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O Positivismo e a Religião da Humanidade: Aspectos da política do Estado do Rio Grande do Sul no início do século XX Dionathan Dias Kirst1 Resumo: O Partido Republicano Rio-Grandense será protagonista na política do Estado gaúcho, permanecendo no poder por mais de trinta anos, tendo como principal corrente filosófica para execução de suas políticas o positivismo. Analisar o Partido sem mencionar o positivismo é difícil, contudo essa corrente filosófica se manifesta em diversas áreas do conhecimento, havendo até uma religião positivista, a Religião da Humanidade. O objetivo do artigo é analisar como era a relação entre a Religião positiva e as políticas do Estado, evidenciando as estratégias que o Partido usa para se manter no poder e como a Religião da Humanidade contribui nesse aspecto. Palavras-chave: Partido Republicano Rio-Grandense, positivismo, religião, política, estratégias. _______________________________________________________________ O presente artigo é uma tentativa de aproximação entre os estudos e conceitos trabalhos na área de História das Religiões e Religiosidades e o positivismo rio-grandense durante a Primeira República. Tentaremos analisar o positivismo de uma forma ampla, dando uma ênfase a seus fatores que se aproximam de aspectos religiosos e que influencias tiveram para a divulgação e continuação da ideologia como principal doutrina da elite política do Estado do Rio Grande do Sul. Seria esse positivismo uma doutrina religiosa? Ou usaria dos aspectos religiosos para sustentar sua aceitação e sua manutenção no poder? O Partido Republicano Rio-Grandense: um campo de estratégias O Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), foi fundado em 23 de fevereiro de 1882, com motivações republicanas, era uma alternativa à política do Partido Liberal e ao sistema partidário vigente elitizado. Sendo que seus líderes e fundadores não eram as 1 Mestrando em História pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos. elites econômicas do Estado, dentre eles: Júlio de Castilhos2, Pinheiro Machado3, Ramiro Barcellos4 e Assis Brasil5. No ano de 1881 com a volta dos estudantes reunidos no Clube Vinte de Setembro na Faculdade de Direito de São Paulo (dentre os fundadores do Partido o único que não estudou em São Paulo foi Ramiro Barcellos), é que o positivismo 6 ganha corpo ideologicamente no Estado. Mas somente com a constituição do PRR é que o comtismo prosperará politicamente, sendo bem presente já nas documentações do Partido em 1883, sendo ele uma alternativa cientifica para contestação do regime imperial. O programa partidário de 1884 tem nítidas influências das ideias de Augusto Comte, sendo as propostas fundadas quase que exclusivamente no Comtismo. Os primeiros traços característicos do positivismo ocorrem com a aprovação da Constituição de 15 de julho de 18917, onde o comtismo passa a ser institucionalizado. “Comtismo reformulado por Castilhos para fazer frente às necessidades imediatas e aos projetos de longo prazo do setor da elite representado pelo PRR, mas mesmo assim nitidamente comtismo. E o que é importante, sem violência para a tradição doutrinária do Partido Republicano” (BOEIRA, 1980, p. 39). Dentre os itens da Constituição estão a centralização dos poderes na figura do presidente do Estado, o controle total do executivo e o comando direto da Brigada Militar. 2 Júlio Prates de Castilhos, nascido em 1860, na cidade de Cruz Alta, foi presidente do Estado do Rio Grande do Sul duas vezes e principal autor da Constituição Estadual de 1891. Formou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, foi diretor do Jornal “A Federação” de 1884 a 1889. É tido como um grande disseminador do positivismo, vindo a falecer em 1903. (SOARES, 1998, p. 132) 3 José Gomes Pinheiro Machado, nascido em 1851, em Cruz Alta, foi um político brasileiro na Primeira República, conhecido como ‘o condestável da república’, formado em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo, era um republicano convicto, sendo eleito senador da república em 1890, possuindo grande influência na Câmara do Senado até sua morte em 1915. 4 Ramiro Fortes Barcellos, nascido em 1851, em Cachoeira do Sul, cursou medicina na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, foi deputado provincial e senador da República, sendo ele primo de Borges de Medeiros, faleceu em 1916. 5 Joaquim Francisco de Assis Brasil, nascido em 1857, em São Gabriel, republicano. Formou-se em Direito pela Faculdade de Direito de São Paulo, foi deputado provincial (1884-1886 e 1886-1888), foi também diplomata, faleceu em 1938. 