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2015 - 09 - 01 Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973 Primeiras páginas © desta edição [2015] 2015 - 09 - 01 Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973 Sobre o autor SOBRE O AUTOR JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA Membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para a elaboração do Anteprojeto de Novo Código de Processo Civil. Visiting Scholar na Columbia Law School. Estancia docente y investigadora na Faculdad de Derecho da Universidad de Sevilla. Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Professor Titular na Universidade Paranaense. Professor Associado na Universidade Estadual de Maringá. Foi Presidente da Comissão Nacional de Acesso à Justiça da Ordem dos Advogados do Brasil. Membro do Comitê Científico Consultivo do Instituto Autismo e Vida. Secretário-Geral Adjunto do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas – IBCJ, da Academia Brasileira de Direito Processual Civil – ABDPC, do Instituto Panamericano de Derecho Procesal – IPDP e do Instituto IberoAmericano de Direito Processual. Membro do conselho de redação da Revista de Processo – RePro e do conselho editorial da Revista Brasileira de Direito Processual – RBDPro. © desta edição [2015] 2015 - 09 - 01 Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973 Agradecimentos AGRADECIMENTOS Ninguém escreve um livro sozinho. Mesmo que isso não fique consignado expressamente, ao longo do texto acabam ficando registradas as experiências que o autor teve, ao longo de sua vida e, de algum modo, a marca das pessoas com quem conviveu. Tenho que agradecer, de modo especial, a participação mais que fundamental, verdadeira sustentação, de minha mulher, Janaina, e de meus filhos, José Gabriel e João Pedro. A eles, toda minha gratidão, meu carinho e meu amor. Agradeço, também, a todos os meus colegas de escritório que me apoiaram, concretamente, na realização de mais este trabalho. Minha gratidão aos professores e sócios de escritório Rafael de Oliveira Guimarães, Vinicius Secafen Mingatti, Renata Paccola Mesquita e Henrique Cavalheiro Ricci. Em nome deles agradeço a todos os meus colegas de escritório. Também agradeço aos professores Fábio Caldas de Araújo e Alexandre Freire, com quem tenho o privilégio de conversar, quase que cotidianamente, sobre os assuntos versados no presente trabalho. À Janaina de Castro Marchi Medina, minha mulher, que, além de compartilhar tudo comigo em meu dia a dia, revisou as partes mais relevantes deste trabalho, e fez importantes apontamentos. Registro, aqui, meu agradecimento especial à equipe de pesquisa que me acompanhou ao longo de todos esses anos, de que participaram Carlos Eduardo Pitelli Zanutto, Italo Santos Alves, Juliana Kaway Van Linschoten, Luiza Haruko Ishie Macedo, Marcos Thadeu Piffer Filho, Mariana Barsaglia Pimentel, Pedro Ramos, Rafael Veríssimo Siquerolo, Samuel Hubler, Victória Maria Américo de Oliveira e Vitória de Oliveira. Minha gratidão, também, por ter recebido, mais uma vez, o apoio profissional da equipe da Editora Revista dos Tribunais – Thomson Reuters, sob direção de Marisa Harms e colaboração da editora Cristiane Faria e seu grupo de trabalho, e a equipe de revisores, coordenada por Juliana De Cicco Bianco, de que participam: Damares Regina Felício, Danielle Rondon Castro de Morais, Flávia Campos Marcelino Martines, Gabriele Lais Sant’Anna dos Santos, George Silva Melo, Luara Coentro dos Santos, Luciano Mazzolenis J. Cavalheiro, Maurício Zednik Cassim, Rodrigo Domiciano de Oliveira, Sue Ellen dos Santos Gelli e Thiago César Gonçalves de Souza. Agradeço, por fim, a todos os queridos amigos professores, advogados, juízes, promotores de justiça, estudantes e alunos que tive ao longo desses anos, que enviaram sugestões às edições anteriores do presente trabalho, todas levadas em consideração na obra que agora vem a público. A todos, minha sincera gratidão. JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA © desta edição [2015] 2015 - 09 - 01 Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973 Nota do autor à 3.ª edição NOTA DO AUTOR À 3.ª EDIÇÃO Neste domingo, pela manhã, enquanto enviava os últimos arquivos revisados, referentes à comparação entre os artigos finais do CPC/2015 e do CPC/1973, à editora, eu pensava no significado deste livro para mim, e do que esperava que ele viesse a significar para as pessoas que o lessem, que o utilizassem em seu trabalho diário. Especialmente neste dia vêm à nossa mente pensamentos relacionados ao recomeço, à renovação, a como podemos proceder, para tentar, desta vez, fazer melhor do que fizemos antes. Enfim, é um começar de novo. . Na presente edição mantém-se a ideia original, apresentada quando da publicação da 1.ª edição: a de apresentar ao leitor as novidades e diferenças mais significativas existentes entre o CPC/1973 e o CPC/2015, em notas comparativas inseridas ao longo dos comentários. Mas, tendo em vista a aprovação recente do Novo Código de Processo Civil, alterou-se a perspectiva: se, nas edições anteriores, analisavam-se as mudanças à luz do CPC então em vigor, a partir da presente edição a obra examina essas mesmas alterações sob o ponto de vista da Lei 13.105/2015, que instituiu o Novo Código de Processo Civil, que chamamos, simplesmente, de CPC/2015. O leitor de edições anteriores logo se identificará com o formato do presente trabalho: os temas então versados continuam sendo examinados, mas, agora, de modo atualizado e mais profundo. Desde a edição anterior, passamos a preparar a presente versão, pensando em publicá-la como comentário ao Projeto de Novo CPC ou, como a que vem a público, como comentário ao Novo CPC. Esse tempo permitiu-nos meditar, com mais cuidado, sobre muitos dos temas antes versados. Sempre entendemos que livro de Direito Processual Civil deve ser útil, servir ao labor diário daqueles que lidam com esse tema. Este trabalho tem, desde sua 1.ª edição, a preocupação de examinar todos os assuntos com contornos eminentemente práticos. Mas não se trata, aqui, da “prática” como a realização, destituída de significado, de um amontoado de atos processuais, mas de praxis, no sentido de prática reflexiva. Cada um dos artigos comentados é acompanhado de remissão ao dispositivo correspondente, no CPC/1973 (disponibilizamos, para download, quadro comparativo entre o CPC/1973 e o CPC/2015 no site http://professormedina.com/). Em seguida, quando consideramos oportuno, inserimos enunciados de súmula e julgamentos de casos repetitivos pelos tribunais superiores, bem como enunciados oriundos do Fórum Permanente de Processualistas Civis (indicados como FPPC). Apresentamos, assim, os presentes comentários à comunidade jurídica, e o sujeitamos, humildemente, à consideração e crítica de professores, advogados, juízes, promotores de justiça e estudantes, esperando a opinião dos doutos. Mas este tempo, como eu disse antes, é de renovação. Reexaminei tudo o que antes escrevi e publiquei sobre assuntos relacionados ao Direito Processual Civil. Atualizei pontos de vista, ajustando-os à nova realidade jurídica, abandonando ideias que restaram obsoletas, em face da nova lei. O leitor notará, ao longo do texto, as hipóteses em que isso ocorreu, pois tomei o cuidado de registrá-las. Levei em consideração as críticas que recebi, sobretudo para deixar mais claras e para aprimorar minhas opiniões sobre os mais variados assuntos relacionados ao processo civil. Como sempre, sugestões e críticas serão muito bem-vindas, e poderão ser enviadas para o e-mail novocpc@medina.adv.br. Os anos que se passaram, entre a edição anterior e a presente edição, não foram nada fáceis. Tive, sempre, ao meu lado, minha família e o apoio de bons amigos. Entre nós, sempre senti a presença marcante de Deus. Quando caí, Deus me deu sustentação, me apoiou e levantou. Devo dar a Ele toda a glória. Graças a Ele este trabalho chega, agora, à 3.ª edição. A todos os que se dispuserem a ler o presente trabalho, o meu abraço afetuoso. Espero, sinceramente, que este livro lhes seja útil. JOSÉ MIGUEL GARCIA MEDINA Páscoa de 2015 © desta edição [2015] 2015 - 09 - 01 Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973 Lei 13.105, de 16 de março de 2015 Lei 13.105, de 16 de março de 2015 Código de Processo Civil. A Presidenta da República: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: © desta edição [2015] 2015 - 09 - 01 Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973 Lei 13.105, de 16 de março de 2015 Parte Geral. Parte Geral © desta edição [2015] 2015 - 09 - 01 Novo Código de Processo Civil comentado: com remissões e notas comparativas ao CPC/1973 Lei 13.105, de 16 de março de 2015 Parte Geral. Parte Geral Livro I DAS NORMAS PROCESSUAIS CIVIS TÍTULO ÚNICO DAS NORMAS FUNDAMENTAIS E DA APLICAÇÃO DAS NORMAS PROCESSUAIS Capítulo I DAS NORMAS FUNDAMENTAIS DO PROCESSO CIVIL Art. 1º. O processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código. CPC/1973: Sem correspondente; arts. 1.