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fichamento Comuna de Paris David Maciel

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HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA
Professor David Maciel
Bianca Cristina Barreto Casanova
Fichamento
Comuna de Paris e emancipação dos trabalhadores
David Maciel
Introdução: A Comuna de Paris e as revoluções do século XIX
 “A experiência da Comuna de Paris é o ápice de um processo revolucionário que se inicia com a queda do Segundo Império, em 4 de setembro de 1870, e se encerra com a derrota dos communards e a ocupação de Paris pelas tropas do governo provisório, em 28 de maio de 1871. Uma revolução que inicialmente apresenta um caráter exclusivamente político, fundada apenas na perspectiva de mudança no regime político do Estado burguês, e evolui para uma revolução social, que não só quebra este mesmo Estado burguês, como subverte o conteúdo de classe do poder político e inaugura um processo de emancipação social dos trabalhadores, interrompido prematuramente pela violência contrarevolucionária das classes dominantes francesas, com o apoio tácito das tropas prussianas e do novo governo alemão” (p. 125).
 “Nas revoluções de 1848- 1849, a criação da república burguesa democrática, baseada no sufrágio universal, era a principal reivindicação da forças mais consequentemente revolucionárias, ligadas à pequena burguesia e ao proletariado nascente, propugnando a abolição das monarquias absolutistas e semiabsolutistas ainda vigentes na maioria dos países da Europa e a superação da forma monárquica constitucional do Estado burguês, como havia, por exemplo, na França O programa da Liga dos Comunistas na revolução alemã de 1848- 1849 é um exemplo da perspectiva política dos setores mais avançados da revolução” (p. 126).
 “A derrota da revolução de 1849 deu origem a processos de consolidação de Estado burguês em diversos países, como exemplificam a instalação do bonapartismo na França ou os processos de ‘revolução pelo alto’, conforme conceituação de Engels, que favoreceram a transição para o Estado burguês com base numa aliança entre aristocracia e burguesia e na preservação atualizada de inúmeros elementos políticos e jurídicos da ordem absolutista, como exemplificaram os casos da Alemanha e da Itália” (p. 127).
 “Já na Comuna de Paris, quase um quarto de século depois, não só foi ultrapassada a perspectiva democrático- republicana que animou a revolução de 4 de setembro, devidamente usurpada pelo governo provisório, mas o próprio Estado burguês foi superado em sua essência, juntamente com o modo como o aparelho estatal havia historicamente se constituído, como um instrumento político da minoria colocado acima de toda a sociedade, mas governando em seu nome” (p. 127).
 “(...) O sufrágio universal assumiu um novo conteúdo político, bastante diferente do que tinha até então e do que teria posteriormente: não mais um instrumento de legitimação política das classes dominantes, condicionado pelo poder político e econômico, mas como um instrumento de participação e controle direto dos governantes pelos governados, particularmente pelos trabalhadores” (p. 127- 128).
Da queda do Segundo Império á Comuna de Paris
 “O processo revolucionário que culminou na Comuna de Paris pode ser dividido em três fases: da queda do Segundo Império e formação do governo provisório, em 4 de setembro de 1870, à vitória das forças conservadoras nas eleições para a Assembleia Nacional em 8 de fevereiro de 1871; das eleições para a Assembleia á instalação da Comuna, em 18 de março de 1871; e desta data até a ocupação final da cidade pelas tropas governistas em 28 de maio de 1871” (p. 128).
 “Com forte apoio estatal, a industrialização francesa se desenvolveu rapidamente, permitindo o surgimento de grandes indústrias, principalmente no setor de bens de capital, fortalecendo os grandes bancos, o comércio, a produção agrícola e o crescimento econômico em geral. Apesar do pequeno número das grandes fábricas, quando comparado ao universo muito maior das pequenas fábricas e oficinas artesanais, seu peso econômico era significativamente superior. Durante o Segundo Império, a população urbana ultrapassa numericamente a população rural, mostrando o impacto social da industrialização e do avanço do capitalismo” (p. 129).
 “Paralelamente, a enorme massa de pequenos comerciantes, pequenos industriais e artesãos padecia com o avanço do grande capital e seu séquito de iniquidades, como a concentração econômica, o monopólio e a hipoteca, tendo a proletarização como uma possibilidade concreta e, uma vez consumada, irremediável. Portanto, apesar do moderno operariado fabril ainda ser numericamente minoritário na Paris de 1871, a condição social marcada pela pobreza, pela instabilidade econômica e pela opressão capitalização da cidade, o que conferirá à revolução da Comuna de Paris um conteúdo social historicamente novo quando comparado com as revoluções anteriores na França e na Europa” (p. 129- 130).
 “A monopolização operária e popular se expressou na forma do desencadeamento de um forte movimento grevista, que ultrapassou na prática a repressão governamental e as limitações legais à sua ação; na criação de centenas de cooperativas de produção ou consumo, dezenas de câmaras sindicais (sindicatos) e sociedades de poupança e empréstimo, inúmeros clubes, bibliotecas e centros de cultura e educação, além do compromisso com a sociedade igualitária e a revolução social” (p. 130).
