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TÍTULO subtítulo Roberta Gaio Tamiris Lima Patrícioorganizadoras Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária responsável: Aline Graziele Benitez CRB-1/3129 D175 Dança na escola: reflexões e ações pedagógicas [livro eletrônico] / 1.ed. organização Roberta Gaio, Tamiris Lima Patrício. – 1.ed. – Curitiba-PR: Editora Bagai, 2021. E-Book. Bibliografia. ISBN: 978-65-89499-62-6 1. Cultura. 2. Dança. 3. Escola. I. Gaio, Roberta. II. Patrício, Tamiris Lima. 05-2021/05 CDD 370.1 Índice para catálogo sistemático: 1. Dança: Educação 370.1 https://doi.org/10.37008/978-65-89499-62-6.04.05.21 Este livro foi composto pela Editora Bagai. www.editorabagai.com.br /editorabagai /editorabagai contato@editorabagai.com.br ISBN 978-65-89499-62-6 9 786589 499626 > https://editorabagai.com.br https://editorabagai.com.br https://www.instagram.com/editorabagai/?hl=pt-br https://www.instagram.com/editorabagai/?hl=pt-br https://www.facebook.com/editorabagai/ https://www.facebook.com/editorabagai/ malito:contato@editorabagai.com.br malito:contato@editorabagai.com.br ROBERTA GAIO TAMIRIS LIMA PATRÍCIO organizadoras DANÇA NA ESCOLA: REFLEXÕES E AÇÕES PEDAGÓGICAS 1.ª Edição - Copyright© 2021 dos autores Direitos de Edição Reservados à Editora Bagai. O conteúdo de cada capítulo é de inteira e exclusiva responsabilidade do(s) seu(s) respectivo(s) autor(es). As normas ortográficas, questões gramaticais, sistema de citações e referencial bibliográfico são prerrogativas de cada autor(es). Editor-Chefe Cleber Bianchessi Revisão Os autores Projeto Gráfico Alexandre Lemos Créditos da Capa Artista Visual - Vani Caruso | https://vanicaruso.com Conselho Editorial Dr. Adilson Tadeu Basquerote – UNIDAVI Dr. Ademir A Pinhelli Mendes – UNINTER Dr. Anderson Luiz Tedesco – UNOCHAPECÓ Dra. Andréa Cristina Marques de Araújo - CESUPA Dra. Andréia de Bem Machado – UFSC Dra. Andressa Graziele Brandt – IFC - UFSC Dr. Antonio Xavier Tomo - UPM - MOÇAMBIQUE Dra. Camila Cunico – UFPB Dr. Carlos Luís Pereira - UFES Dr. Cledione Jacinto de Freitas – UFMS Dra. Clélia Peretti - PUCPR Dra. Daniela Mendes V da Silva – SEEDUCRJ/UCB Dra. Denise Rocha – UFC Dra. Elnora Maria Gondim Machado Lima - UFPI Dra. Elisângela Rosemeri Martins – UESC Dr. Ernane Rosa Martins – IFG Dr. Everaldo dos Santos Mendes - PUC-Rio – ISTEIN - PUC Minas Dr. Helio Rosa Camilo – UFAC Dra. Helisamara Mota Guedes – UFVJM Dr. Humberto Costa - UFPR Dr. Juan Eligio López García – UCF-CUBA Dr. Juan Martín Ceballos Almeraya - CUIM-MÉXICO Dra. Karina de Araújo Dias – SME/PMF Dra. Larissa Warnavin – UNINTER Dr. Luciano Luz Gonzaga – SEEDUCRJ Dr. Luiz M B Rocha Menezes – IFTM Dr. Magno Alexon Bezerra Seabra - UFPB Dr. Marciel Lohmann – UEL Dr. Márcio de Oliveira – UFAM Dr. Marcos A. da Silveira – UFPR Dra. María Caridad Bestard González - UCF-CUBA Dr. Porfirio Pinto – CIDH - PORTUGAL Dr. Rogério Makino – UNEMAT Dr. Reginaldo Peixoto – UEMS Dr. Ricardo Cauica Ferreira - UNITEL - ANGOLA Dr. Ronaldo Ferreira Maganhotto – UNICENTRO Dra. Rozane Zaionz - SME/SEED Dra. Sueli da Silva Aquino - FIPAR Dr. Tiago Eurico de Lacerda – UTFPR Dr. Tiago Tendai Chingore - UNILICUNGO - MOÇAMBIQUE Dr. Willian Douglas Guilherme – UFT Dr. Yoisell López Bestard- SEDUCRS SUMÁRIO UM PREFÁCIO PARA MUITAS DANÇAS... ...............................7 APRESENTAÇÃO ................................................................................13 A PRESENTE AÇÃO A PRESENTEAR UM PRESENTE ............13 APRESENTAÇÃO ................................................................................15 A DANÇA NA HISTÓRIA E A HISTÓRIA DA DANÇA: POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NA ESCOLA ..............17 Roberta Gaio | Regina Penachione A DANÇA NA EDUCAÇÃO DA INFÂNCIA E A CONSTRUÇÃO COREOGRÁFICA: ENTRE O LÚDICO E A EXPRESSÃO CORPORAL ...........................................................56 Ida Carneiro Martins | Vivian Iwamoto DANÇA COMO LINGUAGEM E EXPRESSÃO NA ESCOLA: AÇÕES CRÍTICAS E CRIATIVAS ............................75 Roberta Gaio | Paloma T. F. Rocha A DANÇA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA PROPOSTA DE PRÁTICA EDUCATIVA PARA O TRABALHO COM CRIANÇAS .............................................................................................99 Karina Paula da Conceição | Roberto Gimenez | Ida Carneiro Martins DE ESCOLA PARA ESCOLA: O CARNAVAL COMO ESPAÇO DE APRENDIZAGEM SOBRE DANÇA ............... 110 Roberta Gaio | Paloma T. F. Rocha | Natalia Maesky Batista | Jaqueline Souza da Costa CONTEXTO FOLCLÓRICO NA ESCOLA: DESCOBRINDO, PRESERVANDO E DANÇANDO POR MEIO DAS METODOLOGIAS ATIVAS.................................. 138 Palmira Lira | Gina Guimarães DANÇA CRIATIVA: CONTRIBUIÇÕES DO LÚDICO PARA O DESENVOLVIMENTO DA EXPRESSÃO CORPORAL NA ESCOLA .............................................................. 165 Cristiane Camargo | Camila Panontim O BALÉ: DO PALCO À ESCOLA ................................................. 189 José Ivo Justino Junior | Iana Pereira Leão UM RELATO SOBRE CRIAÇÃO EM DANÇA COM CONTOS AFRICANOS NA ESCOLA PÚBLICA ................. 214 Jussara da Silva Rosa Tavares | Sidney Leandro de Oliveira AS BATALHAS DE HIP-HOP: CONTRIBUIÇÕES PARA A MANIFESTAÇÃO CRIATIVA DE ALUNOS E ALUNAS .. 230 Marília Camargo Araújo RESISTÊNCIA OU APROPRIAÇÃO? O FUNK BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO NAS AULAS DE ARTE E SUA RELAÇÃO COM JOVENS QUE VIVEM A PÓS- MODERNIDADE .............................................................................. 257 Maria Carolina Macari MÉTODO DANÇA EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA (MDEC): LABAN E A ARTE DO MOVIMENTO NA FORMAÇÃO DOS PROFESSORES .......................................... 274 Antônio Sérgio Milani | Mariana Mafra Vicentini | Victor Tchiya Soares FESTIVAIS ARTÍSTICOS: UMA PROPOSTA PEDAGÓGICA ................................................................................... 300 Tamiris Lima Patrício | Michele Viviene Carbinatto ORGANIZADORAS ......................................................................... 320 AUTORES/AUTORAS ..................................................................... 321 7 UM PREFÁCIO PARA MUITAS DANÇAS... O livro Dança na escola: reflexões e ações pedagógicas, organizado por Roberta Gaio e Tamiris Patrício, oferece-nos a possibilidade de nos movimentarmos pela polissemia da dança, configurada nos diferentes capítulos que o compõem. O enfoque é, de fato, uma compreensão da dança que não se separa da Arte, da Educação Física e da Pedagogia como áreas de conhecimento que acolhem essa expressão da cultura humana. Conforme vamos lendo, percebemos esse movimento sensível que nos faz sentir e que evoca sensações, sentimentos e sentidos. Entramos na dança e dançamos ao ler cada capítulo. Em cada texto, podemos perceber espaços, tempos, desenhos coreográficos que são capazes de amplificar nossa corporeidade e de projetar possibilidades para a educação, para o ensino e para a formação de professores e professoras. Os diferentes autores e autoras figuram como dançarinos/as, mestres de dança que compartilham suas paixões e experiências em dança. Assim, os textos expressam essa ligação com a experiência vivida, o que, do ponto de vista fenomenológico, enriquece o livro e sua variação temática, abrangendo refle- xões e ações em torno de questões de gênero, inclusão, cultura popular, aspectos históricos, estéticos e pedagógicos da dança, bem como colocam em cena hori- zontes para que a educação e o campo educativo, em geral, possam dançar. Sim, dançar: possibilitar a expressão de crianças e jovens, incentivando-os a criarem novas maneiras de ser e de estar no mundo de forma consciente, autônoma e criadora. As propostas apresentadas acolhem diferenças, trajetórias e compar- tilham possibilidades de sentir, de fazer, de pensar, de ser capaz, de unir razão e sensibilidade em um só gesto. Envolvi-me com a leitura de cada um dos TrezeCapítulos que compõe esse livro que considero um investimento na dança, no corpo e na educação. À guisa de Prefácio, um prefácio para muitas danças, trago minhas impressões de leitura, sendo também uma espécie de chamada ou abertura para convidar leitores e leitoras, em geral, a dançarem esta obra, a dançarem com esta obra. Roberta Gaio e Regina Penachione, no Capítulo de abertura, situam a dança no tempo e no espaço da cultura, alargando os horizontes de nossa visão, ao unir o passado e o presente de nossos gestos expressivos e, portanto, de nossa 8 existência humana que não se contenta só como movimento utilitário, por isso dança e inventa maneiras de celebrar a vida: Dançar a vida (Roger Garaudy). Este Primeiro capítulo também fundamenta o livro em sua integralidade, eu diria, posto que tece articulações entre a história da dança como expressão de educação, ao longo do tempo e em diferentes culturas, sendo essa a originalidade do capítulo e a aposta do livro Dança na escola: reflexões e ações pedagógicas. Essa e outras qualidades da obra contribuem para que este livro venha a se tronar uma referência para estudiosos, pesquisadores, professoras e professores de Arte, Educação Física e Pedagogia. No Segundo Capítulo, assinado por Ida Carneiro Martins e Vivian Iwa- moto, traz a dança em um contexto lúdico e expressivo, enfocando a coreografia na educação de crianças. As autoras ampliam a compreensão da dança no cená- rio das festas escolares, transformando esse espaço, ao delinearem o processo de construção da obra coreográfica desde a construção da história, cenários, figurinos, músicas e movimentos para experimentarem a dança e a festa como espaço de celebração e apropriação dos saberes e fazeres no espaço da educação. Na vertigem dançante deste livro, no Capítulo Três, Roberta Gaio e Paloma Rocha vêm nos envolver nos rodopios da musa Terpsícore, para compreendermos a dança na escola de forma