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A Dança no Século XX Artigos

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A Dança no Século XX
A DANÇA NO SÉCULO XX
Autora: Vivian Vieira Peçanha Barbosa¹
RESUMO
O século XX, para as artes, a ciência e outros campos de conhecimento, foi um século de muitas mudanças,
pesquisas e descobertas. Para a Dança não foi diferente, muitos paradigmas foram quebrados para que novos
valores fossem construídos, muita coisa foi derrubada, reciclada, reaproveitada ou descartada, para que uma nova
dança surgisse. Neste breve texto, procuramos fazer uma visita cronológica aos principais artistas do século
passado que de alguma forma revolucionaram a dança.
PALAVRAS­CHAVE: história; dança moderna; dança contemporânea.
INTRODUÇÃO
Neste artigo, pretendemos discorrer sobre a história da dança durante o século XX, destacando os principais
artistas que transformaram os modos de fazer e pensar esta arte. De Delsarte a Merce Cunningham, da Dança
Moderna à Contemporânea, vamos traçando os caminhos sinuosos percorridos pela dança no ocidente, sempre em
paralelo aos contextos sociais de cada época, analisando as influências que moldaram e mudaram a dança durante
o séc. XX e as principais idéias que permearam estas mudanças.
"Na história, todo novo período criador começa por uma transgressão e uma revolta. A história da dança moderna
ilustra esta dialética. Isadora Duncan começou pela negação do balé clássico. Ruth Saint­Denis, antes de criar
uma arte litúrgica, passou por uma recusa da concepção individualista do teatro." (Garaudy, 1980:89)
DELSARTE²
A partir de um estudo único e inovador para sua época, Delsarte (1811­1871) tornou­se um dos nomes mais
importantes para o surgimento da Dança Moderna nos ____________ ¹ Mestranda pelo Programa de Pós­
Graduação em Ciência da Arte pela Universidade Federal Fluminense. Contato: vivieirap@gmail.com. ² Apesar de
Delsarte ter vivido no séc.XIX, seu pensamento teve forte influência sobre os rumos tomados pela dança moderna
no início do séc. XX, por esta importância, julgamos necessário destinar uma parte deste texto a este estudioso.
Estados Unidos e na Alemanha. O estudo que fez sobre a intencionalidade do gesto, posturas e movimentos
humanos (Lei das Correspondências) e seu Sistema Triádico de Construção do Homem influenciaram fortemente a
construção da dança moderna nos EUA. Suas idéias foram levadas aos norte­americanos por Steele Mackay.
Delsarte separou, para fins pedagógicos, os três aspectos formadores do homem: corpo, espírito e mente, e os
relaciona às seguintes partes do corpo, respectivamente: membros e parte inferior do tronco, parte superior do
tronco e cabeça. O equilíbrio entre estes três eixos seria o caminho para a perfeição.
Partindo da divisão das pequenas partes do corpo em zonas mentais, emocionais e físicas e da divisão do próprio
espaço referente a ele, Delsarte faz um estudo das atitudes humanas, buscando para cada gesto uma significação.
Segundo a Lei das Correspondências, todo movimento humano tem razão de ser, tem motivo. Com isto, cria­se
uma forte codificação, e ao mesmo tempo, uma valorização de certas partes do corpo, ditas “mais expressivas”
por se referirem à emoção ou ao espírito.
As primeiras pessoas que institucionalizaram a dança e sua profissionalização nos EUA basearam­se nos estudos
do francês. Dentre estas pessoas estão: Isadora Duncan, Ted Shawn e Ruth Saint Dennis (os dois últimos
fundaram a escola Dennishawn, onde Martha Graham e Doris Humphrey se formaram).
ISADORA DUNCAN
No início do século XX, época de revoluções, guerras e desigualdades, surge nos Estados Unidos Isadora Duncan
(1877­1927) com sua dança engajada, exaltada de criação e liberdade. Cansada da linguagem limitadora do balé
clássico, Isadora, defensora ardente do espírito poético, sugere uma dança em total harmonia com as emoções e a
natureza.
