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PODOLOGIA EM BOVINOS CONCEITOS BASILARES Relatório Final de Estágio Licenciatura em Medicina Veterinária MÁRIO ALCIDES FERREIRA DA SILVA UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO VILA REAL, 2009 Júri de Apreciação Presidente: ______________________________________ 1.º Vogal: _______________________________________ 2.º Vogal: _______________________________________ Classificação: _____ Data: ___/___/_____ O Coordenador, ________________________________ Prof. Dr. João Carlos Caetano Simões O Orientador, ________________________________ Dr. José Manuel Alegre Chaves Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares i PREFÁCIO Temos tido o gosto, para além do dever, de acompanhar os nossos alunos durante a sua licenciatura, e alguns deles durante o seu estágio final de curso e invariavelmente nas suas dúvidas pós-licenciatura quando se dedicam à clínica das espécies pecuárias em causa. E cada aluno é um mundo especial. Ao Mário Alcides, coube efectuar o seu estágio em ano de transição de licenciatura para Mestrado Integrado em Medicina Veterinária. Homem adulto, pai de 2 filhos, despertava-me curiosidade durante as saídas de campo, efectuadas nas aulas, a sua capacidade de observação aliada a uma visão filosófica da vida que talvez somente a idade permita. Aliás, que pode ser em parte constatada na sua escrita. Inicialmente, aquando da programação do plano de estágio, pretendia o Mário estagiar na sua Terra Natal (região da Tocha - Cantanhede), junto aos filhos. Acabou por realizá-lo na Terra que lhe concede a licenciatura, com vista a regressar o mais brevemente à sua família. Também, desde o início me admirou o seu gosto pelo tema das claudicações em bovinos, 3ª causa de perdas económicas nas explorações, mas sempre relegada para 2º plano. A tal ponto, que foram outros técnicos, entre outros …, a assumir a maioria das vezes tal trabalho sob o manto da correcção funcional dos cascos. E a região de onde é natural bem conhece esta realidade. Pretendendo o Mário debruçar-se sobre aspectos fundamentais e eminentemente práticos, permitimos responsavelmente que este relatório fosse o espelho do seu ser, até por julgarmos conhecer, em profundidade, as realidades das diversas regiões e das pessoas. Mas sabe o Mário que a sua educação em tecnologias de informação e a formação pós-licenciatura são premissas da actualidade, a par da experiência a adquirir como Médico Veterinário já com cédula profissional. E a inovação, para além da experiência, necessita de uma procura e esmiuçar das explicações científicas das ocorrências e necessidades, como se pode constatar em algumas das referências apresentadas pelo Mário. Resta-me desejar ao Mário que, perante a sua faceta filosófica, continue a acreditar que não se deva desejar aos outros aquilo que não queremos para nós. Este é um dos legados mais importantes para a formação de carácter dos seus próprios filhos. Porque o exemplo arrasta! João Simões Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares ii “As doutrinas apresentadas neste trabalho são da exclusiva responsabilidade do autor.” Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares iii AGRADECIMENTOS Se há honras que merecem destaque, as que vou sequencialmente citar merecem- me naturalmente honraria. A todas as entidades humanas que vou fazer referência curvo-me perante elas e, caso o use, tiro-lhes o meu chapéu. Será muito difícil por palavras escritas, a que vulgarmente chamamos frases, expressarmos o nosso reconhecimento e todo o nosso fascínio por aqueles que nos ajudam, pois isso só é permitido aos sentimentos e esses não se vêem, só se sentem, daí o seu nome. Por esta razão, vou tentar mostrar a nobre fidelidade do que sinto e do que penso. Passo a agradecer ao Professor Doutor João Simões por ter aceite ser o meu coordenador de estágio, pelos seus ensinamentos e pela sua crescente e invariável boa disposição. Agradeço ao Dr. Alegre Chaves por ter aceite ser o meu orientador de estágio, pelo seu convívio, pelos seus conhecimentos e pelas fotografias gentilmente cedidas e que deram corpo a este relatório. Agradeço aos meus pais que, na fase derradeira das suas vidas, foram buscar forças sobre-humanas para me ajudarem nos mais variados quadrantes que a vida conhece. Agradeço à minha esposa e filhos por terem sabido lidar com a minha ausência e com a minha distância, pois quase deixei de ser pai para ser estudante. Agradeço ao Carlos Albuquerque e ao João Requicha pelos seus ensinamentos, pelo seu apoio e pelas incansáveis e intermináveis horas que comigo perderam. Apesar de terem uma faixa etária muito distante da minha, souberam sempre erguer-me quando eu quase caía, souberam sempre movimentar-me quando eu parava. Agradeço aos seus pais a sua existência. Tudo o que possa dizer deles jamais alguém poderia sentir. São os meus heróis. Agradeço ao João Dias por todos os últimos quatro anos em que me acompanhou, pelas noitadas de estudo, pelo seu empenho e preocupação pela minha vida académica e pelo meu bem-estar pessoal. Mais ainda lhe agradeço o facto de ser meu amigo e o grande contributo que deu à minha vida. Por tudo isto honra-me tê-lo conhecido. Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares iv Agradeço ao Rui, o açoriano como lhe chamávamos, pela sua pureza, pela sua grandeza e pela sua nobreza enquanto amigo. O companheiro e ser humano que qualquer um gosta de ter e de conhecer. Agradeço ao André, ao Tiago e ao Joel pelos seus conselhos, pela sua amizade e por frequentemente se lembrarem de mim. São seres humanos inexcedíveis. Agradeço ao Ricardo Lages pela bondade humana e pela sua nobreza como amigo. Muitas das brincadeiras que aqui tiveram-no a ele, invariavelmente, como interlocutor. Diz-se que um ser humano é bom quando tem um bom coração; então atrevo-me a dizer que todo o seu corpo é apenas coração. Agradeço ainda a muitos outros colegas de curso que por aqui conheci e que fizeram o favor de serem meus amigos. Agradeço ao Jorge pela amizade e por todos os momentos de conversação. Um bom amigo. Agradeço ao Tozé da papelaria pelo seu contributo durante a minha estadia em Vila Real. Agradeço a alguns professores que conheci durante o curso e que, pelo facto de serem muitos não os cito aqui, mas de igual forma estão em igual cotação no respeito e admiração que por eles nutro Agradeço ainda a tantos outros amigos a quem, por este meio, presto a minha homenagem. A todos eles e sem distinção, o meu, Muitíssimo Obrigado. Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares v ÍNDICE INTRODUÇÃO ................................................................................................................................. 1 1 – HISTOLOGIA E ANATOMIA DAS PARTES DISTAIS DOS MEMBROS DOS BOVINOS ................................................................................................................................. 2 1.1 – HISTOLOGIA DO CASCO ......................................................................................... 2 1.1.1 – Epiderme .......................................................................................................2 1.1.2 – Derme ............................................................................................................ 4 1.1.3 – Tecido subcutâneo ......................................................................................... 4 1.2 – ASPECTOS ANATÓMICOS ........................................................................................ 4 1.2.1 – Ossos ............................................................................................................. 5 1.2.2 – Articulações ................................................................................................... 5 1.2.3 – Ligamentos .................................................................................................... 6 1.2.4 – Tendões.......................................................................................................... 6 1.3 – IRRIGAÇÃO E ENERVAÇÃO DO PÉ ........................................................................... 6 2 – ETIOLOGIA DOS PROBLEMAS PODAIS ................................................................... 8 2.1 – FACTORES BIOMECÂNICOS QUE CONTRIBUEM PARA CLAUDICAÇÕES ..................... 9 2.1.1 – Extremidades posteriores .............................................................................. 9 2.1.2 – Extremidades anteriores ............................................................................... 9 2.2 – OUTRAS CAUSAS DE CLAUDICAÇÃO..................................................................... 10 2.2.1 – Alimentação ................................................................................................. 10 2.2.2 – Factores genéticos....................................................................................... 