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UNID 1 - Formação Docente para Professores de Direito

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UNIDADE 1
Ensino de Direito
Os questionamentos sobre a universidade, a ciência, o ensino e o Direito afetam as opções de fundo que fazemos, invariavelmente, quando lecionamos um curso.
1.1 Tarefa política
Segundo Fernandes:
Cada nação e cada povo possuem a universidade que merecem. Acabaremos muito mal, nesse terreno, se não soubermos o que queremos e, principalmente, se não soubermos lutar pelo que queremos.
Clarificar nosso pensamento a esse respeito vem a ser parte de uma situação de luta, da qual não poderemos ser poupados e nem nos poderemos poupar.
Podemos considerar o ensino do Direito como tarefa política.
Em um país como o nosso, em que o acesso ao Ensino Superior é ainda restrito e desigual, esse papel político fica ainda mais realçado.
O ensino do Direito implica um posicionamento sobre a função social do Ensino Superior. Em outras palavras, implica um posicionamento sobre a própria razão de ser da universidade.
Para saber mais sobre decisão política, leia:
FERNANDES, Florestan. A universidade brasileira: reforma ou revolução? Alfa-Omega: São Paulo, 1979.
O ensino do Direito envolve escolhas e posicionamentos frente a questões muito sérias. Clique nos botões a seguir para acessar alguns exemplos.
A universidade deve privilegiar o conhecimento especulativo, prioritariamente conceitual e abstrato OU deve dar maior ênfase ao conhecimento aplicado, voltado a maximizar a sua possibilidade de utilização prática?A universidade deve formar um número necessariamente restrito de alunos, de modo que a competição selecione os cidadãos mais bem formados e intelectualmente mais capazes OU deve abranger o maior número possível de interessados, ainda que com desequilíbrio nas formações de base, de modo a fazer coexistirem diferentes formas de saber dentro dos seus muros?A universidade deve ser pública e gratuita para todos OU apenas para alguns?A universidade deve ser pública, mas não gratuita OU a universidade não deve ser nem pública, nem gratuita? Por quê?
O modo como respondemos aos questionamentos propostos revela as crenças que temos sobre a universidade, sobre a Ciência, sobre o ensino e, no caso dos cursos jurídicos, sobre o Direito. As nossas respostas também revelam a visão que temos do país.
É fácil esquecer essas perguntas na correria do dia a dia. Tais questões, no entanto, não são meras especulações. Todas elas são questões vitais, de enorme relevância prática.
Influência nos cursos
Os questionamentos sobre a universidade, a ciência, o ensino e o Direito afetam as opções de fundo que fazemos, invariavelmente, quando lecionamos um curso.
Segundo Ghirardi, tais questionamentos afetam, por exemplo:
A seleção de temas que o espaço universitário opera:
O que ensinar?
A ordem de apresentação proposta:
Quando ensinar?
A relevância relativa que estabelece entre áreas:
Quanto e com que profundidade ensinar?
A forma de aferir a efetividade da formação:
Como avaliar?
Para saber mais sobre influência nos cursos, leia:
GHIRARDI, José Garcez (Coord.). Cadernos Direito GV: avaliação e métodos de ensino em direito, v. 7, n. 5, set. 2010.
1.2 Desenho do curso
Vejamos, a seguir, um vídeo sobre apontamentos para a elaboração de programas no ensino jurídico. Depois que o vídeo carregar, clique em play.
Ao lecionar um curso, o primeiro conjunto de escolhas que temos de fazer diz respeito ao sentido da nossa proposta. Devemos decidir: o que iremos ensinar; por que desejamos ensinar; por meio de qual método; a que grupo específico de alunos; e em que momento específico da sua formação.
Em outras palavras, precisamos enfrentar o problema do desenho do curso e de cada uma das suas aulas para a situação concreta em que nos encontramos.
O curso não é uma realidade neutra, uma obrigação curricular que nos cabe transferir aos alunos. Não somos instrumentos do curso, mas os seus autores.
Desse modo, se o jovem docente inicia a sua carreira recebendo um programa pronto, isso não o exime de analisar, criticamente, o material que tem em mãos. Tal material deve ser objeto do mesmo rigor a que submetemos qualquer produção acadêmica.
Em geral, lemos, com muito cuidado, artigos, dissertações e teses de colegas. Buscamos, com esse cuidado, entender o seu argumento central, explorar as suas contradições e potencialidades.
Essa leitura cuidadosa faz parte da honestidade intelectual que deve caracterizar a troca entre pares e que deve estar presente também no ensino.
O desenho de um curso é fruto de uma atividade intelectual muito sofisticada. O seu gênero discursivo, por exemplo, é diferente daquele utilizado em artigos e outros trabalhos acadêmicos. Ser diferente, no entanto, não significa que a sua complexidade seja menor.
