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16- A formação do feudalismo

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História Antiga e Medieval 
Aula 16 
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Aula 16: A Alta Idade Média: a formação do feudalismo 
 
Objetivo: Apresentar uma visão de conjunto dos processos históricos 
multisseculares (longa duração) implicados na formação do modo de produção 
feudal durante a Alta Idade Média na Europa ocidental (séculos V-X). 
 
 
As matrizes do feudalismo 
 
A rigor, devemos entender que o modo de produção feudal, como modelo de 
explicação social, somente pode ser compreendido se relacionado à realidade 
histórica existente entre os séculos X e XIII, isto é, durante a Baixa Idade Média, ou 
mais especificamente, no contexto da Idade Média Central. 
A sociedade feudal foi o produto de um longo processo histórico de fusão de 
tradições diversas, cujo cenário de elaboração foi a longa Alta Idade Média. Nesse 
período, as heranças da civilização clássica (gregos e romanos) foram 
amalgamadas aos costumes, às tradições e aos hábitos de vários grupos 
genericamente denominados de germânicos, que migraram para o interior das 
fronteiras do Império Romano do Ocidente a partir do século III. 
Esse complexo processo de fusão das tradições romanas e germânicas 
contou, ainda, com a presença de um terceiro elemento em comum: o cristianismo. 
Assim, podemos compreender que a Alta Idade Média representou um longo 
período de transição entre a crise do Império Romano do Ocidente, a assimilação 
das tradições germânicas e a expansão do cristianismo, formulando uma civilização 
original cuja identidade articula as características herdadas daquelas três distintas 
tradições: a civilização feudal. 
 
A gênese do feudalismo 
 
O medievalista Hilário Franco Júnior aponta as sete características 
fundamentais do processo de formação do feudalismo, que tem seu início na crise 
do Império Romano no século III até se concluir no século X: 
 
 
 Ruralização da sociedade. 
 Enrijecimento da hierarquia social. 
 Fragmentação do poder central. 
 Desenvolvimento das relações de dependência pessoal. 
 Privatização da defesa. 
 Clericalização da sociedade. 
 Transformações na mentalidade. (FRANCO JÚNIOR, 1984: 9-28) 
 
A série de aspectos é apresentada de modo a perceber a articulação de 
causa e efeito estabelecida entre cada aspecto no conjunto das transformações. A 
descrição também hierarquiza o ritmo de impacto de cada aspecto, iniciando pelos 
fenômenos de ordem econômica (duração dinâmica, no nível factual), passando 
pelas transformações na organização social e política (duração média, no nível 
conjuntural) até atingir os níveis ideológicos (longa duração, no nível estrutural). 
 
A ruralização da sociedade 
 
Na base de todo processo se encontram as questões relacionadas à crise do 
modo de produção escravista a partir do século III e o encaminhamento das 
soluções a tal problema no decorrer dos séculos seguintes. Os elementos daquela 
crise podem ser assim sumarizados: 
 
 O fim das guerras de expansão do Império e o início das operações 
defensivas impedem o abastecimento constante do mercado de escravos, 
elevando seu custo. 
 A dificuldade dos latifundiários em arregimentar mão de obra diminui a 
produtividade, tornando parte das terras incultas. 
 A diminuição da produtividade dos latifúndios provoca prejuízos na 
arrecadação de impostos por parte do Estado. 
 O aumento do custo relativo de manutenção dos escravos (vigilância, 
alimentação etc.). 
 
 
Diante desse quadro, surgiu o regime de colonato, que procurava dar 
solução ao problema fundamental da obtenção e organização da mão de obra. 
Por esse sistema, os proprietários rurais arrendavam parte de suas terras a 
colonos mediante o pagamento de duas obrigações distintas: 
 
 Trabalhar alguns dias da semana na terra do senhor, sendo toda produção 
nela amealhada do proprietário latifundiário (dando origem à prática feudal do 
pagamento da corveia). 
 Pagar uma parcela – proporcionalmente pequena – da produção obtida no 
lote arrendado ao proprietário (dando origem à prática feudal do pagamento 
da talha). 
 
A implantação do regime de colonato possibilitou a realização de diversas 
vantagens produtivas: 
 
 Transferiu plenamente para o colono o ônus da subsistência. 
 Capitalizou o interesse dos cativos pela liberdade. 
 Tornou o trabalhador diretamente interessado no incremento da produção. 
 Possibilitou absorver uma grande diversidade de trabalhadores: homens 
livres, plebeus urbanos, bárbaros germânicos a ainda pequenos proprietários 
em busca de proteção naquele contexto de insegurança e violência. 
 