6 O positivismo é uma corrente filosófica surgida na França tendo como principais teóricos Augusto Comte e John Stuart Mill, sendo que essa corrente será disseminada em várias correntes (Direito positivo, política positivista, teologia positivista etc.). No positivismo há uma defesa do conhecimento cientifico como única forma de conhecimento verdadeiro, através de métodos científicos válidos, buscando melhorias para a sociedade, mas essas melhorias ocorrem de forma ordeira. O lema dos positivistas é “Amor como princípio e ordem como base; o progresso como meta”. 7 Segundo Oliveira: “Uma peculiaridade da história do Rio Grande do Sul está em sua Constituição escrita por Júlio de Castilhos que permitia a reeleição sem limites para os cargos executivos. Era uma adaptação da tese da ‘ditadura esclarecida’ de Augusto Comte. Borges de Medeiros, discípulo e sucessor do ‘Patriarca’ do PRR”. (2007, p. 64) O Partido assume o controle político do Rio Grande do Sul, com o propósito de aumentar a participação política, incluindo não somente os pecuaristas, mas também as classes médias e urbanas e os donos de indústria. O positivismo se insere como uma alterativa que previa uma organização social aceita pela elite, incorporando o proletário a sociedade moderna. O Estado teria a incumbência de estabelecer uma ordem social positiva e organizada, dando condições de vida mais salubre a população, porém sem alterar a hierarquia social vigente, nas palavras de Borges de Medeiros “conservar melhorando”. Essa política de inclusão e de tratamento da questão social não como um caso de polícia8, vem a acontecer no Estado no final do século XIX e início do século XX, onde ocorre com a modernidade acaba por mudar a cidade, sendo necessária uma renovação técnica, modificando a moral higiene das cidades, tudo isso fruto das transformações capitalistas a nível mundial “e pela emergência de uma ordem e de um poder disciplinador e racionalizador burguês” (PESAVENTO, 2007, p. 165). A modernização da cidade se fazia necessária, porém, tal fato deveria acontecer sem alterar a ordem social vigente e o positivismo do PRR era perfeito para ser o instrumento de modernização do estado e principalmente da capital gaúcha. A modernização como vimos era necessário para um Estado em desenvolvimento, e tratar a questão social de uma forma diferente “incorporando o proletariado a sociedade moderna”, foi uma das mais notáveis políticas do PRR. Muito dessa avaliação da questão social se deve a necessidade de modernização organização industrial necessária a economia do Estado e da visão positiva que o ato de trabalhar tomava com o início da República. Era necessário se manter a ordem e o ambiente fabril conforme defende Aravanis (2010) com a inserção de indústrias de maior porte, era necessário uma maior disciplina e fiscalização do trabalho, para que a produção se tornasse lucrativa “uma das formas de controle se dava através da adoção, no espaço fabril, de uma fiscalização,[...] situação em que um pequeno grupo de indivíduos, os mestres e contramestres – os ‘olheiros’ do capital – tinham a tarefa de vigiar e de eliminar, fazendo uso de regulamentos punitivos e das máquinas” (ARAVANIS, 2010, p. 153), além disso, tal fato, tinha a intenção de disciplinar os empregados, disciplinando o tempo e o corpo dos empregados em prol da 8 Frase proferida pelo ex-presidente brasileiro Washington Luís, que expressa a atitude do governo diante de movimentos sociais que pediam condições melhores de vida para a população em geral. produção. Eis que os ideais de ordem e lucro das elites que compunham o Partido convergem no que tange o movimento operário. Contudo, a teoria positiva é ajustada9 e como já mostramos Júlio de Castilhos formula um positivismo que se adapte aos ideais do PRR, conforme Escobar “[Julio de Castilhos] só aceitava do comtismo o que lhe convinha” (1922, p. 79). E a ideia de Comte de que o Estado não deveria interferir nas relações de trabalho se mostra falha, Oliveira (2007) e Queirós (2012) mostram que o Estado em determinados momentos interferia nas relações de trabalho entre patrão e trabalhador em uma tentativa de equilibrar a relação entre esses dois polos tão opostos. Isso se mostra nítido na greve geral de 1917, afinal nessa paralisação o governo dá um parecer favorável aos grevistas, com o intuito de “incorporar o proletariado” a sociedade moderna. Em suma Combina-se a teoria comtiana da ‘incorporação do proletariado à sociedade moderna’ com uma concepção negativa de ‘massa’, pois a primeira já não dá conta da ‘ameaça’ que a classe operária passa a representar para as elites políticas e econômicas