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TÉCNICAS E FÁRMACOS UTILIZADOS NA ANESTESIA DE QUELÔNIOS VANESSA V. CORREA 1 , LANUCHA F.L MOURA 1 , SONIA SUZUKI 2 , FERNANDO DO CARMO 3 , JULIANA BECHARA 4 1 Aprimorando da área de Anestesiologia do Hospital Veterinário “Dr. Vicente Borrelli’, São João da Boa Vista/SP 2 Aprimorando da área de Cirurgia de Pequenos Animais Hospital Veterinário “Dr. Vicente Borrelli”, São João da Boa Vista/SP 3 Mestrando em Anestesiologia pelo departamento de Anestesiologia da faculdade de medicina Unesp-Botucatu 4 Professora Dr a do Curso de Medicina Veterinária da área de Anestesiologia do curso de Medicina Veterinária da UNIFEOB, São João da Boa Vista /SP RESUMO: Os quelônios pertencem ao grupo dos répteis. A anestesia em quelônios, requer atenção especial uma vez que estes possuem particularidades anatômicas que diferenciam esta classe de animais dos mamíferos. De uma maneira geral, um protocolo anestésico de qualidade deve produzir completa imobilização do paciente, perfeita analgesia e um relaxamento muscular suficiente, além de ser seguro e facilmente reversível. O objetivo deste trabalho é fazer uma revisão das particularidades anatômicas e fisiológicas dos quelônios, assim como dos fármacos anestésicos, visando facilitar a escolha de um protocolo anestésico adequado para a espécie. PALAVRAS-CHAVE : analgesia, anestesia, fluidoterapia, quelônios INTRODUÇÃO Os quelônios são representados pelas tartarugas, cágados e jabutis. Estes animais possuem coração tricavitário pelo fato de o ventrículo ser parcialmente septado. Do coração derivam dois arcos aórticos que se unem mais adiante, caudalmente ao coração, para formar a aorta dorsal. Os pulmões são parecidos com sacos aéreos septados; são grandes e se encontram sob a carapaça e sobre as vísceras. Os quelônios não possuem diafragma, embora apresentem um fino septo conjuntivo separando os pulmões das vísceras, mas que em nada influência no movimento da respiração. A respiração se processa por movimentos da faringe para frente e para trás, que desta forma bombeia o ar para os pulmões. Este processo pode ser em parte auxiliado pelos movimentos da musculatura da cintura peitoral e pélvica, capazes de movimentar as vísceras para cima, comprimindo os pulmões para forçar a saída do ar. Assim sendo, a expiração é ativa e a inspiração é passiva (GOULART, 2004). COMEAU e HICKS (1994), afirmam que as frequências cardíaca e respiratória nos quelônios, estão sob o controle colinérgico e adrenérgico. Fisiologicamente, um fator importante relacionado aos quelônios, é que estes requerem uma demanda menor de oxigênio, se comparados a outras classes de animais, e mesmo a outros répteis (GOULART, 2004). ARTHUR et. al (1997) concluíram que a tolerância cardíaca dos quelônios durante hipóxia, está mais relacionada com a diminuição do seu metabolismo durante a anestesia, do que com um desempenho excepcional anaeróbico. CROSSLEY et.al (1998) demostram que os quelônios exibem vasoconstrição pulmonar perante hipóxia. Outro fator muito importante acerca do metabolismo dos fármacos no organismo destes animais, diz respeito à temperatura corporal. Os répteis são animais ectotérmicos, ou seja, são animais incapazes de manter uma temperatura corporal constante por mecanismos fisiológicos intrínsecos. Sabendo-se que a temperatura influencia diretamente todas as atividades metabólicas do organismo, uma vez que a maior parte das reações bioquímicas é mediada por enzimas e estas por sua vez dependem da temperatura. Quando mantidos a temperaturas mais baixas que a temperatura mínima da espécie, sendo esta de 20 o C, os tempos de indução e de recuperação anestésica se tornam consideravelmente maiores, sendo indicado aquecer o animal antes, durante e após submetê-lo à anestesia, utilizando-se na maioria das vezes colchão térmico e soro aquecido (GOULART, 2004). Nos répteis temperaturas abaixo de 10º C promove lassidão e torpor e, devido a esta peculiar fisiologia, os répteis, em especial o jabuti, o cágado e a