ampla: como fenômeno da cultura. Tal tema, em sua grandeza, convoca as disciplinas de Arte, Educação Física e muitas outras para uma proposta interdisciplinar, baseada também nos estudos da complexidade de Edgar Morin. Fica claro que uma proposta disciplinar não poderia abranger este fenômeno, por isso o olhar da complexidade se faz urgente e necessário, sendo ético e estético a um só tempo. Neste capítulo, as autoras abordam a dança na escola como patrimônio cultural, portanto como possibilidade de criação de sentidos para nossa humanidade por meio da descoberta de nós mesmos, do outro e do mundo. Elas apresentam “sugestões pedagógicas” que envolvem a criação na dança por meio da experimentação do corpo no espaço, com o ritmo, com o peso do corpo e com o fluxo do movimento inspiradas também por Rudolf Von Laban. O Capítulo Quarto, de autoria de Karine Paula, Roberto Gimenez e Ida Carneiro Martins, apresenta uma proposta de dança na educação a partir de experiências com crianças. Neste percebemos o diálogo entre referências dos 9 campos da Arte e da Educação Física. A proposta considera aspectos tais como a musicalidade, a expressão corporal, a curiosidade, a cooperação entre outros elementos que podem orientar essa prática. Roberta Gaio e suas colaboradoras Paloma Rocha, Natália Batista e Jaqueline da Costa assinam o Capítulo Cinco: De Escola para escola, o carnaval como espaço de aprendizagem sobre dança. O texto carnavaliza a dança e a educação no melhor sentido, abrindo alas para a alegria do corpo em uma expressão tão cara a nossa cultura brasileira. Seguimos a leitura e, no Capítulo Seis, escrito por Palmira Lira e Gina Guimarães, entramos no espaço-tempo encantado das danças chamadas fol- clóricas, populares, tradicionais. Que beleza! Esse universo me emociona em sua poética expressiva, lírica, sentimental no sentido sublime do termo. No capítulo, as autoras atualizam esses conteúdos por meio de metodologias ati- vas, promovendo um diálogo entre a tradição e os suportes tecnológicos para explorar plataformas, vídeos e instrumentos pedagógicos como possibilidades dançantes. Eu não poderia deixar de citar aqui o livro Uma educação tecida no corpo, escrito por Rosie Marie Nascimento de Medeiros, que faz eco a esse universo simbólico das danças brasileiras. Essas danças em seus repertórios gestuais e simbólicos nos fazem perceber quem somos e expressam nossa capacidade de criar e recriar o passado e o presente de nossas histórias pessoais e coletivas necessárias à educação. No Capítulo Sete, Cristiane Camargo e Camila Penatin apresentam a dança criativa, seu aspecto lúdico e expressivo como possibilidade para a dança na escola. As autoras trazem exemplos preciosos de aulas no Ensino Fundamental I e II com base na improvisação e ludicidade dos movimentos que fazem vibrar o corpo e a educação, vivificando a escola de forma sensível, estética, criativa e criadora. Um livro sobre dança não poderia deixar de abordar a técnica clássica. Então, o Balé vai do palco à escola com José Ivo e Iana Leão, no Capítulo Oito, aponta possibilidades de ensino, enfocando a legislação brasileira e a obriga- toriedade deste ensino que envolve diferenças entre a escola formal e a escola específica de dança. Os autores mostram a riqueza dos Balés de Repertório (O Lago dos Cisnes, Dom Quixote e outros), as habilidades motoras, as especificidades 10 da técnica clássica na construção dos movimentos estéticos do Balé, entre outras nuances na experiência com crianças de 3 a 6 anos de idade que podem inspirar outras pessoas. Penso aqui em uma possibilidade de cogitar o Balé, a técnica clássica, por meio dos estudos da corporeidade que, a meu ver, enriquecem e dão outro tom à percepção do Balé e dos balés. O Capítulo Nove é assinado por Jussara Tavares e Sidney Oliveira, que relatam a experiência de um projeto colaborativo entre alunos da Universidade Federal de Sergipe e de uma escola da rede pública em torno da criação de dança, tendo por matéria-prima contos africanos e danças de Orixás. Ao ler este capítulo, percebem-se “os rodopios pelo chão da escola” - e também pelo chão da Universidade - na busca de dar sentido ao fazer pedagógico e ao artístico da dança por meio de diferentes laboratórios, apreciação de vídeos, construções coreográficas, composições individuais e coletivas que realçam experiências diversas como “lugares de escutas e visibilidades táteis, projetadas em uma complexa sensibilidade do imaginário”. As Batalhas de Hip Hop são trazidas no Capítulo Dez, por Marília Camargo Araújo, como manifestação criativa para que os alunos e as alunas possam conhecer e reconhecer essa expressão da cultura jovem por meio do grafite, da música e da dança em um universo poético e estético que faz vibrar potenciali- dades educativas e artísticas. No contexto da Escola e das Batalhas, o professor, a professora intermediam, no convívio com os jovens e em meio às suas reivin- dicações, expressões de singularidades, identidades e pertencimentos. O Funk marca presença no Capítulo Onze, escrito por Maria Carolina Macari, fazendo eco ao capítulo anterior. Maria Carolina reflete sobre esta expres- são cultural e suas possibilidades para o ensino da dança na escola. Ambos os capítulos atualizam e criam horizontes para a dança na escola e para a expressão de uma cultura juvenil, fundamental e desafiadora em tempos contemporâneos. No Capítulo Doze, Antônio Milane, Mariana Vicentini e Victor Soares trazem o Método Dança Educação Contemporânea (MDEC), baseado nos estu- dos de Laban, como possibilidade para pensar a formação de professores/as de dança. A leitura deste capítulo me trouxe a presença de Edson Claro e do Método Dança Educação Física (MDEF), criado nos anos 1980, que considero pioneiro no Brasil, ao construir a ligação entre dança e educação física, abran- 11 gendo ainda sua expressão como consciência corporal, uma abertura prática incrível para os estudos da corporeidade, da Dança e da Educação Física que precisamser estudadas, vivenciadas e compartilhadas. Penso que um diálogo se faz necessário entre as abordagens para que possamos valorizar e aprender com nossa dança e com nossos pioneiros. O Capítulo Treze, assinado por Tamiris Patricio e Michele Carbinatto, encerra esta bela obra. Não se trata de um fim, pois temos aqui uma nova abertura com a perspectiva dos Festivais Artísticos. As autoras apresentam, em detalhes, a proposta pedagógica de um festival desta natureza, enfocando a encenação de práticas corporais e a gestualidade poética do movimento como potencialidades de uma educação estética. Com base na fenomenologia, nuançam a experiência estética e o potencial expressivo do corpo como experiência cultural que educa todos os envolvidos no processo. Desde a idealização, construção e execução, o festival apresenta-se como uma extraordinária possibilidade de experiência educativa por meio de sentidos estéticos. Eis aqui uma mostra do livro Dança na escola: reflexões e ações pedagógi- cas, em capítulos, que podem ser lidos, em conjunto ou separadamente, posto que muito bem articulados em seu propósito. Ao ler este livro, também pude rememorar minha própria trajetória na dança, na educação física e na filosofia. Mergulhei em um tempo dançante. Este tempo me acolhe e, nesta imersão, a memória inscrita no corpo evoca, cria e recria sentimentos, desejos e pensa- mentos que, por sua vez, tomam posse do espaço, tornando-se palavras-danças ou palavras que podem ser dançadas. Palavras dançantes que são também um convite para entrar na dança, para sentir com as pessoas que assinam este livro diferentes possibilidades que o movimento da dança é capaz! Este prefácio, escrito para muitas danças, é uma forma de agradecimento e um convite para que os/as leitores/as se ponham a dançar... A dança é uma forma de tempo, afirma Paul Valéry, portanto propicia uma forma de êxtase, sendo não apenas expressão artística ou divertimento – o que já é excepcional – mas, sobremaneira, uma forma de celebração da vida e de nossa sensibilidade. Gosto dessa compreensão que conecta a temporalidade da dança com aquela do corpo e de nossa existência, preenchendo o espaço de nossas ações, desenhando fluxos para nossa percepção e criando sentidos que 12 atravessam e constituem nossa temporalidade. Assim, a dança é maior que a coreografia, que tem seu lugar como escrita dessa mesma dança, e, quem sabe, uma tentativa de prolongar o êxtase, o elã vital que a dança é capaz de criar, de reverberar e de projetar. Por essas e por outras razões, esse livro é muito bem- -vindo em um momento em que precisamos nos apoiar na pulsão de vida. Nesse sentido, a dança e a leitura têm essa possibilidade de abrir mundos imaginários, possibilitando ações e reflexões generosas, éticas e estéticas como as que são apresentadas neste volume. Petrucia Nóbrega Natal, março de 2021 13 APRESENTAÇÃO A PRESENTE AÇÃO A PRESENTEAR UM PRESENTE A partir da Filosofia Apresentação é um termo utilizado por Husserl para designar a experiência indireta que o eu tem dos outros eus, “nos dá o que, nos outros, nos é inacessível no original; por ela, “uma outra mônada constitui-se em minha”. É uma apercepção por analogia. (Abbagnamo) Nesse sentido, aproprio do meu eu para apresentar em um caminho complexo de a presentar ação um eu que inspira e transpira por meio de seu valioso SER um presente constante para todos nós: Roberta Gaio e suas Obras. É com muita alegria e honradez que apresento mais uma Obra de extrema importância para área de Dança, Cultura, Ginástica, Educação Física e Educação de forma geral, evidenciando a grande relevância dos diversos olhares acerca das particularidades, trabalhos, estudos e seus autores realizados nos diferentes cantos e encantos do Brasil. Aceitar o convite para apresentar esse Livro me responsabiliza em demons- trar e valorizar a amplitude de relações encontradas nos textos apresentados pelos/as autores/as, bem como, afirmar o compromisso de cada um/a com suas pesquisas, ações, experiências e realizações ao longo de um cotidiano de com- promisso com o ensino, pesquisa e extensão nas áreas em questão. Para tanto, desejo inicialmente expor e mostrar um pouco do tanto que é a Roberta Gaio, mulher, professora, pesquisadora e autora de inúmeros trabalhos ao logo da sua Vida. É necessário ressaltar a diversidade de conhecimentos, saberes e fazeres e aprofundamento em que ela se compromete na ação de agregar tantos eus em sua cultura de estudar, pesquisar e publicar para seus/suas leitores/as. Doutora Roberta Gaio tem em seu percurso histórico uma relação íntima com a práxis em áreas rítmicas e que foram se ampliando, conforme sua rotina de estudos e trabalhos produzindo, dessa forma, uma vasta comunicação de obras importantes com especiais profissionais em áreas expressivas da Ciência Brasileira. 