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Os Princípios de Economia Política de Menger constituíram um livro muito avançado para o seu tempo: nele, não só se deu entrada ao importante papel que têm na economia real o conceito de tempo, a ignorância, o conhecimento empresarial, o erro como algo inseparável da ação humana, os bens complementares que paulatinamente se vão acoplando no processo de mercado e os desequilíbrios e mudanças contínuas que caracterizam qualquer mercado real, como, para além de tudo isto, se introduziu toda uma incipiente teoria sobre a origem e a evolução das instituições sociais, que posteriormente Hayek se encarregaria de desenvolver até às suas últimas consequências. De fato, deve-se considerar que a segunda contribuição de Menger consistiu em ter sido capaz de explicar teoricamente o aparecimento espontâneo e evolutivo das instituições sociais a partir da própria concepção subjetiva da ação e da interação humanas. Assim, não foi por capricho ou acaso que Menger dedicou os seus Princípios de Economia Política a um dos mais conspícuos historicistas alemães: Wilhelm Roscher. É que, na polêmica doutrinal entre os partidários de uma concepção evolutiva, histórica e espontânea das instituições, representados por Savigny no campo do direito e Montesquieu, Hume e Burke no campo da filosofia e da ciência política, frente aos partidários da concepção cartesiana estritamente racionalista (representados por Thibaut no campo do direito e por Bentham e os utilitaristas ingleses no campo da economia), Menger acreditava, com a sua contribuição, ter dado o suporte teórico definitivo de que necessitavam os primeiros. A concepção subjetivista de Menger baseada no ser humano que age explica, através de um processo evolutivo em que atuam incontáveis seres humanos (cada um deles provido do seu pequeno acervo exclusivo e privativo de conhecimentos subjetivos, experiências práticas, desejos, sensações etc.), o surgimento evolutivo e espontâneo de uma série de comportamentos ordenados (instituições) que nos campos jurídico, econômico e linguístico tornam possível a vida em sociedade. Menger descobre que o aparecimento das instituições é o resultado de um processo social constituído por uma multiplicidade de ações humanas e liderado por uma série de seres humanos, homens e mulheres concretos de carne e osso que, nas suas circunstâncias históricas particulares de tempo e lugar, são capazes de descobrir antes dos demais que podem atingir mais facilmente os seus fins adotando determinados comportamentos ordenados. Põe-se desta forma em funcionamento um processo descentralizado de tentativa e erro no qual tendem a preponderar os comportamentos que melhor coordenam os desajustamentos sociais, de maneira que, através deste processo inconsciente de aprendizagem e imitação, o avanço iniciado pelos seres humanos mais criativos e bem sucedidos nas suas ações se estende e é seguido pelo resto dos membros da sociedade. Ainda que Menger desenvolva a sua teoria aplicando-a a uma instituição econômica concreta, a do surgimento e evolução do dinheiro (Menger, 1998: 200-220), também menciona que o mesmo esquema teórico básico pode ser aplicado, sem grandes dificuldades, às instituições jurídicas e também ao surgimento e evolução da linguagem. O próprio Menger expressa de forma impecável a nova pergunta em torno da qual pretende elaborar o seu novo programa de investigação científica: “Como é possível que as instituições que melhor servem o bem comum e que são mais significativas para o seu desenvolvimento tenham surgido sem a intervenção de uma vontade comum e deliberada para as criar?” (Menger, 1883: 163-165, 182). É que se verifica a paradóxica realidade de aquelas instituições que são mais importantes para a vida do homem em sociedade (linguísticas, econômicas, legais e morais) serem “consequências não intencionais das ações individuais” (ou na terminologia de Menger, Unbeabsichtigte Resultante, Menger, 1883: 182), uma vez que não poderiam ter sido criadas deliberadamente pelo próprio homem, por este carecer da capacidade intelectual necessária para assimilar o enorme volume de informação dispersa e dinâmica que as mesmas incorporam, tendo essas instituições progressivamente surgido de forma espontânea e evolutiva do processo social de interações humanas que para Menger e para os austríacos constitui precisamente o campo que deve ser o principal objeto de investigação da Ciência Econômica. Jesús Huerta de Soto Menger e a teoria econômica das instituições sociais
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