tartaruga, podem ser imobilizados por hipotermia. Esta técnica foi um dos primeiros métodos de contenção cirúrgica em répteis e até hoje é utilizada como meio de induzir à anestesia cirúrgica, colocando o réptil, mais comumente os quelônios, num recipiente com gelo e água, alcançando-se temperatura corporal de 4-5º C em pouco tempo, porém GALLI et.al (2004), sugere a prévia atropinização do animal antes de tal procedimento. Com isto, o metabolismo basal diminui profundamente a ponto de permitir intervenções cirúrgicas intracavitárias, contudo, tal efeito alcançado não é equivalente à anestesia e, o fato de se conseguir imobilização mediante diminuição artificial da temperatura, não significa que o animal fique insensível à dor (SPINOSA; GÒRNIAK; BERNARDI, 1999). FARRELL et.al (1994) verificaram que durante a hipotermia artificial, a condução nervosa e sensorial permanecem presentes, não causando analgesia. Outro problema averiguado é que o período em que o animal permanece abaixo da temperatura ótima recomendada pode dispô-lo a uma série de infecções e até lesão neurológica. A resposta imune-humoral das células pode ser reduzida pela ação da hipotermia (SPINOSA; GÒRNIAK; BERNARDI, 1999). CARREGARO (2000) relata que a recuperação dos animais com hipotermia foi significativamente prolongada se comparada aos animais em hipertermia. Os parâmetros analisados evidenciaram um aumento do tempo de anestesia nos animais hipotérmicos. OBJETIVO O objetivo deste trabalho é fazer uma revisão das particularidades anatômicas e fisiológicas dos quelônios, assim como dos fármacos anestésicos, visando facilitar a escolha de um protocolo anestésico adequado para a espécie. VIAS DE ADMINISTRAÇÃO DE FÁRMACOS E FLUIDOTERAPIA EM QUELÔNIOS Em quelônios, a abordagem de veias periféricas não é simples como nos mamíferos e, muitas vezes se torna mais viável a administração de medicamentos pela via subcutânea, intramuscular, intracelomática ou inalatória. Para tanto, se faz necessário eleger um fármaco que possa ser administrado e que tenha boa absorção por essas vias de administração. É importante lembrar que os répteis são animais metanéfricos e possuem um sistema circulatório portal renal que geralmente drena a metade posterior do corpo direto para os rins antes de retornar ao coração, portanto a escolha do local de aplicação do fármaco deve levar em conta sua nefrotoxicidade (CUBAS 2002, GOULART, 2004). Para a administração de fluídos e fármacos pela via subcutânea, utiliza-se as dobras cutâneas localizadas ao redor dos membros dianteiros e fármacos de administração intramuscular podem ser aplicados na musculatura dos mesmos. Injeções intracelomáticas podem ser feitas craniais aos membros posteriores e para se administrar fluídos ou fármacos pela via endovenosa, utiliza-se a veia jugular, nos quelônios situada mais dorsalmente que nos mamíferos (GILLESPIE, 2003). A fluidoterapia de escolha para répteis é solução eletrolítica composta por três partes iguais de glicose 5 %, solução fisiológica e ringer lactato. A solução de glicose 5 % é levemente hipotônica, e também pode ser utilizada em animais que necessitam de aporte calórico. Os fluidos devem ser aquecidos antes da aplicação e são administrados na dose de 20 a 25 ml/kg /dia por qualquer via (CUBAS, 2002). FÁRMACOS UTILIZADOS NA ANESTESIA DE QUELÔNIOS De uma maneira geral, um protocolo anestésico de qualidade deve produzir completa imobilização do paciente, perfeita analgesia e um relaxamento muscular suficiente, além de ser seguro e facilmente reversível (GOULART, 2004). A pré-medicação com agentes parassimpatolíticos como exemplo: o sulfato de atropina pode ser útil para se prevenir a possibilidade de complicações, como bradicardia e bradipnéia, bem como diminuir a secreção na cavidade orall e nas vias respiratórias. Pode-se utilizar a atropina na dosagem de 0,01 a 0,02 mg/kg pelas vias intramuscular ou intravenosa (GOULART, 2004). A analgesia em quelônios pode ser conseguida com o uso de opióides, como exemplo, o Butorfanol na dose de 