14 O Presente que aqui nessas páginas apresento, vai além do tempo e se transforma num valioso meio de transformar o nosso eu e o próprio tempo de aprender, reaprender e transcender as nossas reflexões em ações de elo e cumplicidade com aquilo que cada um de nós acreditamos para uma coletiva construção de sentido e significado para atuação profissional. Conhecer Roberta Gaio é um Presente para todos/as que possuem essa privilegiada oportunidade. Sua intensidade e amor por tudo que se aproxima traz motivos de celebração, já que uma das suas características é se aproximar de pessoas que desejam produzir, incansavelmente, nas suas CRIAÇÕES E EXPRESSÕES. Compartilho da Poesia tão Viva de Machado de Assis para esse Pre- sentear da Dra. Roberta Gaio, Ms. Tamiris Patricio e seus/suas Convidados/ as com cuidadosos textos e seu abrangente alcance: Você é aquilo que ninguém vê. Uma coleção de histórias, estórias, memórias, dores, delícias, pecados, bondades, tragédias, sucessos, sentimentos e pensamentos. Se definir é se limitar. Você é um eterno parênteses em aberto, enquanto sua eternidade durar. (Machado de Assis) Parabenizo vocês pela Dança de Vida em que cada um/a apresentou nesse livro, sem dúvidas vocês contribuem e enriquecem essa ARTE que precisa ser conhecida, reconhecida, dançada e transformada nesse PALCO tão crítico, criativo, reflexivo e artístico: ESCOLA. Dançar na Vida com vocês é significativo para que nós, coletivamente, construamos ARTE, DANÇA com mais fluidez para seu repertório transbordar e envolver um novo ritmo de pensar, sentir e agir na nossa Escola. DANÇA NA ESCOLA: REFLEXÕES E AÇÕES PEDAGÓGICAS nos brindará com visões da Dança em sua contextualização plural de atuação na vida dos Seres Humanos. Os diversos temas abordados pelos/as autores/as são possibilidades de uma compreensão mais ampla do trato da Dança desde sua História a sua presença no lócus ESCOLAR, ampliando assim, as possibi- lidades e limitações encontradas nesse Processo da ARTE DE APRENDER E ENSINAR na Educação Escolar. Ana Angélica Freitas Gois Aracaju/Verão de 2021 15 APRESENTAÇÃO Sempre considero um desafio quando solicitam algo para eu escrever. Isso porque quando as pessoas depositam em mim credibilidade e confiança, busco sempre o meu melhor. Entretanto ao receber o convite para apresentar ao/a leitor/a esse livro, senti-me mais agradecida do que desafiada, isso porque o recheio desse livro trará enormes saberes a uma área do conhecimento por mim percorrida e sempre em busca de informações em bibliotecas e experiências vividas. A dança é uma arte que diverte e integra além de proporcionar uma grande possibilidade em unificar pessoas. Nas crianças os movimentos espon- tâneos emergem da sua imaginação dando sustentação a movimentos mágicos, por vezes jamais por nós construídos ou tão bem elaborados. Ensinar dança as crianças é muito mais aprender dança com elas, pois seus movimentos são diversificados e garantem expressões corporais inimagi- náveis por nós. O que realmente podemos fazer nesses momentos é incentivar movimentos livres ereforçar os mais variados ritmos. Através do sentir, perceber e conscientizar ritmicamente os movimentos conseguimos extrair dessas crianças as oportunidades e potencialidades nas grandes harmonias dos seus movimentos. A evolução do seu domínio corporal vai depender da nossa ação pedagógica que, quando aplicada com sabedoria, não irá engessar as suas criatividades. A dança propõe um instrumento também de comunicação que acontece de diversas maneiras de expressões e movimentos. Assim sendo, nós profissionais da dança, temos o dever de fornecer con- dições, ao alcance de todos, desde a percepção, o entendimento e a interação para a participação e igualdade de oportunidades no exercício do prazer da dança. Se oferecermos a vivencia da arte da dança a todos, ampliaremos a sua abrangência, sobretudo norteando experiências significativas motivadas por interesses e intencionalidades. Sabemos que o desenvolvimento integral do ser humano pressupõe a sua participação na sociedade como ser criativo respeitando suas habilidades motoras 16 e intelectuais, e a dança poderá ser a grande motivação na busca inspiradora dessa formação para a sua libertação de escolha, diversão e prazer. Esse livro aborda todas essas garantias mostrando ao/a leitor/a a impor- tância de ser feliz quando se dança. Mari Gandara Ex-diretora e professora de dança da FAEFI PUC Campinas - Verão/2021 17 A DANÇA NA HISTÓRIA E A HISTÓRIA DA DANÇA: POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS NA ESCOLA Roberta Gaio Regina Penachione O tempo e o espaço estão sempre presentes no desenvolvimento da Civilização e da Cultura. (RAMOS, 1982, p. 15) INTRODUÇÃO É de nosso interesse que este texto possa ser um referencial para os/as docentes interessados/as no trabalho pedagógico de arte na educação básica, com foco nos acontecimentos que marcaram as ações humanas, desde os tem- pos primitivos até os dias atuais, no surgimento das linguagens artísticas, em especial, da dança. É intuito, também, propor ações pedagógicas interdisciplinares entre diversas áreas de conhecimento, especificamente, entre a Arte e a Educação Física, que possam auxiliar na construção de projetos em que os/as alunos/as possam ser os/as protagonistas na construção do conhecimento por meio de processos artísticos e estéticos. Assim, num primeiro momento, o olhar se volta para o passado, no anseio de se estruturar um panorama da evolução histórica do fazer artístico, dos sentidos e as possíveis conexões com a sociedade em cada período. É evidente o quanto a arte sempre esteve presente e ainda está na vida do ser humano, como uma característica da sua existencialidade cultural, porém os fatos, muitas vezes, mostram detalhes que evidenciam a não linearidade da evolução histórica, das manifestações artísticas e fica claro, nas palavras de Brandão (1997, p. 13), que, muitas vezes, “tudo está mudando, mas nada mudou; a não ser um novo olhar sobre o mesmo fenômeno”. A arte é uma construção humana e como tal se efetiva no corpo, pelo corpo e a partir da realidade do corpo, no percorrer da história da humanidade. Essa relação arte e corpo, como um hibridismo, fruto da subjetividade do ser e 18 Roberta Gaio | Tamiris Lima Patrício (org.) estar no mundo, percebe-se, nas palavras de Merleau-Ponty (2009, p. 132), “Meu corpo é o único meio que possuo para chegar ao âmago das coisas, fazendo-me mundo e fazendo-as carne”. Sobre esse hibridismo humano Tucherman (1999, p. 29) nos leva a pensar na dança como um elemento cultural fundamental quando diz que Daí a importância da dança, como manifestação da cumplicidade entre o mundo físico, biológico e humano, de certa forma responsável pela ‘recriação do universo’ e pela captura do que ele tem de fluxos, rupturas e medi- das. A dança recolhe os fragmentos caóticos do cosmo e do corpo e dá-lhes um sentido originário imanente à própria dança, que, produzindo este sentido, o fará ser rememorado pelo mito (...). Acredita-se que a dança tenha surgido desde os primórdios da humani- dade, que antes mesmo de falar, o ser humano tenha se comunicado por meio de gestos e expressões. Antes de se exprimir por meio de uma linguagem oral, o ser humano dançou. A dança foi uma das formas de arte mais viva e uma representação da linguagem gestual como forma de comunicação. O ser humano sempre se expressou por meio dos movimentos corporais, pela dança, manifestou-se e se comunicou consigo mesmo, com o outro e com o mundo. Esse rico universo cultural produziu história, que se estruturou como um campo de pesquisa em que se constata o estudo das narrativas históricas e a memória dessa linguagem artística nas mais diferentes civilizações desde a pré-história, época de seu surgimento, até os dias atuais. Nos estudos sobre a história da dança, no tempo e espaço, encontram-se várias influências culturais de diversos países onde ocorreu e ainda ocorre a dança e sua importância como forma de expressão e comunicação, compreendida por todos os povos, por mais distantes que estejam uns dos outros, ou como nos coloca Porpino (2006, p. 28) Dançar... essa arrebatadora forma de expressão que nos faz entrar em contato com nossa realidade humana imperfeita, inexplicável e tão maravilhosamente plástica. Pensar na dança é pensar nos muitos momentos em que a comunicação escrita ou falada não foi suficiente para expressar as angústias ou o desejo de poetizar. 