 “Politicamente a oposição ao bonapartirismo era formada pelos republicanos ‘ da ordem’, setores moderados que propugnavam uma posição parlamentar e eram identificados com a burguesia industrial; pelos neojacobinos, defensores da insurreição e da democracia republicana ligados à pequena burguesia, e pelos socialistas, em geral vinculados ao proletariado. Estes eram divididos em ‘esquerda parlamentar’, de tendência moderada e com relativa inserção nos setores radicalizados da pequena burguesia; blanquistas e internacionalistas, estes vinculados à AIT e compostos em sua grande maioria por proudhonistas, mas também por anarquistas e pelos minoritários ‘ homens de Marx’, mais próximos das posições do Conselho Geral” (p. 131).
 “Diante dessa situação de crise, o governo de Luís Napoleão desencadeou um processo de reformas políticas com o intuito de esvaziar a oposição e angariar o apoio popular. Para enfraquecer a hostilidade da Igreja Católica e reduzir sua influência social, o governo ampliou a educação pública e rechaçou a interferência do Papa na igreja francesa. Para enfrentar os clamores republicanos de parte da burguesia industrial, ampliou os poderes do corpo legislativo, que passou a deter iniciativa legislativa e a ter o direito de avaliação do orçamento governamental. Apesar de não abolir o sistema de repressão política, em relação ao movimento operário, o governo revogou a legislação que proibia as associações operárias e passou a reconhecer o direito de greve, além de abrandar a proibição de reuniões políticas e a censura à imprensa e de permitir o surgimento de uma seção francesa da AIT” (p. 132).
 “Em nome da honra nacional, pretensamente ferida pelo governo da Prússia, Luís Napoleão declara guerra em 19 de julho de 1870 com a intenção de unificar o país em torno do governo e assim superar a crise política, além de ampliar seus territórios. Não à toa, desencadeou violenta repressão sobre os membros da AIT, que se opôs à guerra e a denunciou como uma guerra dinástica e com pretensões meramente anexacionistas de parte a parte, conclamando os trabalhadores franceses e prussianos a resistirem a ela” (p. 132- 133).
 “A revolução política de 4 de setembro foi feita pelas camadas populares de Paris, pequena burguesia e proletariado, e pela Guarda Nacional, que proclamou a república e impediu a formação de um novo governo pela imperatriz ou a criação de uma monarquia parlamentar (...) Sua perspectiva política não ia além de uma recomposição das forças políticas dominantes no governo e de um armistíciocom os prussianos, no intuito de esvaziar a radicalização popular e evitar que a queda do Segundo Império significasse mais do que uma simples mudança de governo” (p. 133).
 “Imediatamente, a proclamação de uma guerra revolucionária contra os prussianos e a instalação da Comuna são reivindicadas pelas classes populares, por meio de representantes dos distritos parisienses, que formam por essa época o Comitê Central dos Distritos de Paris, e de batalhões da Guarda Nacional. Após a capitulação do exército francês, em 29 de outubro, novamente a Comuna é reivindicada, chegando a ocorrer a primeira tentativa insurreacional neste sentido e a primeira escaramuça entre os batalhões da Guarda Nacional e as tropas do governo” (p. 134)
 “Assim como a Guarda Nacional, formada pelos cidadãos e baseada no serviço militar voluntário, a propositura do regime comunal se baseava na experiência histórica da Revolução Francesa, quando, entre 1792 e 1793, a Comuna de Paris foi decisiva para salvar a revolução e o governo da Convenção diante da queda da monarquia e da invasão desencadeada pelos exércitos das potências absolutistas estrangeiras coligadas. Mais uma vez, o imperativo da defesa nacional parecia justificar a necessidade de instalação da Comuna, porém nas circunstâncias de 1871 essa propositura assumia um caráter totalmente diferente, pois muito além da república, do sufrágio universal e da democracia burguesa, superava a própria organização do Estado burguês” (p. 134). 
Comuna de Paris: revolução social e emancipação dos trabalhadores
 “As sucessivas tentativas de captura do armamento da Guarda Nacional pelas tropas de Thiers, desdobradas entre 8 e 18 de março, aceleram o processo de ruptura entre o governo e a população de Paris. No período desses dez dias, o governo e a Assembleia Nacional são transferidos para Versalhes, declarada a nova capital da França; a Assembleia Nacional suspende o soldo da Guarda Nacional, visando desestimular a adesão popular a ela, além de anular a moratória dos aluguéis e dívidas atrasados para atingir e desmoralizar a população mais pobre e atrair o apoio dos proprietários na cidade” (p. 137).
 “Mesmo tendo sido gerada por uma situação de emergência militar- defesa da cidade e continuidade da guerra contra os prussianos -, a proclamação da Comuna não foi politicamente usurpada pela Guarda Nacional, pois esta convocou eleições para a formação do Conselho da Comuna. Essa decisão é repleta de significados e expressa um elemento crucial da novidade histórica representada pela Comuna na história das revoluções do século XIX” (p. 137).
