proíbe o culto pagão em Roma. A de 16 de junho para o Egito e a de 8 de novembro para todo o império. A lei de novembro de 391 é que faz do cristianismo religião do império, já que a religião tradicional perdeu todo o direito de se exprimir: com Teodósio (e não com Constantino, como às vezes se diz), o Império Romano tornou-se oficialmente cristão. Os historiadores já foram criticados por Michel Foucault que chamava de “ideia empobrecida do real” a falta de pensamento crítico sobre o que é do imaginário social (FOUCAULT, s.d., apud BURKE, 2005, p. 84). Portanto, para continuar com o fortalecimentoda história cultural e das religiões, a análise de aproximações e divergências entre a historiografia do cristianismo primitivo poderá preencher uma das inúmeras lacunas sobre o tema. 6. OBJETIVOS GERAIS Contribuir para a compreensão do contexto e as ações dos sujeitos históricos selecionados nos primeiros quatro séculos da era cristã. 6.1 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Interpretar as divergências nas fontes selecionadas entre fatos importantes (como a união do Império sob a autoridade de Constantino, por exemplo); Buscar nas fontes selecionadas a condição que a administração romana dava para os cristãos primitivos; Interpretar nas fontes selecionadas a conversão de Constantino, suas causas e consequências a partir da perspectiva de que a conversão não foi de caráter ideológico. 7. FONTES E METODOLOGIA As fontes selecionadas são materiais historiográficos utilizados como documento primário, divididos em dois temas que se relacionam intimamente. A historiografia utilizada para suportar a proposta tem como tema a história do cristianismo desde suas origens até a queda da unidade medieval e a história do Império Romano, especialmente sobre o declínio e a queda, apresentando a ideia de que o cristianismo não foi um elemento isolado nas transformações que o Império sofria e que sua ascensão, do contrário que é defendido, contribuiu para o declínio e posteriormente a queda da unidade imperial. Essa discussão é feita por Edward Gibbon na obra Declínio e queda do Império Romano (2005), texto que é inédito na concepção de história moderna pelo uso de uma metodologia de análise que procurou explicações para os eventos históricos em termos de cultura, política e sociedade ao invés de seguir uma concepção de história baseada em plano e intervenção de caráter divino. Sua publicação provocou um descontentamento, já que Gibbon, além de rejeitar que o curso da história ocorre pela intervenção divina, criticou a cristandade na sua formação, suportado por dados historicamente precisos e detalhados13. Da mesma forma que Gibbon, o historiador Reza Aslan questiona a história eclesiástica e se aprofunda no lendário contexto de Jesus de Nazaré, interpretando o mártir da fé cristã como um homem revolucionário, morto por motivos político-ideológicos que são permeados pelo seu discurso messiânico e redentor. A obra de Aslan, A vida e época de Jesus de Nazaré (2013) apresenta elementos que são complexos na sua concepção e compreensão, como a questão do nacionalismo judaico, conhecido pelo termo zelota. O Império Romano já havia condenado e matado outros homens partidários dessa ideologia nacionalista, mas nenhum deles teve tanto destaque e mobilizou tantas pessoas quanto Jesus de Nazaré. Aslan discorre sobre essa importância, além de elucidar que o caráter pacifista de Jesus foi construído a fim de criar uma imagem para a Igreja Católica utilizar séculos depois e que o discurso incisivo de Jesus de Nazaré é indicativo para o tratamento recebido pela comunidade cristã no Império Romano após sua morte. A fim de dar atenção aos sujeitos, a obra de Paul Veyne, Quando nosso mundo se tornou cristão: 312-394 (2009) analisa a conversão de Constantino como elemento impulsionador da fé cristã no Império e seu fortalecimento, amplamente alicerçado pela nova crença de Constantino, disseminada por todo o Império. O detrimento do culto pagão não foi sistemático, mas aconteceu na medida em que o cristianismo foi entendido como elemento de unidade e pelas aspirações de Constantino em criar bispados por todo o Império. De caráter mais geral e amplo, as obras de Christopher Dawson e Allain Corbin, A formação da Cristandade: das origens na tradição Judaico-Cristã à Ascensão e Queda da Unidade Medieval, publicada em 2013, e a História do Cristianismo: para compreender melhor nosso tempo, publicada em 2009, discutem o cristianismo de forma linear e o que permeava sua formação, suas práticas e a posterior reforma. Ambas as obras compreendem que o culto cristão faz parte da vida cotidiana de todos, até dos que ignoram sua mensagem: o cristianismo contribui para o desenho das cidades, para ética e para a organização de muitas sociedades, principalmente as ocidentais. Portanto, utilizando as obras apresentadas como documento primário, a intenção da pesquisa é cruzar as informações da produção historiográfica selecionada para verificar aproximações e divergências na contextualização da ascensão do culto cristão e na conversão de Constantino, analisando como sua conversão se deu, por quais motivos e como ela foi entendida pela população do Império. 