º e 1.211 (relacionados). SUMÁRIO: I. Métodos para a solução de controvérsias. O processo judicial – II. Fins do processo e problemas sociais de nosso tempo – III. Realização dos direitos subjetivos através do processo – IV. Estrutura peculiar do processo e suas fontes. Particularmente a importância da Constituição Federal – V. Criação da solução jurídica. Papel da jurisprudência. Importância da doutrina. I. Métodos para a solução de controvérsias. O processo judicial. O processo judicial é um dos métodos de resolução de controvérsias, tendo sido considerado, durante muito tempo, com exclusividade, como o método institucional de solução de controvérsias (desse modo foi considerado, p. ex., na exposição de motivos do CPC/1973, que, em seu item 5, designava o processo como o “instrumento que o Estado põe à disposição dos litigantes, a fim de administrar justiça”). Essa ordem de ideias tende a ser alterada, na medida em que incorporam-se outros métodos de solução de conflitos ao cenário judicial: por acesso à justiça tende-se, gradativamente, a compreender não apenas o acesso a uma solução decisional (através do processo), mas, também, a meios consensuais, como a conciliação e a mediação. O CPC/2015 adota esse modo de pensar, trazendo para o ambiente da administração estatal da justiça esses meios consensuais de solução de controvérsias, antes chamados de “alternativos”, agora, estimulados (cf. comentário ao art. 3.º). A mudança da cultura da sentença para a cultura da pacificação, a que se refere Kazuo Watanabe (Política pública. ., RePro 195/381), tende a ser lenta e gradual, ainda que o CPC/2015 dê passos importantes, nesse sentido. A finalidade do processo civil, de todo modo, é a solução de controvérsias. De acordo com concepção bastante difundida entre nós, lide é o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida ou insatisfeita (cf. conhecida concepção de Francesco Carnelutti, Instituições do processo civil, vol. 1, p. 78). Esse conceito não perdeu sua atualidade, embora devam ser atualizados os elementos que o compõem. Afinal, os bens jurídicos em torno dos quais controvertem as pessoas evoluem (de abundantes, tornam-se escassos; antes irrelevantes, passam a ser considerados importantes), já que alteram-se as aspirações das pessoas, da sociedade como um todo e, sob esse influxo, altera-se o próprio direito substantivo (cf. o que se diz infra). De todo modo, o processo “quer a paz jurídica, quer a realização e verificação do direito objectivo, da ordem jurídica” (Othmar Jauernig, Direito processual civil, p. 36), vale dizer, a proclamação e a realização do direito, e espera-se, com isso, sejam alcançados os fins a que se refere Cândido Dinamarco. Segundo esse autor, o processo tem escopos social (pacificar com justiça, conscientizar os membros da sociedade para que estes deem cumprimento aos seus deveres etc.), político (afirmação do poder estatal de administrar a justiça, respeitando a liberdade dos cidadãos) e jurídico (isto é, deve conter técnicas processuais adequadas à realização do direito material) (cf. Cândido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade do processo, 13. ed., passim). No processo civil, a solução para a controvérsia decorre da atuação de um terceiro, mas, diversamente do que sucede com o processo arbitral (em que o terceiro é escolhido pelas partes envolvidas), no processo o conflito é resolvido por um órgão instituído pelo Estado para o exercício da função jurisdicional (cf. Luigi Paolo Comoglio, Corrado Ferri e Michele Taruffo, Lezioni sul processo civile, I, p. 17). Sobre arbitragem e meios consensuais de solução de conflitos, cf. comentário ao art. 3.º. Tratamos do processo judicial, no presente estudo; mas processo é tema que interessa à teoria geral do direito (sobre os processos administrativo e legislativo, cf. o que escrevemos em Constituição Federal comentada, 3. ed., 2014, comentário ao art. 5.º, LIV e LV da Constituição, dentre outros; sobre o processo obrigacional, cf. o que escrevemos em coautoria com Fábio Caldas de Araújo, em Código Civil comentado, 2013, comentário aos arts. 113, 421 e 427, bem como ao Título I do Livro I, do Código Civil). II. Fins do processo e problemas sociais de nosso tempo. Segundo pensamos, as normas processuais relativas à realização concreta dos direitos incidem de modo rente à realidade social e econômica de um povo. A controvérsia, a ser solucionada à luz do ordenamento jurídico, emerge da sociedade, motivo pelo qual o processo deve ter aptidão para realizar materialmente os direitos subjetivos amoldando-se às variações sociais. O ponto de partida do estudo do processo civil consiste na compreensão da controvérsia social que haverá de ser solucionada. Cf., também, o que escrevemos em Parte geral e processo de conhecimento, 4. ed., cit., em coautoria com Teresa Arruda Alvim Wambier, em que também sustentamos esse modo de pensar. Como temos afirmado em outros trabalhos (cf., p. ex., o que escrevemos em Constituição Federal comentada, 3. ed., p. 15-16), o desafio, hoje, está em como formular soluções ajustadas ao nosso modelo de Constituição e ao tempo em que vivemos. Segundo Zigmunt Bauman, “no momento, nós estamos em um interregno. Um interregno que significa, simplesmente, que a antiga maneira de agir não funciona mais, e novos modos de agir ainda não foram inventados. Esse é o interregno” (Sociedade do consumo e do crédito não funciona mais). Não se pode, porém, aguardar o término desse interregno para encontrar fórmulas que permitam resolver bem (e não apenas razoavelmente) os problemas relativos à interpretação e aplicação do direito, exigindo-se, hoje, um novo modo de pensar o direito, em diálogo com outras “ciências” (p. ex., política, econômica. .) e também com outros conhecimentos oriundos da dinâmica da vida. O direito não deve ser estudado apenas em si mesmo, mas a partir do déficit identificado na vida das pessoas, que reclamou a sua criação. O direito não pode pertencer apenas ao imaginário dos juristas, sendo alheio à realidade. Se assim o for, será, então, um direito não apenas alheio à realidade, mas que oculta os problemas que, de fato, ocorrem. III. Realização dos direitos subjetivos através do processo. Através do processo realizam-se os direitos subjetivos – embora, evidentemente, não tenha o processo apenas a finalidade de realizar o direito subjetivo das partes, já que, evidentemente, atua a jurisdição de modo a realizar a ordem jurídica, ainda que isso contrarie o interesse das partes (cf. comentário supra). Não tem o processo, pois, função meramente acessória em relação ao direito material. Como afirma Ada Pelegrini Grinover, “vãs seriam as liberdades do indivíduo, se não pudessem ser reivindicadas e defendidas em juízo” ( As garantias constitucionais do direito de ação, n. 7, p. 15). Entendemos que a previsão de um direito subjetivo pelo ordenamento sem que haja procedimento adequado ( due process) à concretização material de tal direito significaria, quando muito, a previsão apenas de um direito “em potencial” ou abstrato, irrealizável concretamente, e, em última análise, um direito inexistente, ou existente apenas teoricamente. “O aspecto processual dos direitos fundamentais faz efetivos seus componentes substanciais ‘de modo básico’, não como uma garantia conexa ou complementar: uma garantia só substancial dos direitos fundamentais seria em parte inútil” (Peter Häberle, La libertad fundamental en el estado constitucional, p. 292). IV. Estrutura peculiar do processo e suas fontes. Particularmente a importância da Constituição Federal. O processo é sistema interacional, isso é, dá-se através da interação entre partes e órgão jurisdicional. Essa noção de processo envolve e supera aquela, tradicional, que vê o processo apenas como mera relação jurídica (cf. comentário ao art. 2.º). No contexto democrático, o modo como se manifestam e relacionam os sujeitos do processo deve observar as garantias mínimas decorrentes do due process of law. Assim, interessam, evidentemente, as regras dispostas no Código de Processo Civil e em outras leis, mas, sobretudo, a norma constitucional. Entendemos que os princípios e valores dispostos na Constituição Federal constituem o ponto de partida do trabalho do processualista. A atuação das partes e a função jurisdicional devem ser estudadas a partir da compreensão de que o processo é um espaço em que devem se materializar os princípios inerentes a um Estado que se intitula “Democrático de Direito” (cf. art. 1.º da Constituição). O CPC/2015 reproduz e esmiúça uma série de princípios constitucionais, fazendo-o, principalmente (mas não exclusivamente), no começo da Parte Geral, em tópico dedicado às normas fundamentais do processo civil. Deixa claro, com isso, que o processo civil é ordenado, disciplinado e interpretado em conformidade com a Constituição. Longe de ser mera redundância, a referência a princípios constitucionais ao longo do texto do Código tem importante papel pedagógico. Sobre fontes, cf. também comentário ao art. 13 ss. do CPC/2015. Sobre as garantias fundamentais do processo, cf. comentário aos artigos seguintes. V. Criação da solução jurídica. Papel da jurisprudência. Importância da doutrina. O sentido do direito não se encontra apenas no texto da lei, ou na descrição de um princípio. O texto é o ponto de partida para se chegar à norma jurídica, mas esta é fruto da interpretação realizada para resolver problemas. É importante que isso fique claro, e que se entenda o papel da interpretação para a compreensão da norma jurídica. Isso sucede até mesmo com as afirmações que nós mesmos fazemos – ainda que fora do âmbito acadêmico ou jurídico. Se me recordo de uma afirmação que fiz há vários anos, ao recordá-la a interpreto, à luz do que hoje sou, do que se passou ao longo de minha história, e do que vi nas histórias daqueles que conviveram comigo. Explica Miguel Nicolélis que nosso cérebro “‘vê’ antes de ‘enxergar’, para impor a cada um de nós seu próprio ponto de vista sobre o mundo que nos circunda”. Segundo afirma, “são os encontros e desencontros entre esses dois sinais espaçotemporais, um gerado dentro do cérebro e o outro proveniente da transdução de estímulos do mundo exterior, que definem o que percebemos como realidade. Isso implica que a tão procurada verdade absoluta não existe, porque o cérebro não é um