Assim, o regime de colonato criou uma nova categoria de trabalhador 
dependente do proprietário fundiário, que pode bem ser descrita pela fórmula 
consagrada: “o colono é um homem livre, mas preso à terra”. 
 
As implicações sociais e políticas da ruralização 
 
Com os sucessos do regime de colonato, houve uma melhoria significativa da 
situação dos ex-escravos, embora aviltando a condição social dos homens livres e 
principalmente dos pequenos proprietários. 
É nesse sentido que podemos falar de um enrijecimento da hierarquia 
social durante a Alta Idade Média. Com a assimilação de vários grupos de homens 
livres pelo regime de colonato, ocorreu a polarização social pelo desaparecimento 
 
das camadas intermediárias que existiam entre a situação de proprietário e escravo. 
A sociedade feudal resultante desse processo era, certamente, um tipo de 
organização na qual a distância social entre os proprietários fundiários e os 
trabalhadores foi muito ampliada, embora não prevalecessem impedimentos formais 
de mobilidade social. É nesse sentido que se pode dizer que a sociedade feudal 
apresentava uma organização social de tipo estamental. 
Por outro lado, a crise do modo de produção escravista e o surgimento do 
regime de colonato tiveram consequências importantes na organização do Estado e 
nas relações políticas. Com a ruralização, ocorreu uma tendência à autossuficiência 
dos latifúndios, acompanhada de uma concomitante decadência da economia 
urbana e monetária, tornando, assim, a posse de terras e o acesso aos seus 
produtos o tipo de riqueza mais segura e valorizada. 
Com as invasões germânicas e as dificuldades nas comunicações acentuou-
se o isolamento na vida rural e o enfraquecimento de todas as atividades urbanas. 
Com a formação dos reinos germânicos completou-se o ciclo da ruralização, 
instituindo uma realidade na qual o pluralismo político e territorial substituiu a 
soberania centralizada tal qual praticada sob o Império Romano. 
Um dos indícios mais significativos desse processo de fragmentação do 
poder central ocorre durante o século V, quando a autoridade fiscal do Estado foi 
transferida para os proprietários de terras. 
Nesse contexto, os reis apresentam-se com frágeis poderes. Primeiro porque 
sua soberania estava sendo exercida sobre um território muito delimitado que foi 
recortado da integridade do Império Romano agonizante. Em segundo lugar, porque, 
internamente, o crescente poder dos proprietários rurais reduziu drasticamente a 
intensidade e o alcance dasoberania estatal. 
Como muitas das atribuições do Estado passam a ser exercidas pelos 
latifundiários, o poder que antes se enfeixava nas instituições estatais passa para as 
mãos de particulares, impulsionando assim o desenvolvimento das relações de 
dependência pessoal, produto do esvaziamento do espaço público em curso. 
As relações de dependência pessoal supriram duas ordens distintas de 
expectativas: 
 
 Da parte do dependente, possibilitou suprir as necessidades de sustento, 
proteção e segurança por meio de contrato com indivíduos poderosos. 
 
 Da parte dos poderosos, possibilitou atingir níveis de prestígio e poder por 
meio do patrocínio dos indivíduos e grupos dependentes. Nesse caso, o 
poder econômico potencializou e justificou o poder político e o prestígio social. 
 
Já presentes tanto na tradição romana (patrocinium potentiorum, ou 
patrocínio), quanto na germânica (mundeburdis), instituições de dependência 
pessoal passaram a se generalizar por toda sociedade, ocupando o vazio provocado 
pelo recuo das instituições públicas. 
De origem germânica, o contrato de encomendação registrava a súplica do 
dependente diante do superior, no texto desse formulário do século VIII: 
 
Eu, Bertério, coloquei a corda em meu pescoço e me entreguei sob o 
poder de Alarido e de sua esposa Ermengarda para que desde este 
dia façais de mim e de minha descendência o que quiserdes, os 
vossos herdeiros o mesmo que vós, podendo guardar-me, vender-
me, dar-me a outros ou conservar-se e se eu quiser esquivar-me do 
vosso serviço, podeis deter-me vós mesmos ou vossos enviados, do 
mesmo modo que o fariam com vossos restantes escravos originais. 
(A. Bernard y A. Bruel, Recueil des chartes de I'abbaye de Cluny, 
apud PINSKY, 1982: 69) 
 