"Isadora Duncan trouxe não uma técnica nova, mas uma nova concepção da dança e da vida. Realizou uma
unidade profunda entre sua dança e sua vida e, para realizar esta unidade, rompeu com as convenções e os
códigos que há séculos sufocavam aquela arte." (Garaudy, 1980, p. 57)
Isadora acreditava profundamente na dança enquanto arte, enquanto nova força educacional e como meio de
transformação social. Foi a primeira a negar o balé clássico e os aprisionamentos que o academicismo trazia.
Isadora não nos deixou uma escola, com passos ou gestos pré­determinados, mas fundamentalmente semeou a
idéia de libertação que revolucionou a dança e inaugurou desta forma um novo momento sobre o fazer e pensar
esta forma de arte.
"A técnica lhe parece sem interesse: fazer gestos naturais, andar, correr, saltar, mover seus braços naturalmente
belos, reencontrar o ritmo dos movimentos inatos do homem, perdidos há anos, ‘escutar as pulsações da terra’,
obedecer à ‘lei da gravitação’, feita de atrações e repulsas, de atrações e resistências, consequentemente
encontrar uma ligação lógica, onde o movimento não pára, mas se transforma em outro, respirar naturalmente, eis
o seu método." (Bourcier, 2001:248)
Os temas de suas danças se inspiravam na contemplação da natureza e seus modelos estéticos eram os da
Grécia Clássica. Suas vestimentas (e de seus alunos) eram túnicas leves e pés descalços, que foram uma nova
mensagem para a Europa em sua estadia em Londres e Rússia e suas turnês pela Alemanha e Paris, além de sua
peregrinação pela Grécia (sua grande influência), entre outros. Enfim, Isadora marcou com brilho o nascimento de
uma nova dança frente às efervescências das correntes filosóficas que desde o final do século XIX questionavam
o sentido da vida, da religião e da ciência com Schopenhauer e Nietzsche³.
GRAHAM & HUMPHREY
Até o começo do século XX, a dança não era muito presente nos EUA. Não havia uma tradição em dança clássica
como na Europa e nem havia uma dança própria. Lá era bastante comum associar a dança à prostituição, sendo
assim praticamente impossível tomá­la como profissão, pelo preconceito e por ser tão inacessível. Porém, em
1913 surge a Dennishawn School, como a primeira instituição de profissionalização em dança do país. Esta escola
forma Martha Graham e Doris Humphrey, que apesar de terem feito danças bem diferentes, trabalharam com
princípios muito semelhantes. Esta nova dança surge de processos investigativos, surge a partir da construção de
um pensamento e da composição coreográfica como meio de expressão humana. Há _______________ ³
Schopenhauer e Nietzsche foram os mestres do pensamento de Isadora, ambos filósofos do século XIX.
Schopenhauer, nascido em 1788, ficou conhecido como filósofo do pessimismo, mas seu pessimismo aparente era
incrivelmente revigorante em sua época, depois de séculos de cristianismo e da última fase do racionalismo. E
Nietzsche, nascido em 1844, sedento por liberdade espiritual e intelectual, era religioso por formação e convicto
demolidor de religiões, defensor da beleza da vida e do corpo e crítico feroz das fraquezas humanas.
sim, uma motivação teatral implícita, que é a sua expressividade e seu poder de comunicação. Há um
investimento na relação entre emoção, criação e interpretação. Esta nova arte busca estabelecer relações com os
contextos históricos, com as questões sociais, culturais e psicológicas da época, além de buscar seu
desenvolvimento paralelamente às outras artes. Mas apesar de terem ocorrido várias críticas à dança acadêmica,
a dança moderna nem se usa do balé e nem se nega ao balé por completo.