mero escravo daquilo que, por exemplo, nossas retinas dizem ver. Essa colisão neurofisiológica sintetiza o princípio da contextualização”, isso é, “a forma como o cérebro responde como um todo, seja em resposta a um estímulo sensorial, seja para produzir um comportamento motor particular, depende de seu estado global interno a cada instante” ( Muito além de nosso eu, p. 417). Assim também é com o direito. O sujeito que interpreta o direito visualiza-o, considerando algo a ser resolvido (o que denomino, usando termo de Josef Esser na obra Principio y norma. . , p. 9 ss., de “problemática concreta”), mas o próprio sujeito que interpreta faz parte do processo de interpretação (ou, dito de outra forma, o aplicador do direito não é alguém que observa “de fora” o fenômeno. .). Daí a importância que damos ao modo de construção da solução jurídica pelos tribunais e ao modo como eles interagem com a comunidade jurídica e a sociedade. Como temos afirmado, em nosso dia a dia não laboramos sobre teses jurídicas: antes, as formulamos para resolver problemas e aplicar a casos (cf. o que escrevemos em Constituição Federal comentada, 3. ed., p. 16-17). Afirma Hans-Georg Gadamer que é “um processo unitário não somente a compreensão e interpretação, mas também a aplicação”, ressaltando que “a aplicação é um momento do processo hermenêutico, tão essencial e integrante como a compreensão e a interpretação” ( Verdade e método, p. 379). A experiência dos tribunais na resolução de casos e o amadurecimento que se espera obter, com essa experiência, ao longo do tempo (com erros e acertos, mas, sobretudo, com a reiteração de uma orientação verificada como certeira) acaba funcionando como importante ingrediente, na interpretação das regras relacionadas ao processo. É importante, no entanto, para que sirva a esse propósito, que a jurisprudência seja dotada de integridade. Para servir como guia, a jurisprudência deve ser íntegra; caso contrário, não passará de um amontoado de julgados. De todo modo, os casos levados pelas pessoas ao Judiciário representam a problemática concreta, sendo importante examinar o método (ou arte) de resolver tais problemas, já que com tal técnica devemos lidar, no processo. Essa assertiva vale para a atividade jurisdicional, mas também deve ser considerada pela doutrina, que deve se envolver com o que se passa na jurisprudência. Entendemos que, se é certo que os juízes não estão sozinhos no mundo, não menos correto é dizer que não estão sozinhos no “mundo jurídico”. Ninguém duvida, por exemplo, que o STF tem a “última palavra”, ao menos em determinado momento, em relação à interpretação/aplicação da norma constitucional. Mas mesmo as afirmações desse Tribunal sobre o significado da Constituição devem sujeitar-se ao exame crítico da doutrina, que deve reafirmar os acertos e apontar os erros interpretativos para que estes sejam corrigidos e o STF volte ao rumo correto (essa atitude doutrinária – que, de resto, é não apenas da doutrina, mas de toda a comunidade – nos remete àquilo que alguns chamam de “sentimento constitucional”, a que se refere Pablo Lucas Verdú, em O sentimento constitucional: aproximação ao estudo do sentir constitucional como de integração política). Como afirmou Celso Furtado, “que é a utopia senão o fruto da percepção de dimensões secretas da realidade, um afloramento das energias contidas que antecipa a ampliação do horizonte de potencialidades aberto ao homem? Esta ação de vanguarda constitui uma das ações mais nobres a serem cumpridas pelos intelectuais nas épocas de crise. Cabe-lhes aprofundar a percepção da realidade social para evitar que se alastrem as manchas de irracionalidade que alimentam o aventureirismo político; cabe-lhes projetar luz sobre os desvãos da história, onde se ocultam os crimes cometidos pelos que abusam do poder; cabe-lhes auscultar e traduzir as ansiedades e aspirações das forças sociais ainda sem meios próprios de expressão” ( Ensaios sobre cultura. . , p. 174). Entendemos que “o jurista tem a grave tarefa de promover a melhor aplicação do direito, aumentando, com sua atividade, o grau de certeza da ciência do direito” e “não pode interpretar o direito contra os preceitos éticos, morais e, principalmente, democráticos” (Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, CPC comentado, 9. ed., p. 604). Tem o processualista o dever de observar os princípios democráticos, no exame crítico daquilo que doutrina e jurisprudência apresentam como solução para os problemas que afetam a vida das pessoas (a respeito, cf. Otavio Luiz Rodrigues Jr., Dogmática e crítica da jurisprudência, RT 891/65). “A tarefa do processualista”, assim, é, fundamentalmente, a de “objetivar a simplificação desse instrumento”, que é o processo (Arruda Alvim, Manual de direito processual civil, vol. 1, n. 26, p. 99), em atenção aos princípios e valores democráticos dispostos na Constituição. É verdade que isso não é tarefa fácil (como disse George Sand, “simplicity is the most difficult thing to secure in this world. It is the last limit of experience and the last effort of genius”, Letters. . , p. 355), mas não podemos nos curvar diante desse desafio. Devemos nos empenhar em alcançar esse desiderato, pois o processo pode ser tão complexo exatamente porque não tentamos simplificá-lo. Se, como disse Wittgentein, o que se pode dizer, pode ser dito claramente (“What can be said at all can be said clearly”, Tractatus. . , Preface, p. 3), temos que tornar simples o processo. Mas dizer que nossa tarefa, enquanto estudiosos do direito processual civil, é a de simplificá-lo, não equivale a dizer que devemos ser simplistas, desprezando dados ou informações necessárias à análise dos problemas, ou mesmo simplórios, analisando as questões jurídicas como se estas fossem meramente abstratas, não emergissem de uma sociedade extremamente complexa, a serem resolvidas num ambiente também permeado de problemas (basta lembrar, por exemplo, a quantidade muito grande de processos que aguardam julgamento, frente o número pequeno de magistrados para dar conta de tal trabalho). Art. 2º. O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei. CPC/1973: Art. 262 (correspondente); art. 2º (relacionado). SUMÁRIO: I. Direito de ação – II. Direito de petição e direito de ação. Distinção – III. Direito de ação e tutela jurisdicional adequada ao direito material – IV. Teorias sobre a natureza do direito de ação – V. Direito de ação e teoria da relação de status – VI. Processo como sistema interacional – VII. Princípios da demanda e da inércia da jurisdição – VIII. Princípio do impulso oficial – IX. Exercício da demanda e desistência da ação – X. Requisitos processuais. Requisitos de formação do processo e dos atos realizados ao longo do procedimento. Pressupostos processuais e condições da ação, no CPC/1973 e no CPC/2015 – XI. Devido processo legal ( Due process of law, processo “justo” ou “equitativo”). Garantias mínimas. I. Direito de ação. O direito de ação não se manifesta apenas com a apresentação de pedido de tutela jurisdicional pelo demandante. Esse ponto de vista, bastante restrito (sob essa perspectiva se estuda o direito de ação e suas “condições”, ou requisitos, p.ex.; cf. o que escrevemos a respeito em Possibilidade jurídica do pedido e mérito, RePro 93/371, jan./1999), não contempla outras relações que surgem ao longo do processo e, além disso, visualiza o fenômeno apenas sob o ponto de vista do autor (ou exequente). O direito de ação envolve um conjunto de situações subjetivas em que se encontram as partes frente ao Estado: de um lado, condiciona o início da atividade jurisdicional, mas, por outro, representa o direito que tem a parte à proteção e realização do direito, através da prestação praticada pela jurisdição. O direito de ação, assim, manifesta-se não apenas através da demanda (cf. comentário infra), mas também ao longo do desenvolvimento de todo o procedimento, do qual deve poder a parte participar ativamente (cf. Luigi Paolo Comoglio et al. , Lezioni. . , cit., p. 224), exaurindo-se com a obtenção de tutela jurisdicional adequada ao direito (cf. art. 5.º, XXXV, da CF/1988; no mesmo sentido, cf. Giovanni Arieta et al. , Corso. . , 3. ed., cit., n. 60, p. 144; sob a perspectiva constitucional, cf. o que escrevemos em Constituição Federal comentada cit., comentário ao art. 5.º, XXXV da CF/1988; opinião que reproduzimos também na obra Processo civil moderno, v. 1, Parte geral e processo de conhecimento, 4. ed., em coautoria com Teresa Arruda Alvim Wambier; semelhantemente, na doutrina recente, afirma-se que o direito de ação “tem conteúdo múltiplo”, é um “direito compósito”, um “complexo de situações jurídicas”, ou, ainda, um “complexo de poderes ou faculdades”, cf. Fredie Didier Jr., O direito de ação como complexo de situações jurídicas, RePro 210/41). Em síntese, pode-se dizer que o direito de ação é o direito ao processo adequado, que observe as garantias mínimas, decorrentes do devido processo legal. É correto, sob esse prisma, afirmar-se que também o réu tem direito de ação (cf. o que escrevemos em Chamamento ao processo, RePro 95/39, jul./1999; nesse sentido, reconhece-o expressamente o art. 30 do CPC francês ao dispor que “l’action est le droit, pour l’auteur d’une prétention, d’être entendu sur le fond de celle-ci afin que le juge la dise bien ou mal fondée”, mas, “pour l’adversaire, l’action est le droit de discuter le bien-fondé de cette prétention”). II. Direito de petição e direito de ação. Distinção. A Constituição assegura o direito de petição, isto é, o direito de manifestar-se perante os órgãos que exercem o poder, contra ilegalidades ou abusos (CF/1988, art. 5.