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“Por baixo do simples, esconde-se o complexo” 
 
Claude Lévi-Strauss 
 
 
 
“Ler significa aproximarmo-nos de algo que está nesse momento em devir” 
 
 Italo Calvino 
 
 
 
“Ai que prazer 
Não cumprir um dever” 
 Fernando Pessoa 
 
 
 
“En resolución, él se enfrascó tanto en su letura, que se le pasaban las noches 
leyendo de claro en claro, y los dias de turbio en turbio; y así, del poco dormir y del 
mucho leer, se le secó el cerebro, de manera que vino a perder el juicio. Llenósele la 
fantasía de todo aquello que leía en los libros, así de encantamentos como de 
pendencias, batallas, desafíos, heridas, requiebros, amores, tormentas y disparates 
imposibles…” 
 Miguel de Cervantes 
 
 
 
Nada é simples 
 
 Platão, 136d 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 3 
Manuscritos encontradoManuscritos encontradoManuscritos encontradoManuscritos encontrados numa cadeiras numa cadeiras numa cadeiras numa cadeira 
 
 
Prefácio do Editor 
 
A decisão de trazer a público, depois de minimamente tratados, estes manuscritos, 
não foi fácil de tomar. Torna-se essencial relatar a forma como eles chegaram até mim, 
e referir o estado em que se encontravam. Há cerca de 3 meses chegou à minha caixa de 
correio um envelope contendo cerca de uma centena e meia de folhas manuscritas e uma 
nota do remetente. Dizia a nota: 
 
“Caro A.: 
 
Sabendo do seu interesse por documentos eventualmente editáveis, sou a enviar 
um conjunto de manuscritos que encontrei numa cadeira. Alguns deles estão 
praticamente ilegíveis, seja pela péssima caligrafia do autor seja pelo seu avançado 
estado de degradação. No entanto, penso que lhe podem interessar. 
Respeitosamente 
 Elena” 
 
Nem data, nem morada. Elena, sem “h”. Confesso que este conjunto de factos me 
suscitou curiosidade, pelo que me atirei à sua leitura. E o título – terá sido o autor 
original ou a “Elena” que o pôs? – “Manuscritos encontrados numa cadeira”, obrigou-
me a ir vasculhar a minha estante da ficção, até encontrar o livro de Stanislaw Lem com 
um título semelhante: “Memórias encontradas numa banheira”. Aos anos que não 
folheava tal espécimen! Seria coincidência? A “cadeira”, a rimar com a banheira, 
remeteria os manuscritos, pela sua parca qualidade, para um contexto sanitário? Seria 
uma cadeira de sala de aula? Uma “cadeira” de um curso, ou seja, uma disciplina? O 
facto é que me lancei ao trabalho. 
 
De facto, a caligrafia era bastante proibitiva. E o estilo literário, não era estilo, e 
muito menos literário. Mas fui tentando decifrar frase após frase, parágrafo após 
parágrafo, e dei por mim a aproveitar a ocasião para fazer algo que há já 30 anos adiava: 
um mergulho na história dessa “nasty little science”, como lhe chamou um dos seus 
fundadores americanos; um périplo pela história da psicologia. 
 
Em definitivo, estes manuscritos deixam dúvidas quanto à sua intenção. Tudo 
seria mais fácil se fosse(m) conhecido(s) o(s) seu(s) autor(es). Um escritor frustrado, 
farto de ver os seus livros recusados, que tenta acrescentar alguma mais-valia com toda 
esta encenação? Uns alunos de psicologia curiosos e engraçados que transcreveram as 
suas gravações das aulas, apercebendo-se de que o microfone do gravador que usavam 
clandestinamente gravou, não o professor, mas as suas próprias conversas? Um(a) 
professor(a) frustrado(a) pelo facto de a sua escola recusar publicar o seu manual da 
cadeira? Não, um professor não deixaria as matérias serem tão maltratadas e as palavras 
usadas de forma tão ligeira: “Le parole sono importante.…! As palavras são 
importantes!”, diz Nanni Moretti, no seu “Palombella Rossa” enquanto esbofeteia a 
jornalista que o entrevista usando estrangeirismos desnecessários. Um professor não 
pode maltratar as palavras! E nos “Manuscritos”… abusa-se… e muito! 
 