Ao ministrarmos um programa, a primeira coisa a fazer é analisar a sua lógica de construção, as suas escolhas implícitas e explícitas, os seus objetivos e propósitos.
Atenção!
É preciso examinar o que o programa inclui e exclui, o que enfatiza e o que minimiza. A partir daí, é preciso que nos posicionemos.
A atuação do professor também deve considerar a sua:
adequação ao público a que se destina;
articulação com outras disciplinas da grade;
articulação com os objetivos gerais adotados em cada instituição de ensino.
O professor deve não apenas se posicionar sobre a consistência interna do programa mas também deve ser capaz de fazer e justificar as suas escolhas como as melhores escolhas possíveis para aquele determinado contexto. Para isso, deve identificar as respostas mais adequadas às seguintes questões centrais:
O desenho do curso precisa ser coerente com a forma como pensamos essas questões.
Assista agora a uma cena que se relaciona com o conteúdo desta tela.
Filme
Clique no ícone para acessar as informações sobre o filme O sorriso de Monalisa.
Sugestão de leitura
Para saber mais sobre posicionamento do professor, leia:
KENNEDY, Duncan. The political significance of the structure of the law school curriculum, Seton Hall Law Review, v. 14, p. 1-16, 1983-1984.
1.3 Lógica de construção do curso
Em primeiro lugar, o desenho do curso precisa articular-se, harmoniosamente, com o modo como pensamos a universidade e os múltiplos sujeitos que a constroem.
Posicionamentos diferentes geram diferentes desenhos de curso ‒ ao menos, é legítimo esperar por essa diferença.
A fim de nos posicionarmos, podemo-nos questionar sobre qual é a função do curso superior. Navegue pelas setas para acessar algumas possíveis respostas.
Formar profissionais para o mercado, para as carreiras públicas.
Exemplo
Diferentes posicionamentos geram diferentes desenhos de curso
Sabemos que os diferentes posicionamentos geram diferentes desenhos de curso. Podemos considerar, a título de exemplo, os casos dos professores Alberto, Beatriz e Custódio.
Suponhamos que o professor Alberto entenda que a função da universidade seja a de oferecer uma formação eminentemente prática, voltada a capacitar o aluno a atuar profissionalmente assim que tiver o diploma nas mãos.
É bem provável que ele decida estruturar o seu curso em torno de escolhas didáticas que reflitam essa perspectiva.
Dessa forma, é mais do que possível que trabalhe em sala de aula, por exemplo, com casos concretos e decisões reais, talvez proferidas em lides em que esteve envolvido como profissional.
Talvez ele solicite aos seus alunos que escrevam peças ou que analisem documentos.
A referência e os comentários à legislação e à jurisprudência tenderão, provavelmente, a ocupar mais espaço que a discussão conceitual em abstrato ou que o cotejo de teorias jurídicas concorrentes.
É claro que o debate teórico não estará ausente nas suas aulas. No entanto, como a sua preocupação é construir um saber e desenvolver habilidades eminentemente práticas, o debate teórico tenderá a receber menos atenção que a análise de situações concretas.
Isso não acontece porque o professor Alberto não possui interesse em teorias. Ele pode até ter grande facilidade e apreço pelas discussões mais abstratas, mas também sabe que não épossível ensinar tudo e que é preciso fazer escolhas, descartando algumas estratégias e abraçando outras.
Em seu curso, Alberto não tem tempo para discutir, exaustivamente, teoria e prática. Por conta disso, ele faz uma escolha que está vinculada à sua crença fundamental sobre a função da universidade: produzir egressos prontos para atuarem bem no mercado.
Suponhamos, agora, que a professora Beatriz tenha uma leitura radicalmente diferente da universidade.
Para ela, o Ensino Superior é, antes de tudo, um espaço de formação teórica, ou seja, um espaço de desenvolvimento do pensamento crítico e de um arcabouço conceitual capazes de alavancar discussões muitas vezes desconectadas das questões mais imediatas do dia a dia.
Beatriz acredita que a prática se aprende na prática – no estágio ou na vida profissional futura. Para ela, o espaço universitário é um local privilegiado para desenvolver o domínio de questões conceituais, trabalho difícil ou impossível de ser realizado no atropelo do cotidiano profissional.
Nesse caso, é bem provável que ela lance mão, sobretudo, de textos teóricos e de discussões doutrinais como base para o seu curso.
É evidente que isso não significa que o exame de minúcias de casos concretos não possa surgir algumas vezes, mas, ao menos em princípio, isso se dará com menor frequência que exposições ou debates versando sobre a teoria e os conceitos jurídicos.