º, XXXIV, a). O exercício do direito de petição, diz a Constituição, independe do pagamento de taxas. Corretamente, dispõe a Súmula Vinculante 21 do STF que “é inconstitucional a exigência de depósito ou arrolamento prévios de dinheiro ou bens para admissibilidade de recurso administrativo” (no mesmo sentido, cf. Súmula 373 do STJ e Súmula 424 do TST). O direito de petição, pois, é mais amplo que o direito de ação, já que aquele é incondicionado, e pode ser exercido perante qualquer dos órgãos que desempenham o poder estatal. A respeito, cf. o que escrevemos em Constituição Federal comentada cit., no comentário ao referido dispositivo constitucional. III. Direito de ação e tutela jurisdicional adequada ao direito material. De acordo com o art. 5.º, XXXV, da CF/1988, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Não se limita a norma constitucional a obstar que alguma lei impeça o acesso à jurisdição, mas vai além, para assegurar o direito de exigir do Estado a tutela jurisdicional. Modernamente, tem-se pensado em tutela jurisdicional não apenas como resultado, mas também para designar os meios tendentes à sua consecução (Flávio Luiz Yarshell, Tutela jurisdicional, p. 30 ss.; Cândido Rangel Dinamarco, Execução civil, n. 60, p. 112; Vicente Greco Filho, Tutela jurisdicional das liberdades, p. 70). O direito de ação corresponde, portanto, ao direito à prestação jurisdicional adequada ao direito substancial (cf. Andrea Proto Pisani, op. cit., p. 54-55). Assim, também a configuração processual do direito de ação deve ajustar-se ao direito material. P. ex., em se tratando de tutela de direitos difusos, deve-se amoldar a ação a este direito (o que se reflete na questão consistente em se saber, por exemplo, quem pode agir em juízo, em busca de tutela protetiva de direito supraindividual, p. ex., art. 5.º, LXXIII da CF/1988, quanto à legitimidade para o ajuizamento de ação popular, e art. 82 da Lei 8.078/1990). A inexistência, no plano processual, de tutela correspondente à reclamada pelo direito material, significaria tornar inexistente o próprio direito substantivo. O direito de ação, assim, compreende não apenas o direito à tutela jurisdicional adequada, mas também a um processo adequado. IV. Teorias sobre a natureza do direito de ação. Ao longo do tempo, surgiram várias concepções acerca da natureza da ação, nem sempre excludentes, muitas vezes formuladas à luz dos dados existentes em um determinado ordenamento jurídico. Quando não se concebia o processo como relação distinta da do direito material, pensava-se na ação como mera manifestação ou extensão do direito material, e não como direito da parte contra o Estado (teoria imanentista ou civilista). A partir da célebre polêmica havida entre Windscheid e Müther, chamou-se a atenção para o fato de que a ação processual consistia em direito a uma prestação jurisdicional, distinto, portanto, do direito a prestação oriunda do direito material. Seguiu-se, no entanto, a teoria segundo a qual, embora distinto do direito material, o direito de ação somente existiria quando existente o direito material (teoria da ação como direito concreto, de que foi partidário Wach). Para Chiovenda, embora autônomo em relação ao direito material, o direito processual de ação não seria direito a ser exercido contra o Estado, mas um direito potestativo a ser exercido em relação ao adversário (teoria da ação como direito potestativo). Outros, ainda, viram a ação como direito autônomo e abstrato, totalmente desvinculado do direito material (Degenkolb e Plòsz, que formularam a teoria da ação como direito abstrato). Liebman, por sua vez, sustentava que a ação seria direito autônomo e abstrato, mas condicionável (teoria eclética). A respeito do tema, cf., amplamente, Gabriel de Rezende Filho, Direito processual civil, vol. 1, n. 150 e ss., p. 151 e ss.; Leonardo Greco, A teoria da ação no processo civil; Fábio Gomes, Carência de ação; Rodrigo da Cunha Lima Freire, Condições da ação; José Ignacio Botelho de Mesquita, Da ação civil. Tais teorias, a nosso ver, explicam a evolução doutrinária do conceito de ação na ciência processual, mas não revelam satisfatoriamente como deve ser compreendido o direito de ação no Estado Constitucional Democrático de Direito. Segundo nosso modo de pensar, não é possível reduzir o conceito de ação ou formular uma definição unitária. Como afirmamos acima, entendemos que o direito de ação é o direito ao processo adequado, que observe as garantias mínimas decorrentes do devido processo legal. Essa é, a nosso ver, a natureza do direito de ação. V. Direito de ação e teoria da relação de status . Temos estudado o direito de ação sob a perspectiva da teoria das relações de status (como posição das pessoas frente ao Estado), a partir das lições de Jellinek e dos desenvolvimentos de Häberle (sobre essa teoria, cf., mais amplamente, comentário ao art. 5.º do CPC/2015). Afirma Ada Pellegrini Grinover (O direito de ação cit.), que também Alfredo Rocco teria se inspirado na doutrina de Jellinek. Segundo esse autor, o direito de ação é um direito subjetivo “que corresponde a cada ciudadano como tal”, “un derecho subjetivo público del ciudadano con el Estado, y sólo con el Estado” ( La sentencia civil cit., n. 33, p. 128, e n. 39, p. 153), e que compreende em si “todas las facultades que corresponden a las partes en el procedimiento y el ejercicio de aquel derecho como compreendiendo todos los actos procesales de las partes” (ob.cit., n. 41, p. 165). Fazendo referência a “una cantidad de facultades, reconocidas y disciplinadas por el derecho procesal objetivo”, faz Alfredo Rocco desenvolvimento semelhante, embora sem se referir às categorias de status acima mencionadas (ob.cit., n. 41 e 42, p. 165 ss.). Como temos sustentado (cf. comentário I ao presente dispositivo legal, supra), o direito de ação envolve um conjunto de situações subjetivas em que se encontram as partes frente ao Estado. Assim, o direito de ação compreende o dever do Estado de prestar a tutela jurisdicional ( status positivo). Paralelamente a esse direito da parte, há, ainda, o de participar efetivamente do procedimento destinado à entrega da prestação jurisdicional. Este “direito de participação no processo” corresponde ao status activus processualis. Sobressaem, quanto a este status ativo, aspectos que dizem respeito à interação dos sujeitos no processo. O direito de ação pode ser considerado, também, sob outro prisma, que é o de condicionante do início da atividade jurisdicional (art. 2.º do CPC/2015). Sob esta perspectiva, o direito de ação encerra também uma faculdade que é manifestação da esfera de liberdade individual frente ao Estado ( status libertatis; cf., a respeito desta manifestação de status, Georg Jellinek, op. cit., p. 87; Robert Alexy, op. cit., p. 258), já que este último somente pode atuar após a livre manifestação de vontade do indivíduo (sobre a liberdade de agir em juízo como uma projeção do status libertatis, cf. Luigi Paolo Comoglio et al, op. cit., p. 66). VI. Processo como sistema interacional. Há, no processo, relação júridica entre as partes e o órgão jurisdicional. Embora consideremos acertado esse ponto de vista, com isso não se quer dizer que há, em tal relação, apenas um simples “esquema de interdependência das posições ativa e passiva” que sintetizaria os “poderes e atividades que as partes desenvolvem no processo” (essa é a crítica de Giovanni Arieta et al, Corso base di diritto processuale civile, 3. ed., p. 90, ao tratarem da “crisi del concetto di rapporto processuale”; na doutrina brasileira, semelhantemente, cf. Aroldo Plínio Gonçalves, Técnica processual e teoria do processo, p. 97). As críticas que podem ser desferidas a esse ponto de vista – de processo é uma relação jurídica – depende de que se adote uma concepção bastante restrita de relação jurídica, algo que não nos parece acertado (desenvolvemos esse ponto de vista também ao analisarmos as relações jurídicas obrigacionais, cf. o que escrevemos em Código Civil comentado cit., em coautoria com Fábio Caldas de Araújo, especialmente p. 128, 278 e 391). Se, com efeito, há relações jurídicas simples e estáticas, tal não é o que sucede com o processo. Isso não impede que o processo seja visualizado como um esquema angular (isto é, autor – juiz – réu) ou triangular (em que cada um dos sujeitos ocupa um dos vértices), desde que haja a ciência de que essa perspectiva não esgota o fenômeno. O processo não é uma relação jurídica simples, simétrica e unidirecional, em que os sujeitos podem ser alocados em compartimentos capazes de representar, geometricamente, os papéis que desempenham. Entendemos que o processo é relação jurídica complexa, dinâmica, bidirecional e circular, em que o comportamento de cada um dos sujeitos afeta e é afetado pelo comportamento dos outros etc. O status das partes, no processo, manifesta- se com diferentes conteúdos e estruturas. Para a definição de processo interessa notar não apenas a relação existente entre os sujeitos, mas, também, a relação existente entre os atributos de tais sujeitos, e o modo como os sujeitos os exercem, no processo. Estas relações (entre os sujeitos e entre os atributos) dão coesão a este sistema, que é o processo. O processo é um sistema interacional, já que se desenvolve através da influência mútua entre partes e órgão jurisdicional, devendo ser definido, portanto, como uma estrutura dialética (Elio Fazzalari, Istituzioni di diritto processuale, 7. ed., p. 83; sobre a ideia de sistema interacional, cf. Paul Watzlawick et al. , Pragmática da comunicação humana, p. 109; cf. também o que escrevemos, com base nessa noção de sistema, em Execução civil cit., 2.ed., 2004, n. 8.1., p. 70 ss., e, mais