 4 
Entretanto, interessado de facto no tema dos “Manuscritos”, comecei a frequentar 
o Instituto Superior de Psicologia Aplicada, vulgo ISPA. Uma biblioteca exemplar, 
gente simpática, iniciativas abertas à comunidade. Gostei, e fui ficando. Muita gente 
jovem, uns quantos espíritos abertos, e uma alegria há muito afastada da minha 
biblioteca pessoal. Recentemente, vi publicitada a abertura solene das aulas. Resolvi ir. 
 
Vários discursos me levaram a dar o passo seguinte quanto a estes pobres 
manuscritos. O director da instituição apelou à criatividade e à fuga à normopatia (belos 
termos inventam estes psis!), ao desvio desejável dos programas padronizados e 
normativos, dando o mote para a aula de sapiência que se seguiu. Que belas palavras! 
Tratavam das emoções e da aprendizagem, e o mestre que as proferia falava de forma 
pausada, detendo-se nos significados do que queria transmitir. “Deus nos livre do 
professor sábio”, disse. E disse mais, muito mais. E foi então que citou Cervantes, e era 
para mim que falava, e para os manuscritos que, falta de qualidade à parte, me tinham 
feito percorrer caminhos. Disse uma frase que serve como uma luva às aventuras e 
desventuras do “cavaleiro da triste figura”. Disse: “A estrada é sempre melhor que a 
estalagem”. 
 
Estava agora encurralado! Tinha comigo, dentro da minha pasta, uns fracos 
apontamentos de História da Psicologia, estava numa casa onde muito tinha aprendido, 
ouvindo um mestre que acabava de ver pela primeira vez e me ensinou coisas e me 
emocionou, e sentia-me na obrigação de devolver algo àquela casa. Ganhei coragem e, 
quando já me doíam as mãos de aplaudir o mestre, decidi que ia avançar. Esperei pelo 
fim da cerimónia e perguntei aos presentes onde poderia encontrar os responsáveis da 
disciplina de História da Psicologia. Fiz o meu papel. Entreguei os primeiros fascículos 
do meu trabalho de recuperação dos manuscritos, e tenho curiosidade em saber o que 
lhes acontecerá. Entretanto, continuo a estudar História da Psicologia. “A estrada é 
sempre melhor que a estalagem”! Talvez um dia me proponha corrigir os manuscritos. 
 
 
 5 
Manuscritos encontrados numa Manuscritos encontrados numa Manuscritos encontrados numa Manuscritos encontrados numa cadeiracadeiracadeiracadeira 
 
 
 
Cenário: Auditório do ISPA 
Personagens: Dois alunos do 1º ano, dois professores da disciplina de HSP, outros 
alunos. 
Acção: Sentados nas filas de trás, os dois alunos manuseiam o programa da disciplina 
antes do início da 1ª aula… 
 
 
Ela (lendo o programa) - “Introdução: questões preliminares”. 
Ele - Isto dos preliminares… que é que achas que eles querem dizer com isto? 
Ela - Eu sempre achei os preliminares importantes, vou estar atenta… 
Ele - Olha, olha, lá vem eles… deixa ver aqui no programa como se chamam… 
António e António… 
Ela - António e António… faz-me lembrar os livros do TinTin, eram o Dupont e 
Dupond, não era? Será que vão passar o ano a repetir as mesmas coisas, como esses 
dois personagens? Tipo: “Eu diria que a psicologia é uma ciência” e o outro “Eu diria 
mais: a psicologia é uma ciência!” …? 
 
Ele - A mim o que me lixa é que uns profes 
dizem uma coisas, outros dizem o contrário, vamos lá 
ver estes… Deixa lá ouvir os fulanos… Já viste a 
pinta daquele?... 
Prof.1 – Blá blá blá, blá blá blá. 
Prof.2 – Eu diria mais: blá blá blá, blá blá blá! 
Ele – Percebeste alguma coisa? 
 