19 Dança na Escola A dança é uma manifestação que promove o descolamento cultural, em função do seu conteúdo, que representa as sociedades através dos tempos, ora como forma de expressão artística, ora como objeto de culto aos deuses, ou como simples entretenimento. A dança se encontra em diversos espaços e, muitas vezes, é reinventada, recriada, refeita e ressignificada. O homem primitivo dançava por alegria, pela dor, por amor, pelo temor. Dançava ao amanhecer, ao anoitecer, para a chuva, para a semeadura e para a colheita, para as estações do ano. Dançava para o nascimento, para a puberdade, para o casamento, para a guerra, para a vitória, para a caça, para a morte. Dançava para qualquer acontecimento repentino, inexplicável e atemorizante para a comunidade, buscando a proteção. (WOSIEN, 1996 apud ALMEIDA, 2005, p. 67) É o corpo que dança, espalha cultura aos ventos e se refaz a partir de novos sentidos e significados. Assim a dança é uma manifestação cultural dinâ- mica, viva e, com certeza, eterna, pois, como diz Faro (1986, p. 10), “a dança, em suas diversas manifestações, está de tal modo ligada à raça humana que só se extinguirá quando esta deixar de existir”. Desde o início da civilização até os dias atuais, a dança tem sido uma grande possiblidade de representação dos desejos, das paixões, das angústias, das emoções, dos sentimentos e dos pensamentos humanos. Segundo Tavares (2005, p. 93), Existem indícios de que o homem dança desde os tem- pos mais remotos. Todos os povos, em todas as épocas e lugares dançaram. Dançaram para expressar revolta ou amor, reverenciar ou afastar deuses, mostrar força ou arrependimento, rezar, conquistar, distrair, enfim, viver! A dança apresenta funções e sentidos ligados aos diversos acontecimentos sociais, políticos, econômicos, culturais e outros e, assim, quando inserida no contexto educacional, oferece aos/as discentes possibilidades de se conhecerem, de criarem, de apreciarem e se desenvolverem, expandindo as possibilidades pessoais do corpo, entre afetos e emoções, muitas vezes, não manifestos. 20 Roberta Gaio | Tamiris Lima Patrício (org.) A arte, em especial a dança, contribui para a formação do ser humano. Como diz Charlot (2013, p. 44), “Educação e Arte são duas formas de construir o ser humano. Não é de se admirar, portanto, que, a cada época, suas lógicas profundas condigam”. Então vamos viajar pelos períodos históricos e refletir sobre eles, trazendo à baila “quando o corpo se põe a dançar” (NÓBREGA, 2015, p. 39), pois (...) as sensações, a memória,a palavra, os gestos do corpo instauram um logos estético fundado na poièsis, na criação e na prosa do mundo. Essa ontologia sensível da criação inaugura mundos: o mundo da pintura, da palavra, dos gestos, da expressão que se torna obra. Obra de linguagem, de palavras com a literatura e a filosofia; obra de movimento, como a dança, o teatro, a pintura. (NÓBREGA, 2015, p. 39, grifo nosso) DANÇAS PRIMITIVAS O ser humano, nos primórdios do seu primitivismo, segundo Ramos (1982), tinha duas grandes preocupações, entre tantas outras tarefas cotidianas: atacar e defender. Foi um grande período de descobertas e todo o universo cultural, incluindo a arte em geral, e a dança, em especial, era fruto da busca constante pela sobrevivência. Aterrorizado por tudo que o cercava, o homem primitivo considerava sua sobrevivência como favor dos deuses, dando à sua vida, por conseguinte, sentido ritual. De várias formas, não somente empregando a dança, mani- festava seu misticismo. (RAMOS, 1982, p. 16) As danças primitivas datam de 9.000 a 8.000 a.C., no denominado Período Paleolítico, no qual os seres humanos eram nômades, e se acentuam no Período Neolítico, de 8.000 a.C. a 5.000 a.C., em que os seres humanos se tornaram sedentários com a agricultura, a domesticação de animais e a produção de cerâmica, entre outros fatores. São consideradas uma das formas de comu- nicação mais antigas existentes, porque há indícios de que o ser humano, antes de falar, já realizava movimentos de dança para se expressar, quando batiam os pés no chão e conjugavam os passos com as mãos por meio de palmas. Para o homem primitivo, com os olhos sempre voltados para o céu, o mundo e as forças naturais formavam uma 21 Dança na Escola unidade. Ele devia subsistir mediante duros esforços, con- siderando sua sobrevivência como um favor dos deuses, por conseguinte, tendo um sentido ritual. A dança, desde o paleolítico superior, tornou-se atividade física derivada, mística e lúdica, indicando um estado de alma menos cruel, um despontar de sentimentos do homem primitivo. Por ela lhe é comunicado o poder dos deuses e agrade- cidas às mercês deles recebidas. (RAMOS, 1982, p. 54) Essas danças e seus movimentos, executados pelos seres humanos pri- mitivos, ficaram registrados na arte rupestre, ou seja, em desenhos gravados em rochas, nas paredes das cavernas e galerias subterrâneas, representando cenas diversas, entre elas de caça, pois, pela representação pictórica, acreditavam alcançar determinados objetivos como abater um animal, por exemplo. Assim, Na sua manifestação mais elementar, a dança pode aparecer como produto duma descarga emocional no indivíduo, mas, imediatamente, socializada. (...) A mais elementar em todas as artes consiste na simples repetição. Uma repetição dos gestos próprios da descarga sentimental é já uma forma de dança, individual neste caso, e que, em progressiva estilização, pode ser comunicada ao coro, a um grupo mais ou menos abundante de pessoas que repetem em soma aritmética o gesto estilizado. Semelhantes gestos são miméticos da dor, dos trabalhos do homem – ceifeiros, remadores – do oferecer o sexo, do ferir com lança, disparar setas a uma vítima na luta ou na caça, tudo gestos que se transmitem à dança por simples processo elementar de magia imitativa e sua estruturação tem um aspecto de dança simbólica. O tempo passa, o significado mágico perde-se, mas o gesto estilizado fica. (SALAZAR, 1949, 14) É fato que o ser humano primitivo dançava para se comunicar e repre- sentar todas as formas de acontecimentos, celebrando a natureza, as lutas, como forma de cultuar o físico, os rituais religiosos, a fecundidade, a vida, a morte, a felicidade e a saúde. Nessas eras, a dança estava ligada diretamente à sobrevivência porque, os seres viviam em tribos isoladas e se alimentavam da caça, da pesca, de vegetais e frutos colhidos da natureza e, assim, criavam rituais de dança para impedir qualquer evento natural que prejudicasse essas atividades. 22 Roberta Gaio | Tamiris Lima Patrício (org.) As pinturas rupestres encontradas em cavernas, como as de Altamira na Espanha, a de Lascaux na França e até mesmo na Serra da Capivara, no Piauí, demonstram que o ser humano primitivo imitava os movimentos dos animais e saudava a natureza. Essas pinturas rupestres, muitas vezes, representavam cenas de pessoas em roda, dançando em volta de animais e vestidas com suas peles; pareciam figuras correndo e saltando, imitando os movimentos e posturas desses animais. (RAMOS, 1982) Como nas palavras de Portinari (1989, p. 11), De todas as artes, a dança é a única que dispensa mate- riais e ferramentas, dependendo só do corpo. Por isso dizem-na a mais antiga, aquela que o ser humano carrega dentro de si desde tempos imemoriais. Antes de polir a pedra, construir abrigo, produzir utensílios, instrumentos e armas, o homem batia os pés e as mãos ritmicamente para aquecer e se comunicar. Pode-se dizer que a dança auxiliou o ser humano primitivo no seu desen- volvimento (até certo ponto social), como forma de participação em grupo, e intelectualmente, despertando nele outros sentimentos, como o prazer, revelando ainda mais o caráter artístico na adoração por algum elemento ou pelo medo de tudo o que não tinha explicação. Assim o ser humano “criou com o próprio corpo padrões rítmicos de movimentos”, desenvolvendo também um “sentido plástico do espaço”. (MENDES, 1987, p. 6) O ser humano, a partir do Período Neolítico, torna-se sedentário, fixa residência em lugar determinado, começa a plantar para se alimentar, criar e domesticar animais para sua sobrevivência. Pode-se dizer que, com base nisso, surgiram a agricultura e a pecuária que foram se aprimorando ao longo da evolução humana. Agora a organização do trabalho se refere à caça, à trituração de raízes, sementes e folhas para a sobrevivência comum. Muitos desses trabalhos eram efetuados por marcações rítmicas, tais como, pancadas e gritos. As danças, então, representavam os festejos do ser humano primitivo à terra, ao preparo do plantio, as celebrações das colheitas e da fertilidade dos rebanhos. Os movimentos dançantes para essas festividades representavam uma 23 Dança na Escola forma de o ser humano estar em sintonia com a natureza, para dela receber o que por ele havia sido programado. Como afirmam Rengel e Van Langendonck (2006, p. 9), “Imaginamos que as danças dessas épocas eram a expressão do que o homem sentia em relação a seu mundo”. Até mesmo nas palavras de Franco e Ferreira (2016, p. 266), (..) como todas as artes a dança é fruto da necessidade de expressão do homem, representando, naquele período, todas as formas de acontecimentos sociais: o nascimento, o casamento, a colheita, a caça, festa do sol, da lua. Dessa forma, a dança, para o homem primitivo, estaria total- mente ligada à magia. Com o passar do tempo, o ser humano evoluiu com suas descobertas sobre as possibilidades que o mundo lhe oferecia e com suas novas habilidades, o que lhe proporcionou, de certa forma, o domínio do mundo; organizou-se socialmente e tatuou na sua história outro período. A escrita lhe introduziu ao período denominado Antiguidade com novas formas de se expressar e dançar. Dessa forma, percebe-se que a dança, como linguagem e comunicação, sempre existiu, “desde os povos pré-letrados, cuja vida costuma ser pautada por estreitas ligações com sua mitologia, até os diversos modismos da civilização contemporânea”. (PELLEGRINI FILHO, 1986, p. 9) DANÇA NA ANTIGUIDADE Em se tratando de movimento, em especial da dança, embora muitos estudos nos levem para a antiguidade clássica greco-romana, que também será foco deste texto, não podemos deixar de olhar para além e trazer os fatos da civilização oriental, que muito contribuiu com o desenvolvimento da dança enquanto manifestação expressiva, estética e cultural, pois, para Ramos (1982, p. 17), “não é exagero afirmar que a civilização ocidental,no seu passado esca- lonado no tempo, mais recebeu da oriental do que a ela deu”. 