Isso também não significa que Beatriz não acredite na importância das questões práticas. Ela apenas entende que a função da universidade não é, prioritariamente, a de formar com vistas à atuação prática imediata. O seu curso reflete esse entendimento.
Por fim, suponhamos que o professor Custódio entenda que a função da universidade seja, antes de qualquer coisa, a de certificar, perante a sociedade, o domínio que o egresso tem de um saber técnico específico. Nesse caso, é bem provável que organize o seu curso de forma a dar respostas àquelas ocasiões em que esse saber será formalmente avaliado, como os concursos públicos, por exemplo.
Resoluções de provas, simulados e comentários sobre questões de exames específicos terão, possivelmente, muito mais espaço no seu curso que no dos seus colegas Alberto e Beatriz.
Mais uma vez, isso não significa que Custódio não valorize a teoria ou o conhecimento prático. Isso significa que ele imagina que a função primordial da formação universitária seja outra.
Poderíamos multiplicar os exemplos, combinando visões, matizando escolhas. Poderíamos também discutir se todas as instituições de Ensino Superior têm – ou deveriam ter – funções idênticas, independentemente do seu contexto e público, ou se faz sentido que instituições de perfis diversos exerçam funções diferentes.
O que realmente importa sublinhar aqui é a conexão entre o modo de se pensar a universidade – a sua função social – e o modo de se estabelecer o desenho de cada curso específico.
Essa visão da universidade articula-se, é claro, com o modo como cada docente entende a ciência e como enquadra (ou não) o Direito nesse conceito.
Protagonismo do aluno
Vejamos, a seguir, um vídeo sobre o protagonismo do aluno. Depois que o vídeo carregar, clique em play. << ENSINO JURIDICO PARTICIPATIVO TEORIA E PRATICA >>
1.4 Articulação entre conhecimento, ciência e ensino
As visões sobre o desenho do curso podem ser muito diferentes entre os docentes. No entanto, mesmo com a divergência de opiniões, podemos supor que diferentes docentes concordem com a afirmação de que a universidade é um espaço em que se constrói e transmite conhecimento.
A partir daí, o problema seria definir, exatamente, o que entendemos por conhecimento.
Além disso, se acreditamos que há mais de uma forma de conhecer, mais de um tipo de conhecimento, também é preciso que nos interroguemos sobre o tipo de conhecimento que acreditamos caracterizar o Ensino Superior.
No caso específico dos professores de Direito, há ainda mais uma tarefa a cumprir: assumir um posicionamento com relação à ideia do Direito como ciência.
O debate sobre a concepção do Direito como ciência é antigo. No entanto, isso não significa que esteja superado ou que possa ser evitado. Esse debate não pode ser evitado porque são essas crenças sobre o conhecimento e a ciência que moldam o objeto que iremos ensinar.
Quando discutimos metodologia, não estamos discutindo formas diferentes de ensinar a mesma coisa, muito menos de apresentar um mesmo objeto – que existe antes e além de qualquer interpretação. Pelo contrário, esse objeto só se constitui a partir do momento em que falamos sobre ele, em que definimos as suas fronteiras, em que elegemos os seus traços constitutivos.
Na sala de aula, o objeto sobre o qual nos referimos só se constitui quando o ensinamos.
No caso do ensino do Direito, o objeto que iremos ensinar se constitui a partir do momento em que decidimos o que é Direito e o que não é. Isso envolve decidir quais elementos são essenciais para caracterizar o fenômeno jurídico e quais são acessórios, quais tipos de saber esse fenômeno engloba e quais exclui, e assim por diante.
Vejamos um exemplo. É comum ouvirmos frases como:
- Isto não cabe em um curso de Direito Civil.
- Esta é uma razão moral, não jurídica.Isto não cabe em um curso de Direito Civil.
- Esse argumento caberia em uma aula de Teoria Política, não de Direito Constitucional.
Esse tipo de declaração não faz referência a um conceito anterior objetivo e não descreve algo que existe no mundo, independentemente do nosso discurso. Pelo contrário, define, implícita ou explicitamente, o sentido que nós damos ao Direito Civil, à Teoria Política, ao Direito Constitucional, à moral e ao Direito.
Em outras palavras, esse tipo de frase constrói o objeto no mesmo momento em que o ensina.
Os dois processos são indissociáveis. É por isso que é tão importante discutir a forma como entendemos a articulação entre conhecimento, ciência e ensino.
1.5 Síntese da unidade
A seguir, navegue pelo mapa conceitual que sintetiza o conteúdo desta unidade. Clique e arraste os itens de conteúdo para visualizar as ramificações dos assuntos.

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