do Rio Grande” (BOEIRA, 1980, p. 37) Tomando como iniciativas a proibição de exportação de artigos de primeira necessidade, barateando assim o seu custo, regulando os preços e a comercialização no mercado público e em feiras livres. Não podemos esquecer que o mundo estava em guerra e as exportações de alimentos, sem um limite para o exterior, estavam aumentando os preços desses produtos no mercado interno. O governo também aumenta o salário dos funcionários públicos, forçando assim os patrões a aumentarem os salários de seus operários, como ajuda foram mandados soldados da Brigada Militar os estabelecimentos comerciais para convencer pessoalmente os patrões a dar o aumento. Porém nas greves gerais posteriores de 1918 e 1919 o governo não considerará as assertivas operárias justas e combaterá com violência as paralisações e os operários grevistas. A ordem estabelecida e enaltecida pelo positivismo é alterada quando uma greve ocorre e para combater esses “devaneios anarquistas”, promulgando que o Rio 9 Nelson Boeira (1980) ressalta que sistemas de ideias não guardam pormenores de uma sociedade e de seu cotidiano por isso mesmo, com o positivismo isso não foi diferente “de fato, nesse caso é correto falar não de um, mas de vários positivismos com conteúdos e funções diversas, periodizações e longevidades variáveis, públicos e áreas de atuação diferentes” (p. 34). Como vemos as teorias se adaptam e o mentor de tal adaptação foi Júlio de Castilhos. Grande do Sul era um estado onde imperava a “Harmonia Social”. Imprensa diária10 e os documentos oficiais tratavam a ação do Estado, podemos ver constantemente a defesa de uma sociedade harmônica, sendo assim não haveria necessidade de se fazer greve, isso se justificava devido ao fato de o Estado ser um dos mais desenvolvidos do país, o Estado se via como um legislador de todos, ou seja, a sua justiça, injustificava as greves. Posto mesmo que de maneira concisa falamos do funcionamento e principais concepções que o Partido Republicano Rio-Grandense possuía e instrumentalizava, falaremos um pouco de seus principais líderes: Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros11. Os consideramos os principais líderes pois, estiver a frente do Partido por praticamente trinta anos. O PRR estará no comando do Estado initerruptamente de 1892 a 1930, sendo um objeto de estudos interessante afinal manter durante esses 38 anos o Partido muda e se molda ao contexto onde está inserido e isso não é diferente do positivismo. Castilhos é um dos fundadores do Partido Republicano Rio-Grandense, sendo líder do mesmo, até 1903, ano de sua morte. Além disso, foi diretor do Jornal “A Federação” entre os anos de 1884 a 1889, principal fonte midiática das ideias positivistas e dos propósitos que o PRR possuía para o Rio Grande do Sul, esse periódico vai ser a uma das principais fontes de informação do Estado até a década de 1930. Exerceu o cargo de presidente do Estado durante o período de 15 de julho de 1891 a 11 de novembro de 1891 e também de 25 de janeiro de 1893 a 24 de janeiro de 1898. Além disso como já comentado foi membro da Assembleia Constituinte do Estado em 1891, sendo que redigiu a Constituição praticamente sozinho, incorporando os ideais positivistas e as demandas principais do PRR. Borges de Medeiros será o sucessor de Castilhos, sendo ele indicado pelo líder do Partido, tanto na liderança do Partido, quanto na presidência do Estado. Seus mandatos como presidente acontecem em dois momentos de 25 de janeiro de 1898 a 25 de janeiro de 1908, substituído por Carlos Barbosa de 1908 a 1913, e retorna ao poder de 25 de janeiro de 1913 a 25 de janeiro de 1928. Porém a sucessão do Partido e do cargo de presidente, poderia colocar sob ameaça 10 O PRR possuía um jornal intitulado “A Federação”, era considerado o órgão de comunicação do Partido Republica Rio-Grandense, sua circulação ocorreu entre os anos de 1893 a 1937, sendo ele o condensador do pensamento do Partido e uma ótima fonte de estudos dos ideais positivistas no Rio Grande do Sul na Primeira República. 