recentemente, desenvolvendo-a para tratar da natureza de processo, em Processo civil moderno, v. 1., Parte geral e processo de conhecimento, 4.ed., em coautoria com Teresa Arruda Alvim Wambier, n. 1.5.1, p. 52 ss.). O processo, assim, é um sistema integrado pelos sujeitos processuais e por seus atributos, em que interagem as partes (no exercício de seu status positivo, ativo etc.) e o órgão jurisdicional. O processo só pode ser compreendido, assim, como globalidade: não se trata apenas de acumulação (ou soma) de elementos abstratos. A interação que há entre os sujeitos do processo e seus atributos não pode ser explicada apenas pelos elementos separadamente considerados (não somatividade; a respeito, cf. uma vez, mais, o que escrevemos em Execução civil cit., e, mais aprofundadamente, Watzlavick et al., passim). Embora não consideremos errônea a afirmação de que o processo é uma relação jurídica – desde que consideradas as ressalvas que fizemos ao próprio conceito de relação jurídica –, parecemos mais adequada a concepção de processo como sistema interacional, pois esta tem a aptidão de destacar características dos sujeitos processuais e do envolvimento que estes têm no e ao longo do processo, em que sucedem variadas “micror-relações”. Ademais, compreender o processo como sistema interacional implica reconhecer a importância da comunicação que deve haver entre as partes e no modo como deve ser as manifestações destas. Assim, p.ex., deve haver um esforço, por parte do órgão jurisdicional, em compreender as manifestações das partes e manifestar-se de modo a ser entendido (cf. comentário ao art. 8.º do CPC/2015). A exigência de sensibilidade para o que vai veiculado no conteúdo da manifestação das partes impõe ao intérprete, também, dar novo sentido ao modo como devem ser entendidas as formas dos atos processuais (e, também, à forma do próprio processo, cf. comentário aos arts. 188 ss. do CPC/2015). VII. Princípios da demanda e da inércia da jurisdição. O início do processo é condicionado à demanda da parte ( nemo iudex sine actore). A demanda é a primeira manifestação processual do exercício do direito de ação (cf. comentário supra). A jurisdição movimenta-se em decorrência da demanda ( nemo iudex sine actore), ficando, antes disso, inerte ( ne procedat iudex ex officio). O princípio da inércia da jurisdição, assim, é a outra face do princípio da demanda, encontrando-se ambos nos princípios positivados nos arts. 2.º do CPC/2015. VIII. Princípio do impulso oficial. Tendo-se iniciado por provocação das partes, o processo desenvolve- se “por impulso oficial” (art. 2.º do CPC/2015). Doravante, põe-se a jurisdição a atuar, com o intuito de dar fim à lide, realizando os princípios e garantias decorrentes do due process of law (cf. comentário ao art. 3.º do CPC/2015). IX. Exercício da demanda e desistência da ação. Exercido o direito de ação através da demanda, a sua desistência condiciona-se à observação do disposto no art. 485, §§ 4.º e 5.º, do CPC/2015. À luz do art. 267, § 4.º do CPC/1973 (segundo o qual “depois de decorrido o prazo para a resposta, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação”) assim já se decidia, a fortiori, que não poderia ser admitida a desistência da ação após a prolação de sentença, pelo juiz: “A desistência da ação é faculdade processual conferida à parte que abdica, momentaneamente, do monopólio da jurisdição, exonerando o Judiciário de pronunciarse sobre o mérito da causa, por isso que não pode se dar, após a sentença de mérito” (STJ, REsp 1.115.161/RS, j. 04.03.2010, rel. Min. Luiz Fux). X. Requisitos processuais. Requisitos de formação do processo e dos atos realizados ao longo do procedimento. Pressupostos processuais e condições da ação, no CPC/1973 e no CPC/2015. São requisitos para que o processo exista (chamados, comumente, de pressupostos processuais de existência): demanda, jurisdição e, também, citação (sobre a existência do processo sem citação, cf. comentário infra). Para que o processo exista, deve haver o exercício de demanda perante a jurisdição. A atividade jurisdicional é condicionada pela demanda (art. 2.º do CPC/2015; a capacidade postulatória não é pressuposto de existência do processo; o CPC/2015 considera ineficaz em relação àquele em cujo nome foi praticado o ato sem procuração, caso não haja ratificação, cf. art. 104, § 2.º do CPC/2015, mas o ato, em si, não será considerado, se não houver ratificação, cf. art. 76 do CPC/2015; o Código revogado considerava juridicamente inexistente o ato, se ausente a capacidade postulatória, em caso de não ratificação, cf. art. 37, parágrafo único, do CPC/1973). É inadmissível a demanda, por outro lado, se ausentes aquilo que o Código revogado (art. 267, VI do CPC/1973) denominava de condições da ação (legitimidade ad causam e interesse processual). O CPC/2015 não mais se refere ao termo (cf. comentário ao art. 485 do CPC/2015). Deve a demanda ser exercida perante órgão dotado de jurisdição. Mas quem pede tutela jurisdicional, o faz para que esta produza efeitos sobre a esfera jurídica de outrem (o réu, em ação de conhecimento; o executado, em ação de execução etc.). Para que este passe a integrar a relação jurídico-processual, deve-se realizar a citação. Sem citação, portanto, inexiste processo com o réu (nesse sentido, cf. STJ, REsp 1009246/RN, 3.ª T., j. 26.06.2008, rel. Min. Nancy Andrighi, em que se decidiu que “a ausência de citação – que é pressuposto de existência da relação processual –, impede a abertura do debate a respeito da decretação dos efeitos da revelia”; a respeito, cf. comentário ao art. 312 do CPC/2015, sobre a distinção entre inexistência e ineficácia do processo em relação a quem não foi citado). Ao lado desses pressupostos de existência, há também o que se convencionou chamar de pressupostos de validade do processo. Assim, p.ex., afirma-se que não basta haver jurisdição, mas esta deve ser exercida por juiz imparcial, sob pena de nulidade; diz-se, ainda, que além de existir citação, deve esta ser válida. . Em muitos destes casos, contudo, não se estará diante de vício que gera mera nulidade. Pensamos nós, p. ex., que não se pode dizer ter havido autêntica jurisdição quando o processo tiver sido dirigido por um juiz condenado por crime de corrupção. Apesar de, nesse caso, prever a norma a possibilidade de ajuizamento de ação rescisória (art. 966, I do CPC/2015, correspondente ao art. 485, I do CPC/1973), para haver jurisdição, não basta que a sentença seja proferida por um agente constituído pelo Estado: faz-se necessário também o animus judicandi. Algo similar se dá com a citação. Se esta se considera realizada com a informação ao réu/executado, não se poderá dizer que há processo em relação a este, se a citação não tiver observado seus requisitos intrínsecos de validade e, por isso, não tiver alcançado sua finalidade. Citação, assim, ou há, ou não há: “Considerando que a citação é ato de comunicação, deve a informação de que há ação judicial em trâmite chegar ao seu destinatário. A expedição da carta, mandado ou edital de citação, assim, é apenas parte da citação, que somente se perfaz quando o demandado recebe a informação. Por isso que, tão ou mais importante que a emissão da informação e sua validade, em si mesma considerada, é o conhecimento por parte daquele que ocupa o polo passivo da relação jurídico-processual” (Teresa Arruda Alvim Wambier, Nulidades. . , 6. ed., cit., n. 3.3.2, p. 354). O processo, assim, não é inválido, se inválida a citação. Inválida a citação, e não tendo sido sua falta suprida, não há mera nulidade, já que o processo ainda não chegou a se formar com o réu/executado, mas apenas entre demandante e órgão jurisdicional. Sob outra perspectiva, é possível dizer que, não citado o réu, há, em relação a ele, ineficácia do processo (e dos atos processuais realizados) e, se o réu comparece sem arguir a falta de citação e passa a postular em juízo, a falta de citação fica suprida (cf. comentário ao art. 239 do CPC/2015). Sobre a distinção entre inexistência e ineficácia do processo, quando não citado o réu ou executado, cf. comentário ao art. 312 do CPC/2015. XI. Devido processo legal ( Due process of law , processo “justo” ou “equitativo” ). Garantias mínimas. Afirma-se, tradicionalmente, que o devido processo legal, “no processo civil, subsume-se na garantia da ação e da defesa, em juízo” (Ada Pellegrini Grinover, As garantias constitucionais do direito de ação, cit., n. 20, p. 40). Este princípio tem raízes no due process of law do direito norte- americano, sendo estudado pela doutrina mais recente sob o título de “garantias de um processo justo” ou “equitativo” (cf. doutrina citada em Parte geral e processo de conhecimento, Processo civil moderno, v. 1, item 1.7, que escrevemos em coautoria com Teresa Arruda Alvim Wambier). Entre as garantias fundamentais, a CF/1988 estabelece o direito à inafastabilidade da tutela jurisdicional (art. 5.º, XXXV), à ampla defesa e ao contraditório (art. 5.º, LV), à duração razoável do processo (art. 5.º, LXXVIII) e, em outras disposições, refere-se a mais princípios, como o da motivação das decisões judiciais (art. 93, IX). Há ainda princípios que, embora não digam respeito exclusivamente ao processo, mostram-se, nesta seara, fecundos de consequências, tal como ocorre com o princípio da isonomia (art. 5.º, caput, I, da CF/1988; v. comentário a seguir). Estes princípios e garantias decorrem da cláusula do devido processo legal, também textualmente referida no art. 5.