Nesses contratos, os concessores particulares cediam um benefício 
(beneficium), que dava acesso pelo dependente do usufruto da terra (e não da 
propriedade) em troca de contrapartida, de acordo com a condição social do 
dependente. 
O benefício representava para quem o recebia a fonte econômica de seu 
sustento, enquanto o concessionário poderia receber tanto prestação de serviços 
(serviço militar, principalmente, necessidade surgida no processo de privatização 
da defesa nesse mesmo contexto), ou, ainda, alguma forma de pagamento em 
retribuição. 
Uma modalidade de contrato de dependência pessoal também muito 
difundida foi a precária (ou precatória), na qual se concedia um benefício em troca 
de um pagamento na forma de produtos in natura. Eis um exemplo de fórmula para 
renovação de precária: 
 
De forma alguma é ignorado que nosso pai ocupou esta terra que é 
vossa, e que para isto ele vos fez uma carta de precatória. Nós vos 
fazemos a renovação e a assinamos, e vos 
 
pedimos humildemente que vossa bondade nos permita permanecer 
na mesma terra. Mas para que a posse que teremos não traga 
prejuízo algum nem a vós nem a vossos herdeiros, nós colocamos 
em vossas mãos esta carta de precatória. Se nos ocorrer mais tarde 
de esquecermos e de dizer que esta terra que nós possuímos não é 
de vossa propriedade, nós devemos ser tratados como usurpadores 
da terra de outrem, [...] e vos daremos o direito de nos expulsar desta 
terra sem que seja necessária qualquer intervenção jurídica." 
(Monumenta Germanie Histórica, Formulae Bituricensis, apud 
PINSKY, 1982: 63) 
 
Durante a Alta Idade Média, as relações de dependência pessoal não 
somente se desenvolveram como também tomaram formas mais específicas e 
elaboradas. 
Até o século VI, a vassalagem era uma instituição de caráter servil, 
implicando a concessão de lotes de terras para um trabalhador dependente que 
efetivamente seria o agricultor, sendo a contrapartida um rendimento de caráter 
econômico. 
A partir do século VIII, porém, no contexto do Império Carolíngio, a 
vassalagem tornou-se uma instituição de selava a aliança entre homens livres e de 
mesma condição social, ou seja, tornou-se um contrato de uso exclusivo da nobreza. 
O vassalo (“servidor fiel”) passou então a constituir um elo em uma grande 
cadeia de fidelidade que ligava os mais poderosos (suseranos) a seus dependentes 
(vassalos). 
A própria noção de benefício acabou se diversificando, implicando de forma 
genérica a remuneração do vassalo. Com a crescente demanda pela prestação de 
serviço militar na época carolíngia, surgem novas modalidades de benefício, como a 
imunidade, por exemplo. Nesse caso, um vassalo que já havia recebido um 
benefício fundiário (que posteriormente receberá o nome de feudo), poderia receber 
um benefício suplementar e adicional ao primeiro conquanto ampliasse as condições 
de sua prestação de fidelidade militar. Ao receber o benefício da imunidade, o 
vassalo conquistava a completa isenção do controle real sobre o lote recebido como 
primeiro benefício, o que implicava na prática ampla autonomia administrativa e 
judiciária, de recrutamento militar e em questões fiscais, incluindo a manutenção de 
exércitos privados. 
Já durante o século IX várias funções públicas – como as exercidas por 
condes, duques e marqueses – tornam-se também benefícios, que poderiam ser 
 
ampliados com a adição de um benefício suplementar, o direito de transmissão 
hereditária do benefício anterior. 
Na época carolíngia as relações de suserania e vassalagem foram criadas na 
esperança de constituir múltiplas e seguras cadeias de fidelidade que ligassem os 
vassalos ao rei, mas na prática a crescente autonomia dos beneficiários acabou 
enfraquecendo o poder real, reforçando ainda mais aquela tendência secular de 
fragmentação do poder central. 
 
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REFERÊNCIAS 
 
ANDERSON, Perry. Passagens da antiguidade ao feudalismo. São Paulo: 
Brasiliense, 1992. 
FRANCO JR., Hilário. A Idade Média: nascimento do ocidente. São Paulo: 
Brasiliense, 2001. 
______. O feudalismo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984. 
HEERS, Jacques. História Medieval. São Paulo: DIFEL, 1981. 
PINSKY, Jaime (Org.). Modo de produção feudal. São Paulo: Global, 1982.

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