11 Antônio Augusto Borges de Medeiros, nasceu em Caçapava do Sul, em 1863, bacharelando-se em Direito na Faculdade de Direito do Recife em 1887. Sendo concedido por Júlio de Castilhos a ele a liderança do PRR. É considerado o executor do positivismo, faleceu no ano de 1962. (DIAS, 2003) a Constituição de 1891 “sob ameaça de alteração parcial ou mesmo de substituição total, os positivistas religiosos começaram a se mobilizar” (PEZAT, 2007, p. 55), na segunda parte falaremos mais da contribuição dos positivistas do Estado na continuidade e propagação da ideologia positiva aqui no Sul do Brasil. Esse cisma se torna um conflito, com mais intensidade após 1903. O conflito não é direto, mas “com gestos, palavras e monumentos” (PEZAT, 2007, p. 55). Os republicanos passam a atacar os líderes políticos, com acusações de traição a herança de Castilhos, com isso “pouco a pouco ocorre a substituição de Augusto Comte por Júlio de Castilhos como grande formulador teórico do republicanismo” (PEZAT, 2007, p. 60). Podemos perceber que a ideologia positivista era tão presente na política gaúcha que a oposição ao partido usa do aparente enfraquecimento da oposição para questionar a coerência das atitudes que posteriormente iriam ser tomadas pelo Partido. Boeira (1980) classifica o período de 1903 a 1915 como o período de difusão do positivismo, na versão castilhista é claro. Mesmo que a partir desse período a doutrina já sofresse diversas críticas ela se manifesta em maior poder no estado, afinal se cria “uma tradição doutrinária assentada no legado de Castilhos” (BOEIRA, 1980, p. 40), sendo possível seu prolongamento pois, se substitui Comte por Castilhos. Essa substituição da origem ao castilhismo conforme Freitas (1999), essa era uma correntepolítica derivada do positivismo que apostava na modernização econômica, com a intenção de manter o PRR no mando do Estado, sendo ela uma distensão do positivismo, que foi adaptado por Castilhos ao longo do tempo em que ele foi membro do Partido adaptando-se as necessidades do Estado em seus diversos estratos sociais. A doutrina positivista nesse período acaba por substituir a figura de Augusto Comte pela a de Júlio de Castilhos, passa-se a elogiar Castilhos e criticar o Comtismo podemos ver que a “a conveniência política serve como melhor índice da absorção ou da recusa do positivismo” (BOEIRA, 1980, p. 41) O “Patriarca” e sua transformação em referência serve também para organizar burocraticamente o partido, é com o castilhismo que se organiza o ingresso e avanço na estrutura partidária e se organiza um quadro partidário permanente, sendo que a fidelidade se dava ao partido e não as lideranças locais. Essas mudanças se adequam ao declínio político das ideias de Comte a nível nacional. Sendo o Castilhismo melhor assimilável e fluído para mudanças sendo assim mais aceitos pelos gaúchos em geral. Porém a partir do terceiro mandato de Borges de Medeiros o positivismo começará a perder forças, surgem dissidências no Partido em nível municipal, o Estado também passa a ter seu papel ampliado enquanto agente regulador da economia, deixando a política estatal já não tão conciliável com os coronelismos locais. A atividade e organização operária O maior protagonismo do movimento operário também reativa a política de “incorporação do movimento operário” a sociedade moderna. Políticas como cooptação de lideranças12 e repressão a atividade sindical se iniciariam. Nessa fase se recua de muitas ideias do comtismo, o Estado passa a aceitar o favorecimento de capital estrangeiro na questão dos frigoríficos, atitude menos intransigente quanto ao endividamento do Estado e o estímulo ao cooperativismo. Em 1927 o castilhismo é cada vez mais deixado de lado devido ao contexto da política nacional “abdicando do ideal comtiano de um estado independente e equidistante dos interesses econômicos privados e setoriais” (BOEIRA, 1980, p. 44). O Positivismo e a Religião da Humanidade Já percebemos que o positivismo teve muita influência na política, mas além disso, ele influenciará várias áreas intelectuais, afinal o (...) comtismo surgiu, historicamente, associado a doutrinas como o darwinismo13, o spencerismo14 e o evolucionismo [...] de uma maneira geral, pode-se dizer que estas correntes de pensamento acreditavam que os problemas do conhecimento poderiam ser resolvidos com o uso do método cientifico” (BOEIRA, 1980, p. 45) Esse caráter cientifico influencia também a História, Filosofia, Educação, Geografia, Literatura, Arquitetura e o Direito nessa última área os positivistas pensam em novos métodos e avaliações “os juristas positivistas brasileiros encontraram endosso para sua intervenção em matérias penais nos postulados de vários europeus como os criminalistas Cesare Lombrose, Enrico Ferri e Gabriel Tarde” (CARNEIRO, 2013, p. 12 Para saber mais sobre a estratégia de cooptação ver: SCHMIDT, Benito Bisso. O Patriarca e o Tribuno: caminhos encruzilhadas, viagens e pontes de dois líderes socialistas – Francisco Xavier da Costa (187?- 1934) e Carlos Cavaco (1878-1961). Campinas: UNICAMP, 2002. (Tese de Doutoramento). 