º, LIV da CF/1988. O CPC/2015 reproduz muitas dessas disposições, em seus primeiros artigos (cf. comentários seguintes). As garantias que decorrem do princípio do devido processo legal são consideradas mínimas, operando em todos os momentos ou fases do procedimento (cf. Luigi Paolo Comoglio et al, Lezioni. . cit., p. 59 e 63). A respeito, cf. o que escrevemos em Constituição Federal comentada, no comentário aos incisos do art. 5.º da CF/1988 acima referidos. Art. 3º. Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. § 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei. § 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos. § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial. CPC/1973: Sem correspondente. V. arts. 5.º, XXXV, e 92, CF/1988; Lei 9.307/1996 (Arbitragem); Res. 125/2010 do CNJ (Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário). • STF, Súmula Vinculante 28: É inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário. • STF, Súmula 667: Viola a garantia constitucional de acesso à jurisdição a taxa judiciária calculada sem limite sobre o valor da causa. • STJ, Súmula 485: A Lei de Arbitragem aplica-se aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da sua edição. • STJ, REsp (repetitivo) 962.838/BA: A propositura de ação anulatória de débito fiscal não está condicionada à realização do depósito prévio previsto no art. 38 da Lei de Execuções Fiscais, posto não ter sido o referido dispositivo legal recepcionado pela Constituição Federal de 1988, em virtude de incompatibilidade material com o art. 5º, inc. XXXV (STJ, REsp 962.838/BA, 1.ª S., j. 25.11.2009, rel. Min. Luiz Fux). SUMÁRIO: I. Acesso à ordem jurídica justa e variados meios de solução de conflitos. Sistema de Justiça multiportas ( multidoor courthouse) – II. Inafastabilidade da jurisdição – III. Ameaça ou lesão a direito e tutelas preventiva e repressiva. Variações – IV. Acesso à justiça e formalismo processual. O formalismo constitucional – V. Acesso à justiça e prévio requerimento ou esgotamento da via administrativa – VI. Métodos de solução consensual de conflitos. Conciliação e mediação. Crítica – VII. Arbitragem – VIII. Convenção de arbitragem: cláusula compromissória e compromisso arbitral – IX. Cláusula arbitral cheia ou vazia. I. Acesso à ordem jurídica justa e variados meios de solução de conflitos. Sistema de Justiça multiportas ( multi- door courthouse ). De acordo com a Res. CNJ 125/2010, “o direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5.º, XXXV, da CF/1988 além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à ordem jurídica justa”, e, “por isso, cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação”. Há franca tendência a que se incremente, gradativamente, entre nós, o sistema de Justiça conhecido como “multiportas”, decorrente das ideias de Frank Sander (cf. Varieties of dispute processing, cit., p. 65-87). A partir das ideias do referido autor, a expressão “multidoor courthouse” foi concebida posteriormente. Frank Sander considera melhor, contudo, falar em “centro de justiça abrangente” (“comprehensive justice center”). Defendeu o autor que se estabelecesse “a flexible and diverse panoply of dispute resolution processes, with particular types of cases being assigned to differing processes (or combination of processes)” (op. cit., p. 83). Faz-se necessário, antes, classificar os variados litígios a fim de identificar qual o meio (ou os meios) mais adequado(s) para solucioná-los. Como afirmou Frank Sander, “the idea is to look at different forms of dispute resolution-mediation, arbitration, negotiation, and med-arb (a blend of mediation and arbitration). I tried to look at each of the different processes and see whether we could work out some kind of taxonomy of which disputes ought to go where, and which doors are appropriate for which disputes”. Adverte Frank Sander, contudo, que “the thing about the multidoor courthouse is that it is a simple idea, but not simple to execute because to decide which cases ought to go to what door is not a simple task” (cf. Mariana Hernandez-Crespo, A dialogue. ., cit., p. 670). Não basta, pois, conceber meios alternativos à jurisdição ordinária para a solução de conflitos ou, pior ainda, simplesmente impô-los aos litigantes. Faz-se necessário compreender a natureza do conflito para verificar qual o meio mais adequado para solucioná-lo. II. Inafastabilidade da jurisdição. Tendo em vista que, de acordo com Constituição, a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5.º, XXXV, da CF/1988), a jurisdição deve realizar o Direito, restaurando a ordem jurídica violada ou evitando que tal violação ocorra, através de procedimento ordenado para este fim. Este princípio constitucional revela que não se concebe que a atividade jurisdicional seja entendida como “agir orientado pelo passado”, mas, “orientada por normas fundamentais”, deve a jurisdição voltar-se a “problemas do presente e do futuro” (Jürgen Habermas, Direito e democracia: entre faticidade e validade, vol. 1, p. 305-306). Sobre a natureza da função jurisdicional, cf. comentário ao art. 16 do CPC/2015; sobre as espécies de ação, cf. comentário ao art. 19 do CPC/2015; sobre tutelas preventiva e repressiva, cf. comentário a seguir. III. Ameaça ou lesão a direito e tutelas preventiva e repressiva. Variações. A atividade jurisdicional realiza o direito não apenas restaurando a ordem jurídica violada, mas, também, evitando que tal violação ocorra (CF/1988, art. 5.º, XXXV). Sob este prisma, afirma-se que a tutela jurisdicional pode ser repressiva ou preventiva. A tutela repressiva é, evidentemente, sancionatória, mas optamos por não usar tais expressões como sinônimas, pois adotamos conceito mais amplo de sanção, que abrange mecanismos voltados à prevenção (cf. comentário ao art. 771 do CPC/2015; sobre os usos desses termos, cf. José Carlos Barbosa Moreira, Tutela sancionatória e tutela preventiva, Revista da Faculdade de Direito da UFPR, v. 19, 1979, p. 117 ss.; Ada Pellegrini Grinover, A tutela preventiva das liberdades. ., RePro v. 22, 1981, p. 26 ss.). Costuma-se aludir, dentre as variações dessas formas de tutela, à modalidades inibitória, ressarcitória, pelo equivalente, em forma específica (tutela reintegratória e de reparação em forma específica). A respeito, cf. comentário ao art. 497 do CPC/2015. IV. Acesso à justiça e formalismo processual. O formalismo constitucional. Devem ser rejeitadas tanto a figura do formalismo excessivo quanto a do formalismo arbitrário. Decidiu o STF, com acerto, que o formalismo processual exacerbado impede a realização do princípio consagrado no art. 5.º, XXXV da CF/1988: “A doutrina moderna ressalta o advento da fase instrumentalista do Direito Processual, ante a necessidade de interpretar os seus institutos sempre do modo mais favorável ao acesso à justiça (art. 5.º, XXXV, CF/1988) e à efetividade dos direitos materiais (Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, O formalismo-valorativo no confronto com o formalismo excessivo. Revista de Processo, São Paulo: RT, n. 137, p. 7-31, 2006; Cândido Rangel Dinamarco. A instrumentalidade do processo. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2009; José Roberto dos Santos Bedaque. Efetividade do Processo e Técnica Processual. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2010). ‘A forma, se imposta rigidamente, sem dúvidas conduz ao perigo do arbítrio das leis, nos moldes do velho brocardo dura lex, sed lex’ (Bruno Vinícius Da Rós Bodart. Simplificação e adaptabilidade no anteprojeto do novo CPC brasileiro. In: O Novo Processo Civil Brasileiro – Direito em Expectativa. Org. Luiz Fux. Rio de Janeiro: Forense, 2011. p. 76). As preclusões se destinam a permitir o regular e célere desenvolvimento do feito, por isso que não é possível penalizar a parte que age de boa-fé e contribui para o progresso da marcha processual com o não conhecimento do recurso, arriscando conferir o direito à parte que não faz jus em razão de um purismo formal injustificado. O formalismo desmesurado ignora a boa-fé processual que se exige de todos os sujeitos do processo, inclusive, e com maior razão, do Estado-Juiz, bem como se afasta da visão neoconstitucionalista do direito, cuja teoria proscreve o legicentrismo e o formalismo interpretativo na análise do sistema jurídico, desenvolvendo mecanismos para a efetividade dos princípios constitucionais que abarcam os valores mais caros à nossa sociedade (Paolo Comanducci. Formas de (neo)constitucionalismo: un análisis metateórico. Trad. Miguel Carbonell. In: ‘Isonomía. Revista de Teoría y Filosofía del Derecho’, n. 16, 2002). O Supremo Tribunal Federal, recentemente, sob o influxo do instrumentalismo, modificou a sua jurisprudência para permitir a comprovação posterior de tempestividade do Recurso Extraordinário, quando reconhecida a sua extemporaneidade em virtude de feriados locais ou de suspensão de expediente forense no Tribunal a quo (STF, RE 626.358-AgR/MG, Pleno, j. 22.03.2012, rel. Min. Cezar Peluso). (. .). O recurso merece conhecimento, na medida em que a parte, diligente, opôs os embargos de declaração mesmo antes da publicação do acórdão, contribuindo para a celeridade processual” (STF, HC 101.132 ED, 1.ª T., j. 24.04.2012, rel. Min. Luiz Fux). Sobre nossa concepção de formalismo constitucional, cf. comentário ao art. 188 do CPC/2015. V. Acesso à justiça e prévio requerimento ou esgotamento da via administrativa. “O direito constitucional de petição e o princípio da legalidade não implicam a necessidade de esgotamento da via administrativa para discussão judicial da validade de crédito inscrito em dívida ativa da Fazenda Pública” (STF, RE 233.582, Plenário, rel. p/ o acórdão Min. Joaquim Barbosa, j. 16.08.2007). Decidiu o STJ que, “em regra, não se materializa a resistência do INSS à pretensão de concessão de benefício previdenciário não requerido previamente na esfera administrativa”, mas “o interesse processual do segurado e a utilidade da prestação jurisdicional concretizam-se nas hipóteses de a) recusa de recebimento do requerimento ou b) negativa de concessão do benefício previdenciário, seja pelo concreto indeferimento do pedido, seja pela notória resistência da autarquia à tese jurídica esposada” (STJ, REsp 1.310.042/PR, 2.