11 2.2.3 – Instalações ................................................................................................... 12 2.2.4 – Pastoreio ..................................................................................................... 13 2.2.5 – Produção ..................................................................................................... 13 2.2.6 – Correcção funcional dos cascos ................................................................. 14 2.2.7 – Concentração de gado ................................................................................ 14 2.2.8 – Higiene ........................................................................................................ 14 2.2.9 – Factor humano ............................................................................................ 16 2.2.10 – Climatologia .............................................................................................. 16 2.2.11 – Época do ano ............................................................................................. 16 2.2.12 – Humidade .................................................................................................. 17 2.2.13 – Idade .......................................................................................................... 17 3 – EQUIPAMENTO E INSTRUMENTAL USADO EM PODOLOGIA .................. 17 3.1 – TRONCOS DE CONTENÇÃO ................................................................................... 17 3.1.1 – Troncos de contenção Wopa® ..................................................................... 18 Windows 10 Destacar Windows 10 Destacar Windows 10 Destacar Windows 10 Destacar Windows 10 Destacar Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares vi 3.1.2 – Troncos de contenção de origem uruguaia ................................................. 18 3.1.3 – Troncos de contenção tombadores-hidráulicos .......................................... 19 3.2 – INSTRUMENTOS USADOS EM PODOLOGIA ............................................................. 20 4 – CORRECÇÃO FUNCIONAL DOS CASCOS EM BOVINOS ............................... 22 4.1 – CORRECÇÃO DAS UNHAS DOS MEMBROS POSTERIORES ........................................ 23 4.1.1 – Unha interna ............................................................................................... 24 4.1.2 – Unha externa ............................................................................................... 24 4.2 – MOLDAR AS CONCAVIDADES AXIAIS ................................................................... 24 4.3 – LIMPEZA DOS TALÕES .......................................................................................... 25 5 – CORRECÇÃO DOS CASCOS EM CASOS DE AFECÇÕES PODAIS (MÉTODOS TERAPÊUTICOS OU CURATIVOS) .......................................................... 25 5.1 – TERAPIA COM RECURSO A TACOS ORTOPÉDICOS .................................................. 25 5.2 – OUTROS MÉTODOS DE TERAPIA PODAL ................................................................ 26 6 – CLASSIFICAÇÃO DAS PATOLOGIAS PODAIS ..................................................... 27 6.1 – DERMATITE INTERDIGITAL .................................................................................. 27 6.2 – DERMATITE DIGITAL ........................................................................................... 28 6.3 – EROSÃO DOS TALÕES ........................................................................................... 29 6.4 – HIPERPLASIA INTERDIGITAL (TILOMA) ................................................................ 29 6.5 – FLEIMÃO INTERDIGITAL (NECROBACILOSE INTERDIGITAL) ................................. 29 6.6 – PODODERMATITE CIRCUNSCRITA (ÚLCERA DA SOLA) ......................................... 30 6.7 – LAMINITE (PODODERMATITE ASSÉPTICA DIFUSA) ............................................... 31 6.8 – AFECÇÕES DA LINHA BRANCA ............................................................................. 33 6.9 – FISSURAS OU RACHADURAS DO CASCO ................................................................ 33 7 – AMPUTAÇÃO DE DEDO EM BOVINO ....................................................................... 34 7.1 – ANESTESIA E CONDUCTA PRÉ-OPERATÓRIA ......................................................... 34 7.2 – TÉCNICA CIRÚRGIA .............................................................................................. 35 7.3 – CUIDADOS PÓS-OPERATÓRIOS ............................................................................. 35 CONCLUSÃO ................................................................................................................................. 37 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................ 38 ANEXOS .............................................................................................................................................. I I. CASOS CLÍNICOS ................................................................................................... II CASO CLÍNICO N.º1 ................................................................................................ II CASO CLÍNICO N.º2 ............................................................................................... IV CASO CLÍNICO N.º3 ............................................................................................... VI II. CASUÍSTICA......................................................................................................... IX Windows 10 Destacar Windows 10 Destacar Windows 10 Destacar Windows 10 Destacar Windows 10 Destacar Windows 10 Destacar Windows 10 Destacar Windows 10 Destacar Windows 10 Destacar Windows 10 Destacar Windows 10 Destacar Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares vii ÍNDICE DE FIGURAS Figura 1 – Representação esquemática da anatomia docasco, vista palmar ................... 3 Figura 2 – Esquema representativo da anatomia e histologia do dedo............................ 8 Figura 3 – Situação de sobre-população em regime de exploração bovina intensiva ... 15 Figura 4 – Deficiente higiene dos pisos ........................................................................ 15 Figura 5 – Troncos de contenção Wopa® móveis .......................................................... 18 Figura 6 – Troncos de contenção uruguaios. Vista lateral e frontal .............................. 19 Figura 7 – Tronco de contenção tombador-hidráulico. Modelo Fregonezzi ................. 19 Figura 8 – Facas de casco direitas e esquerda ............................................................... 20 Figura 9 – Disco de trapo para polir após o afiar da faca .............................................. 20 Figura 10 – Discos de corte para esmerilador. .............................................................. 21 Figura 11 – Rebaixador de cascos. ................................................................................ 21 Figura 13 – Tenaz de corte de unhas e grosa para cascos ............................................. 21 Figura 12 – Pinça de detecção de dor. ........................................................................... 21 Figura 14 – Tacos ortopédicos e cola para cascos. ........................................................ 22 Figura 15 – Bota de irrigação. ....................................................................................... 22 Figura 16 – Bovino em posição de camping back. ........................................................ 23 Figura 17 – Medidas recomendadas para o recorte funcional dos cascos ..................... 24 Figura 18 – Locais mais frequentes de dermatite digital ............................................... 28 Figura 19 – Aspecto macroscópico de dermatite digital em bovino ............................. 28 Figura 20 – Torniquete para aplicação de anestesia regional intravenosa. ................... 34 Figura 21 – Técnica cirúrgica de amputação de dedo em bovino ................................ 