13 O Darwinismo é o conjunto de estudos e teorias de Charles Darwin, conhecida também como evolucionismo, onde o ambiente seleciona os organismos mais adequados para habitar em determinados lugares, o que Darwin conceitua como “Seleção Natural”, explicando assim, a transformação e a perpetuação das espécies ao longo do tempo (DARWIN, 2003) essa teoria vem para posicionar de maneira contrária ao criacionismo, que defende que as criaturas vivas da Terra foram uma criação de Deus. 14 Spencerismo foi uma teoria que defendia a sobrevivência do mais apto, teorizada por Herbert Spencer, esse conjunto de ideias advoga a ideia de que as diferenças sociais seriam um resultado de um processo evolutivo, da competição natural entre os homens. 230), esses novos juristas tentavam aplicar os conhecimentos das ciências biológicas e humanas ao direito, insistindo na diferença dos sujeitos. O modo de avaliação se diversifica tentando assim classificar os criminosos em vários critérios e individualizar as penas conforme o indivíduo “rejeitavam, assim, os princípios do livre-arbítrio e da responsabilidade penal” (CARNEIRO, 2013, p. 230). Havia no positivismo a pretensão de definir todas as causas dos crimes para assim poder eliminá-los, em contraponto ao Direito Clássico que defendia eram as condições socialmente determinadas que conduziam o indivíduo ao comportamento delituoso. Ou seja, para os clássicos a ação criminal estava voltada para a ação e não para o indivíduo, e para os positivistas os indivíduos eram cunhados biológica e socialmente de uma determinada maneira e isso impulsionaria as suas ações, “a escola Positivista, em vez de castigar o crime, como acontecia com os clássicos, procurava prevenir a sociedade dos comportamentos criminosos e reprimir seus autores” (CARNEIRO, 2013, p. 231). Não é nossa intenção descrever todas as áreas de influência do positivismo, mas a partir do exemplo do Direito demonstrar como as concepções do positivismo trazem novas visões e métodos científicos. Mesmo sendo uma teoria cientifica, o positivismo possui um sistema religioso denominado Religião da Humanidade ou Positivismo religioso, que procurava estabelecer bases para uma completa espiritualidade humana, por ter um caráter científico, não há espaço para o sobrenatural, afinal os fenômenos têm uma origem e causa natural. O grande objetivo da Religião da Humanidade é que o homem possa viver esclarecido pela ciência. Se presta homenagem aos grandes homens cujo o talento e pensamento marcaram a humanidade conforme Carvalho (2005) na iconografia positivista, a humanidade é representada por uma criança nos braços de uma figura feminina. A religião positivista foi trazida para o Brasil por Miguel Lemos e Teixeira Mendes, depois de viajarem a Paris em 1877, os dois eram fortemente influenciados pelo positivismo. O ser supremo da religião positivista é a humanidade, sendo ela a convergência de todas as gerações passadas, presentes e futuras, que contribuem para o desenvolvimento humano. A religião possui símbolos, comemorações, dias santos (em homenagem a grandes tipos humanos). Era dever do adepto da Religião da Humanidade ‘viver às claras’, ou seja, a conduta pública dos adeptos deveria ser transparente e exemplo para a manutenção da ordem e propagação da religião. A Religião da Humanidade foi fundada no Brasil por Miguel Lemos em 1881, mesmo que muito difundida em diversos países da Europa e da América é no Brasil que ela recebe o primeiro templo exclusivo. Miguel Lemes assume a direção da Sociedade Positivista e a transforma em Igreja Positivista do Brasil, sua primeira tarefa é excluir que não se enquadrasse nos dogmas, com esse objetivo Benjamin Constant por ser professor de escola militar é excluído, afinal segundo a doutrina de Comte os positivistas não podiam aceitar cargos públicos. A principal tarefa da Igreja era professar os ideais comtianos através da propaganda, por isso há uma intensa atividade de distribuição de panfletos e artigos publicados em jornais, celebrações, desfiles e a construção de monumento. Carvalho (2003) ressalta que mesmo quem não aprovassem as ideias, valores e práticas nacionais do império, apoiaram e publicitaram a propaganda abolicionista, tantoque José Bonifácio era um de seus heróis cívicos. Um fato interessante é que eles não defendiam a tese de que a raça branca era superior a negra. Incitaram a proteção dos indígenas devido ao fato de serem como os negros martirizados em nossa sociedade. Eram republicanos e defendiam que a república era um “regime próprio da fase positiva da humanidade” (CARVALHO, 2003). A Igreja Positivista auxilia também na construção de heróis nacionais e na justificação do regime republicano promovendo e construindo a imagem de heróis nacionais como