Ela – Yá, já tinha lido o primeiro capítulo de um par de livros de HSP e 
respectivos prefácios – já te disse que acho os preliminares importantes, né? – e em 
quase todos começam por referir esta questão da ciência e do senso comum. Depois 
explico-te, deixa-me ouvir mais um bocado aqueles dois senhores… 
Prof.1 – E o Bachelard, e o Kuhn, e o Einstein, e o Boaventura de Sousa Santos… 
Prof.2 – E eu diria mais! E o Bachelard, e o Kuhn, e o Einstein, e o Boaventura de 
Sousa Santos! 
Ele – Chii!!! Pronto! Estamos feitos ao bife!Tou mesmo a ver que isto vai ser, o 
ano todo, nomes e mais nomes, e datas e mais datas e nós, a marrar! Eu vou é já 
começar a fazer cábulas! Quê, p’ra decorar coisas mais vale fazer cábulas, né? 
Ela – Olha, lê este parágrafo aqui deste livro que eu trouxe da biblioteca, o 
“Historia de la Psicología” de um tal de Leahey – parece ser um dos manuais que os 
profes recomendam… 
Ele – Quê?!!! Em espanhol? Vou ter que ler em espanhol? 
Ela – Castelhano. Também tens em inglês outros… 
Ele – Tou feito. Logo que vi o apelido do profe, espanhol, não me cheirou bem. Já 
agora, o outro dá a bibliografia em alentejano, ou quê? 
Ela – Que engraçadinho que me saíste! Olha que eu também sou alentejana, por 
isso… respeitinho. Vá, lê aqui no prefácio… 
Ele: “Yerik yerikson diescriibie la adioliesciencia cuomo iunia…” 
 
 6 
Ela – Parvalhão! É preciso uma mulher alentejana ensinar-te a traduzir do 
castelhano? Deixa-te lá de piadinhas e lê direito! 
Ele - Ó Kapa! Cá vai. Tradução livre, tá? 
 “Erik Erikson descreve a adolescência como uma busca da identidade, 
requisito necessário para uma vida adulta produtiva. A identidade alcança-se 
mediante uma série de reflexões sobre o passado e o presente de cada um e 
uma decisão sobre para onde ir e o que fazer com a própria vida. A vossa 
reflexão” – aqui está a falar de nós, né? – “A vossa reflexão sobre o passado e 
o presente da psicologia é parte importante para encontrar a vossa própria 
identidade no mundo da psicologia.” 
Ela – Atento agora! Isto é por causa do teu comentário de há pouco sobre marrar e 
cábulas… Continua… 
Ele – 
 “ Desta experiência, deveríeis sair munidos, não de uma lista de nomes, 
datas e acontecimentos, mas sim de uma compreensão do que é a psicologia e 
da vossa relação com ela.” 
 
 Ele – Gosto disto, da “vossa relação com ela”! Então se é para ter uma relação, 
mais vale mesmo investir nos preliminares! Tou contigo! 
Ela – Continua! 
Ele - 
 “ Mais do que passivos notários a escrever a acta do seu próprio e 
monótono caminho, deveríeis ser exploradores do passado e de umas mentes brilhantes. 
A primeira dessas tarefas é insossa e apática; a segunda, uma aventura cheia de vida.” 
 