36 Figura 22 – Dermatite digital no membro posterior direito de em bovino. ................... III Figura 23 – Bandagem com oxitetraciclina para tratamento da dermatite digital ......... IV Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares viii Figura 24 – Úlcera da sola em bovino. ............................................................................V Figura 25 – Taco ortopédico para tratamento da úlcera da sola .................................... VI Figura 26 – Vaca gestante com hidropisia. Vista anterior e posterior. ......................... VII Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 1 INTRODUÇÃO Todos nós no nosso imaginário traçamos orientações, gostos e concretizações. Quando as duas premissas iniciais conhecem empenho, a terceira também invariavelmente acontece. Seria de esperar e é de esperar que qualquer indivíduo se oriente e norteie pelas suas paixões. Uma das minhas é a Podologia. O principal motivo pelo qual abordei este tema foi necessariamente, além do gosto, o crescente interesse que esta ciência começa obrigatoriamente a merecer, a importância que o tratamento dos cascos tem nas modernas explorações leiteiras e o facto de que o veterinário podólogo ainda é uma raridade no nosso país. Pretendo assim, com esta monografia, descrever os conceitos basilares da Podologia e contribuir num sentido eminentemente prático para a promoção desta ciência no seio da nossa comunidade veterinária. Para meu regozijo, verifico também que algumas personalidades a nível mundial começam a dar especial projecção a esta ciência, tendo algumas delas feito como opção profissional dedicar-se à Podologia como especialidade. Refiro-me, naturalmente a Toussain Raivan, Adrian González, e Roberto Acuña. Estou convicto que, o contributo destas três eminências à Podologia mundial, permitiu que as explorações leiteiras tenham hoje menos problemas de origem podal e, consequentemente, um melhor bem - estar animal e um maior índice produtivo. Por mim, folgo muito em saber isto. No decorrer do estágio curricular, com uma duração prática de cerca de 4 meses, foi-me possível contactar e aplicar o vasto conhecimento teórico, adquirido durante a licenciatura, na abordagem diagnóstica e terapêutica de variadas patologias, não só de carácter podal, mas também de outros sistemas orgânicos, como está patente no capítulo de casos clínicos e casuística, em anexo, pese embora as dificuldades inerentes à clínica de espécies pecuárias e à região, onde (ainda) predominam as explorações familiares. Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 2 1 – HISTOLOGIA E ANATOMIA DAS PARTES DISTAIS DOS MEMBROS DOS BOVINOS Os bovinos são classificados como mamíferos quadrúpedes ungulados, isto é, apoiam-se e movimentam-se sobre quatro membros, estando a parte distal dos mesmos revestida por casco. A parte distal do membro anterior de um bovino é conhecida por mão e os seus dois dígitos são também designados por dedos, o dedo lateral e o dedo medial (didactilia). No membro posterior, a sua parte distal designa-se de pé, tendo estes também dois dedos, sendo lateral de maiores dimensões. Cada membro apresenta, além dos dois dedos principais, dois dedos suplementares ou rudimentares, encontrando-se estes últimos projectados atrás do boleto e geralmente não estão em contacto com o solo. 1.1 – Histologia do casco Cada dígito de um bovino e composto por três tipos de tecido: a epiderme, a derme e o tecido subcutâneo. A epiderme é queratinizada e a derme, também chamada de córion, é uma estrutura altamente vascularizada que tem como função a nutrição do casco. Por último, o tecido subcutâneo que forma a almofada digital. Além dos três tecidos referenciados, cada dígito compõem-se ainda de três falanges e três sesamóides, tendões e ligamentos 8 . O termo casco compreende a cápsula ou estrato córneo da epiderme e os outros componentes. 1.1.1 – Epiderme A epiderme divide-se em: estrato basal, estrato germinativo e estrato córneo, este último ainda se subdivide em: em estrato externo, estrato médio e estrato interno ou lamelar. Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 3 A epiderme é avascular, pelo que os queratinócitos da camada germinativa dependem do suprimento sanguíneo da derme (córion) para obtenção de oxigénio e nutrientes. Esta difusão sanguínea pode ser quebrada o que conduz à produção de um mau tecido córneo. A camada germinativa da epiderme e o córion têm uma íntima relação, por consequência, qualquer lesão numa destas estruturas conduz a prejuízos na outra. A estabilidade estrutural do tecido córneo é resultante dos complexos formados entre a queratina e os aminoácidos metionina, histidina, lisina e arginina, bem como água, macro e micro-elementos (cálcio, fósforo, cobre, zinco, enxofre cobalto, molibdénio) e uma pequena quantidade de gordura. Externamente, verificam-se na epiderme ou tecido córneo, estruturas que adquirem um nome próprio 1 (figura 1 e 2): - Bordo coronário ou coroa; - Parede ou muralha; - Palma ou sola; - Talão; - Linha branca. Figura 1 – Representação esquemática da anatomia do casco, vista palmar (Adaptado de 3). Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 4 1.1.2 – Derme A derme ou córion divide-se em três partes: - A parte coronariana ou perioplo. Esta ocupa um espaço restrito, sendo formada por papilas vascularizadas que se orientam em direcção à superfície do chão. O tecido córneo mole dabanda coronária é produzido por células germinativas; - A parte parietal ou tubular localiza-se imediatamente abaixo da derme coronariana; - A derme lamelar é predominantemente vascular e tem muitas fibras reticulares densas que ligam a parede dos vasos à falange distal; 1.1.3 – Tecido subcutâneo O tecido subcutâneo ou sub-cutis é abundante no bulbo ou talão, apresentando- se como uma densa camada de tecido fibroelástico, O bulbo tem uma importante função de amortização dos impactos e, quando é pressionado durante a distribuição de peso, expande-se axial e abaxialmente, transferindo as forças para a parede do casco. Quando ocorrem alterações na estrutura do talão ou quando há reduzidas forças de tensão, por exemplo, na laminite crónica, a absorção do impacto pelo bulbo fica claramente comprometida. O tecido subcutâneo está ausente na maioria do córion 4,5 . 1.2 – Aspectos anatómicos Sob o ponto de vista anatómico, além das estruturas histológicas atrás referidas, é essencial abordar as estruturas ósseas, as articulações, os ligamentos e os tendões, pois elas estão encarregadas de suportar, distribuir e amortecer o peso do animal no solo (figura 2) 3,4,8 . Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 5 1.2.1 – Ossos Quanto à constituição óssea, as extremidades distais dos membros compreendem diversos ossos, entre o carpo (mão) ou o tarso (pé) e as falanges distais 3 . Os ossos suportam primariamente as estruturas do pé. Cada dedo é constituído por três ossos principais 1 (figura 2): - Falange proximal ou primeira falange; - Falange média ou segunda falange; - Falange distal ou terceira falange. Existem ainda outros ossos mais pequenos, os ossos sesamóides, essenciais para actuar como guia dos tendões. O osso mais susceptível de ser lesado é a terceira falange, pois está mais exposta a traumatismos ou a agentes infecciosos que podem chegar até ela após a ocorrência de lesões e deformações na protecção córnea ou epiderme 4 . 1.2.2 – Articulações As articulações são a união entre os ossos, que estão recobertos por cartilagem na sua parte final (figura 2). Estas estruturas estão encarregadas de proteger a fricção entre os ossos aquando o movimento destes. A articulação está rodeada por uma cápsula articular onde está um líquido gelatinoso, chamado líquido sinovial, e tem como função a lubrificação contínua, reduzindo ainda mais o atrito 7 . A articulação interfalangiana distal, está totalmente encerrada na cápsula córnea e une a segunda e a terceira falange. A unha ou dedo compreende a terceira falange, a parte distal da segunda falange, o osso sesamóide distal ou osso navicular, os ligamentos articulares e a parte terminal dos tendões flexores e extensores, o córion e o tecido subcutâneo, estando todas estas estruturas envoltas pela cápsula córnea 7-9 . Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 6 1.2.3 – Ligamentos Os ligamentos unem e suportam os ossos entre si. Existem vários ligamentos que estão encarregados de prevenir que os dedos se afastem lateralmente. Dentro destes, os mais importantes são os ligamentos cruzados 5 . Sempre que um animal comece a ter alterações no caminhar estes ligamentos sofrem estiramento e provocam inflamação com as consequentes claudicações 2,3 . 1.2.4 – Tendões Os tendões unem os músculos aos ossos, ao contrário dos ligamentos que contactam osso entre si. Nos membros há dois tipos de tendões (figura 2): - Os tendões flexores ou posteriores, que têm como função elevar o pé e a perna; - Os tendões extensores ou anteriores, que permitem a descida gradual do pé. Os tendões, tal como os ligamentos, são de natureza fibroelástica. Estes estão recobertos por uma bainha fibrosa que, quando lesionada, leva a inflamações e, quando colonizadas por bactérias conduz a um processo de tendinite 7 . 