ª T., j. 15.05.2012, rel. Min. Herman Benjamin). Note-se, contudo, que “a propositura, pelo contribuinte, de mandado de segurança, ação de repetição do indébito, ação anulatória ou declaratória da nulidade do crédito da Fazenda Nacional importa em renúncia ao direito de recorrer na esfera administrativa e desistência do recurso interposto (art. 1.º, § 2.º, do Dec.-lei 1.737/1959 e parágrafo único do art. 38 da Lei 6.830/1980)” (STJ, REsp 1294946/MG, 2.ª T., j. 28.08.2012, rel. Min. Mauro Campbell Marques). VI. Métodos de solução consensual de conflitos. Conciliação e mediação. Crítica. Tem o juiz, à luz do CPC/2015, também a incumbência de promover a autocomposição e, nesse caso, “preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais” (cf. art. 139, V do CPC/2015). Estabelece o art. 3.º, § 3.º do CPC/2015, também, que “a conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial”. O uso de técnicas que favoreçam a autocomposição, assim, pode ser feito incidentalmente, no curso do processo, devendo ser estimulados. O CPC/2015 optou, de todo modo, pelo uso facultativo de tais mecanismos, e não obrigatório (seja incidentalmente, seja previamente, como requisito para o ajuizamento da ação; cf. também comentário aos arts. 166 e 176 do CPC/2015). Podem as partes chegar por si mesmas a uma composição, ou serem conduzidas a isso por mediadores ou conciliadores. Na mediação há um plus em relação à conciliação, já que na mediação o terceiro (mediador) tenta criar condições favoráveis a que as partes possam chegar, por si mesmas, à composição (sobre a diferença entre mediação e conciliação, cf. comentário ao art. 166 do CPC/2015). A composição pode ser obtida quando já instaurado o processo, e, homologada pelo juiz, valerá como título executivo judicial (CPC/2015, art. 515, II); podem as partes, também, realizar a autocomposição extraprocessualmente, levando tal acordo à homologação judicial, obtendo, também neste caso, um título executivo judicial (cf. art. 515, III do CPC/2015, correspondente ao art. 475-N, V do CPC/1973). As partes podem, ainda, buscar a solução do conflito através do processo arbitral (cf. comentário a seguir). Refere-se o CPC/2015 a outros métodos de solução consensual de conflitos (a avaliação neutra por terceiro, p.ex., foi alternativa aventada durante a tramitação do projeto de CPC/2015 no Congresso Nacional, mas acabou não sendo aprovada; no caso, ocorre algo parecido com o que sucede na mediação avaliativa, com a diferença de que, naquele caso, o terceiro não se limitar a apresentar consequências possíveis, mas opina sobre o caso, indicando qual, a seu ver, seria a melhor alternativa; sobre o tema, cf., dentre outros, Lilia Maia de Morais Sales, Mediação facilitativa e “mediação” avaliativa. ., Novos estudos jurídicos, v. 16, p. 20 ss.). Manifestamo-nos favoravelmente ao estímulo ao uso de meios consensuais de solução de conflitos, desde que não sejam utilizados critérios discriminatórios de “seleção” dos casos dirigidos a tais alternativas (por exemplo, causas em que litiguem classes sociais menos favorecidas), tendentes a reservar o processo judicial tradicional a causas supostamente mais importantes, de interesse de determinados grupos. Há que se considerar, além disso, que a solução consensual pode por fim, ao menos formalmente, à lide, mas acaba impedindo o Judiciário de se manifestar a respeito do problema jurídico, fazendo perpetuar, assim, o estado de incerteza do direito (o que poderá levar ao surgimento de novas lides, em torno do mesmo tema). Há que se ter em conta, por fim, sob o ponto de vista da administração estatal da justiça, que o investimento na criação e manutenção de centros de conciliação e mediação também gerará despesas públicas, ainda que em menor grau que as decorrentes da justiça ordinária. O estímulo ao uso de métodos de solução consensual de controvérsias e de processo arbitral não deve levar à sobreposição de tais caminhos à atuação jurisdicional realizada através do processo, devendo-se evitar o risco de ocorrer o alheamento do Estado-Juiz quanto aos problemas sociais (com amplo levantamento das críticas que tem sido feitas a respeito, na doutrina norte- americana, cf. Eugênio Facchini Neto, ADR ( alternative dispute resolution). . cit., p. 118 ss.). Sobre a conciliação e a mediação, cf. comentário aos arts. 166 ss. do CPC/2015. VII. Arbitragem. No processo arbitral a resolução do conflito não se dá por proposição dos próprios litigantes, já que, por este método, obtém-se a sentença arbitral (que, consoante dispõe o art. 515, VII do CPC/2015, correspondente ao art. 475-N, IV do CPC/1973, é título executivo judicial), proferida por um terceiro (órgão ou juízo arbitral) escolhido pelas partes. Sobre a natureza jurisdicional da arbitragem, cf. comentário ao art. 16 do CPC/2015. VIII. Convenção de arbitragem: cláusula compromissória e compromisso arbitral. A convenção de arbitragem é o acordo de vontades das partes em submeter um determinado conflito potencial ou real ao juízo arbitral, podendo dar-se por cláusula compromissória (arts. 4.º a 8.º da Lei 9.307/1996) ou compromisso arbitral (arts. 9.º a 12 da mesma Lei). Na última hipótese, convenciona-se a arbitragem após o surgimento da controvérsia. A cláusula arbitral, por sua vez, diz respeito a “litígios que possam vir a surgir” (art. 4.º, caput, da referida Lei). A respeito, cf. o que escrevemos em Processo civil moderno, v. IV, Procedimentos cautelares e especiais, 5. ed., item 22, p. 360 ss., item escrito em coautoria com Fábio Caldas de Araújo. Tem-se decidido que a previsão contratual de cláusula de arbitragem, quando anteriormente ajustada pelas partes, gera a obrigatoriedade de solução de conflitos por essa via (STJ, REsp 791.260/RS, 3.ª T., j. 22.06.2010, rel. Min. Paulo Furtado). É importante notar que, “com a promulgação da Lei de Arbitragem, passaram a conviver, em harmonia, três regramentos de diferentes graus de especificidade: (i) a regra geral, que obriga a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes, com derrogação da jurisdição estatal; (ii) a regra específica, contida no art. 4.º, § 2.º, da Lei 9.307/1996 e aplicável a contratos de adesão genéricos, que restringe a eficácia da cláusula compromissória; e (iii) a regra ainda mais específica, contida no art. 51, VII, do CDC, incidente sobre contratos derivados de relação de consumo, sejam eles de adesão ou não, impondo a nulidade de cláusula que determine a utilização compulsória da arbitragem, ainda que satisfeitos os requisitos do art. 4.º, § 2.º, da Lei 9.307/1996. O art. 51, VII, do CDC se limita a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem, no momento da celebração do contrato, mas não impede que, posteriormente, diante de eventual litígio, havendo consenso entre as partes (em especial a aquiescência do consumidor), seja instaurado o procedimento arbitral” (STJ, REsp 1.169.841/RJ, 3.ª T., j. 06.11.2012, rel. Min. Nancy Andrighi). Já se decidiu que é válido o procedimento arbitral aceito sem oposição pelas partes, ainda que inexista prévia cláusula compromissória (STJ, Sentença Estrangeira Contestada 856/EX, Corte Especial, j. 18.05.2005, rel. Min. Menezes Direito; no mesmo sentido, TJPR, EIC 428067-1/10, 17.ª Câm., j. 07.12.2011, rel. Des. Stewalt Camargo Filho). De acordo com a Súmula 485 do STJ, “a Lei de Arbitragem aplica-se aos contratos que contenham cláusula arbitral, ainda que celebrados antes da sua edição”. IX. Cláusula arbitral cheia ou vazia. A lei não estabeleceu um procedimento próprio para a arbitragem. As partes são livres para estabelecer o procedimento, desde que obedeçam aos princípios do contraditório e da igualdade, imparcialidade e convencimento motivado do árbitro (art. 21, § 2.º, da Lei 9.307/1996). A respeito, cf. o que escrevemos em Processo civil moderno, v. IV, Procedimentos cautelares e especiais, 5. ed., item 22, p. 360 ss., item escrito em coautoria com Fábio Caldas de Araújo. A cláusula arbitral pode ser cheia ou vazia, caso preveja ou não todos os elementos necessários à instituição da arbitragem, considerando-se cheia a cláusula compromissória também quando “as partes, valendo-se da faculdade instituída no art. 5.º, da Lei 9.307/1996, reportam-se às regras de um órgão arbitral” (TJSP, Ap.c/Rev 1117830-0/7, 25.ª Câm., j. 26.02.2008, rel. Des. Antonio Benedito Ribeiro Pinto). Decidiu-se que, “uma vez acionado para proceder à execução específica da cláusula compromissória, deve o Juízo prolatar sentença contendo os elementos necessários à instalação da arbitragem” (STJ, REsp 1082498/MT, 4.ª T., j. 20.11.2012, rel. Min. Luis Felipe Salomão). Decidiu-se que a validade de cláusula arbitral cheia somente pode ser examinada pelo Poder Judiciário após a prolação de sentença arbitral: “A cláusula compromissória ‘cheia’, ou seja, aquela que contém, como elemento mínimo a eleição do órgão convencional de solução de conflitos, tem o condão de afastar a competência estatal para apreciar a questão relativa à validade da cláusula arbitral na fase inicial do procedimento (parágrafo único do art. 8.