Ela – Como vês, a escolha é tua! Eu vou tentar investir mais na “segunda via”. 
Ele – Pelos vistos, já começaste! Já andas de livros atrás de ti! 
Ela – Deixa-me escrever esta frase (não percebi, é do Einstein?) que o profe tá a 
dizer, que é bem gira! 
Ele – Atão também escrevo: “O cientista é um poeta humilde”. Tásse! Hey, então 
eles vão-se embora? 
Ela – É. A aula acabou. Sugeriram que pensássemos nesta frase, que continuamos 
na próxima aula. Queres aproveitar este tempinho para conversar sobre isto? Parece que 
alguns colegas estão ali a fazer o mesmo… 
Voz 1 – Eu vejo assim: temos que começar por aquela questão da ciência. Na 
ciência temos a parte dos factos empíricos, das coisas que acontecem no mundo, e 
depois a parte das hipóteses, que não existem no mundo, são criadas pelos cientistas. 
Aquela outra frase está mesmo ligada a esta, e percebe-se logo melhor a questão. Lê aí, 
que tu passaste a frase para o caderno.” 
Voz 2 – “É dupla a tarefa do cientista: poética e pragmática” 
Ele – “Poética”? Mas isto é literatura ou ciência? 
Voz 1 – Tu devias ler mais literatura, devias, a ver se abres essa cabeça… Tu lês o 
quê, “A Bola”, não? Ou será o “Record”? O que isto quer dizer é que os cientistas, tal 
como os poetas, tem que criar, criar coisas que não existem no mundo, que são as 
hipóteses. “Formular hipóteses significa emancipar-se da tirania dos fenómenos”! 
Ele – Pois ficas a saber que, quanto à pragmática, até no Record falam dela: dizem 
lá que o FCP é a equipa mais pragmática da Superliga. 
Voz 2 – Ou seja… 
Ele – É a que marca mais golos e não engonha… 
 7 
Voz 1 – Bom, desta vez até te safaste… pragmático é isso, é. É aquilo que 
funciona. Isto vai servir lá para o ponto 5 do programa, quando se falar do 
funcionalismo, já que o pragmatismo também lá anda metido. Mas neste caso, no do 
“cientista pragmático” o que o autor quis dizer é que, depois de formular as hipóteses – 
componente poética – o cientista acolhe os efeitos das experiências e toma decisões, 
nomeadamente de considerar a hipótese falsa ou…. 
Ela – Atenção ao que vais dizer! 
Ele – Era verdadeira, não era? As coisas ou são verdadeiras ou falsas, certo? 
Ela – Não necessariamente! Em ciência, pelo menos na opinião de Karl Popper, o 
importante é a falsificabilidade de uma teoria e das suas hipóteses. 
Ele – Falsi-quê??!!!! 
Ela – Falsificabilidade. Quer dizer mais ou menos a potencialidade de uma teoria 
criar afirmações falsificáveis, ou seja, que podem, através de experiências, provarem-se 
falsas. Para Popper, este critério permitia demarcar a ciência da pseudo-ciência… 
Voz 1 – Como assim? 
Ela – As teorias científicas produzem afirmações falsificáveis, enquanto que as 
teorias pseudo-científicas não. O Popper dava sempre dois exemplos: a astrologia e – 
preparem-se, alguns de vocês, para um choque – a psicanálise. 
Voz 2 – A psicanálise seria uma pseudo-ciência? 
Ela – Para o Popper, sim. Os psicanalistas eram mesmo “inimigos da ciência”. 
Ele – Onde é que aprendes tudo isto??? Tás farta de marrar! 
Ela – Umas coisas já tinha lido, outras foi no tal do Leahey, no primeiro 
capítulo… mas isto está num monte de livros sobre psicologia, epistemologia, filosofia, 
enfim… 
Ele – Tá visto, temos aqui um cromo! Devias ir ao “Ídolos”! 
Voz 2 – Mas e a psicanálise… tavas a dizer que para o Popper não era científica… 
tal como a astrologia… 
Ela – Pois, porque em vez de, a partir da teoria, formularem hipóteses falsificáveis 
e irem tentar verificar se os factos provam que elas são falsas… fazem ao contrário, isto 
é, pegam em factos que confirmam a teoria e dizem: “Vês? Cá está!”, como se isso 
provasse alguma coisa. E os factos que vão contra a teoria, explicam-nos através de 
excepções, raciocínios circulares, e afins... 
Ele – Dá-me um exemplo! 
Ela - Um astrólogo prevê que, “devido à conjugação de Saturno com Urano”, esta 
vai ser uma temporada excelente para os teus amores… 
Ele – Uau! Estou a gostar! Que é que fazes logo à noite, baby? 
Ela – Tira o cavalinho da chuva… Ou seja, podes ir dizer ao teu astrólogo que a 
teoria dele não presta…os amores não te estão a correr nada bem! Mas ele… 
Voz 2 – Já percebi! Ele vai dizer qualquer coisa como “Ah! Devias ter-me dito 