"Isto não implica um repúdio total da dança clássica: o aprendizado do balé em si não era equivocado, mas
imcompleto, porque baseado unilateralmente no trabalho das pernas e, sobretudo, inadequado às exigências de
nossa época." (Garaudy, 1980:97)
Martha Graham, por exemplo, na construção de sua técnica, terminou por institucionalizar uma metodologia cheia
de padrões e exercícios pré­determinados, o que a aproxima bastante do academicismo do balé. A música ainda
comandava a dança, e os códigos permaneceram (não iguais aos do balé, masoutros). Porém, um novo ritmo
começa a vigorar: o ritmo fisiológico, o ritmo do próprio corpo. E este ritmo interior partia do centro para a periferia,
dando um sentido global ao movimento, integrando e dando importância a todas as partes do corpo, numa
totalidade. Em oposição ao balé, que enfatiza a tensão muscular constante e a anulação do peso corporal, a dança
moderna propõe a contração e o relaxamento como princípios e a exploração da força gravitacional enquanto
conexão do homem com a terra. Há uma relação constante do corpo com o chão, na tentativa de resgatar este
valor expressivo do peso do corpo, através de contatos variados deste com o chão.
"Tanto o movimento de contração quanto o de relaxamento se manifestam como impulsos bruscos, convulsivos,
projeções violentas do corpo inteiro. Daí o uso fundamental da percussão para marcar de modo forte os
batimentos, elevações e quedas, e as vibrações que se seguem, como num gongo chinês, no período de
recuperação. Em contradição radical com o balé clássico, com suas simetrias, equilíbrios, harmonias e graça
permanente, Martha Graham não evita os bloqueios brutais de uma resistência exterior nem as rupturas interiores
do espasmo." (Garaudy, 1980:100)
A dança de Graham e Humphrey reintegrou os poderes expressivos da respiração, ou seja, da respiração enquanto
passagem do de fora para o de dentro do corpo, jogando com as tensões musculares e suas variações. Resgatou­
se a relação entre as emoções e a energia que circula pelo corpo, deslocando as regiões geradoras de movimento
da periferia para o centro. Isto possibilitou uma visão mais integrada do corpo, onde os quadris e a coluna, antes
atrofiados pelo balé, passaram a ser mais um meio expressivo e enriquecedor na dança. Assim, esta nova dança
vem como expressão de uma interioridade, representação ou ilustração de um fato social: o corpo é capaz de
mostrar absolutamente tudo o que pode sentir o homem, o corpo revela o que está ocultado e responde às pulsõs
emocionais e físicas. Entretanto, para Martha Graham o que prevalece e gera todo o resto é o ritmo respiratório, e
para Humphrey é o ritmo motor, que se dá na relação entre corpo e espaço. Estas duas coreógrafas e bailarinas
nos permitiram ver a dimensão dramática inerente às suas épocas. O psicologismo e a orientação emotiva eram
muito comuns nas coreografias. Além disso, a configuração narrativa, a interdependência entre música e dança e
as hierarquias estruturais (muito presentes no balé) permaneceram, ainda que de outra forma, na dança moderna, o
que só seria modificado em meados do século XX.
RUDOLF VON LABAN
Este arquiteto, nascido na Hungria em 1879, dedicou sua vida a decifrar o movimento humano, tanto na vida
comum quanto na dança, certo de que estes movimentos continham sempre os mesmos princípios e elementos.
Seus estudos se concretizaram num amplo sistema de análise, pesquisa e notação do movimento, e é utilizado
hoje em várias áreas de saber. O conhecido “Sistema Laban” foi desenvolvido entre início e meados do século XX,
em paralelo à crescente fama da psiquiatria/psicanálise com Freud, às revoluções feitas na física e à própria
revolução industrial. Laban buscava certa cientificidade para sua arte, que de certa forma a pudesse legitimar e
tornar seu acesso mais fácil, sem, contudo limitá­la:
"É muitíssimo desejável que se dê uma síntese das observações artísticas e científicas do movimento já que, de
outro modo, a pesquisa sobre o movimento do artista tende a especializar­se tanto numa só direção quanto à do
cientista em outra. Somente quando o cientista aprender com o artista o modo de adquirir a necessária
sensibilidade para o significado do movimento, e quando o artista aprender com o cientista como organizar sua
própria percepção visionária do significado interno do movimento, é que haverá condições de ser criado um todo
equilibrado." (Laban, 1978:154)
A partir do estudo das organizações espaciais do movimento (corêutica) e do estudo dos aspectos qualitativos do
movimento, seus ritmos e dinâmicas (eukinética), Laban dá suporte aos estudos desenvolvidos em dança, em
coreografias, aulas e criações. Desta forma, a diversificação dos movimentos na arte da dança estava melhor
embasada, pois o estudo de Laban é dialógico, experimental e aberto, e nos permite uma grande possibilidade de
variar e analisar as formas de se mover pelo espaço. Este é um ponto importante para a história da dança, pois,
até então, ou tivemos técnicas fechadas em modelos (balé clássico e técnica de Graham) ou danças totalmente
livres (Isadora Duncan).