1.3 – Irrigação e enervação do pé Devido à complexidade da enervação e irrigação do pé, é de grande relevância que aqui seja mencionada, pois o seu conhecimento é de vital importância para a conhecer a fisiopatogenia das lesões, proceder à correcta instauração de técnicas de anestesia e terapêutica 1 . Pelo facto de a maioria das lesões serem encontradas nos membros posteriores, descrevem-se aqui, ainda que de forma sucinta, os seus vasos mais importantes e com interesse em intervenções cirúrgicas ou dolorosas no pé, dando particular atenção aos vasos sanguíneos já que a anestesia regional intravenosa é a que mais utilizada 3 . Os principais vasos arteriais que irrigam o pé são: Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 7 - As arteríolas plantar medial e plantar lateral, que são ramas da artéria safena; - A artéria metatársica dorsal, que se liga às artérias plantares; - A artéria digital comum plantar III, que é um ramo da artéria plantar medial que continua em direcção ao espaço interdigital onde se anastomosa com o tronco principal. É encontrada quando há amputação de um dedo. As veias estão divididas num sistema profundo havendo, contudo, alguns vasos importantes: - A veia safena lateral que emerge de duas tributárias; - A veia safena medial que é formada por duas ramos, o ramo cranial e o ramo caudal. As veias superficiais, abaixo do jarrete, podem salientar-se pela aplicação de um torniquete para administração de anestésico local com o objectivo de dessensibilizar os dedos. Quanto à enervação do pé, está a cargo dos ramos superficiais e profundo do nervo peronial e dos nervos plantares medial e lateral. O bloqueio destes nervos é importante caso se opte por uma técnica anestésica que não a intravenosa regional. Entre essas técnicas de anestesia destacam-se duas: infiltração peri-neural dos nervos digitais plantares e bloqueio circular. Quanto à anestesia por bloqueio nervoso, o método consiste no bloquear dos troncos nervosos responsáveis pela enervação das extremidades distais. Procede-se à tranquilização do paciente e à limpeza e desinfecção da zona abaixo do boleto. O primeiro ponto de inoculação é na face anterior do boleto e o segundo ponto é posterior e entre os dois dedos acessórios. O terceiro e o quarto pontos de inoculação são laterais, interno e externo, cerca de dois centímetros acima dos dedos acessórios 4,7,8 . Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 8 Figura 2 – Esquema representativo da anatomia e histologia do dedo (Adaptado de 3). 2 – ETIOLOGIA DOS PROBLEMAS PODAIS A intensificação das técnicas produtivas com a especialização de vacas por raças e o moderno maneio na produção leiteira trouxeram um aumento do número de claudicações, já que os bovinos experimentaram alimentações ricas em factores predisponentes para que estas ocorram. Algumas repercussões nas claudicações dos bovinos situam-se na produção, condição corporal, fertilidade, mamites, longevidade, sacrifícios dos animais (abate), melhoria genética e mão-de-obra. Assim, importa conhecer e identificar os factores contributivos para a ocorrência de tais lesões 5 . Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 9 2.1 – Factores biomecânicos que contribuem para claudicações Existe uma interacção entre o solo que os bovinos pisam e os seus próprios membros, o que requer conhecimentos da mecânica de apoio, bem como conhecimentos do próprio chão que o animal pisa durante toda a sua vida. Muitos outros factores interferem directamente na biomecânica podal e as próprias patologias nestes locais que à frente serão abordadas. 2.1.1 – Extremidades posteriores Os membros posteriores,durante o período que a vaca está parada, apresentam movimentos de balanço nas ancas de 2,5cm para cada lado. Isto conduz a um aumento de peso nos talões externos, enquanto que os internos ficam inalterados 4 . O talão posterior externo e a respectiva unha são maiores que o interno, assim ao apoiar em terreno duro recebe mais pressão o que conduz a uma maior irrigação sanguínea e consequentemente a um sobre-crescimento dessa mesma unha 2 (figura 33). Outra característica da unha posterior externa é o facto de apresentar menor concavidade na superfície palmar em relação à unha posterior interna. A unha interna ou medial tem um apoio mais instável em terrenos duros, assim transmite mais peso à unha lateral. Também nos movimentos de rotação as unhas laterais ficam mais expostas a pressões sobre as mesmas. Todos estes factores anátomo-mecânicos contribuem para que as patas posteriores sejam mais acometidas por lesões em relação às anteriores, e são as unhas laterais ou externas as mais afectadas 7 . 2.1.2 – Extremidades anteriores Os problemas podais nas extremidades anteriores são menos frequentes do que nas posteriores, no entanto, quando ocorrem alterações ou patologias podais nestes membros, são muito mais incómodas para os bovinos contribuindo para isso o balanceio do pescoço e o aumento de peso do pescoço e da cabeça. Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 10 Quando a claudicação é unilateral, o bovino procura voltar o pescoço para o lado são a fim de aliviar algum peso. Nas extremidades anteriores, as unhas que frequentemente sofrem mais lesões são as internas ou mediais e em tais situações, é comum os bovinos cruzarem os membros para aliviar a dor. Pensa-se que o facto da unha medial ser mais afectada se deve ao sobre-peso oblíquo exercido nesta unha quando o bovino estende o pescoço através das estruturas metálicas colocadas nas manjedouras para conseguirem alcançar o alimento 8 . 2.2 – Outras causas de claudicação Além dos factores atrás abordados outros existem e que são na actualidade considerados factores de risco. Genericamente, podemos dividir as claudicações pela sua etiologia em três tipos: metabólicas, mecânicas e infecciosas (figura 34). Alguns factores de risco para a claudicação estão relacionados com a alimentação, a hereditariedade, as instalações, o pastoreio, a produção, a correcção de cascos, a concentração de gado, o Homem, a fase da lactação, o clima, a humidade, a idade, os traumatismos, e a época do ano. É de grande importância conhecer estes factores de risco, já que podem influenciar a estrutura e a função do casco e assim conduzir a medidas que se possam implementar para colocar em prática métodos profilácticos para uma melhoria da sanidade dos bovinos. Sobre alguns destes factores atrás mencionados se irá em seguida fazer uma breve abordagem, tal como a algumas patologias que deles possam derivar. 2.2.1 – Alimentação Existe grande consenso de que a alimentação é um factor fundamental no desenvolvimento dos problemas podais. Manifestações de úlceras palmares e abcessos da linha branca são ambos consequências da incapacidade do córion para produzir uma unha saudável, e a alimentação é de grande responsabilidade nesta ocorrência. Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 11 A laminite está associada a toxémia por ingestão de excesso de hidratos de carbono, a acidose ruminal e, em alguns trabalhos (segundo Roberto Acuña) também comprovaram que um excesso de proteínas em mais de 15% aumenta essa predisposição 4 . Pastagens e forragens que contenham altos conteúdos de nitratos podem de igual forma causar laminites 4 . Por outro lado, as lesões traumáticas por penetração de corpos estranhos devem- se quase sempre a um casco de má qualidade, que pode ser originado por uma inadequada administração de nutrientes que intervêm no processo de queratinização. A ingestão de grandes quantidades de concentrado e baixo consumo de forragem é um factor de problemas podais. Os amidos e outros açúcares associam-se a problemas podais, bem como a proteína de alta degradabilidade. Alimentações ricas em proteínas e baixas em fibras conduzem a fezes abundantes e líquidas que vão conspurcar os pisos onde os animais se movimentam, isto predispõe ao crescimento de microrganismos e amolecimento dos cascos, sendo assim mais facilmente atacados por esses agentes patogénicos 7 . Carência de micro-elemetos, como o cobre (Cu) e o zinco (Zn), e de vitamina E e selénio (Se) são na actualidade considerados factores de risco para as doenças podais 7 . 2.2.2 – Factores genéticos A conformação das unhas é uma característica herdada, as quais demonstra ter alguma correlação com as claudicações. As unhas devem ser iguais, devendo ser descartadas do efectivo todas as vacas com diferenças acentuadas de tamanho entre elas 4 . A selecção genética, para aumentar a produção leiteira, não tem sido acompanhada com a selecção para a qualidade dos cascos e dos membros, a fim de que os animais suportem melhor o maior peso que o melhoramento genético permitiu 2 . Isto porque a heritabilidade da conformação podal é bastante inferior à heritabilidade de outras características morfológicas e até reprodutivas 4 . Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 12 A pigmentação do casco é uma questão racial e mesmo não sendo cientificamente comprovado tem aceitação geral que os claros ou não pigmentados têm menor resistência que os escuros, sendo assim mais susceptíveis a lesões 2 . 2.2.3 – Instalações Os tipos de estábulo são um factor ambiental de capital importância no conforto dos animais pois condiciona o seu comportamento, a locomoção e as relações sociais. 