mais cedo que, apesar de seres Sagitário, tens ascendente Virgem, o que modifica tudo!” 
Ela – Por exemplo… 
Ele – Bom, já percebi o que o Popper quer dizer… 
Ela – o que não quer dizer que todos estejam de acordo com o Popper e a sua 
noção de ciência. Provavelmente ele até tinha alguma coisa pessoal contra o Freud… 
afinal ambos viveram em Viena… Popper era um garotinho quando Freud atingiu o 
apogeu da sua popularidade… 
Voz 1 – Para mim, o mais interessante da aula foi a discussão do lugar da 
psicologia no meio disto tudo… 
Voz 2 – Mas isso só se percebe depois de definir alguns dos critérios de ciência. 
 8 
Ela – Eu achei curiosa a ideia de que a ciência e as suas “verdades” se vão 
modificando ao longo dos tempos. Os próprios critérios de ciência são mutáveis… 
Ele – Excepto dois, segundo o acetato do prof.: o naturalismo e a possibilidade de 
leis explicativas. A frase toda é engraçada, a definição que o teu amigo Leahey dá de 
ciência: “O conjunto de crenças dos cientistas, todas elas mutantes através dos tempos, 
excepto duas: o naturalismo e a possibilidade de leis explicativas”. Tenho dito! 
Ela – Confesso que me surpreendeste! Julguei que tinhas passado ao lado da aula 
inteira! Já agora, percebeste o que é o naturalismo, neste contexto? 
Ele – Acho que é o acreditar que todos os fenómenos têm uma explicação natural, 
deste mundo… 
Voz 1 – Mas vamos ao maisinteressante! O tal do Gaston Bachelard fez mesmo 
questão, ao que parece, de dividir, separar, afastar radicalmente a ciência do senso 
comum! “A opinião pensa mal. Ela não pensa. Traduz necessidades em pensamentos”. 
Voz 2 - Estou de acordo! O meu pai, por exemplo, faz sempre uns raciocínios que 
parecem todos lógicos mas no fim aquilo é um absurdo e acaba sempre por ir de 
encontro ao que ele quer. E conseguir provar-lhe que ele está errado? Impossível! 
Ela – Então, segundo essa perspectiva, o senso comum é tendencioso, apaixonado, 
intuitivo… 
Ele – Não vale nada! Ciência é que está a dar! “A ciência é uma invenção 
humana”. “É não natural, supõe o artifício. Em ciência nada é dado, tudo é adquirido”. 
Lindo! Hoje à noite, vou mandar com esta aos meus pais! Até se passam. O pior é se me 
pedem para explicar! Mas acho que até me safo: o que o Bachelard quer dizer é que 
enquanto a intuição, o senso comum, não foi propriamente inventado num período da 
história, antes faz parte do reportório da própria cultura desde o início, a ciência – esta 
ciência de que estamos a falar – é uma invenção, por alturas do Renascimento, de 
homens que consideravam necessária uma forma de pensar que conduzisse à verdade, 
que partisse do zero, que não se dobrasse frente a nenhuma autoridade ou crença… 
Ela – Uau! Estou que nem posso! Sim senhor, o menino até parece que anda 
atento às aulitas! 
Ele – Ou seja, a ciência é uma nova maneira de pensar, diferente da do senso 
comum. Um novo método… 
Ela – “Novum Organum” 
Ele – Quê? 
Ela – Nada, latinismos… 
Voz 1 – Até aí, estou de acordo. Agora, dizerem que o senso comum não tem 
valor nenhum, é que já não me parece correcto. Então as pessoas, antes da ciência, não 
faziam nada de jeito? Antes da psicologia não se sabia nada sobre o comportamento 
humano? Era o que faltava! 
Ele – Em que é que ficamos? Ciência ou senso comum? 
Voz 1 – Eu cá, acho que, particularmente na psicologia, é essencial partir do senso 
comum, saber ouvi-lo – ou pensas que vais ter só cientistas no teu consultório? – saber 
descodificá-lo e, depois de usar aquilo que sabemos como psicólog@s para ter algumas 
balizas para enquadrar aquele caso, temos que conseguir de novo falar de forma a ser 
entendidos por quem nos procura. 
Ela – Olha lá, esse não é o tema do tal livrinho do Boaventura de Sousa Santos 
que os profes desafiam a malta a apresentar um trabalho sobre ele nas práticas? 
Ele – Acho que sim, qualquer coisa para essas zonas… 
Ela – E se a gente se mandasse para a frente e apresentasse esse trabalho? 
Ele – Xiiii… já sobrou para mim… Mas ya, vamos nessa, Vanessa. Até gostei do 
tema. Mas por hoje, chega de preliminares, não? Que é que se faz logo? Não ouviste os 
 9 
profs? Cineminha, teatrinho, bailarocas, musicol…, é importante para a nossa formação! 
Que é que está em cena? 
Ela – Já viste o último Tarantino? 
Ele – Uma! Uma! Uma forever! 
 