º, c/c o art. 20 da LArb). De fato, é certa a coexistência das competências dos juízos arbitral e togado relativamente às questões inerentes à existência, validade, extensão e eficácia da convenção de arbitragem. Em verdade – excluindo-se a hipótese de cláusula compromissória patológica (‘em branco’) –, o que se nota é uma alternância de competência entre os referidos órgãos, porquanto a ostentam em momentos procedimentais distintos, ou seja, a possibilidade de atuação do Poder Judiciário é possível tão somente após a prolação da sentença arbitral, nos termos dos arts. 32, I e 33 da Lei de Arbitragem” (STJ, REsp 1.278.852/MG, 4.ª T., j. 21.05.2013, rel. Min. Luis Felipe Salomão). Art. 4º. As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa. CPC/1973: Sem correspondente. V. arts. 5.º, XXXV e 92 da CF/1988; Lei 9.307/1996 (Arbitragem); Res. CNJ 125/2010 (Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário). Direito à solução do mérito em prazo razoável. O art. 4.º do CPC/2015 reproduz, no Código, o que prevê a Constituição no art. 5.º, LXXVIII, que assegura o direito à razoável duração do processo, bem como aos meios que garantam que sua tramitação se dê celeremente. É também assegurada, sob esse prisma, a prestação jurisdicional sem dilações indevidas (expressão empregada na Constituição espanhola, art. 24, 2: todos têm direito “a un proceso público sin dilaciones indebidas y con todas las garantias”). Segundo nosso entendimento, a garantia de razoável duração do processo constitui desdobramento do princípio estabelecido no art. 5.º, XXXV da CF/1988, já que a tutela a ser realizada pelo Poder Judiciário deve ser capaz de realizar, eficientemente, aquilo que o ordenamento jurídico material reserva à parte (nesse sentido, com análise do direito comparado, cf. José Rogério Cruz e Tucci, Garantia da prestação jurisdicional sem dilações indevidas. ., RePro 66/72). É evidente que só poderá ser considerada eficiente a tutela jurisdicional prestada tempestivamente, e não tardiamente. Em consonância com o texto constitucional – e, de sua vez, com o art. 4.º do CPC/2015 – o art. 1.048, I, do CPC/2015, correspondente ao art. 1.211-A do CPC/1973 (inserido no Código de 1973 pela Lei 12.008/2009), prevê a prioridade de tramitação de processos em que figure como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos ou portadora de doença grave (a respeito, cf. STJ, REsp 1.052.244/MG, 3.ª T., j. 26.08.2008, rel. Min. Nancy Andrighi). A redação do 1.211-A do CPC/1973 anterior à Lei 12.008/2009 não se referia a pessoas portadoras de doença grave, mas a jurisprudência já vinha estendendo-lhes o benefício, com fundamento no princípio do respeito à dignidade da pessoa humana (STJ, REsp 1026899/DF, 3.ª T., j. 17.04.2008, rel. Min. Nancy Andrighi), orientação que nos parece acertada. A Lei 12.955/2014 acrescentou o § 9.º ao art. 47 da Lei 8.069/1990 (ECA), para estabelecer prioridade de tramitação aos processos de adoção em que o adotando for criança ou adolescente com deficiência ou com doença crônica, e no mesmo sentido é a redação do art. 1.048, I do CPC/2015. Cf. também o que escrevemos em Constituição Federal comentada, cit., comentário ao art. 5.º, LXXVIII. Art. 5º. Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé. CPC/1973: Sem correspondente. • FPPC, Enunciado 6: O negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação. SUMÁRIO: I. Ordem processual democrática e direito das partes à participação procedimental – II. Proteção da legítima confiança – III. Boa-fé objetiva. Lealdade processual – IV. Vedação ao exercício abusivo de direito – V. Proibição de venire contra factum proprium – VI. Má-fé e má técnica. I. Ordem processual democrática e direito das partes à participação procedimental. Temos defendido que do processo devem participar, ativa e racionalmente, as partes e o órgão jurisdicional. Deve o processo oferecer instrumentos de proteção e realização dos direitos dos indivíduos, e ser, também, espaço em que se permita exercitar democraticamente tais direitos. Trata-se de concepção que se impõe como a única correta, em um Estado Democrático de Direito (CF, art. 1.º). Pode-se dizer, seguindo a teoria das relações de status, que o direito de exigir do Estado a prestação jurisdicional através da demanda corresponde ao denominado status positivo (ou status civitatis). Mas o status positivo não esgota o papel das partes, no processo. No status passivo (ou status subiectionis) leva-se em conta a sujeição do indivíduo ao Estado; no negativo ( status libertatis), a liberdade frente ao Estado. Assim, o status libertatis tem a ver com a faculdade de agir em juízo, que condiciona o início da atividade jurisdicional; sob outra face, ao exercer a demanda a parte reclama do órgão a prestação jurisdicional que lhe deve ser conferida pelo Estado ( status positivo); mas o pedido apresentado pelo autor pode ser ou não julgado procedente, e a este resultado se submeterão as partes, o que é manifestação do status subiectionis (cf. também comentário ao art. 3.º do CPC/2015; sobre a teoria das relações de status, cf. Georg Jellinek, System der subjektiven Öffentliche Rechte, Ed. Elibron, 2006 [reimpressão da ed. de 1892], p. 87; Robert Alexy, Teoria dos direitos fundamentais, p. 254 e ss.). Além destas formas de status, reconhece-se que as partes têm status activus processualis, isto é, o direito de participar “no procedimento da decisão da competência dos poderes públicos” (José Joaquim Gomes Canotilho, Estudos sobre direitos fundamentais, p. 73). Tal participação não se limita ao direito de se manifestar e de ser ouvido, mas, mais que isso, consiste em poder influir decisivamente nos destinos do processo (a respeito do status activus processualis, cf. Peter Häberle, Grundrechte im Leistungsstaat, in Veröffentlichungen der Vereinigung Deutscher Staatsrechtslehrer, vol. 30, Berlim, Ed. Walter de Gruyter, 1972, p. 43-131, especialmente p. 86 e ss.; Willis Santiago Guerra Filho, A dimensão processual dos direitos fundamentais, RePro, v. 87, p. 166 e ss., e doutrina citada acima). Como já se decidiu na jurisprudência, “o direito de acesso à justiça compreende, entre outros, o direito daquele que está em juízo poder influir no convencimento do magistrado, participando adequadamente do processo” (STJ, REsp 1027797/MG, 3.ª T., j. 17.02.2011), rel. Min. Nancy Andrighi. O status activus processualis tem importante papel, no Estado Democrático de Direito, já que através deste se assegura a plenitude das outras formas de status. II. Proteção da legítima confiança. Fundamentalmente, a proteção à confiança, como um dos elementos constitutivos do Estado de direito, “se reconduz à exigência de certeza e calculabilidade, por parte dos cidadãos” (José Joaquim Gomes Canotilho, Manual de direito constitucional, 6. ed., p. 264). Sendo o processo um sistema interacional (cf. comentário ao art. 2.º), a conduta dos órgãos judiciários influencia significativamente o comportamento das partes: estas correspondem às determinações judiciais na medida em que os órgãos do Poder Judiciário despertam, objetivamente, a confiança dos litigantes. Decidiu-se que “os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico”, e incidem estes princípios “sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado” (STF, MS 25.805/DF, j. 07.02.2006, rel. Min. Celso de Mello, decisão monocrática). A proteção à legítima confiança é considerada desdobramento do princípio da segurança jurídica (ou, ainda, dimensão subjetiva deste princípio; cf. STJ, REsp 799.965/RN, 3.ª T., j. 07.10.2008, rel. Min. Sidnei Beneti, em que se decidiu que “o direito processual deve trazer segurança às partes”). Assim, caso ausentes a segurança, a estabilidade e a previsibilidade, o Direito “se constituiria, de certa forma mesmo, até em fator de insegurança” (Arruda Alvim. Tratado de direito processual civil, vol. 1, p. 19). A atividade jurisdicional deve orientar-se de acordo com o princípio da proteção da confiança do cidadão. Ex.: Decidiu-se que a circunstância de regimento interno de tribunal local prever prazo maior que o estabelecido na lei processual para complementação do preparo não favorece o recorrente (STJ, EREsp 488.304/MA, Corte Especial, j. 19.11.2008, m.v., rel. Min. Luiz Fux, RePro 177/256; no mesmo sentido, STJ, REsp 883.911/RS, 4.ª T., j. 02.06.2011, rel. Min. Luis Felipe Salomão), orientação com a qual não concordamos, pois, a nosso ver, viola o princípio da proteção da legítima confiança, já que o equívoco criado pela estrutura jurisdicional não pode causar prejuízos à parte. Corretamente, por outro lado, assim se decidiu: “Na hipótese em que, por equívoco do escrivão, fica consignado de maneira expressa na correspondência do art. 229/CPC [de 1973], que o prazo para a contestação será contado a partir da juntada do respectivo AR, a parte foi induzida a erro por ato emanado do próprio Poder Judiciário. Essa peculiaridade justifica que se excepcione a regra geral, admitindo a contestação e afastando a revelia” (STJ, REsp 746.524/SC, 3.ª T., j. 18.10.2011, v.u., rel. Min. Nancy Andrighi, RT 884/170). A construção de um sistema jurídico-processual racional requer não apenas instrumentos que possibilitem a realização imediata, mas, também, segura dos direitos, sem instabilidade dos entendimentos jurisprudenciais: “A fase histórica do Poder Judiciário nacional, visando à tranquilidade da sociedade brasileira, exige o desenvolvimento de uma doutrina brasileira de stare decisis et non quieta movere”, isto é, “ficar como foi decidido e não mover o que está em repouso” (STJ, REsp 1.088.045/RJ, 3.ª T., j. 22.09.2009, rel. p/ Acórdão Min. Sidnei Beneti). No CPC/2015, a preocupação com a uniformidade e estabilidade da jurisprudência é objeto de destaque (cf. arts. 489, § 1.º, V e VI, 926 e 927 do CPC/2015). III. Boa-fé objetiva.
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