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Medicalização de consumo

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Isabella de Oliveira 
Medicalização de consumo 
	Gilles Lipovetsky, em "A felicidade paradoxal", faz uma análise sobre a medicalização de consumo que parte de uma sociedade que não consome apenas medicamentos, mas consome informações médicas que hoje estão muito acessíveis. Da mesma forma que procura-se consultas e tratamentos, busca-se um cuidado pela saúde através de conselhos médicos e prevenção. Sendo assim, a saúde e o bem estar são uma preocupação onipresente em nossas vidas. 
	A medicalização não pode ser entendida fora de um contexto biopolítico, uma vez que é um dispositivo de individualização do poder e de comando da população, em meio a esse contraste, os corpos são controlados individualmente e programas e políticas de saúde pública são utilizados de maneira universal para uma população, ainda que apresente diversidade. Como abordado por Foucault, a biopolítica consiste na ação do Estado ao controlar os corpos da mesma forma que controla a população. Os programas de higienização na Europa nos séculos XVII representam claramente o início desse processo que aliou a medicalização com a política. 
	Entretanto, o dispositivo da medicalização dá a falsa impressão de que as tecnologias em si estão dominadas e que as mesmas podem controlar nosso humor, por exemplo, e criou-se um ciclo de gestão de problemas existenciais através de medicamentos. Neste sentido, a medicalização instala a tolerância e, enquanto as emoções estiverem controladas, dificilmente serão instaladas formas de resistência coletivas - um dos motivos pela qual a medicalização de consumo é um dos pilares biopolíticos. Por esta razão, tal dispositivo é entendido simultaneamente como princípio inibidor e mantenedor de uma forma específica de poder.
	Em meio a esse contexto, a saúde se tornou uma religião dogmática, que estabelece padrões comportamentais e induz ao uso de medicação e exames. Ocorre uma mobilização total de diversos setores da sociedade contra fatores de risco, como obesidade, por exemplo. Da mesma forma que a mídia e a propaganda tentam vender os alimentos gordurosos e pouco saudáveis, elas exigem que o indivíduo seja magro e sadio. O homem está, cotidianamente, diante da pressão por superar a si mesmo e sentir-se bem ao mesmo tempo, o que culmina na medicalização não apenas do corpo, mas também das sensações. Juntamente desse conflito, o corpo se tornou uma matéria a ser corrigida e transformada, com o auxílio das intervenções cirúrgicas e do consumo de psicotrópicos para a gestão de problemas existenciais. 
	Existe uma inquietação e uma busca utópica pela saúde, que não se restringe à cura, apenas. Cabe à indústria farmacêutica, aos profissionais de saúde e ao sujeito, a premonição do futuro, uma vez que o consumo funciona como um antidestino, pois o neoconsumidor deixou de preocupar-se apenas com a visibilidade social e, hoje, procura também o controle do seu corpo e luta contra a fatalidade natural. Evita-se, então, envelhecer, engordar, adoecer, poluir e procura-se cultuar a saúde. Paralelo a isso, cresce uma angústia relacionada ao corpo, a saúde e a doença. Então, o consumo perpassa as aquisições materiais e chega ao domínio das subjetividades.

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