Tiradentes, construíram monumentos no Rio de Janeiro estátuas de Benjamin Constant e a figura de Júlio de Castilhos em Porto Alegre. Não podemos deixar de citar o desenho da bandeira nacional por Décio Vilares, introduzindo na sua divisa o lema de forma resumida do positivismo “Ordem e Progresso”. Podemos ver que as campanhas da Igreja da Humanidade não tinham nada de insanas, mesmo que na época suas ideias fossem opostas a da ordem vigente. Eles influenciaram o debate público, em questões de caráter geral da sociedade, dissertando sobre política, questão social, revoltas. Além do Rio de Janeiro, Porto Alegre também ganhou uma Igreja da Humanidade, a construção do templo se iniciou em 1912 e acabou em 1928, sendo que essa construção ainda existe na capital, sendo chamada de Templo Positivista de Porto Alegre, mas as primeiras associações que ligadas ao Apostolado do Rio de Janeiro são do ano de 1891, esses membros apresentaram na constituinte do estado sugestões para os seus membros. Além de Porto Alegre haverá núcleos religiosos positivistas em Pelotas, Rio Grande, São Borja e Bagé, todas cidades que possuíam uma elite pecuarista e uma capacidade econômica vultuosa na época. Esse tipo de política acabava por descontentar a Igreja Católica que entre os anos de 1896 a 1898 tenta impedir o avanço positivistas e conter a evasão de crentes. O comtismo e sua religião se misturavam a construção da República. Aqui no Rio Grande do Sul a Religião da Humanidade contava com o apoio do oficialismo estatal, ele (...) não alcançava maior penetração fora dos grupos mais intelectualizados do PRR ou dos quartéis militares. Não havendo muitos indivíduos de uma fé muito fervorosa [...] o modismo cultural e a expectativa de vantagens junto aos poderosos do dia induziam alguns a aderir à Religião da Humanidade. Adesões instáveis que logo desapareciam, seja face a rigidez dos cânones de moralidade privada, política e intelectual exigida aos seguidores do Apostolado Positivista, seja face ao fracasso em obter favores governamentais (BOEIRA, 1980, p. 56). O maior período de expansão da Igreja da Humanidade no Rio Grande do Sul entre 1897 e 1908, é nesse período que os políticos do Partido Republicano Rio- Grandense possuíam um maior vínculo com os dirigentes da religião, como vemos a relação era uma via de mão dupla pois as duas se beneficiavam nesse apoio mútuo, em suma A política castilhista é apoiada através de manifestos, publicações e declarações aos jornais e reconhecida como uma expressão – imperfeita, é certo – das ideias de Comte. A par disso, a propaganda religiosa torna ainda mais conhecidas as doutrinas positivistas, embora não as torne necessariamente aceitas. (BOEIRA, 1980, p. 57). Pezat também ressalta a importância da religião para a cúpula política do PRR O prestígio desfrutado pelos positivistas religiosos junto à cúpula do PRR explica-se pelo fato de que eles eram vistos como uma espécie de reserva moral do partido, atuando como legítimos intelectuais orgânico ao defenderem e justificarem as políticas de acordo com o ideário formulado por Augusto Comte” (AXT, 2002, p. 35 apud PEZAT, 2007, p. 55) Acreditamos que esse período de maior expansão da religião e de sua ligação com o partido acontece devido a morte de Júlio de Castilhos, após isso, a oposição liderada por Assis Brasil, começa a atacar Borges de Medeiros. E a conduta de Castilhos começa a ser colocada em pauta, pois, ele nunca aderiu a religião da Humanidade. E Borges de Medeiros também passa pelo mesmo crivo de questionamentos e debates públicos, afinal ele para alguns ele somente simpatizava com a doutrina positivista, porém não era um positivista nato. A Constituição do estado de 1891 começa a ser questionada, pondo em cheque a dominância do poder do Presidente do Estado, que detinha praticamente o total controle do Rio Grande do Sul, para deter o avanço da oposição que poderia contestava a Constituição de 1891 “sob ameaça de alteração parcial ou mesmo substituição, os positivistas religiosos começaram a se mobilizar” (PEZAT, 2007, p. 55). Inicia-se um conflito não direto ou violento, mas “com gestos, palavras monumentos” (PEZAT, 2007, p. 55). Aos poucos o Partido começa a substituir Augusto Comte pela figura de Júlio de Castilhos como grande formulador e teórico do republicanismo. Isso se dá por meio de discursos da Religião da Humanidade que na época tinha adeptos de todas as classes, monumentos de Castilhos são construídos, enaltecendo a figura e a política do PRR, o jornal A Federação passa a constantemente rememorar a figura do ex-líder e de suas obras em prol do Rio Grande do Sul. É nesse ponto que