2.2.3.1 – Estabulação fixa Em explorações bovinas de característica tradicional, as quais ainda assentam em sistemas de estabulação fixa, as vacas amarradas permanentemente acedem facilmente ao alimento e por conseguinte têm locomoção nula o que lhe permite um sobre-crescimento do casco devido à falta de desgaste. Nesta estabulação, as claudicações podais são mais frequentes nas patas anteriores, pois as anteriores apoiam sobre um solo mais seco. Pelo contrário, as patas posteriores estão em ambiente conspurcado devido às dejecções e urinas, sendo assim a carga bacteriana sobre estas unhas é bastante elevada e a resistência do casco diminuída pelo contínuo humedecimento e ataque de agentes corrosivos 7 . 2.2.3.2 – Estabulação livre Este é o tipo de estabulação que mais interessa, já que a grande parte das vacarias têm vindo a evoluir para este sistema, verificando-se, com o passar dos anos, o quase desaparecimento da estabulação fixa 5 . É importante que a drenagem dos pátios e passeios, onde os animais se deslocam, seja feita correctamente de forma a evitar zonas de acumulação de dejectos. Uma boa qualidade da cama dos animais nos cubículos faz com que estes permaneçam deitados durante um maior número de horas do que quando as camas apresentam uma altura baixa, provocando desconforto. Isto obriga as vacas a estarem Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 13 mais tempo de pé, assim exercem mais tempo pressão sobre as patas. Com um maior número de horas de descanso as claudicações nas vacas acabam por diminuir drasticamente 7 . Os cubículos mal desenhados e curtos fazem com que as vacas tenham os membro posteriores no limite da estrutura, apoiando-se, por vezes, nas pinças causando grande desequilíbrio e desconforto aos animais 2 . As vacas leiteiras precisam de estar deitadas entre 12 a 14 horas por dia. Paraisso o tamanho dos cubículos e a qualidade da cama são dois factores para que isso ocorra. 2.2.4 – Pastoreio As vacas em condição de pastoreio têm os cascos mais secos que as vacas confinadas. Existe uma relação entre o conteúdo de água do casco e a sua dureza. Um aumento de água do casco leva a uma menor resistência e consequentemente a um maior desgaste. Quando os cascos estão expostos a uma maior humidade dos currais, ficam amolecidos permitindo que penetrem nestes corpos estranho como pedras ou objectos pontiagudos. Por esta razão as vacas em pastoreio têm menor exposição a dejectos e humidade o que contribui para a ocorrência de um menor número de patologias podais 2,5 . O exercício durante o pastoreio favorece a actividade do retorno venoso, aumenta a produção de casco e previne a invasão bacteriana 7 . 2.2.5 – Produção Numa exploração, as vacas com maiores índices de produção leiteira têm maior risco de sofrer claudicações, sendo esse risco acrescido na fase de maior produção que ocorre por volta dos 70 dias pós-parto 7 . Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 14 Também no peri-parto, produzem-se uma grande quantidade de alterações hormonais, alimentares e de maneio que geram uma situação de stress. Se estes processos não forem controlados podem contribuir para problemas podais 5 . 2.2.6 – Correcção funcional dos cascos A correcção funcional dos cascos deve ser feita de forma rotineira, tentando restabelecer as proporções normais dos mesmos, restaurar a posição dos membros e favorecer uma distribuição equilibrada do peso. Esta correcção deve fazer parte de um programa de medicina preventiva nos efectivos bovinos 2 . Dada a importância deste assunto, será assim apresentado um capítulo dedicado a este tema. 2.2.7 – Concentração de gado A falta de superfície de cama em estabulações livres e o número de cubículos sensivelmente inferior ao número de animais (figura 3) tem como consequência um tempo menor de permanência dos animais deitados. Isto reflecte-se numa má qualidade das camas e correlaciona-se com um maior número de claudicações, sendo mais frequentes em animais que estão um menor número de horas deitados 7 . Em estábulos com pouco espaço, a contaminação das camas por fezes e urinas faz-se rapidamente, assim como a carga bacteriana, o que incrementa a incidência de doenças de doenças infecto-contagiosas, bem como a sua velocidade de difusão 7 . 2.2.8 – Higiene A sujidade combinada com humidade tem uma elevada relação com o aparecimento de claudicações em bovinos (figura 4). A dermatite digital e interdigital, erosão dos talões e pododermatites com complicações sépticas 5,8 . Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 15 Pátios com dejectos e camas envoltas em humidade maceram a queratina do casco e o próprio epitélio, facilitando a penetração de agentes infecciosos 7,15 . Figura 3 – Situação de sobre-população em regime de exploração bovina intensiva. Figura 4 – Deficiente higiene dos pisos. Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 16 2.2.9 – Factor humano A indiscutivelmente aceite que a intervenção humana numa exploração de bovinos, principalmente de leite, tem um papel preponderante na diminuição de vacas claudicantes e patologias à claudicação associadas 7 . Se os criadores de bovinos tiverem conhecimentos básicos de podologia terão obrigatoriamente menos vacas com problemas podais, não só pelo facto de terem sensibilidade para o problema, mas também porque têm percepção do real interesse que se deve dar a tais doeças 2,5,7 . Este conhecimento adquirido alerta os criadores para encomendar os serviços técnicos de um podólogo o que permitirá impedir que algumas patologias podais se tornem crónicas ou incurável 2,7,8 . Um veterinário com conhecimento de podologia e consciente da sua importância pode ter uma directa influência para convencer o criador de bovinos da real necessidade de encontrar esforços para prevenir e resolver os problemas das unhas 7 . 2.2.10 – Climatologia É uma evidência que o calor constitui uma fonte de stress para as vacas leiteiras de alta produção. As consequências metabólicas do stress pelo calor conduzem ao aparecimento de problemas nas patas dos bovinos 5 . Por outro lado, um clima seco é favorável para a saúde podal, visto que solos menos húmidos estão menos predispostos a levarem as patas dos bovinos à incidência de claudicações 7 . 2.2.11 – Época do ano Em regiões onde o pastoreio predomina, a observação de patologias podais tem menor incidência no Verão, sendo o Inverno e a Primavera as épocas do ano com maior prevalência, destacando-se as dermatites digitais e interdigitais 7 . Em estabulação livre, as diferenças estacionais são menos notadas, contribuindo para isso o maior stress existente 7 . Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 17 2.2.12 – Humidade A cápsula córnea é uma estrutura higroscópica e a humidade impregna-se na queratina do casco amolecendo-o. Como consequência, diminui a resistência mecânica e aumenta a possibilidade de ataques químicos e bacterianos 7 . Pelo contrário, uma grande perda de humidade do tecido córneo torna-o duro e quebradiço, predispondo ao aparecimento de pequenas rachas denominadas por fissuras. A quantidade normal de água no casco deve ser de 14 a 20% e na palma de 15 a 30% 7 . 2.2.13 – Idade Quanto mais idade tiver um bovino, maior será a probabilidade de padecer de problemas nas patas. As vacas velhas tendem a sofrer de problemas crónicos nas patas com frequentes recidivas 2,7 . 3 – EQUIPAMENTO E INSTRUMENTAL USADO EM PODOLOGIA Para o exame e recorte das unhas em bovinos, devem ser usados métodos de contenção e instrumentos adequados à prática da podologia. A segurança do animal e a segurança do operador devem estar presentes, já que actos irreflectidos podem conduzir a graves consequências físicas tanto para o animal em observação, como para o podólogo. Neste capítulo, serão abordados todos os meios tecnológicos disponíveis no mercado ou, pelo menos, a sua maioria, para a prática da podologia bovina 2,4 . 3.1 – Troncos de contenção Na prática clínica podem-se usar as salas de ordenha ou recorrer-se ao posicionamento do animal em decúbito lateral a fim de conter o animal. Todavia, estes métodos mais tradicionais e em desuso oferecem pouca segurança ao técnico que executa o trabalho e causam-lhe desconforto devido a ângulos incorrectos de visão 7,8 . Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 18 Hoje, usam-se troncos de contenção dos mais variados modelos e de diversos fabricantes. O uso de troncos de contenção transportáveis é o método mais seguro e cómodo 5 . 3.1.1 – Troncos de contenção Wopa ® Estes troncos são de fabrico holandês, de grande qualidade e com uma grande variedade de modelos. Podem ter um funcionamento manual ou ter um funcionamento hidráulico, sendo estes últimos mais cómodos e rentáveis, porém mais honorosos na sua aquisição 2,4,11 . Os troncos Wopa ® (figura 5) são verticais e permitem um ângulo de visão mais correcto para o exercício da correcção dos casco, estando o animal em estação 11 . Figura 5 – Troncos de contenção Wopa® móveis (Adaptado de 11). 3.1.2 – Troncos de contenção de origem uruguaia Neste caso, os troncos são também verticais, embora menos usados na Europa 2,4 (figura 6). Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 19 Figura 6 –Troncos de contenção uruguaios. Vista lateral e frontal (Adaptado de 4). 3.1.3 – Troncos de contenção tombadores-hidráulicos Estes modelos exigem menos esforço físico por parte do técnico, porém o ângulo de visão para a correcção dos cascos é menos perfeita, acrescendo ainda o facto de causar mais stress ao animal (figura 7). A grande vantagem é proporcionar ao técnico o acesso a todos os dígitos ao mesmo tempo 2,4 . Figura 7 – Tronco de contenção tombador-hidráulico. Modelo Fregonezzi (Adaptado de 2). Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 20 3.2 – Instrumentos usados em podologia Os instrumentos usados em podologia são geralmente muito simples, sendo aqui também possível encontrar diversos fabricantes e modelos 5,7 . Nestes instrumentos de corte incluem-se as tenazes de corte articuladas (figura 13), as facas de cascos (para a mão direita e para a mão esquerda) (figura 8) e a rebarbadora com discos especiais de corte que facilitam o trabalho e o tornam menos laborioso 2,5 . Também neste conjunto de ferramentas se incluem o equipamento para afiar as facas de cascos (esmerilador e pedras de afiar) (figuras 9 e 10), grosas para acabamento do recorte podal (figura 13), tacos ortopédicos de vários modelos (figura 14) e botas de irrigação (figura 15). Outras ferramentas podem ser adquiridas, embora estes sejam os mais usuais e de maior necessidade 7,8 . Figura 8 – Facas de casco direitas e esquerda. Figura 9 – Disco de trapo para polir após o afiar da faca. Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 21 Figura 10 – Discos de corte para esmerilador. Figura 11 – Rebaixador de cascos. Figura 13 – Tenaz de corte de unhas (em cima) e grosa para cascos (em baixo). Figura 12 – Pinça de detecção de dor. Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 22 Figura 14 – Tacos ortopédicos e cola para cascos. Figura 15 – Bota de irrigação. 4 – CORRECÇÃO FUNCIONAL DOS CASCOS EM BOVINOS Para uma perfeita correcção de cascos em bovinos exige-se que o técnico que opera em podologia tenha um conhecimento correcto da anatomia dos membros. Sobre estas regiões anatómicas já foram anteriormente dispensadas algumas páginas. Outros aspectos de grande importância são a observação da postura corporal do animal (figura 28), a posição dos curvilhões que estão paralelos, num animal são, abertos, quando há sobrecarga das unhas posteriores externas e assimétricos em relação à verticalidade do úbere 2,5,8 : - adiantados quando o sofrimento é na ponta da unha (pinça), denominado neste caso de camping under (figura 27); - quando o apoio é por detrás do úbere, posição de camping back, indica que há lesões no talão e o animal adopta o apoio mais sobre as pinças 7 (figura 16). Por último devem ser observados epitélios adjacentes às unhas e naturalmente as próprias unhas. A observação atenta das unhas, quanto à sua morfologia e aspecto Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 23 patológico, dará indicação do tipo de correcção mais adequado e poderá obrigar a fazer algumas alterações ao padrão típico do aparo funcional periódico dos cascos de animais que não claudicam. Esse aparo profilático deve ser feito de seis em seis meses. É sobre este último aspecto que vamos centrar e orientar a nossa descrição, alicerçando o procedimento em suportes técnico-científicos e que, pela sua natureza, obedece a várias etapas 2,5,7,8 . Figura 16 – Bovino em posição de camping back. 4.1 – Correcção das unhas dos membros posteriores Nos membros posteriores, começamos por corrigir a unha interna ou medial por ser esta a mais pequena e normal, enquanto nas unhas dos membros anteriores começa- se a correcção pela unha externa ou lateral sendo o procedimento igual em ambas. Deve inicia-se a correcção após limpeza geral do casco com jactos de água ou com a faca de cascos para que se possam remover todos os resíduos de material inorgânico podendo-se assim explorar melhor toda a região da parede axial, da sola, do talão e da linha branca 2,5,7 . Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 24 4.1.1 – Unha interna Inicialmente, medem-se 7,5cm de comprimento desde o começo da parede dura do casco até à pinça, ou seja, desde a parede dorsobaxial do dígito ou banda coronária até à sua extremidade distal. De seguida, corta-se o excesso com uma tenaz em forma perpendicular à sola, devendo a espessura da sola ficar entre 0,5 a 0,7cm de altura (figura 30) após fazer o rebaixamento da sola com uma faca de cascos (figura 17). A sola não deve ficar mais baixa que a medida atrás referenciada e deve respeitar-se a altura dos talões. No entanto, encontram-se unhas internas com o comprimento correcto, não devendo, por isso, ser cortadas, apenas deve-se proporcionar uma certa estabilidade 2,4 . Figura 17 – Medidas recomendadas para o recorte funcional dos cascos (Adaptado de 6). 4.1.2 – Unha externa Compara-se o comprimento das duas unhas acercando-se ou aproximando-as e toma-se como referência o comprimento da unha interna, cortando-se de seguida a unha externa (figura 29). Posteriormente, com o uso da faca de cascos, faz-se o abaixamento da unha desde o talão até à pinça aproximando o mais possível esta da unha interna em relação à altura da sola, isto permite uma correcta distribuição do peso. Cada unha ficará a suportar 50% do peso, ou o mais próximo possível dessa proporção 2,4,5 . 4.2 – Moldar as concavidades axiais Estas concavidades devem ser moldadas nos dois terços posteriores da unha, respeitando o terço anterior que é de grande interesse para um apoio estável da unha, Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 25 deixando assim uma zona onde a pressão por suporte do peso deve ser exercida (figura 31) 2,7 . 4.3 – Limpeza dos talões Toda a região dos talões deve ser limpa de erosões e tecido necrótico. É tão frequente encontrar talões erosionados que inclui-se a sua limpeza como parte do recorte ou correcção dos cascos. Para a correcção funcional básica bastam estes passos com os respectivos procedimentos 4,5 . 5 – CORRECÇÃO DOS CASCOS EM CASOS DE AFECÇÕES PODAIS (MÉTODOS TERAPÊUTICOS OU CURATIVOS) 5.1 – Terapia com recurso a tacos ortopédicos Se, após concretizados os procedimentos atrás citados, for detectada a presença de algum grau de afecção podal, procede-se então a uma correcção que possa contribuir para o alívio de peso sobre a unha afectada. Para isso, pode ser necessário rebaixar, quanto possível, a zona afectada, direccionando assim o peso para a unha sã. No entanto, deve respeitar-se sempre a espessura da sola no seu terço anterior, já que quando demasiado fina pode causar claudicações iatrogénicas com algumas consequências negativas. Quando as lesões não podem ser resolvidas por este mecanismo de distribuição de peso e consequente alívio de peso na unha afectada, deve colocar-se na unha sã (no membro posterior deve ser a unha medial) uma prótese (colada ou segura por cravos usados nas ferraduras), denominada por taco ortopédico. A função do taco ortopédico é fazer com que a pressão/peso seja exercido sobre a unha sã, aliviando assim o peso sobre a unha lesada, até que esta recupere a sua funcionalidade, devendo o referido taco ser removido ao fim de um mês após a sua colocação. Este procedimento usa-se frequentemente quando estão presentes úlceras da sola bem como abcessos da parede 2,4,7 . Podologia emBovinos: Conceitos Basilares 26 A aplicação do taco ortopédico é uma técnica simples embora devam ser usados procedimentos para evitar fracassos. Para a colocação de tacos de madeira, o procedimento correcto é: Limpar e aprumar a sola onde se colocará o taco, podendo fazer-se ligeiros sulcos para melhor aderência da cola usada para aderir o respectivo taco; Misturar a cola líquida com o pó que vem separado, até obter uma pasta homogénea colocando-a na superfície do taco e na sola; Pressionar com firmeza o taco contra a sola e moldar a cola sobrante à parede da unha, permitindo assim uma maior aderência; Quando a pasta está completamente dura o processo está finalizado, podendo, no inverno, para acelerar o processo de secagem usar uma fonte de calor como por exemplo um secador de cabelo. 