MARY WIGMAN
Falaremos brevemente desta discípula de Laban, tão importante para a dança moderna quanto Humphrey e
Graham. Nascida na Alemanha em 1886, Wigman crê que a dança é a “revelação de tudo o que jaz escondido no
homem.” (Bourcier, 2001, p. 297). Sua dança surge em meio às duas grandes guerras, num mundo que clama por
novos valores e novas formas de expressão.
"O ritmo fundamental para Mary Wigman é o ritmo emocional, que nasce de uma paixão domada, de motivações
do gesto no esforço para livrar­se de uma realidade externa sufocante. O conflito está dentro do homem, mas em
sua relação com o mundo exterior que o esmaga." (Garaudy, 1980:125)
Para Wigman, a arte tem a mesma origem da existência, o artista é palco para os movimentos da vida de seu
tempo, externando, assim, suas imagens simbólicas. E na tentativa de dar ordem ao caos de sua dança, reflexo
das atrocidades de seu tempo, Wigman unia o arrebatamento e o êxtase dionisíaco à ordem e às formas
apolíneas, buscando nestes pólos a harmonia de suas danças.
MERCE CUNNINGHAM E O PÓS­MODERNISMO
Merce Cunningham, nascido em 1919, é um grande marco entre a passagem do moderno e pós­moderno em
dança. Ele provocou, com seus processos, coreografias e pensamentos, grandes quebras no que se refere à
narrativa tradicional e linear utilizada nas danças de até então, aos processos de composição coreográfica e à
dependência e não autonomia entre as artes da cena (dança, música, iluminação, figurino e cenário). Para
Cunningham, a dança nunca fala sobre algo externo à ela mesma. A dança é uma linguagem auto­suficiente, ela é
em si mesma. Nesta valorização de sua materialidade, a dança se potencializa no movimento e no não­
movimento, e a única coisa que ela tem em comum com as outras linguagens utilizadas é que ocorrem no mesmo
espaço­tempo. Cada arte é independente, e coopera para a criação do inusitado, do inconvensional, do
imprevisível, desafiando o raciocínio e a abertura do espectador, que não é levado ao lugar comum do fio
dramático, seus enredos e personagens. A célebre parceria entre Merce Cunningham e John Cage teve seu início
na Cornish School, onde tiveram seu primeiro contato. Cage influenciou Cunningham com suas idéias zen­budistas
e outros pensamentos de origem oriental, com sua arte experimental (no caso a música). A estrutura
narrativa/dramática da dança moderna de Martha Graham já não era o suficiente revolucionária. Os conteúdos
psicológicos esgotam parte do público e de coreógrafos da época. Merce Cunningham, centra seu trabalho na
investigação dos meios formais puros da expressão na dança. Ele encena coreografias como eventos, inspirado
nas idéias de fluxo e impermanência do zen­budismo trazidas por John Cage. Qualquer movimento poderia ser
matéria para uma dança e qualquer procedimento poderia ser método válido de composição coreográfica –
inauguravasse a dança de caráter abstracionista.