achamos que se possam aliar os estudos de História Política e o campo de História das Religiões e Religiosidades, afinal, o enaltecimento da figura de Júlio de Castilhos, através de discursos religiosos e na opinião pública, a construção de monumentos enaltecendo sua trajetória, poderia ser inserida em um contexto representativo, que sim, visa manter o PRR no poder, mas é através de um campo simbólico que transforma em mito uma figura e a idealiza como um patriarca do Estado, sendo ele um teórico republicano. José Eduardo Franco (2010) disserta em seu artigo “Profetismo e a ideia de Nação: modelação religiosa de um povo”, que a construção de um mito se dá através de um discurso sedutor que oferece sentidos para fenômenos, acontecimentos e criações. Franco analisa a construção do Estado Nacional português através do profetismo mítico que seria um elemento importante para a compreensão da mentalidade, da cultura e do imaginário coletivo. A interessantes concepções do autor que podem nos ajudar na aproximação e compreensão das decisões do PRR, em transformar Castilhos em uma figura mítica. Não podemos esquecer que o Brasil do início do século XX, procurava legitimar o regime republicano e para fazer isso usa muito de simbolismos e a construção de heróis nacionais. Franco entende como mito “um discurso sedutor que pretende, no quadro de uma coerência transracional e de dentro de uma certa lógica, oferecer sentidos para fenômenos, acontecimentos e criações da história, estabelecendo um paradigma único de interpretação” (2010, p. 151). A estratégia do PRR foi de mitificar a figura de Castilhos e legitima-lo na tentativa de construir uma memória histórica coletiva, fazendo com que se visse com otimismo a política castilhista. Como já ressaltamos o positivismo é influente em várias áreas do conhecimento e isso também auxilia a construção do mito de Júlio de Castilhos. Pompa (2004) disserta que “O religioso, o simbólico, parece[m] não ter o mesmo estatuto explicativo do político do econômico, do psicossocial” (p. 75). No caso do Positivismo isso acontece, o simbólico se mescla com a política, os discursos intelectuais e religiosos. Mesmo inicialmente discordando dessa afirmação de Cristina Pompa, concordamos com seu método de análise ao tentar entender os movimentos sociorreligiosos do sertão brasileiro, a autora afirma não basta analisar esses fenômenos através de aspectosmateriais, sociais e econômico, mas sim, em aspectos simbólicos, para ela o “(...) universo simbólico se constitui como uma forma de leitura do mundo imbuída de perspectiva de existir na história e transformá-la” (POMPA, 2004, p. 72). A tentativa do PRR em transformar Júlio de Castilhos em figura mítica tem sim objetivos de manter-se legitimamente no poder, porém a intenção não é avaliar o objetivo do Partido, mas sim, como ele faz isso. Afinal aqui temos uma contradição, pois, o Estado Nacional “se preocupou em esmagar manifestações ‘desviantes’ de uma parte significativa da população” (POMPA, 2004, p. 72), como ocorreu em Canudos e no Contestado, cujo movimentos eram embasados em uma doutrina religiosa, que misturava crenças populares e religião oficial em uma tentativa de criar um mundo onde se poderia viver melhor. Os membros do PRR tentam através da figura de Castilhos manter a ordem e suas posições o “conservar melhorando”, continua sendo aplicado e de forma simbólica não-explicita. Há também o fato de que essa organização não se dá por classes populares, mas sim, membros de uma elite emergente do Estado, que não funda uma ‘vila santa’, mas sim, quer administrar o Estado o modernizando, em um momento de necessidade de modernização e diversificação da economia, mantendo as hierarquias sociais, a partir do jogo político, mas também usando de aspectos e estruturas religiosas. Uma das perguntas que nós fazemos é se havia uma tentativa de transformar Castilhos em uma espécie de profeta, não associando a figura de profeta com uma forma particular de vida ou de experiência religiosa, mas sim, exercendo uma “função de apela à regeneração, em qualquer tipo especializado de homens e mulheres que propõem, em uma situação de crise das estruturas sociais e mentais, uma mensagem que possa constituir uma resposta à crise, um futuro regenerado para a sociedade” (FRANCO, 2010, p. 154). Júlio seria a figura que regenerou o Estado, ultrapassando as crises e não alterando mas dando condições de vida a todas as estruturas sociais sem alterá-las, dando perspectivas de futuro. A Igreja católica no Brasil vai tentar impedir os “avanços das ideias da maçonaria, do positivismo e do protestantismo” (MONTEIRO, 1977, p. 