5.2 – Outros métodos de terapia podal Quando alguns tipos de lesões estão presentes, e que para o seu processo de cura a unha não deva estar exposta a ambientes conspurcados, como os dejectos dos animais, usam-se botas de irrigação. Este mecanismo permite colocar produtos químicos, como fármacos diluídos dentro da bota, e que possam ser diariamente removidos e outros novamente colocados sem que para isso seja necessário retirar a bota do membro afectado. É frequentemente usada esta bota de irrigação quando há lesões que obrigam a uma grande exposição do córion. As bandagens com antibiótico em pó (oxitetraciclina e lincomicina) são outra terapia usada nos tratamentos podais, essencialmente nos casos de dermatites digitais e interdigitais, respectivamente 2,7 . O uso de uma ferradura também é um processo de valor considerável no tratamento podal quando as duas unhas estão lesadas e não pode ser colocado o taco ortopédico, como é o caso específico de úlceras em ambas as unhas (lateral e medial). A colocação da ferradura, além de promover imobilidade, permite que o peso seja suportado pela interface parede/linha branca, onde os cravos são aderidos 4,5,8 . Além destes métodos de terapia podal, outros podem ser utilizados, como a artrodese e a amputação de unha, além de como seria de esperar, o tratamento por Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 27 fármacos de aplicação sistémica, essencialmente antibioterapia (macrólidos, sulfamidas, lincomicina e cefalosporinas). Mais à frente serão abordadas algumas doenças podais que encontrei durante o período em que efectuei o estágio, e nestas serão abordados os respectivos tratamentos de uma forma mais exaustiva e detalhada, sendo que se ache desnecessário aqui mencionar os tratamentos até à exaustão do seu pormenor. Assim sendo, qualquer outra técnica terapêutica aqui não abordada poderá, caso necessário, ter o devido tratamento descritivo aquando da menção da doença em causa 2,4,7 . 6 – CLASSIFICAÇÃO DAS PATOLOGIAS PODAIS Desde há muito tempo que se vem discutindo as afecções podais dos bovinos em relação à classificação das doenças que atingem os ruminantes nas extremidades dos seus membros. Reuniões de especialistas em doenças podais ocorreram em Utrech (1976), Skara (1978), Viena (1982) e Alfort (1984) com vista a encontrar uma terminologia adequada para classificar de uma forma universal as doenças podais que se encontram nos membros dos bovinos, mais propriamente nas extremidades dos membros 1 : Vamos considerar, para efeitos deste relatório, 9 entidades nosológicas nos pés dos bovinos que serão abordadas de forma sucinta excepto aquelas que com maior predominância foram encontradas na área de trabalho de campo em que eu estive presente na qualidade de estagiário. 6.1 – Dermatite interdigital É uma inflamação superficial da epiderme interdigital provocada por uma infecção bacteriana, sendo o Fusobacterium necrophorum e Bacteroides nodosus os agentes mais comummente isolados. Esta infecção na fase aguda quase não produz sintomas clínicos, mas quando na fase crónica provoca erosões dos talões, o que leva a claudicações mais graves 4,7,12,15 . 1 dermatite interdigital; dermatite digital; dermatite verrucosa; hiperplasia interdigital (tiloma, limax); fleimão interdigital (panarício), erosão da úngula; pododermatite asséptica difusa (laminite); pododermatite circunscrita (úlcera da sola); pododermatite séptica; fissura longitudinal ou transversal do casco. Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 28 6.2 – Dermatite digital A dermatite digital, também chamada doença de Mortellaro, é uma inflamação contagiosa da epiderme, proximal ao espaço interdigital ou à banda coronária (figura 18). Embora em menor extensão, a derme pode ser afectada. As lesões típicas na sua forma erosiva, ulcerativa e proliferativa (verrucosa) apresentam-se, geralmente, circulares com 1 a 4 centímetros de diâmetro (figuras 19 e 35). Tem-se encontrado bacilos não invasivos na superfície das lesões com Bacteroides nodosus, Bacteroides fragilis e Bacteroides capillaris, no entanto, o seu papel ainda está em discussão 2,7,8,12,14 . Figura 18 – Representação esquemática dos locais mais frequentes de dermatite digital (Adaptado de 6). Figura 19 – Aspecto macroscópico de dermatite digital no membro posterior de um bovino. Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 29 6.3 – Erosão dos talões Trata-se de uma perda irregular de substância córnea no bulbo (talão) em forma de sulcos profundos e está relacionada com a dermatite interdigital. É bastante comum ocorrer em vacas leiteiras, especialmente nas mais idosas que são confinadas em débeis condições higiénicas. Em lesões extensas há destruição dos talões levando a um apoio defeituoso com consequente claudicação 7,15,17. O agente bacteriano envolvido nesta patologia é o mesmo da dermatite interdigital, embora bactérias secundárias, como o Fusobacterium necrophorum, possam também ser isoladas. A erosão dos talões pode também estar associada a laminite subclínica. Os dígitos posteriores são os mais frequentemente afectados 15,19,20. 6.4 – Hiperplasia interdigital (Tiloma) É uma reacção proliferativa da pele interdigital em que ocorre uma massa dura. Pode ser uni ou bilateral e é mais comum e é mais comum no membro posterior que no interior. A causa mais frequente é a irritação provocada por inflamação da região interdigital ou um crescimento excessivo da parede axial do dedo, bem como um acumular excessivo de gordura subcutâneo no espaço interdigital. Nas extremidades afectadas observa-se claudicação ligeira a moderada 2,4,7 . 6.5 – Fleimão interdigital (Necrobacilose interdigital) É uma infecção necrótica aguda ou sub-aguda que atinge o tecido conjuntivo subcutâneo da região interdigital e causa intensa claudicação. A doença é cosmopolita e pode ocorrer de forma endémica em rebanhos leiteiros e de corte 7,8,15 . A doença é causada por uma bactéria anaeróbica Gram negativa, o Fusobacterium necrophorum que é um habitante normal do rúmen e intestinos em bovinos e ovinos, e é oportunista dos cascos nestas duas espécies. É o agente mais isolado no fleimão interdigital. Pode existir sinergismo desta bactéria com o Bacteroides nodosus e o Bacteroides melaninogenicus, tal com Actinomyces pyogenes, Staphylococus spp. e Streptococus spp. 4,15 . Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 30 Os factores de risco são as lesões traumáticas da pele tal como o seu amolecimento por fezes e urina associadas a más condições higiénicas ambientais. Outros factores de risco são ulcerações secundárias a infecções virais sistémicas comofebre aftosa e a doença das mucosas. Ambos os membros podem ser afectados, sendo mais frequente acometer os posteriores. O animal apresenta dor, eritema e intensa claudicação evitando apoiar o membro no chão. Podem aparecer alterações sistémicas com elevação da temperatura corporal e hiporéxia. Este quadro pode complicar-se quando a infecção atinja estruturas mais profundas do dedo como seja a articulação interfalangiana distal, conduzindo então a artrite supurativa e abcesso retro- articular 2,4,19 . 6.6 – Pododermatite circunscrita (Úlcera da sola) A pododermatite circunscrita também conhecida por úlcera da sola é uma lesão específica da sola muito frequente em vacas leiteiras bastante pesadas que estejam mantidas em piso húmido e cuja base da sua alimentação seja de alto nível de concentrado e proteína. Esta patologia podal desenvolve-se na região onde se une a sola com os talões, mais próximo da margem axial do que da abaxial, e regra geral afecta mais os membros posteriores. Aceita-se na actualidade que a laminite subclínica por determinar a formação de substância córnea de baixa qualidade predispõe ao aparecimento da úlcera da sola. No entanto, nem todos os casos estão associados à laminite mas também aos animais adultos suportarem mais peso nos dedos externos (laterais) no membro posterior conduzindo assim a grande pressão mecânica exercida no córion ficando mais comprimido entre a sola e o processo plantar da terceira falange, originando assim necrose isquémica. A erosão dos talões e a dermatite interdigital podem alterar o apoio e assim também complicar o processo de úlcera da sola 16,18 . O grau da claudicação depende da gravidade da lesão, que varia desde uma descoloração da área sensível à pressão até uma perfuração circunscrita. Em casos avançados de úlcera da sola, o tecido de granulação reparador no sítio da lesão faz protusão através do orifício produzido na sola, e a infecção existente no córion produz diversos graus de separação da sola 18,20 . Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 31 Após colocar o animal num tronco de contenção, a lesão é visível na maioria dos casos, embora algumas vezes se encontre uma extensão de sola a recobrir a zona e logo se identifica a úlcera ao fazer o recorte dos cascos 7,18 . 