"Não há conflitos a serem ressaltados ou resolvidos, não há mais um climax para o qual caminham música e
movimentos. No lugar disso, surge uma multiplicidade de centros (conceito zenbudista) de interesse sonoro e
proxêmico dos quais nenhum é mais detacado ou significativo do que outro." (COELHO, 1995:82)
Nos anos 70, Cunningham se aproxima da linguagem cinematográfica, por meio de um trabalho feito num programa
de televisão. A partir de então,o coreógrafo começa a perceber como os códigos cinematográficos modificam a
dança, como podem valoriza­la, e como seria válido unir estas duas linguagens. Desta forma, Cunningham se uniu
a vários filmmakers, dentre eles Charles Atlas e Elliot Caplan, ambos artistas residentes na companhia. Muito se
deve a Cunningham pela evolução da dança no espaço da tela do vídeo, pelas suas danças especialmente
concebidas para a câmera. E na primeira metade da década de 90, com a evolução das tecnologias da
computação, surge um software que reproduz os movimentos do corpo humano, o que interessou muito ao
coreógrafo. Ele utiliza um soft chamado Life Forms, criado pelo Dr. Thomas Calvert, que é mais que um reprodutor
de movimentos, mas descobre novas maneiras de organizá­los. Desde então, Cunningham vem se utilizando
destas tecnologias para suas composições, para instalações multimídia de dança e cenários virtuais,
estabelecendo novos diálogos e alargando as fronteiras entre as áreas de conhecimento. Desta forma, Cunningham
inaugura a contemporaneidade em dança, inaugura a dança das possibilidades, dando os primeiros passos que
incentivaram outros artistas a quebrarem com determinadas convensões e a pensarem em diferentes processos de
criação e preparação artística em dança.
PINA BAUSCH
Escolhemos reservar um tópico específico para esta coreógrafa por ela ser o vértice da dança­teatro alemã (termo
utilizado inicialmente por Laban), uma referência para a dança contemporânea mundial que nos trouxe novos
valores estéticos. Líder de uma notável corrente artística, Pina Bausch dirige o Wuppertal Tanztheater na
Alemanha desde 1973. A partir do material humano que possui (seus atores­bailarinos de trinta ou quarenta anos
de idade), Pina desenvolve seus trabalhos desconstruindo pequenos gestos cotidianos, partindo da repetição,
transformando em pequenas células de movimento, que se tornam cenas, que se tornam uma grande composição­
espetáculo. O choro, o riso, a raiva, a fala, as amarguras de um mundo fragmentado e superficial entram em sua
dança de forma crítica; e de forma crítica também, Pina se utiliza da técnica do balé, tanto para o treinamento de
seus bailarinos quanto em seus espetáculos. Pina Bausch é um belo exemplo da hibridização de linguagens em
dança contemporânea. Já participou de filmes com suas danças e já produziu vídeos a partir de sua estética tão
singular, ridicularizando e criticando situações comuns, deslocando gestos para longe de seu contexto original e os
remodelando em seqüências nada lineares, sempre se permitindo misturar com outras artes – figurinos, cenários,
teatro, música – no intuito de tocar o espectador através da reflexão sobre a vida comum e seus valores morais,
éticos e estéticos.
"Nunca é como o que aconteceu realmente, sempre se transforma, muitas e muitas vezes, em uma coisa que
acaba pertencendo a nós todos. Se alguma coisa é verdade em uma pessoa,, e ela conta algo sobre seus
sentimentos, acho que nós acabamos reconhecendo o sentimento, não é uma história privada. Falamos de alguma
coisa que nós todos temos. Todos conhecemos esses sentimentos e os temos em conjunto." (BAUSCH apud
FERNANDES, 2000:50)
A CONTEMPORANEIDADE
Como já vimos, a partir dos anos 50, os limites impostos por convenções e métodos fechados na dança são
esgarçados. Promovem­se rupturas profundas nas concepções da técnica corporal, favorecendo a hibridização
entre os mais diversos estilos e gêneros de dança. Mas dentro deste percurso histórico, não podemos deixar de
ressaltar a importância de nomes como Nijinsky, Balanchine e Béjart, que a partir dos princípios e da técnica do
balé revolucionaram a dança. No início do século XX, o balé se encontrava numa urgência por atualização.