51), isso desde antes da queda da monarquia. Mesmo que não apoiados pela Igreja os positivistas, auxiliados pelo método cientifico, passam a usar de recursos inseridos pelas Igreja Católica, de uma figura que traz a prosperidade, para tornar sua teoria aceitável, tanto nas elites quanto nas classes populares, legitimando, pois, o Partido no poder e mantendo sua hegemonia. Podemos ver que o Partido irá usar da influência da Igreja e de sua capacidade de divulgar e espalhar as “boas novas” para legitimar a figura de Borges, transformar Júlio de Castilhos no “Patriarca” da República no Rio Grande do Sul e manter a hegemonia do poder político do Partido Republicano Rio-Grandense. A contribuição da Igreja da Humanidade no estado vai além do campo político, uma das maiores contribuições dos positivistas religiosos foi a fundação da Escola de Engenharia em Porto Alegre no ano de 1896, que posteriormente daria origem a Escola de Agronomia da UFRGS, ao colégio Júlio de Castilhos e ao Instituto Parobé. Para Boeira (1980) o uso da religião da Humanidade, tem seus fluxos de crescimento e declínio de adeptos exclusivamente para usos políticos. Se continuam as práticas religiosas positivistas, porém com menos adesão dos políticos do PRR, porém com o decréscimo de propagando nos órgãos estatais a difusão e adesão diminuem. Eles ainda de manifestavam sobre políticas e condições sociais e culturais, passam a vigiar e criticar os desvios ideológicos do PRR, denunciando os afastamentos da ideologia e doutrina de Comte. Os religiosos ficam muito atentos as decisões e votos dos políticos ligados ao PRR Temas como os movimentos grevistas de caixeiros e operários, a introdução de medidas para o saneamento público, conferências de adeptos não-ortodoxos do positivismo, tratados internacionais, atentados à liberdade profissional, visitas de políticos estrangeiros são alvos de comentários dos positivistas gaúchos” (BOEIRA, 1980, p. 58). Se vê que a religião da Humanidade influenciava várias áreas do conhecimento, porém é latente sua dependência do Partido, para que pudessem ter suas ideias propagadas, ficando a mercê da política ficava difícil se concretizar como uma religião com grande abrangência. O declínio da religião se acentuará nos anos de 1920, no final dessa década o positivismo religioso perderá até mesmo sua função de referência e órgão de comunicação abrangente em prol do PRR, mostrando que o Partido só usava a religião para seus propósitos. Além disso, a Religião da Humanidade trazia consigo a crença do progresso da humanidade de uma forma cientifica, ou seja, através do método cientifico e da ação de grandes homens a Humanidade conseguiria chegar a uma sociedade com um funcionamento mais justo e ordeiro ainda com desigualdade porém com uma intensidade muito menor. Em certa medida, podemos ver esse objetivo no PRR, afinal, sua política veio a incluir os estratos sociais mais desiguais da sociedade de forma justa, mas sem alteração das hierarquias sociais. CONSIDERAÇÕES FINAIS Para se analisar o estado do Rio Grande do Sul nas primeiras décadas do século XX é quase impossível sem fazer uma atenta análise das ações do Partido Republicano Rio-Grandense, afinal, sua influência era muito grande no funcionamento do Estado e na vida das pessoas desde a elite até as classes populares. Tentamos aproximar as estratégias do Partido para sua manutenção no poder, com a estrutura da Religião da Humanidade, religião criada por Augusto Comte, a usando como um veículo de propagação de ideias e criação de heróis, como Júlio de Castilhos, ligados ao PRR, a partir também da criação de monumentos e propagando seu valor simbólico. Além disso, a religião positivista possuía muita influência na cultura, nas decisões do Partido, na área da cultura e da educação, fundando uma escola que se tornaria depois de seu desmembramento importantes instituições de ensino superior, técnico e de nível médio. Mas mesmo com essa influência, a sua ligação e dependência do Partido limitaram a influência da Religião da Humanidade, pois, a adesão de adeptos dependia muito dos interesses dos integrantes mais influentes do PRR. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARAVANIS, Evangelia. A Industrialização no rio Grande do Sul nas Primeiras décadas da República: a organização da produção e as condições de trabalho (1889-1920). Revistas Mundos do Trabalho, v. 2, n. 3, JAN/JUL 2010, p. 148-180. BOEIRA, N. F.. O Rio Grande de Augusto Comte. In: DACANAL, José Hildebrando (Org.). RS: Cultura & Ideologia. 1ed. Porto Alegre: 1980, v.1 p. 34-59. CARNEIRO, Deivy F.. 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