6.7 – Laminite (Pododermatite asséptica difusa) A laminite é uma inflamação difusa do córion e origina-se de distúrbios da micro- circulação digital, resultando em isquémia. Estas alterações produzem inflamação e degeneração das lâminas dérmicas. Este processo tem como consequência a produção de substância córnea anormal com zonas amareladas, débeis e por vezes com hemorragias na sola e nos talões. Através do estudo de peças anatómicas provenientes do abate de animais com laminite, chegou-se à conclusão que esta patologia passa por três fases distintas: Fase 1 – alterações na micro-circulação podal, vasodilatação e detenção do fluxo sanguíneo. Formam-se shunts arterio-venosos e a circulação sanguínea não chega aos tecidos o que resulta em hipóxia. Começa a transudação de líquido provocando edema, hemorragias, trombos e por fim necrose. Estes transtornos deterioram a união derme/epiderme; Fase 2 – há retracção e afundamento da terceira falange que vai comprimir o córion na sola e nos talões. Isto conduz à evolução dos danos, originando mais hemorragia, isquémia, trombose e consequente necrose. Nesta fase, o clínico apenas consegue detectar dor e claudicação; Fase 3 – pelas quatro a seis semanas após o início do processo, começam a aparecer lesões na cápsula córnea. As hemorragias na sola tornam-se visíveis através de manchas e quando estas são suficientemente grandes levam a que ocorra uma dupla sola. Ocorrem úlceras devido ao bloqueio da produção de substância córnea por necrose num determinado ponto. Com a decorrer das lesões aparecem sulcos na parede dorsal (anterior) do casco, devido à produção de casco de má qualidade 14-17 . As laminites podem ser clínicas ou subclínicas e dentro das clínicas temos as agudas e as crónicas. As mais comuns são as subclínicas, que podem afectar grande Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 32 parte dos bovinos numa exploração leiteira, sendo mais frequentes em animais após o primeiro parto 15-17 . As formas agudas são esporádicas, no entanto, mais comuns em animais de engorda (feedlot) e no gado leiteiro a sua aparição é, regra geral, entre os 30 a 60 dias após o primeiro parto. Nesta fase há eritema, inflamação, sensibilidade e calor na banda coronária. Na forma crónica não há sintomas gerais e os que aparecem são na unha. As unhas deformam-se e aparecem ranhuras horizontais 2 . As laminites são conhecidas há mais de vinte anos e a sua origem ainda hoje é discutida. As evidências do seu aparecimento apontam para uma dieta rica em carbohidratos, e consequentemente, acidose láctica, o maneio, a genética e o meio ambiente, sendo assim uma doença multifactorial 4,7 . Devido à má qualidade do casco e à diminuição da dureza da queratina aparecem lesões secundárias significativas com invasão e infecção bacteriana. Também é aceite que doenças infecciosas como a mastite, a metrite, a pneumonia, a peritonite podem produzir uma grande quantidade de endotoxinas bacterianas que ao entrar em circulação sistémica causam alterações na micro-circulação podal e conduzem a laminites 17 . Várias outras patologias podais estão descritas como podendo estar associadas às laminites: Hemorragia da sola Úlcera da sola Sola dupla Erosão dos talões Lesões na linha branca Fissuras ou rachaduras2,5,17. Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 33 6.8 – Afecções da linha branca A doença da linha branca está caracterizada pela desintegração da união entre a parede e a sola do casco e a sua penetração por corpos estranhos. O local mais comum da lesão é a parede abaxial na junção da sola com o talão, no entanto, as lesões mais graves são as que ocorrem na região apical da sola 2-5,13 . As causas desta patologia são várias, primeiro a degeneração fibrosa que existe entre a sola e a parede do casco permitindo assim a penetração de matéria orgânica e de corpos estranhos e depois, outros factores como a humidade dos estábulos e a deformação do casco resultante da laminite 14,16 . A linha branca ao ser separada é facilmente penetrada por corpos estranhos que podem originar fístulas com material purulento na banda coronária e na zona de união da sola com o talão e penetração na bolsa navicular com consequente infecção da articulação distal 7 . Geralmente são mais afectados os dígitos externos dos membros posteriores e os sinais clínicos só aparecem após se desenvolverem processos infecciosos. Dos sinais clínicos destacam-se: a saída de material purulento, dor, aumento da temperatura do casco e a separação da sola dos talões 7,20 . 6.9 – Fissuras ou rachaduras do casco São fissuras do tecido córneo da unha que atingem a parede, paralelamente à sua parte dorsal ou paralelas à banda coronária, podendo assim ser fissuras verticais ou horizontais, respectivamente. Esta lesão é comum em reprodutores de carne com idade superior a três anos e são os membros anteriores os mais frequentemente atingidos. Estas fissuras podem conduzir a pododermatites sépticas. Embora as causas continuem a ser discutidas é aceite que os traumas, a desidratação, as laminites e a deficiência em alguns oligoelementos tenham importância no aparecimento da afecção. Alguns episódios de stress também são apontados como causa. Muitas destas fissurassão benignas e os animais não apresentam nenhuma claudicação, mas em certas situações as fissuras podem infectar-se 2,5,7 . Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 34 7 – AMPUTAÇÃO DE DEDO EM BOVINO Esta técnica cirúrgica está recomendada em processos graves e irreversíveis nas zonas profundas da unha, entre as quais se podem citar as artrites da articulação interfalangiana distal, a necrose da almofada plantar, a osteíte e osteólise da terceira falange, entre outras 4,9,10 . Pelo facto de não ter ocorrido nenhuma cirurgia de amputação de dedo durante o período de estágio curricular, recorreu-se a patas provenientes de um matadouro de rezes para efectuar e demonstrar este processo cirúrgico. Existem dois processos de amputação, o inferior e o superior. Todavia, no presente texto apenas se descreveu a amputação superior 9,10 . 7.1 – Anestesia e conducta pré-operatória A operação pode sr feita com o animal em decúbito lateral após sedação com xilazina ou com o animal em estação após colocado num tronco de contenção. Posteriormente, faz-se uma ligadura de Esmarch ou torniquete (figura 20) no metacarpo ou no metatarso e realiza-se uma anestesia regional intra-venosa (35mg de lidocaína a 2%) na veia metatarcarpiana dorsal ou na veia metatarsiana dorsal, dependendo do membro que está a ser intervecionado 2,5,9,10 (figura 36). Figura 20 – Torniquete para aplicação de anestesia regional intravenosa (Adaptado de 9). Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 35 7.2 – Técnica cirúrgia Após ser feita a tricotomia e assépsia do campo cirúsrgico, procede-se à incisão da pele com um bisturi desde o espaço interdigital até circundar a segunda falange (figura 21). Após fazer o rebatimento da pele, corta-se com um fio-serra a partir do espaço inter-digital, começando na porção distal da primeira falange e seguido em posição oblíqua. O movimento do fio-serra não deve ser rápido, de modo a que não ocorra necrose dos tecidos adjacentes, osso inclusivé. Após a extracção do dedo, deve remover-se o tecido necrótico. Se possivel, procede-se à eliminação da metade proximal da 2ª falange com auxílio de uma cureta. Em seguida, a pele deve ser suturada, se existir em extensão suficiente, podendo-se deixar um espaço para drenagem. No caso caso deste recobrimento ser impossível de executar, ter em atenção que não se deve remover o torniquete sem antes realizar uma bandagem compressiva. Em seguida, a pele pode ser suturada, deixando um espaço para drenagem, podendo até nem ser necessário recobrir toda a ferida cirúrgica com a pele sobrante 7,9,10 7.3 – Cuidados pós-operatórios No final da cirurgia, o torniquete deve ser retirado suave e lentamente para que a lidocaína não entre abruptamente na circulação sistémica Em toda a zona removida, deve ser colocado antibiótico e posteriormente uma bandagem para compressão (figura 39). As bandagens são removidas em cada 2 ou 3 dia, mentendo-se o membro com as mesmas até que seja evidente a total cicatrização da ferida. Uma correcta antibioterapia por via parenteral deve ser administrada durante alguns dias. O animal deve também permanecer num ambiente seco e limpo durante pelo menos duas semanas de forma a diminuir a carga bacteriana em redor da zona afectada 3,9,10 . Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 36 Figura 21 – Procedimentos sequenciais na técnica cirúrgica de amputação de dedo em bovino (Modificado de 10). A B C D Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 37 CONCLUSÃO Durante os quatro meses de estágio curricular, contactei toda a utilidade dos ensinamentos académicos que adquiri até ao final do curso, pois a maioria deles pude colocá-los em prática em todas as saídas de campo que efectuámos. Ao mesmo tempo, verifiquei que houve um enriquecimento científico que poderá permitir a minha evolução como clínico durante a minha vida. Por fim, acho salutar e reconfortante que todos os objectivos traçados ao entrar no Ensino Universitário tenham sido objectivamente cumpridos no sentido da sua realização, mas também grandemente valorosos por sentir que valeu a pena e, enquanto nisso acreditar, vou cultivando essa crença. Podologia em Bovinos: Conceitos Basilares 38 BIBLIOGRAFIA 1. Dyce, K.M., Sack, W.O., Wensing, C.J.G. (1997). O membro posterior dos ruminantes. In: Tratado de Anatomia Veterinária, 2ª Ed. Editores:, K.M. Dyce, W.O. Sack, C.J.G. Wensing. 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