24 Roberta Gaio | Tamiris Lima Patrício (org.) No Oriente A. Egito As manifestações da dança para a civilização egípcia tinham razões diversas, desde caráter sagrado ou divino, executadas em homenagem aos deuses, celebrações à natureza, rituais fúnebres e casamentos, dentre outros, danças pro- fanas, que aconteciam em homenagem aos vivos até danças civis, que ocorriam com pessoas comuns. (RENGEL; VAN LANGENDONCK, 2006) No decorrer de sua longa história, da época neolítica até o ano 30 antes de nossa era, o Egito praticou ampla- mente a dança, na forma de dança sagrada, depois de dança litúrgica – principalmente litúrgica funerária – e, enfim, de dança de recreação. (BOURCIER, 2006, p. 14) Para os egípcios a dança representava a melhor manifestação de seus sentimentos, principalmente, para homenagear os deuses. Os registros encon- trados, como pinturas em paredes e vasos egípcios, evidenciam que as danças apresentavam movimentos fortes, angulosos e com pouquíssima utilização dos saltos. (RENGEL; VAN LANGENDONCK, 2006) De acordo com Ramos (1982, p. 77), “conheciam os egípcios as danças expressionistas, ginastas, de imitação, guerreiras, sátiras, dramáticas, líricas, diti- râmbicas, fúnebres e religiosas, realizadas individualmente, por pares ou grupos”. As danças também eram apresentadas em festas religiosas e em funerais. Nos funerais, havia os ditos “Muu”, personagens que, de repente, surgiam e vinham ao encontro do enterro, dançando em duplas. Os egípcios acreditavam que os movimentos desses dançarinos asseguravam ao morto a ascensão a uma nova vida. (BOURCIER, 2006) Existiam também as danças profanas, que aconteciam nos banquetes em honra aos vivos ou aos mortos, e as para entregar recompensas a funcionários ou por ocasião de elevação de cargo. Sobre isso Bourcier (2006, p. 15) questiona: “Os numerosos documentos iconográficos em que figuram, com leves modi- ficações indumentárias através dos tempos, evocariam demônios infernais ou funcionários sacerdotais especializados?” Diversos registros mostram a dança egípcia como severa, angulosa, com movimentos acrobáticos e jogo do corpo para trás, como ponte: pés e mãos 25 Dança na Escola apoiados no solo, sustentando o corpo arqueado. “Um belo exemplo deste movimento é dado pelo célebre ‘fragmento da dançarina’, conservado no museu egípcio de Turin”. (BOURCIER, 2006, p. 16) B. Índia “A civilização indiana não separava o sagrado do profano, nem o espírito da matéria e mantinha uma relação divina com a natureza.” (TADRA et al, 2012, p. 19) Segundo a tradição hindu, a dança foi uma criação divina e não humana. De acordo com os Vedas, textos sagrados do hinduísmo, a humanidade aprendeu a dançar por meio da relação com o divino. Essa característica faz o tempo e o espaço se tornarem eternos, quando o assunto é a dança, pois (...) podemos imaginar uma grande ponte ligando tem- pos e espaços distantes e diversos. É interessante notar que, em pleno século XXI, em países como a Índia, por exemplo, dependendo da região, a tradição de danças que foram passadas de geração a geração se conserva e elas são praticamente imutáveis. (RENGEL; VAN LANGENDONCK, 2006, p. 14) Como os deuses eram excelentes dançarinos, e a sua arte marcava todos os momentos da existência, era quase impossível dissociar a dança de valores eternos advindos da religião. “Na milenar civilização da Índia, os conceitos de energia, sabedoria e arte brotam de uma mesma raiz divina que produz e coordena a vida”. (PORTINARI, 1989, p. 41) Na Índia, “as danças aparecem como atributo à Shiva que, junto com Brahma e Vishnu, formam a trindade básica do hinduísmo. (...) também é chamado de Nataraja, ou seja, ‘senhor da dança, que cria, destrói e recria o uni- verso”. (PORTINARI, 1989, p. 41). Assim, há inúmeros exemplos de dança, pois os hindus procuravam sempre uma união com a natureza por meio de suas danças e músicas. As danças indianas são de extremo requinte quanto à expressão corporal e tinham o princípio de que “o corpo inteiro deve dançar” (PORTINARI, 1989, p. 42), por isso apresentam movimentos muito elaborados de pescoço, olhos, boca, mãos, ombros e pés (diferente do que acontece no ocidente). 26 Roberta Gaio | Tamiris Lima Patrício (org.) Cada gesto tem um significado místico, afetivo e espiritual. Os gestos das mãos são chamados de mudras e alguns registros apontam 24 movimentos de cabeça, 4 para pescoço, 6 para sobrancelhas, 44 para os olhos, 57 para as mãos, 9 para as pálpebras, 6 para o nariz, 6 para os lábios, 7 para o queixo, entre outros, cuja representatividade se verifica na dança indiana Bharatanatyam. (RENGEL; VAN LANGENDONCK, 2006) O objetivo da dança indiana é o visual, pois os gestos são muito artísti- cos e agradáveis, e os trajes e ornamentos complementam sua beleza. Ela não separa a vida material da vida espiritual, pois corpo e alma não estão separados. As danças são passadas de geração a geração, até hoje, a dança indiana é ligada ao misticismo e à religião, por isso as escolas de dança funcionam junto aos santuários. Uma das danças mais importantes mantidas até hoje é a de Shiva (deus da dança), que representa a criação do universo e o cuidado com o mundo para que ele esteja sempre em harmonia. Algumas danças indianas são chamadas de ragas. Cada raga tem suas cores e representa certos poemas que se referem a lendas que falam das estações do ano ou das horas do dia. Essas lendas e seus perso- nagens são representados em algumas pinturas hindus. (RENGEL; VAN LANGENDONCK, 2006, p. 14) Vale destacar, ainda que fora do tempo, mas necessário neste espaço, que, apesar do processo de globalização ter unido lugares e costumes e tenha resultado na adoção de inúmeros costumes europeus, a Índia manteve-se alheia ao ballet ocidental, ao contrário do que ocorreu na China e no Japão. Sua dança permanece vinculada a tradições milenares tanto nos temas que aborda quanto nas formas de execução. (PORTINARI, 1989, p. 43) No Ocidente A. Grécia Na Grécia, assim como no Egito e na Índia, a dança também apresentava um caráter divino, mas se tornou mais acessível a todos na vida cotidiana e na 27 Dança na Escola comunicação entre os homens, contribuindo para as primeiras formas de dança como arte cênica, fazendo parte das manifestações teatrais. Quando começaram a perder o costume religioso, as danças passaram a fazer parte das comemorações dos Jogos Olímpicos (até hoje presentes nesses eventos, em especial nas aberturas), da educação e da vida diária da civili- zação grega. De seu nascimento à morte, a civilização grega é com- pletamente impregnada pela dança. Ritos religiosos, pan-helênicos ou locais, cerimônias cívicas, festas, edu- cação das crianças, treinamento militar, vida cotidiana, a dança está presente por toda a parte. Comprovam-na milhares de documentos em figuras e textos. É possível acompanhar com uma precisão bastante satisfatória a evolução das ideias orquésticas através da cultura grega. (BOURCIER, 2006, p. 19) Segundo os grandes filósofos gregos, a dança ocupava um lugar de destaque na civilização grega, porque auxiliava na construção de corpos torneados e esbel- tos que inspiravam artistas e preparavam fisicamente os soldados para a guerra. A opinião de filósofos e poetas era muito respeitada nessa cultura. Segundo o filósofo Sócrates (470 – 399 a.C.), a dança formava um cidadão completo e nunca era tarde para se aprender a dançar. Ele, já adulto, aprendeu a dançar a menphis, ou a dança Mefítica, dedicada a Atena, deusa da Justiça. (RENGEL; VAN LANGENDONCK, 2006, p. 12) Conforme nos informa Portinari (1989, p. 33): O corpo esbelto e bem torneado do adolescente sim- bolizava a própria beleza para os gregos e constituiu permanente fonte de inspiração para os artistas. Para se ter um corpo assim era preciso exercitá-lo no esporte e na arte da dança. Ambos integravam,pois a formação do soldado-cidadão desde a infância. (...) Os filósofos se manifestaram a favor da dança na educação, fosse como complemento artístico, fosse como exercício saudável para se obter uma boa musculatura. Os cidadãos gregos acreditavam no poder das danças mágicas, por isso usavam máscaras e dançavam para seus inúmeros deuses que eram cultuados de 28 Roberta Gaio | Tamiris Lima Patrício (org.) diferentes maneiras. Uma das divindades gregas mais conhecidas é Dionísio, Deus da fertilidade e do vinho, da embriaguez, do êxtase, do impulso inconsciente. Várias festividades aconteciam em homenagem a este Deus múltiplo, como por exemplo, o banquete que acontecia no Monte Parnaso, na cidade de Delfos, paralelamente, aos Jogos Píticos, em que somente homens participavam; naquela ocasião, a dança dionísica era executada por mulheres e ocorria de forma bastante livre e improvisada, significando alegria e diversão ou em homenagem aos mortos, entre outras formas. (HAAS; DIAS; LEAL, 2017) Em outros momentos, havia espaços específicos de homens, e a dança dionísica se transformava, como diz Tucherman (1999, p. 26): Vale a pena ressaltar que a civilização grega não incluía as mulheres na sua concepção de corpo perfeito, que era pensado e produzido nos rapazes aos quais se aplicava uma dietética e uma erótica, e que elas eram proibidas de participar dos cultos dionisíacos e beber o sangue do touro sagrado que conferia VIR (força) e, portanto, excluídas de uma das experiências de transe, o permi- tido, sendo aquele experimentado pelas pitonisas como mediadoras do oráculo. Encontram-se também registros de rituais com a participação de homens e mulheres, como o culto a Dionísio como uma liturgia agrária, de três dias de muita festa e bebidas. Acredita-se que o início da orquestra grega nasceu com os agricultores, que traziam a uva para uma praça, no centro de Atenas, e as maceravam com os pés em movimentos coordenados. Os pisadores