(as vozes diluem-se por entre o ruído de fundo, os personagens saem pelos 
corredores em direcção às escadas) 
 
2) As origens filosóficas do pensamento psicológico 
2.1) O pensamento psicológico na antiguidade grega 
 
Ele – Então, pronta para as estórias? Pelos vistos, vamos começar pela filosofia. 
Mas então porquê? Não estamos num curso de filosofia!! 
Ela – Ouviste falar de um Ebbinghaus, um que fez um dos primeiros trabalhos 
científicos sobre a memória, aquele das sílabas sem sentido?... 
Ele – Tenho ideia, tenho, acho que dei isso em psicologia, no liceu… 
Ela – Pois ele tem uma frase que vais ouvir muitas vezes: diz ele que a psicologia 
tem um longo passado mas uma curta história. 
Ele – E eu com isso?... 
Ela – Já vejo que tu, no início da aula, não carburas… Isto é a resposta à tua 
pergunta sobre o porquê de começar pela filosofia. O “longo passado” remete para os 
séculos - milénios até! - em que os temas, os assuntos, os interesses que hoje se dizem 
da psicologia eram abordados e estudados pelos filósofos. 
Ele – Como assim? 
Ela – Queres apostar que consigo adivinhar que parte da matéria ligada a cada 
filósofo vai ser abordada aqui? Diz lá o nome de um filósofo!... 
Ele – O meu pai. 
Ela – O teu pai? 
Ele – Ya! É velho, de barbas, anda há séculos a repetir as mesmas tretas e 
ninguém o ouve! Para além disso, está casado com a minha mãe, ou seja, perdeu a 
noção da realidade, é um alienado da sociedade! 
Ela – Pronto, pronto, o menino já acordou e está bem disposto. E esse filósofo, 
vem ou não vem? 
Ele – Platão. 
Ela – Fácil! De certeza que vamos dar aquilo da teoria do conhecimento (era as 
reminiscências, e a cena do Mundo das Ideias, não era? Já não me lembro muito bem…) 
e as teorias dele sobre… como é que hei-de dizer… sobre a essência do Homem, de ter 
um corpo e uma alma… 
Ele – Porquê, porque é que achas que vão ser esses os temas? 
Ela – Porque as perguntas “Como construímos os conhecimentos?” e “O Homem 
é só corpo, ou algo mais?” são clássicas, do mais importante, e mantiveram-se desde os 
tempos da filosofia até aos da psicologia. Hoje, continuam a ser feitas, noutros 
moldes… 
Ele – Isso, portanto, vai ser o “longo passado”… E a “curta história”, quando 
começará? 
Ela – Ora vejamos, se o longo passado remete para o pensamento filosófico, eu 
diria que a “curta história” começará quando se passar para o pensamento científico. 
Agora não sei se vão considerá-la logo a partir do Renascimento ou só mesmo quando a 
psicologia científica nasce… 
Ele – Essa eu sei! Wundt, 1789! 
 10 
Ela – Wrong! Isso é a Revolução Francesa, meu lindo. 1879 é que é! Olha, faz 125 
anos para o ano!... A ver se fazemos uma festa! 
Ele – Por falar em festa, lá vem o Dupont e o Dupond… 
Prof.1 – blá blá blá, blá blá blá, acetato 1. 
Prof.2 – Eu diria mais, blá blá blá, blá blá blá, acetato 1! 
Ele – Começam os acetatos… passo este? 
Ela – É melhor. O Dupond até disse que era um excelente “organizador 
avançado”. Que será isso dos organizadores avançados? 
Ele – Eu só conheço um… 
Ela – Quem? 
Ele – O Rui Costa. 
Ela – Bolas! Ainda me dou ao trabalho de te dar ouvidos. Cala-te e escreve! 
 
ACETATO 1 
 
 
Ela – Oops! A aula já acabou? Distraí-me a ouvir ali os personagens do TinTin e 
não passei nada. Deixa lá ver os teus apontamentos…Portanto este tal de Brennan 
organiza os gregos desta maneira. 
Ele – A escola naturalista é fácil. Tem todos em comum o facto de, em vez de 
procurar as explicações para os fenómenos, para as mudanças que ocorrem, no mundo 
dos Deuses, das divindades, do sobrenatural (normalmente recorrendo a mitos), 
procuram-nas antes no mundo natural, observando a vida e o mundo em geral e 
registando factos. Olha-me esta frase do Leahey, sobre os mitos : 
 
 “Os mitos descrevem e explicam o universo antes de ser inventada a 
ciência. Os contos acerca dos acontecimentos naturais são física, antes desta existir; os 
contos sobre a natureza humana, psicologia antes de ela o ser.” 
 