0,4-1,0 mg/kg administrado pelas vias intramuscular ou subcutânea. A buprenorfina também promove boa analgesia em quelônios, sendo geralmente utilizada na dose de 0,01 mg/kg pela via intramuscular. A meperidina é utilizada na dose de 5-10 mg/kg pela via intramuscular a cada 12 ou 24 horas (CARPENTER, 2001). Os anestésicos dissociativos, em especial a quetamina e a tiletamina são comumente empregados como agentes anestésicos em répteis. Várias vantagens os tornam extremamente úteis na clínica de répteis, como grande margem de segurança, comportamento anestésico geralmente uniforme, podendo ser empregados por vias não intravenosas sem muitas restrições (GOULART, 2004). O tempo de indução da tiletamina/zolazepam varia, sendo praticamente instatâneo (30- 60 s), quando se utiliza a via IV, e ao redor de 5 minutos para injeção IM. A ação dura aproximadamente 45 min. Outra vantagem deste tipo de agente é que o animal pode ser intubado e a manutenção pode ser feita por via inalatória utilizando-se halotano ou isofluorano (SPINOSA; GÒRNIAK; BERNARDI, 1999). Pequeno número de casos de rigidez muscular ou espasmos clônicos/tônicos foram registrados, os quais podem ser abolidos mediante aplicação de diazepam; entretanto, este fármaco aprofundará os efeitos e prolongará a recuperação da anestesia. Os efeitos da quetamina em quelônios podem ser antagonizados com 4-aminopiridina e revertido pelo emprego de solução fisiológica associada a pequeno volume de furosemida (SPINOSA; GÒRNIAK; BERNARDI, 1999). Em associações, a quetamina diluída preferencialmente na concentração de 50 mg/ml é usualmente administrada por via intramuscular, na dosagem de 40 a 80 mg/kg (GOULART, 2004). A quetamina pode ser utilizada na dose de 25-30 mg/kg IM , e após 60 minutos pode- se utilizar 7 mg/Kg de propofol IV. Outras associações envolvendo a quetamina podem ser utilizadas seguramente em répteis como : 60-80 mg/kg de quetamina conjuntamente a 2 mg/kg de midazolam pela via IM, ou 10-30 mg/kg de quetamina associada a 1,5 mg/kg de butorfanol pela via IM, podendo utilizar também 60-80 mg/kg de quetamina mais 0,2-1,0 mg/kg de diazepam pela via IM (CARPENTER, 2001). A tiletamina/zolazepam tem efeito similar à quetamina/diazepam, levando ao relaxamento mais acentuado e de melhor qualidade do que a quetamina isoladamente. A dose em geral varia de 10-30 mg/kg, na dependência do caso, e doses menores são úteis se administradas pela via intravenosa. A recuperação ocorre após uma hora para a via IM e de aproximadamente 40 minutos após aplicação IV (SPINOSA; GÒRNIAK; BERNARDI, 1999). Como contra-indicação aponta-se o alto custo para ambos os agentes e, em virtude de serem detoxificados no fígado e eliminados pelos rins, não devem ser empregados em pacientes com problemas renais ou hepáticos (SPINOSA; GÒRNIAK; BERNARDI, 1999). Os benzodiazepínicos mais usualmente empregados em répteis são o zolazepam e o diazepam, sendo este, não-solúvel em água e que é dissolvido em propilenoglicol tem sua absorção por via intramuscular de forma dolorosa. O propilenoglicol é um potente depressor cardiopulmonar, a administração intravenosa rápida pode provocar hipotensão, bradicardia e apnéia. Portanto, quando aplicado por via intravenosa, o diazepam deve ser administrado lentamente (GOULART, 2004). O flumazenil sendo antagonista dos benzodiazepínicos pode ser usado na dose de 1 mg/kg para reverter os efeitos do zolazepam, do midazolam e do diazepam (CARPENTER, 2001). Os alfa-2 agonistas não são usados com freqüência em répteis, pois podem produzir desde moderada alteração da consciência até profunda sedação. São utilizados na dose de 0,10 a 1,25 mg/kg e o tempo de recuperação varia de menos de uma hora a mais de 12 horas, podendo ser antagonizados pelo uso da ioimbina (GOULART, 2004). O doxapram é um estimulante respiratório capaz de reduzir o tempo de recuperação após a administração de fármacos, geralmente halogenados, que diminuam a frequência e amplitude respiratória em quelônios, se usado na dose de 4-12 mg/kg pela via IM ou IV (CARPENTER, 2001). Alguns autores chegam a afirmar que o propofol é o melhor agente anestésico em répteis, para a administração intravenosa. Pesquisadores sugerem doses de 5 a 10 mg/kg para as demais ordens de répteis (THURMON et al.,1999) BELETTINI (2004) testou duas vias de administração de 20 mg/kg de propofol. A via intramuscular (Grupo 1 n=8) e a via intracelomática (Grupo 2 n=8). Nos animais do Grupo 1 o protocolo empregado mostrou-se eficiente para a produção de miorrelaxamento, porém a analgesia e qualidade de contenção foram ruins. No Grupo 2 o miorrelaxamento foi bom para todos os animais , alcançando excelente analgesia e contenção em 50% deles. Os halogenados também podem ser utilizados na anestesia em quelônios. Para usá-los é necessário equipamento apropriado; saliente-se ainda que o sistema aberto é geralmente ineficiente, não permitindo perfeito controle da liberação dos gases. O halotano quando utilizado sem nenhuma medicação pré-anestésica pode não produzir um miorrelaxamento adequado e provocar de forma mais acentuada do que o isofluorano a bradicardia e a bradipnéia. O isofluorano é o agente anestésico volátil de eleição para os répteis (GOULART, 2004). A recuperação em casos de emergência é feita por meio da respiração artificial, que tem maior sucesso quando a sonda (geralmente uretral) está inserida na traquéia, e podendo exercer pressão positiva. Para os quelônios, movimentos de contração e extensão dos membros anteriores, possibilitam e o auxíliam a expansão e contração dos pulmões (GOULART, 2004). Nos quelônios podem ser empregadas várias técnicas anestésicas, sendo os dissociativos, fármacos de eleição nesta espécie, pelo fato de poderem ser administrados facilmente pela via intramuscular (GOULART, 2004). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARTHUR, PG, FRANKLIN CE, COUSINS KL, THORARENSEN H, HOCHACHKA PW, FARRELL AP. Energy turnover in the normoxic and anoxic turtle heart. Comp Biochem Physiol 117A: 121-126, 1997 BELETTINI, S.T; VILANI, R.G.D’O.C; LUGARINI,C.; LEMOS, J.L. Uso do propofol intamuscular e intracelomático em tigres d’ água (Trachemys scripta). Brazilian Journal of veterinary research and animal science. v.41: p.20-21. 2004.m CARPENTER, J.W. Exotic Animal Formulary. 3 a ed. Manhattan: Elsevier Saunders, 2001. p.73-83. CARREGARO,A.B; CHERUBINI, A.L.; CRUZ, M.L.; LUNNA, S.P.L. A influência da temperatura em cascavéis (Crotalus durissus terrificus) anestesiadas com quetamina. Ciência animal brasileira, v.1 : p 225. 2000. COMEAU, S.G, HICKS J.W. Regulation of central vascular blood flow in the turtle. Am J Physiol Regulatory Integrative Comp Physiol 267: R569-R578, 1994 CROSSLEY, D, ALTIMIRAS J, WANG, T. Hypoxia elicits an increase in pulmonary vasculature resistance in anesthetized turtles (Trachemys scripta). J Exp Biol 201: 3367-3375, 1998 CUBAS, Z.S. Terapêutica dos Animais Silvestres. In : ANDRADE, S.F. Manual de Terapêutica Veterinária. 2ª ed São Paulo: Roca , 2002. p 569-589 FARRELL A., C. F, P. ARTHUR, H. THORARENSEN. COUSINS KL : Mechanical performance of an in situ perfused heart from the turtle chrysemys scripta during normoxia and anoxia at 5C and 15 C. Journal of Experimental Biology, Vol 191, 207-229.1994 GALLI, G. TAYLOR, E. W WANG, T. The cardiovascular responses of the freshwater turtle Trachemys scripta to warming and cooling. J. Exp. Biol., April 1, 2004; 207(9): 1471 - 1478. GILLESPIE, D. Répteis. In :BICHARD, S.J.; SHERDING, R.G. Manual Saunders: clínica de pequenos animais. 2 a ed. São Paulo: Roca, 2003. p 1553-1576. GOULART, C.E.S. Herpetologia, Herpetocultura e Medicina de Répteis. Rio de Janeiro: L.F Livros de Veterinária, 2004.330p. SPINOSA, H.S; GÓRNIAK, S.L; BERNARDI, M.M. Farmacologia Aplicada à Medicina Veterinária. 2ª ed. Rio da Janeiro: Guanabara Koogan, 1999. 176-179. THURMON,J.C.; TRANQUILLI, W.J.; BENSON, G.J. Essentials of small animal anesthesia & analgesia. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins, 1999. 580p.
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