deslocavam-se em forma de roda e cantavam para dar ritmo, enquanto pisavam a uva para fazer o vinho. “Dançarinos de ambos os sexos uniam-se pelos pulsos ou pelas mãos e, dessa maneira, pareciam um grande ramo de folhagens. Ligavam-se uns aos outros também pelos ombros ou por um pedaço de suas roupas”. (RENGEL; VAN LANGENDONCK, 2006, p. 12) Como essa cerimônia durava dias, quando estavam cansados, eram substituídos por outros, que ficavam sentados em volta da praça, nos bancos de pedra. Em torno deles, a população de cidadãos formava fileiras, sentada em 29 Dança na Escola degraus. Acredita-se que essa disposição deu origem ao famoso teatro grego no século V a.C. O século V é o dos grandes ágonos, espécie de concursos festivais que eram sujeitos a um ritual minucioso em honra de Zeus, Apolo ou Poseidón. Celebravam-se em diversas localidades e em diferentes épocas do ano. Os Jogos Olímpicos, de quatro em quatro anos; os Pythios, em cada terceiro ano da olímpiada, uns e outros no mês de Agosto; e ainda mais festivais, em Julho e Abril. (...) Uma procissão solene rematava os festivais e, partia da planície de Crixa, onde se realizavam os jogos, para o templo de Delfos, na região mantanhosa. (SALAZAR, 1949, p. 37) Na educação grega, a dança era disciplina obrigatória à formação do cidadão, por isso era inserida desde a formação militar até a educação escolar. Em Atenas, considerava-se um indivíduo educado aquele que, além conhecer a política, filosofia e música, sabia dançar porque o ideal de perfeição era a harmonia entre o corpo e a alma. Essa harmonia deveria aparecer em um corpo bem moldado, adquirido graças ao esporte e à dança. As crianças eram educadas para a guerra e acreditavam que a dança con- tribuía para o equilíbrio da mente e aprimoramento do espírito, como também lhes daria a agilidade necessária para a vida militar. Desde os 5 anos, as crianças aprendiam a pírrica, uma dança guerreira e competitiva usada na educação e na preparação militar. O aprendizado da pírrica consistia em exercícios preparatórios de flexibilidade em que os participantes jogam o corpo para trás até alcançarem os tornozelos com as mãos. Em seguida, vinham os exercícios de quironomia nos quais aprendiam o porte dos braços e das mãos para simular os gestos de combate. Segundo alguns estudos, podem-se encontrar representações da pírrica no flanco da Acrópole e no friso do Partenon. (BOURCIER, 2006) Tadra et al (2012, p. 17) mencionam que Platão (428-347 a.C.), outro filósofo, e o poeta Homero, que teria vivido no século VII a.C., também consideravam a dança como parte da educação dos cidadãos. Diziam que ela servia para santificar e curar os corpos, além de trazer mais agilidade, beleza e sabedoria. 30 Roberta Gaio | Tamiris Lima Patrício (org.) Van Langendonck (2020, p. 15) acrescenta que “Platão (428-347 a.C.) e Aristóteles (384-322 a.C.) consideravam a dança e a ginástica como uma iniciação para a luta e para a educação dos cidadãos”. Os filósofos concordavam que a dança, além de fazer parte da educação das crianças, trazendo agilidade, beleza e sabedoria, servia para santificar e curar os corpos. Platão, autor das obras Diálogos e A República (essa última escrita em forma de diálogo com seu mestre Sócrates), apresenta o seguinte conceito: “Todo ser vivo tem necessidade de saltar e brincar, e é portador de um ritmo que produz a dança e o canto”. (RAMOS, 1982, p. 88) Com o passar dos tempos, a dança fica acessível a todos os cidadãos, mas, com o declínio da cultura grega, passa apenas à esfera do entretenimento. As danças do cotidiano grego eram livres, em rodas e filas espontâneas sem passos preestabelecidos. A dança intervinha em todos os momentos da vida dos gregos, do nascimento à morte. Encontramos portanto: danças de nascimento e pós-parto (...); danças que cele- bram a passagem dos efebos à categoria de cidadãos (..); danças nupciais celebradas em dois tempos, na noite de núpcias e no dia seguinte pela manhã (...); danças de banquetes, executadas com maior frequência por uma dançarina profissional, acompanhada por uma tocadora de aulos (...). (BOURCIER, 2006, p. 37) A técnica da dança grega, segundo Bourcier (2006), traduz algumas certezas, como o costume de dançar na meia ponta e buscar sempre a simetria dos membros. O surgimento do gênero teatral comédia, que se originou de cortejos populares e bailes de máscaras, era muito apreciado pela civilização grega. As danças, que eram apresentadas nessas comédias, possuíam gestos leves e ligeiros, com muitos saltos, piruetas e movimentos de rotação dos quadris. Essa característica sensual foi levada para o Ocidente, mas, na Idade Média, foi proibida pelos cristãos, que pretendiam a purificação dos costumes. 31 Dança na Escola B. Roma De acordo com Bourcier (2006), quando olhamos para a história da dança entre os romanos, três períodos merecem atenção: Reis, República e Império. No período dos Reis, predominavam as danças de origem agrária, entre elas, o rito dos salianos, que consistia em danças guerreiras. Já na República, era forte a influência helenística, no que se refere à orquéstica, porém as origens religiosas das danças foram esquecidas e se tor- naram recreativas. No período do Império, era grande a moda da dança e até as mulheres de classes altas passaram a praticá-las, “mas triunfou realmente nos jogos de circo. (...) A pantomima dançada era muito apreciada. Logo as pantomimas tornaram-se grosseiras, a mímica assumindo maior importância do que o movi- mento da dança. Da mesma forma, as danças de banquete deram mais dadas à indecência do que à orquéstica. (BOURCIER, 2006, p. 43) No Império Romano, tanto a dança como as demais linguagens da arte foram desprezadas, pois diversões de todos os tipos marcaram a vida romana. O povo se motivava a assistir aos grandes espetáculos sangrentos, lutas com os gladiadores e animais ferozes, no Coliseu e no Circus Maximus. (PORTI- NARI, 1989) “(...)na Roma cosmopolita da época, onde não mais podia se representar o drama falado por causa da diversidade de línguas, e onde os espetáculos refletiam a decadência da história, as artes tornaram cada vez mais grosseiras, sendo representadas pela violência sádica do circo e a obscenidade da pantomima. A Dança foi, assim, envol- vida na corrupção do modo de vida romano. (DINIZ; SANTOS, 2008, p. 06) Nas palavras de Ellmerich (1987, p. 17), Em Roma, a princípio desprezava-se a dança, consi- derando-a incompatível com o espírito de um povo conquistador. A grande massa afluía às enormes “arenas” (por exemplo, o Coliseu e o Circus Maximus) para ver gladiadores, lutas com animais ferozes, etc. A Rômulo, juntamente com Remo, fundador de Roma, atribui-se a bellicrepa, dança bélica que simboliza o rapto das sabi- 32 Roberta Gaio | Tamiris Lima Patrício (org.) nas. Com a penetração da cultura grega (a partir de 146 a.C.) apareceram também os bailarinos profissionais. (...) esses profissionais faziam ponto nas lojas, onde davam aulas de dança e de canto. (...) Com o afrouxamento dos costumes, a partir do imperador Nero (54 a 68 da era cristã), as danças se tornaram cada vez mais imorais, o que provoca as palavras de Cícero: “Nemo fere saltata sobrius” (O homem sóbrio não dança). Assim, foi-se a dança, a arte e o próprio Império Romano, como se observa nas afirmações de Ramos (1982, p. 151), Desde os últimos Césares, os romanos foram perdendo as suas características guerreiras, adotando o luxo oriental e os prazeres do circo, onde imperavam o espetáculo sangrento e a morte. Grandes banquetes, transformados em orgias, eram acompanhados de danças sensuais. As legiões perdem a disciplina e já não sabem suportar o sofrimento. O povo vê desaparecer sua força vital e seu poder criador. O Cristianismo lança desconfiança sobre as antigas instituições. Finalmente, numerosas tribos germânicas, pertencentes a povos denominados bárbaros pelos romanos, arrasam o antigo e poderoso Império, destruindo sua força e seu orgulho. O ano de 476 d.C. (...) marca a queda do Império Romano. “Com a expansão do cristianismo soou a última hora do teatro romano dos mimos” (SALAZAR, 1949, p. 49) e, era também, o fim de muitas outras formas de comemoração, de festas, de danças, de celebração e o início do período que trazia o obscurantismo religioso. DANÇA NA IDADE MÉDIA Na Idade Média (476 a 1453), a dança, como todos os outros movimentos artísticos, sofreu um retrocesso. A dança foi proibida pela Igreja, porque toda manifestação corporal como expressão, segundo o Cristianismo, era pecado, assim como seus registros, mas os camponeses, de forma oculta, continuaram executando suas danças que saudavam suas crenças e manifestações populares. No ano de 774, o papa Zacarias elaborou um decreto contra a dança carola, praticada por um grupo de dançarinos de mãos dadas e em círculos, por 33 Dança na Escola apresentar movimentos indecentes; o concílio de Avignon, em 1209, também fez um decreto que, quando houvesse a vigília dos Santos, não poderia haver espetáculos de danças ou carolas nas Igrejas. (BOURCIER, 2006) A Idade Média, chamada de “Idade das Trevas” pelos humanistas do Renascimento, foi um período contraditório para a dança porque, com a auto- ridade da Igreja, todas as manifestações corporais foram proibidas e os teatros fechados e usados apenas para festas religiosas. Como nos afirma Bourcier (2006, p. 51), (...) apesar de algumas exceções, as condenações eclesiás- ticas atingiram seu objetivo; a dança não foi integrada à liturgia católica. Esta recusa é ainda mais notável pelo fato de, em muitos casos, os trajes e até os lugares de culto pagão terem sido assimilados sem dificuldade. Sem dúvida, o recurso obrigatório ao corpo e a seus poderes pouco controláveis é o motivo do ostracismo especial que se abateu sobre a dança. Como os camponeses continuaram a fazer suas festas nas épocas de semeadura e colheita e no início da primavera, para não afrontarem a Igreja, camuflavam as danças com a introdução de personagens como anjos e santos para que a Santa Inquisição não as visse como práticas contraditórias aos preceitos divinos. (PORTINARI, 1989) Em relação à dança, a atitude da Igreja foi dúbia: con- denação por um lado, tolerância por outro. São Basí- lio de Cesaréia considerou-a a mais nobre atividade dos anjos, enquanto Santo Agostinho qualificou-a de pecado grave. Entre esses dois extremos, a autoridade clerical variou, levando em conta o momento e o local. No púlpito, os pregadores narravam o martírio de São João Batista decorrente da sedutora dança de Salomé. Os fiéis se horrorizavam, mas continuavam dançando. (PORTINARI, 1989, p. 51) As pessoas dançavam a carola (dança de roda, fechada ou aberta, na qual os participantes davam as mãos ou seguravam-se pelo antebraço) e o tripudium (dança em três tempos em que os participantes não se tocavam). Essas danças eram executadas ao som de cantos gregorianos e ritmadas com tambores e tamborins. 