13 Segundo Gibbon (2005), o fato de que a Igreja Católica possuía o "monopólio metafísico" das suas próprias interpretações consideradas sagradas e santas tornava improvável a reinterpretação dos seus escritos. Gibbon insiste que os escritos sagrados eram fontes de ordem secundária e utilizou para sua interpretação fontes primárias e contemporâneas do período selecionado, o que deu caráter científico ao seu trabalho. 8. REVISÃO BIBLIOGRÁFICA O lançamento da revista Annales d'Histoire Économique et Sociale14, fundada por Lucien Febvre e Marc Bloch em 1929 foi um marco na forma de escrever história, evidenciando sujeitos marginais que a história positivista ignorou em favorecimento dos grandes líderes, fatos e grandes narrativas baseadas em dados econômicos e/ou demográficos. A historiografia que surgiu após a publicação da Annales pôde inserir na sua concepção de história a interdisciplinaridade, dialogando com as artes, ciências, sociologia, arquitetura, psicologia social, história das mentalidades etc. tornando elementar o caráter interdisciplinar da nova teoria da história. Após o surgimento da revista e a adesão da sua proposta, a historiografia adquiriu fundamentos teóricos suficientes para estudar os processos, fatos e eventos além da história dos grandes e sensibilizou-se com o fato de que a história ignorou por muito tempo a história dos marginais. Todas as metodologias do estudo de história seja ela a história cultural, social, econômica, das mentalidades etc. relacionam-se umas com as outras a partir da ideia de que o anacronismo da historiografia moderna que ignorava a mudança das mentalidades precisava ser superado urgentemente. O especialista em história antiga e do Império Romano Paul Veyne pensa a história do cristianismo baseando-se na ideia de que a historiografia pode contemplar os sujeitos e seu cotidiano, que não eram até o surgimento da Annales, sujeitos históricos. Afinal, a seita de vanguarda que fomentava a ascensão do que hoje conhecemos como Igreja Católica surge como consequência do cotidiano de sujeitos marginais, liderados por um homem condenado e morto pela administração imperial. O cotidiano destes sujeitos foi indicativo para que, embora muito minado, o cristianismo pudesse deixar a clandestinidade e ascendesse. Encontramos essas perspectivas na sua obra Quando o nosso mundo se tornou cristão: 312-394 que explica a ascensão do cristianismo fugindo das rasas intenções da história totalizante, suportada pela ideia de que a história pode ser contada além de capítulos desorganizados e a partir das pessoas e não das instituições. O episódio da noite de véspera da Batalha da Ponte Mílvia, conflito que Constantino tinha como intenção recuperar Roma do poder de Maxêncio dá início as discussões sobre como este evento foi sintomático para o fortalecimento da fé cristã15. Segundo Bury (1958), a revolução religiosa que Constantino fez em 312 foi talvez o ato mais audacioso de um 14 Desde 1994o nome da revista foi substituído por Annales. Histoire, Sciences Sociales. 15 Na noite de véspera da batalha, Constantino sonha com Jesus Cristo lhe dizendo que “sob este sinal vencerás” e no dia seguinte ele leva para os escudos e estandartes de suas tropas o cristograma com o nome de Jesus Cristo em grego (C e R), tanto como no seu próprio capacete. O que tinha tudo para ser mais um confronto maçante e padrão de retomada de poder acabou se tornando um marco na história, já que a vitória de Constantino sobre Maxêncio e suas tropas foi associada ao sonho de Constantino e por isso, o cristianismo assumiria as rédeas da religião oficial do imperador e deixava seu status de seita de vanguarda em pouco tempo. líder autocrata e suas atitudes de favorecer o cristianismo em detrimento da religião imperial desafiavam o que a maioria dos habitantes do Império pensava: na época em que Constantino se converteu, 5 a 10% do