Podemos perceber, a partir de então, grandes trocas se estabelecendo entre a tradição da dança clássica e o
movimento vanguardista. De um lado, vemos a dança de vanguarda, abolindo o virtuosismo técnico e os corpos
estereotipados do balé, em prol do fluxo e do ritmo. Do outro lado, vemos Balanchine e Béjart, que alargaram os
limites do balé, dando novas possibilidades ao corpo dançante. Balanchine inaugura então o balé abstrato. O
movimento vanguardista é bastante relevante na Alemanha com o expressionismo. Tal movimento ressaltava a
exteriorização da emoção e da intuição, da dor e do sofrimento do pós­guerra (Mary Wigman). Por muitas vezes
essas expressões podem ser tão dilacerantes que se transfiguram em uma quase distorção/deformação da
realidade. Abre­se espaço para a hibridização da dança com outras linguagens, que resulta na ampliação, releitura
e transformação da cena coreográfica. Ao mesmo tempo em que se descobre uma dança autônoma e
independente, também a interdependência das linguagens e técnicas marca a história das vanguardas em dança.
Surgem outras vias de expressão: instalação, happening, performance art, eliminando barreiras entre as artes.
"A partir dos anos 50, época em que o movimento pós­moderno institui­se definitivamente, seu pluralismo atinge
formas cada vez mais ricas de expressar­se.Como um mosaico que vai sendo construído aos poucos, fronteiras
entre linguagens são abandonadas e a criação anteriormente tão fixa em princípios bem definidos abre­se para uma
enorme multiplicidade de experiências, onde inclusive não há a negação de correntes anteriores." (RODRIGUES,
2000:124)
Ou seja, em dança contemporânea, “a regra é exatamente o fato de que elas não existem” (Rodrigues, 2000: 121).
Surgem novas estratégias de composição (já anunciadas nos anos 50 nos EUA) que contrariam a linearidade, a
continuidade, a representação, a figuração, em favor de estruturas sem lógica, da simultaneidade, da justaposição
e da repetição. São postos em questão a permanência do objeto de arte, o saber­fazer do artista assim como a
especificidade de cada área. A estética da negação se inicia, como diz Yvone Rainer (1974: 51):
"Não ao espetáculo, não à virtuose, não às transformações e à mágica e ao faz­de­conta, não ao glamour e à
transcendência da imagem da estrela, não ao heróico, não ao anti­heróico, não ao imaginário trash, não ao
envolvimento do performer ou do espectador, ao estilo, não ao exagero, não à sedução do espectador pelos
desejos do ator, não à extravagância, não à emoção provocada ou sentida."
E assim, a dança começava do zero: o que é dança? O que é o corpo? O que é espaço? E tempo? Quem pode
dançar? Aonde e para quem? Há então um esvaziamento total e o corpo que dança da concepção elitista,
idealizado e formatado, é repensado. Os artistas querem uma dança enquanto lugar sem hierarquias, lugar de
igualdade entre homens e mulheres, não importando o biótipo, reafirmando um ideal igualitário e democrático. Há
um reencontro com uma corporeidade “primitiva”, funcional e “natural”. Sentir o corpo, escutar o corpo do outro,
cheirar, tocar, apagar as distâncias, pegar, empurrar, puxar, rolar, cair sobre o corpo do outro, contrabalancear os
pesos, utilizar as forças do corpo para se levantar, se carregar, se sustentar. O corpo retorna à sua
espontaneidade, sem representações aparentes. Temos como seguidores desta corrente o Steve Paxton (contato­
improvisação) e Trisha Brown. Paralelamente ao retorno do corpo “natural”, vê­se crescer formas de minimalismo
em dança, em trabalhos quase obsessivos de análise, decupagem e abstração do corpo, do tempo e do espaço.