34 Roberta Gaio | Tamiris Lima Patrício (org.) A carola e o tripudium eram dançados por qualquer pessoa em ocasiões não religiosas, representando uma dança popular e livre que significava comu- nhão porque era dançada em grupos, rodas ou fileiras. (BOURCIER, 2006) As camadas mais privilegiadas, para se diferenciarem da carola e do tripudium, inventaram uma dança mais rica, em que o corpo acompanhava uma métrica musical que mudava a todo instante, a beleza das formas era ressaltada e a estética vista como organização dos movimentos. “A dança é um bom indicador do nível de civilização”. (BOURCIER, 2006, p. 52) Após inúmeras tentativas de proibição, a Igreja sentiu a necessidade de tolerar as danças populares e dos camponeses, considerando-as como manifes- tações pagãs, uma vez que não conseguiu extingui-las. Depois de um tempo, a dança reapareceu dentro dos palácios com intuito de pura diversão, dando origem à dança erudita, provendo o distanciamento da dança popular, ou, nas palavras de Bourcier (2006, p. 54), Cabe à dança popular manifestar sentimentos confusos, fortes – a alegria, a inquietude – e manter ritos, cujo sentido original foi perdido, através de movimentos não sujeitos a regras. É o domínio do rondel, da carola e de seus derivados, das danças em fileira de qualquer natu- reza, cujo tempo e cujos passos, escorregados, corridos ou saltados, são livres. São danças de grupo em que os participantes confirmam sua comunhão segurando-se pelas mãos ou antebraços. Ao contrário, no contexto fixo da música e da poesia, as danças ‘metrificadas’ serão exercícios em que se exige, antes de mais nada, a beleza das formas; serão as danças das classes desenvolvidas culturalmente, das classes dominantes. Séculos XI e XII Nessa época, a Europa foi marcada pela peste negra (1346) e outras doenças epidêmicas, causando a morte de muitas pessoas, além da guerra dos 100 anos, que teve início em 1337 e seu fim em 1453. Em função desse acontecimento, a dança era desenvolvida com movi- mentos intensos e frenéticos como uma tentativa de espantar a morte, por isso foi rotulada como a dança macabra ou dança da morte. (BOURCIER, 2006) 35 Dança na Escola A carola, dança da alegria, tornou-se uma dança macabra, muitas vezes, dançada em cemitérios para mostrar que a vida é uma carola conduzida pela morte, transformando a morte em um motivo para se viver de acordo com os dogmas e regras católicos. (BOURCIER, 2006) As manifestações teatrais moralistas abordavam o Antigo e o Novo Testamento como a vida dos santos, aparições e milagres e eram feitas pela Igreja sempre com base em flagelos de Deus pela peste enviada, castigos e remissões de pecados. A Igreja considerava todos iguais mediante à morte e utilizava-se das danças macabras para submissão do ser humano e preservação de seus preceitos cristãos. Surge um novo gênero de dança, o momo, espécie de carola burlesca, em que os participantesdançavam mascarados e disfarçados. Esse gênero de dança serviu como base do futuro ballet-teatro e também foi incorporada às cristãs inclusive dentro das igrejas. (BOURCIER, 2006) A Idade Média também teve o seu lado luminoso e requintado, refletindo importantes transformações polí- ticas e sociais que ocorrem sobretudo a partir do século XII. Esse requinte se expressa na arquitetura gótica, em suntuosas tapeçarias, na pintura de um Cimbaue, de um Giotto, em obras literárias como o Roman de la Rose e a Divina Comédia. (PORTINARI, 1989, p. 53) Séculos XIII e XIV Nesse período, a arte ainda reflete uma forte inspiração religiosa vista na pintura, tapeçarias, arquitetura gótica e literatura como a Divina Comédia de Dante Alighieri (1265-1321). Por outro lado, a arte dos trovadores, menestréis e jograis, que acontecia nas ruas, entra nos castelos medievais para alegrar as festas. Esses artistas ensinam à nobreza uma dança lenta e solene, a basse dance, assim denominada por causa dos pés que eram mantidos no chão e dos trajes pesados usados pelas castelãs, diferentes das roupas usadas pelas camponesas, que lhes possibilitavam mais mobilidade nos movimentos como pular, rodopiar e dan- çar a haute dance, em que os pés eram levantados do chão. (PORTINARI, 1989) 36 Roberta Gaio | Tamiris Lima Patrício (org.) A partir da dança basse dance, cuja origem vem dos camponeses, surgem as primeiras bases para o balé, difundidas pelos artistas nos castelos medievais. Entre as diversas danças executadas pela corte na Idade Média está a polonaise, originada das danças de camponeses poloneses, que aconteciam, muitas vezes, na frente das igrejas. É uma dança lenta, dançada por casais que andam pelo salão, como se estivessem em uma procissão, ao som de uma música que é sempre em compasso ternário e lento. O caráter nobre dessa dança ocorre com a postura dos casais que mantém a posição da cabeça erguida, demostrando dignidade e orgulho. Mais tarde, no século XIX, essa dança foi inserida em alguns balés. (PORTINARI, 1989) Estudos comprovam que a rigorosa divisão de classes presente na Idade Média, bem como a gerência das atividades corporais fez nascer quatro distintas categorias de dança: “campestres (geralmente de roda cantada ou de saltos); de artesãos; burguesas e eróticas e da corte e da nobreza (lentas e disciplinadas)”. (ELLMERICH, 1987, p. 20) Com o fim do obscurantismo religioso, fruto da pulverização das dou- trinas religiosas, a sociedade se transforma e faz ressurgir o interesse pela Arte, pela Ciência e pelo ser humano como o centro do universo (Antropocentrismo). DANÇA NA IDADE MODERNA A. Renascimento O Renascimento foi um movimento que surgiu na Itália, mais espe- cificamente em Florença, em meados do século XV, e se espalhou por toda a Europa Ocidental, aproximadamente, a partir de 1400. Refletiu uma sociedade que buscava retomar as formas clássicas de artes greco-romanas (classicismo), de ideal humanista (racionalismo, cientificismo e individualismo) e com alicerce no Antropocentrismo (o homem como o centro da existência) em oposição ao Teocentrismo (doutrina que defendia a ideia de que Deus era o centro de tudo o que existe), presente na Idade Média. 37 Dança na Escola Considerando o desenvolvimento dos aspectos artísticos, essa fase foi dividida em três períodos: Trecento (século XIV), Quatroccento (século XV) e Cinquecento (século XIV). Com o Renascimento, a dança passa a ser codificada por mestres a serviço das cortes. Tal como as outras artes, ela recebe regras conforme o gosto reinante. O culto aos valo- res da Antiguidade e as ideias dos humanistas expressam um conceito de beleza em que o corpo e espírito devem formar um todo harmonioso. Ao contrário do que ocorria na Idade Média, o homem já não se vê como mero objeto dos desígnios divinos. Sente-se parte da natureza sobre a qual pode agir. Tudo deve ser repensado e o próprio jogo do poder que é a política passa a ser encarda como uma arte. (PORTINARI, 1989, p. 56) Percebe-se que, ao longo do século XV até o século XVII, o desenvol- vimento do balé da corte por toda a Europa, em especial na Itália, na França e depois no leste europeu, é exponencial. Consta que “as fontes do Renascimento manifestam-se desde meados do século XIV, irradiando-se da Itália para o resto da Europa ao longo de duzentos anos”. (PORTINARI, 1989, p. 56) Segundo Ellmerich (1987, p. 125), a primeira notícia existente sobre a apresentação de um balé é de 1489; tratava-se de um bailado organizado por Bergonzo de Botta para as festas de casamento do duque Galeazzo Sforza, de Milão, com Isabel de Aragón, em Tortona. A palavra balé é de origem latina, pois vem de ballator, e a primeira definição que se tem é baseada nas contribuições de Baldassarino Belgiojoso (violinista piomontês) que chega à França, em 1555, com um grupo de artistas para diversas apresentações. Ele assim disse: “um arranjo geométrico de muitas pessoas juntas sob a variada harmonia de diversos instrumentos”. (ELLME- RICH, 1987, p. 126) A definição mais clara de balé é do maestro Bastiano di Rossi, quando disse, em 1585: “Entende-se por balé uma ação pantomímica com música e dança”. (ELLMERICH, 1987, p. 126) 38 Roberta Gaio | Tamiris Lima Patrício (org.) Muitos foram os espetáculos de balé, que aconteceram em vários festejos das sociedades nobres da época, pois “o objetivo fundamental desses balés da corte é o de deslumbrar amigos e inimigos; o fausto e o exagerado custo devem demonstrar o alto nível artístico e a solidez do erário público”. (ELLMERICH, 1987, p. 126) Havia, nesse formato de dança, um contexto amplo de passos, música, versos e representações e “no tocante à técnica propriamente dita, havia uma mistura do virtuosismo italiano com a finesse francesa”. (PORTINARI, 1989, p. 62). Na França, é que esse estilo de dança conseguiu seu apogeu. Destaque para Luís XIV, que reinou de 1643 a 1715 na França, e parti- cipou de vários balés, sendo conhecido por Rei Sol, pela