EXPLICAÇÃO DA ACTIVIDADE HUMANA 
(PRINCIPAIS LINHAS DE ORIENTAÇÃO NA ANTIGUIDADE GREGA) 
(Fonte: Brennan) 
NATURALISTA: - Tales, Anaximandro e Anaxímenes 
 (Escola Jónica de Mileto) 
 - Heráclito, Parménides e Demócrito 
 
BIOLÓGICA: - Alcmeon de Crotona, Hipócrates (o físico) e 
Empédocles 
 
MATEMÁTICA: - Pitágoras, Hipócrates (o matemático) 
 
ECLÉTICA: Sofistas: 
- Protágoras, Górgias 
 
HUMANISTA: - Anaxágoras, Sócrates 
 
 11 
Ela – No fundo, estes homens, os tais “naturalistas”, marcam uma transição 
importante… Até aqui, muito mito, muito recurso ao transcendente para explicar aquilo 
que acontecia – as mudanças de estação, os trovões, a vida e a morte, etc. -, no fundo, 
era aquilo que alguns chamam o “pensamento mítico”. A partir destes, começa a surgir 
a ideia de que, através do pensamento bem orientado, da interrogação constante, do 
espírito abertoe do questionamento do próprio mundo se pode chegar ao conhecimento. 
Surge a figura do filósofo, do “amigo do saber”, e passamos a poder falar de 
“pensamento filosófico”. 
Ele – Acho que este aqui, o primeiro da escola naturalista, o Tales… 
Ela - … o tal… 
Ele - …é considerado mesmo o “pai” da filosofia. Passa lá estes nomes que eu 
escrevi! E passa também o elemento que cada um escolheu como “elemento central” 
para as suas explicações sobre as mudanças no mundo, ou seja, a physis. 
Ela – Isso, dita aí! O Tales, lembro-me que era a água, o que me parece totalmente 
lógico, porque realmente onde há água há vida e sem água…. Já agora, o que é isso da 
physis? 
Ele – Pelo que percebi, é precisamente assim o… o elemento primordial, 
essencial, de que tudo é feito. Daí que também se chame a este filósofos os “físicos”, 
ou, em inglês, “physicists”. Bom, continuemos. Depois do Tales, vem o Anaximandro, 
que não escolheu assim propriamente nenhum elemento, propôs antes que por detrás do 
mundo existia não um elemento físico dos conhecidos, mas sim um indefinido, a que 
chamou apeiron. Já o seu discípulo Anaxímenes escolheu o ar, ou “pneuma”. 
Ela – Até aqui, é mais ou menos linear. Agora é que vem uma questão mais 
interessante, com esta dupla Heraclito vs Parménides. 
Ele – É Heraclito ou Heráclito? 
Ela – Acho que já vi das duas maneiras… 
Ele - Eu a estes, imagino-os num ringue de boxe! 
Ela – Boxe?!!! Só mesmo tu! Vá, faz então lá um relato desse combate! 
Ele - “À vossa esquerda, senhoras e senhores, de calções cor de fogo, e lutando 
em nome da mudança… Heraclito de Éfeso!!!!” “Bruááááaa”, ouve-se a multidão. “À 
vossa direita, defendendo as cores do “Ser”, com o mesmo equipamento de sempre, 
Parménides de Eleia!!!”. “Bruééééé!!!!”. Começa o combate. Heraclito avança em zig-
zag, dizendo “now you see me, now you don’t” (mas em grego antigo, com pronúncia 
de Éfeso, que é muito mais difícil!!) e assenta um gancho de esquerda que abre o 
sobrolho a Parménides. “Mata! Esfola!” grita a multidão. O árbitro interrompe. “Sr. 
Parménides, tenho de interromper o combate. O seu sobrolho parece geleia”. Combalido 
e meio surdo, este responde “Eleia, sim, sou de Eleia. Porque é que parou o combate? O 
meu olho? Está como sempre esteve, é um olho, sempre foi um olho, sempre será um 
olho!! Continuemos!”. Heraclito, entretanto, não parava os seus movimentos. “Tudo 
flúi, como um rio. Esquerda, direita, esquerda direita. O fogo representa a mudança, o 
fogo está lá e não está, o fogo tudo muda, tudo modifica… uff, ufff, esquerda, esquerda, 
direita.”. Perante a insistência de Parménides, o árbitro reinicia o combate. Zig zig, zag 
zig, esquerda direita, desta vez é o lábio inferior de Parménides que fica um trambolho. 
“E agora, meu velho? Temos mudança ou não? Tudo é mudança!”. Tentando manter a 
pose (como sempre…), Parménides responde “Fenso eu que sstá tudo na fesma!”. “Na 
mesma? – responde Heraclito - Como na mesma? O teu olho já não é olho, é batata, o 
teu lábio parece um ensopado de enguias, e está tudo na mesma?”. Parménides 
retorquiu: “Meras ilusões dos sentidos! O ser é, o não ser não é! Fenso eu de que…”. 
 