Império era cristão, talvez 70 milhões de habitantes16. A forma como Constantino agiu é muito estudada e as discussões sobre a sua conversão tem como tema o possível elemento político-ideológico impulsionador contido na sua conversão. Essa disputa por poder que Constantino foi ator principal tem relação em outro evento ocorrido quatro séculos antes: a pregação de um judeu pela Galileia que reuniu seguidores para estabelecer o que foi chamado de “Reino de Deus”. Este pregador, conhecido pelo nome de Jesus de Nazaré criou um movimento tão nocivo à ordem do Império Romano que sua morte foi exemplo para que sujeitos com intenções similares não pensassem em enfrentar a autoridade romana. Jesus, o insurreto carismático que enfrentava as autoridades romanas e o alto escalão da hierarquia religiosa judaica foi capturado, torturado e executado como criminoso de Estado pelo mesmo Império Romano que Constantino governaria séculos depois com o poder mantido e protegido pela máxima In hoc signo vinces. Pensando na perspectiva histórica de Jesus de Nazaré, Reza Aslan apresenta na sua obra Zelota: a vida e época de Jesus de Nazaré, publicada em 2013, a perspectiva da história de média duração no recorte temporal dos séculos 4 a.C./6 d.C. até o ano 30-33. Aslan recorda todo o ódio que o Império Romano mantinha pelos judeus e como foi violenta essa relação, suportada, entre tantas outras, pelas ações de um sujeito ímpar na construção do mito do cristianismo: Pôncio Pilatos. Pilatos demonstrou seu desprezo para com os judeus desde o primeiro dia que chega a Jerusalém, coberto por uma túnica branca, couraça dourada e uma capa vermelha sob os ombros, marchando e anunciando sua presença na Cidade Santa carregando a imagem do imperador, o que soou como uma grande demonstração de desprezo para com as sensibilidades judaicas (ASLAN, 2013c). A história de Jesus era muito recente para que Roma pudesse ignorar e essa atenção especial à comunidade protocristã contribuiu para a questão de que ser cristão no Império Romano até o século IV era seguir e venerar um zelota, o que significava adorar um bandido e insurreto que a lei romana tratou de executar para manter a ordem. A violência que Roma utilizou para tratar os cristãos teve como fundamento a manutenção do poder imperial, tanto como na historicidade da formação da seita judaica e de seu líder. Por essa perspectiva, a ideia de pensar no discurso cristão de pacifismo e perdão, associada a Jesus de Nazaré, interpretado como um homem pacífico é completamente equivocada17 e foi criada após a sua morte para contemplar as intenções dos concílios em criar uma imagem pacífica do seu mártir. 16 GIRARDET, Klaus M. Die Konstantinische Wende. Voraussetzungen und geistige Grundlagen der Religionspolitik Konstantins des Großen. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 2006, pp. 82-83. 17 Mateus X, 34: “Não pense que eu vim trazer paz sobre a terra. Eu não vim trazer paz, mas a espada.” No estudo e análise do Jesus histórico, episódios de ira, xenofobia18 e violência19 criam uma dicotomia sobre a imagem de pacifismo. De caráter mais geral e linear, a obra organizada por Allain Corbin, História do Cristianismo: para compreender melhor nosso tempo (2009) contempla o tema proposto pelo projeto de pesquisa problematizando a submissão dos cristãos ao Império Romano, mesmo perseguidos e a conversão de Constantino e do Império, finalizada por Teodósio, tanto como apresenta “concorrentes” no momento da ascensão do culto cristão no momento da definição do que era fé. Com caráter similar, Christopher Dawson apresenta na sua obra A formação da Cristandade: das origens na tradição Judaico-Cristã à Ascensão e Queda da Unidade Medieval (2014) fundamentos teóricos nas reflexões sobre a natureza, difusão e desenvolvimento da cultura discutida, os primórdios da cultura cristã na Antiguidade e finalize com o declínio da cristandade na Idade Média. 9. REFERÊNCIAS ARIÈS, Phillipe. A história das mentalidades. In: LE GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1980. ASLAN, Reza. A vida e época de Jesus de Nazaré. Rio de Janeiro: Zahar, 2013. BETTENSON, Henry. Documents of the Christian Church. Oxford: Oxford University Press, 1963. BRANDÃO, José Luís (coord.); OLIVEIRA, Francisco de (coord.). História de Roma Antiga vol. I: das origens à morte de César. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2017. BURKE, Peter. O que é História Cultural? Rio de Janeiro: Zahar, 2008. BURRY, John Bagnell. 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