sua personificação do Sol, com traje magnífico, com plumas brancas, no bailado Le ballet de la nuit. Ele foi um defensor e patrocinador da arte, em especial do balé, criando, em 1661, a Académie Royale de la Danse e, em 1669, a Académie Royale de Musique, dotada de escola de dança (o que se tornaria no futuro a Ópera de Paris). (PORTINARI, 1989) Mesmo com seus modos autoritários, de regras rígidas, costumes e etiquetas codificadas, como expressões faciais e sorrisos determinados, Luís XIV aglomerou ao seu redor figuras ilustres da dança e da música, como Pierre Beauchamp, “cujo papel foi fundamental para estabelecer as regras do ballet. (...) Entre 1669 1700, fixa as cinco posições do ballet tal como são seguidas até hoje. (...) Nesse ambiente artificial, o ballet floresceu. Após sua morte, em 1715, o gênero entrou em declínio”. (PORTINARI, 1989, pp. 67-68-69) Com a narrativa dessa evolução da dança, em especial do balé da corte, nosso olhar se volta para além do renascimento, movimento renovador específico, destacando o período completo denominado Idade Moderna, quando diz que A idade Moderna se iniciara em 1453 e se encerra em 1789 com a Revolução Francesa, marcou a transição da dança de diversão aristocrática para uma forma teatral. Dos trionfi renascentistas ao apogeu do ballet de corte com Luís XIV, ela se diversifica e recebe normas. Os mestres já não se limitam a ensinar à nobreza. Lecionam em academias abertas a alunos das mais diferentes origens sociais. O apuro técnico que lhes é exigido assinala a alvorada do profissionalismo. (PORTINARI, 1989, p. 69) 39 Dança na Escola Séculos XVI ao XVIII Em todo o período da Idade Moderna, o que imperou no ballet foi a figura masculina. Mesmo quando Luís XIV oficializa a criação de uma com- panhia de dança permanente (o que denota o profissionalismo na dança), com dez homens e dez mulheres (o que já foi um ganho muito grande), ficou estipulado que os homensdeviam ganhar mais que as mulheres (o que ainda acontece, atualmente, em muitos casos). “Embora a supremacia técnica ainda fosse masculina, a concorrência feminina já se manifesta, sobretudo a partir de 1720. Surgem diversas bailarinas capazes de se aventurar por proezas que até então eram monopólio dos seus parceiros”. (PORTINARI, 1989, p. 71) Entre tantas figuras femininas nesse universo de rivalidade, que se insta- lou no ballet profissional, duas merecem destaques: La Camargo e Marie Sallé, pois até “Voltaire iria registrar o talento de ambas, bem como a rivalidade, num pequeno poema: (PORTINARI. 1989, p. 710, tradução das autoras) Ah, Camargo, como você é brilhante! Mas aquela Sallé, grandes deuses, está revivendo! Que seus passos são leves e os dela suaves; Ela é inimitável e você é nova: As ninfas saltam como você. Mas as Graças dançam como ela. As grandes transformações ocorridas na sociedade no século XVIII, tais como, liberdade de expressão, luta por igualdade de direitos, entre outros, também se refletiram nas linguagens da arte e não foi diferente com a dança. Um expoente dessa luta foi Jean Georges Noverre (1727–1810), que sempre se colocou contra o formalismo acadêmico que predominava no balé profissional da época (utilização de máscara, escondendo a expressão facial; trajes pesados que limitavam os movimentos, entre outros aspectos). Ele acreditava numa dança expressiva, que traduzisse o que o ser humano tinha no seu interior e não uma dança mecanizada, robótica e artificial. E assim, “por lutar constan- temente contra as concepções do seu meio profissional provocou ao seu redor uma reação negativa, que não permitiu fluir a grandeza de suas contribuições: a alma é a expressão na dança”. (GAIO, 2007, p. 35) Mesmo não sendo valorizado como merecia, suas contribuições e novas ideias (dança de ação) vão provocar transformações na dança (introdução do realismo na dança), lentamente, à medida que novas formas de fazer dança são 40 Roberta Gaio | Tamiris Lima Patrício (org.) incorporadas, como sapatos mais baixos (até chegarem as sapatilhas), roupas leves e curtas (até chegar o tutu) e a exploração das expressões faciais, uma vez que as máscaras e as perucas foram abolidas. Ele criou uma verdadeira “doutrina de contestação”. (BOURCIER, 2006, p. 170) A dança evolui, após tantas denúncias, e “pouco a pouco começava-se buscar a expressividade, a poesia do corpo, a fluidez dos gestos, por exemplo, no porte de braços”. (BOUCIER, 2006, p. 201) O ser humano se transforma e transforma a dança e, assim, o romantismo surge, no balé, em 1832, mais tarde do que em outras linguagens da arte. “Uma grande novidade caracteriza a técnica romântica: as pontas”. (BOURCIER, 2006, p.201) Dança nos séculos XIX e XX No final do século XVIII e início do século XIX, após a Revolução Francesa (1789-1795) que provocou mudanças profundas na forma de ser e estar dos povos europeus, imbuídos dos ideias de liberdade, o ballet romântico entra em cena (como abandono de regras rígidas e comportamentos codificados, advindos do classicismo). A valsa reinou nos salões e bailes populares do século XIX. Altezas e midinettes entregaram-se ao seu ritmo inebriante com rodopios vertiginosos. (...) Na socie- dade e no palco, a vitória da valsa deveu-se a profundas transformações de comportamento. A rígida etiqueta da corte de Luís XIV impediria que um homem enlaçasse uma mulher pela cintura e saísse rodopiando com ela no salão. Mas o tempo era outro. (PORTINARI, 1989, p. 83) Os estudiosos salientam que, apesar de o romantismo ter uma fecunda raiz germânica e se expandido fortemente na Inglaterra, a França foi o lugar de maior destaque. No romantismo, a palavra de ordem era comoção, e os/as autores/as e bailarinos/as faziam aflorar os sentimentos. O que se inaugura nesse período são os balés de repertório (obras român- ticas e neorromânticas), porém há uma constatação que não pode ficar sem reflexão: a participação diferenciada de homens e mulheres na dança nesse período de grande significado artístico e expressivo. 41 Dança na Escola Consta que “a consequência negativa do período romântico, centrado em divas, foi colocar o homem como figura secundária no ballet. Assim, o bailarino, relegado a suporte da parceira, precisará esperar o apogeu da escola russa para recuperar seu lugar no sol”. (PORTINARI, 1989, p. 95) Entre os bailados mais famosos está Giselle, apresentado, pela primeira vez, em Paris, no ano de 1841, tendo Carlota Grisi, como protagonista. A repre- sentação se passa às margens do Reno e conta a história de um amor proibido, da camponesa pelo rico fazendeiro, que, por inocência e desconhecimento, repele o amor sincero e verdadeiro do caçador. Gisele morre de decepção após uma dança frenética. Essa estreia marcou o apogeu do romantismo na dança e muitas evoluções puderam ser vistas e sentidas: imaginação e engenhosidades inauguradas no cenário sublinhavam o clima irreal; no segundo ato, a sapatilha de ponta passa ser comum para o conjunto, pois todas as bailarinas dançaram no segundo ato sobre as pontas (antes somente a solista fizera essa proeza); a alta qualidade da música contribuiu para que Giselle se tornasse imortal; entre outros aspectos. Giselle permaneceu, como repertório, na Ópera de Paris até 1968. (PORTINARI, 1989) Vários acontecimentos levam à decadência o balé na França, mas, em contrapartida, há o fortalecimento da Escola Russa, que, no início, desenvolveu-se a partir da ocidentalização, porém se estabeleceu com características próprias no início do século XIX até os dias atuais. Consta que o magnífico Bolshoi se originou por meio de um trabalho com 64 crianças de um orfanato e, após três anos, esses humildes bailarinos já se apresentavam com maestria e com muita técnica. (PORTINARI, 1989) Já no século XX, após revolução de 1917, com o retorno da capital para Moscou, o Bolshoi adquire projeção mundial, que perdura até os dias de hoje. (PORTINARI, 1989) A matéria-prima do ballet, com seus passos e posições, é a mesma em qualquer parte do mundo. No entanto, não resta dúvida de que os russos souberam injetar-lhe um novo vigor desde meados do século XIX. (PORTI- NARI, 1989, p. 102) O século XX foi um período de muitos acontecimentos, grandes transfor- mações, incertezas, imensos avanços, turbilhão de novas ideias e conhecimentos 42 Roberta Gaio | Tamiris Lima Patrício (org.) científicos. Há um expoente desenvolvimento tecnológico, duas guerras mundiais e, com isso, grandes mudanças planetárias. A dança evolui pari passo com a evolução humana, em meio a tantos acontecimentos que marcaram, definitivamente, a humanidade. Assim, nasce a dança moderna, pela contestação e rejeição ao academicismo artificial do balé clássico. Nas palavras de Portinari (1989, p. 133), temos: tomando por base a liberdade expressiva do corpo, a dança moderna reflete o contexto histórico que a gerou: a de um mundo governado por máquinas, no qual o ser humano se debate em busca de novas relações consigo mesmo e com a sociedade. Vários são os precursores da dança moderna, entre eles, o francês François Delsarte (1811-1871), as norte-americanas Geneviéve Stebbins (1857-1914), Isadora Duncan (1878-1929) e Martha Graham (1894-1991), o suíço Émile Jacques Dalcroze (1865-1950), o alemão Rudolf Von Laban (1879-1958) e a alemã Mary Wigman (1886-1973), entre outros/as. François Delsarte teve uma infância comprometida, primeiramente, pela morte precoce do seu pai quando tinha somente 6 anos e, depois, quando, em Paris, falecem sua mãe e seu irmão, ficando ele sozinho, sem recursos, morando na rua, subsistindo de restos de comida encontrados no lixo. Quando já tinha mais idade e trabalhava como aprendiz de pintor de porcelana, o padre italiano Bambini contribui com sua formação, matriculando-o num conservatório para canto, mas, em função de um problema de saúde, especificamente com a voz, ele vai se encontrar
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