 “Nesse ponto, é importante abrir um parêntese para analisar a própria configuração da Guarda Nacional durante a revolução de 1870 – 1871 e para mostrar que, sob as bandeiras, os lemas, as palavras de ordem e os símbolos do passado, as instituições revolucionárias adquiriram novo conteúdo e nova forma ao longo do processo. Com os olhos, em certa medida, voltados para o passado, a Comuna de Paris fez a revolução do presente e do futuro” (p. 138).
 “O compromisso com a defesa da cidade, mas também o desemprego e a relativa desagregação econômica motivados pelas dificuldades de abastecimento, pela destruição material e pelo próprio fechamento de inúmeros empreendimentos tornaram a inscrição na Guarda Nacional uma alternativa de sobrevivência, além, é claro, de uma clara afirmação do compromisso político e ideológico com a revolução. Não é por acaso que uma das primeiras medidas da Comuna foi a manutenção do soldo da Guarda Nacional e a restauração da moratória das dívidas e aluguéis” (p. 139).
 “(...) A autonomia relativa da representação burocrática diante da representação política é permanente e se baseia no burocratismo, mesmo com a vigência de uma democracia representativa ampliada. Na Comuna, ao contrário, além de significativamente reduzida, pois o exército permanente e a polícia foram extintos e os juízes passaram a ser eleitos, a representação burocrática perdeu sua autonomia diante de representação política, submetendo-se diretamente a esta por meio do sufrágio universal e do controle popular. A representação política, por sua vez, adquiriu novo conteúdo, pois a elegibilidade, a revogabilidade e a imperatividade dos mandatos, mediadas pelo sufrágio universal, reduziram enormemente a relativa autonomia também desfrutada pelos representantes eleitos frente à vontade popular, o que, na prática, significou o fortalecimento político dos trabalhadores, particularmente do proletariado parisiense, invertendo o caráter de classe do próprio Estado” (p. 140- 141).
 “Essa forma política revolucionária, alavanca para a emancipação econômica dos trabalhadores, conforme os termos de Marx, não existiu sem contradições, ditadas tanto pela dinâmica da guerra civil entra em seu momento decisivo e as dificuldades da Comuna se acentuam rapidamente, essas mesmas contradições se intensificam, revelando os distintos tempos, formas e caminhos da revolução na sociedade francesa” (p. 142).
 “Para o novo governo alemão, o sufocamento da revolução também era uma necessidade estratégica, tornada mais urgente ainda após o revés eleitoral do governo republicano. Em troca do governo, Thiers aceita pagar pesadas indenizações e entregar os territórios da Alsácia e da Lorena à Alemanha” (p. 143).
 “Diante da nova situação, o governo de Thiers intensifica a ofensiva sobre Paris, tomando a iniciativa do ataque e passando a ditar os rumos da guerra civil. O aumento das dificuldades e os sucessivos reveses o plano militar intensificam as divergências no campo revolucionário, acirrando a disputa política e contribuindo ainda mais para dificultar uma reação coordenada e eficaz” (p. 143).
 “O conflito de autoridade entre o Conselho da Comuna, o Comitê Central da Guarda Nacional e o Comitê de Salvação Pública foi decisivo para impedir uma resposta militar articulada e vigorosa à ofensiva final do governo de Versalhes, prevalecendo o espontaneísmo, o improviso e a dispersão dos esforços. Nos últimos dias, a defesa era realizada diretamente pela população dos bairros, com o apoio dos soldados da Guarda Nacional, porém numa iniciativa incapaz de deter as tropas de Thiers, apesar das infinitas demonstrações de heroísmo, bravura e convicção nos ideais revolucionários da Comuna” (p. 144- 145).
 “Se, enquanto forma política encontrada para a emancipação econômica dos trabalhadores, a Comuna é o fruto, principalmente, da perspectiva revolucionária dos internacionalistas, apesar da importante influência blanquista; ela também é o resultado da própria dinâmica da revolução e da guerra civil, combinando dialeticamente projeto e processo. Isto porque, numa situação em que as organizações de trabalhadores já vinham desenvolvendo formas participativas e coletivistas importantes, o poder político da Comuna só poderia mobilizar a população parisiense, principalmente o proletariado, se este se fundasse na democracia direta e no antiburocratismo” (p. 145).
 “De fato, ao mesmo tempo em que revelou a ineficácia histórica das perspectivas e métodos revolucionários do passado na época das perspectivas e métodos revolucionários do passado na época do conflito aberto entre capital e trabalho, a experiência da Comuna anunciou claramente que, sem a quebra da maquinaria estatal burguesa pelos próprios trabalhadores, sua emancipação social é uma quimera cuja tentativa de implantação pode redundar na fundação de uma nova dominação de classe e de um novo Estado. Nessa perspectiva, mais do que um caso único na história das revoluções do século XIX, a Comuna de Paris deve servir de referência e exemplo histórico para as revoluções do século XXI” (p. 146).

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