Como exemplo, temos os trabalhos de Lucinda Childs, nas décadas de 60 e 70. O corpo é portador de uma fria
indiferença matemática, desencarnada, atemporal, pura, que força à contemplação e distancia qualquer intenção de
fazer sentido. Repetições, inversões, fórmulas codificadas de uma parte do corpo, uma pesquisa gestual bem ao
estilo cunninghaniano de jogar com as possibilidades do corpo. A corrente pós­moderna, mesmo em suas
renúncias mais extremas (como a ausência de movimento aparente), provocou uma reviravolta na dança ao
valorizar o corpo multi­direcional, ao desordenaras partes do corpo, ao legitimar os corpos antes excluídos, ao
recuperar toda forma de motricidade, cotidiana ou não, da rua ou do circo, sem hierarquia. No século XX, a dança
saiu de um extremo a outro: do engessamento estético e técnico à liberdade estética da dança em si e dos corpos
que dançam. Por vezes, a noção de democratização era tão forte – todos podiam dançar e de qualquer forma – que
se perdia de vista qualquer tipo de critério de avaliação da performance dos dançarinos; não havia uma “melhor”
forma de se fazer nada, tudo era válido e aceitável. Podíamos ver corpos treinados e corpos não­treinados em
performances que ocorriam em locais inusitados, distantes do tradicional teatro. Nas correntes pós­modernas
norte­americanas, em um primeiro momento, houve uma forte negação de tudo o que já estava normatizado e
fechado, incluindo as técnicas do balé e da dança moderna. A improvisação e a execução de tarefas cotidianas –
andar, correr, sentar, deitar, falar – por vezes eram a única forma de exercício da fisicalidade. Na busca de um
maior entendimento do corpo dito natural, muitos encontravam nas filosofias e técnicas corporais orientais
treinamentos plausíveis com a forma de pensar o corpo da época – corpo­fluxo e corpo engajado politicamente, de
uma dança que desejava mudar os valores vigentes.
E AGORA?
Contrariando aqueles que entendem a dança contemporânea enquanto estilo de dança, percebemos hoje uma
dança sem fronteiras, uma dança de possibilidades, de interdisciplinaridade. Rodrigues (2000:123) nos fala que a
arte pós­moderna "É um acontecimento contemporâneo e por isso sujeito a transformações constantes. A rapidez
com que estas transformações acontecem reflete a velocidade desordenada do bombardeio visual e intelectual da
cultura dos nossos dias. Somos a geração da informação e do vídeo­clipe e por isso convivemos com informações
ultra­rápidas e muitas vezes entrecortadas."
Sob esta perspectiva, vemos hoje que cada profissional pode escolher, de acordo com suas afinidades estéticas,
de que forma quer trabalhar. Podemos ter releituras de movimentos e técnicas tradicionalmente consagrados e
pesquisas em torno de temáticas cotidianas ou políticas. Mas vemos também, coreógrafos em busca da inovação
pura e simples, ou seja, o inusitado em dança contemporânea também se tornou tendência.
"A arte contemporânea não é uma arte cujas características possam ser apontadas com facilidade porque há uma
imensa variedade de estilos, permeada por uma interdisciplinaridade evidente, inclusive emprestando elementos de
áreas não artísticas. Podem interagir hoje na feitura de uma obra artística técnicas diversas e díspares, ou
elementos de artes plásticas, teatro, cinema, matemática, literatura, engenharia, física, dança, enfim,
conhecimentos das mais variadas esferas." (RODRIGUES, 2000:123)
A dança chegou, no final do séc. XX, a um local de pesquisa e ao mesmo tempo de libertação, de revolução
estética e ao mesmo tempo ética. Entretanto, poderíamos talvez, nos perguntar para onde a dança está
caminhando neste exato momento. Pergunta difícil, podemos dizer, um tanto quanto audaciosa. No entanto, depois
de rever a dança ocidental percorrendo e rasgando o séc. XX com sua ousadia – atrasada em relação às outras
artes, mas ousada – não seria ingênuo questionar os caminhos que desejamos seguir daqui para frente.
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Temas em Contemporaneidade, imaginário e teatralidade / organizado por Armindo Bião, Antonia Pereira, Luiz
Cláudio Cajaíba, Renata Pitombo. In RODRIGUES, Eliana. Dança e Pós­modernidade. São Paulo: Annablume:
Salvador: JIPE – CIT, 2000.
Vivian VieiraAutor
25/03/2009Publicado
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