 12 
Ela (lavada em lágrimas) – Xô, xô…. para trás, Satanás. Não me faças rir mais! 
Olha que isto é muito sério. Há quem diga que este debate entre a Filosofia do Ser 
(Parménides, ou “Farménides”, após a derrota no ringue…) e a Filosofia do Devir 
(Heraclito) percorreu toda a história da filosofia! E já agora, ficas a saber que um tal de 
Demócrito tentou resolver essa contenda Ser Vs Devir propondo que por detrás dos 
elementos conhecidos (água, ar, etc.) haveria constituintes básicos que seriam os 
átomos. Daí se falar no atomismo. Os átomos em si seriam imutáveis – Ser, Parménides, 
etc. – mas as relações entre eles poderiam modificar-se – Mudança, Heraclito, Devir, 
etc. 
 
Ele – Bom, fico-me por aqui. Tem cuidado comigo, sempre que pedires um relato! 
Voz 3 – Estive a ouvir aí o teu orgasmo verbal e achei um disparate! Eu estudei 
alguns desses filósofos, e nunca na vida eles defenderiam as suas teses de forma tão 
extremada! Cuidado com essas fantasias, colegas, que as coisas não são tão simples! 
Ela – Estou de acordo! Mas para uma primeira abordagem, não deixa de ter 
interesse, este nosso louco de estimação! 
Ele – Nem vou ouvir essa! Vem a seguir a escola biológica, também se percebe 
bem. Estes pensadores – talvez primeiros cientistas – tinham em comum o acreditar que 
as questões da saúde e da doença, das mudanças no corpo e na mente, teriam que ter 
uma resposta no próprio corpo. É na fisiologia humana que se devem encontrar as 
respostas para os eventuais desequilíbrios que possam ocorrer. Propõem-se então a 
estudar o corpo através da observação, de várias medidas fisiológicas, de dissecações, 
começando a construir as primeiras teorias sobre saúde e doença. Alcméon de Crotona, 
por muitos considerado o pai da medicina grega (eu disse “grega”!), foi um autêntico 
experimentalista. Fez dissecações, tendo descoberto o nervo óptico e os tubos de 
Eustáquio. Apercebeu-se da existência de 2 tipos de vasos sanguíneos, considerava o 
cérebro – e não o coração – o órgão central das emoções e conhecimentos, e fez 
trabalhos sobre embriologia e o sono! Nada mau, para um homem que viveu no séc. V 
a.c.!!!! 
Ela – Eu achei piada a este Empédocles, “O Mago”, chamavam-lhe. Parece que 
era um místico, um “iluminado”, mas o mais importante, aqui para nós, foi ter deixado a 
sua teoria dos 4 elementos, que o Hipócrates haveria de usar mais tarde. 
Ele – Pois, o Hipócrates de Cós parece ter sido o mais importante representante 
desta escola biológica. É até hoje considerado o pai da medicina ocidental. O seu legado 
foi extraordinário, tanto do ponto de vista da medicina como da própria psicologia. 
Ela – É curioso ver como o Hipócrates representa também, tal como tínhamos 
visto na filosofia, a passagem de uma forma de pensar ligada à magia e à religião, para 
outra mais ligada à observação, mas agora no campo da Medicina. Ele herda as teorias 
ainda de inspiração metafísica, tal como a já referida de Empédocles, fazendo-lhe 
adaptações. Fala assim nos 4 “humores” – o sangue, o fleuma (ou linfa), a bílis amarela 
e a bílis negra – que estariam ligados a 4 órgãos correspondentes – o coração, o cérebro, 
o fígado e o baço, respectivamente. A saúde estaria ligada ao equilíbrio desses humores 
e a doença ao seu desequilíbrio, já não a causas transcendentes difíceis de explicar 
racionalmente. Davam, Hipócrates e seus discípulos, uma importância enorme ao meio 
e em particular à alimentação dos pacientes. 
Ele – E parece ser que também ao diagnóstico e à capacidade de prever a evolução 
do paciente. 
Ela – Mas o que o tornou famoso até hoje foi o “Juramento de Hipócrates”. 
Ele – Nunca li esse juramento, até é capaz de ser interessante. Já leste? 
 13 
Ela – Também não, mas o profe diz que é fácil de encontrar na net, e que no livro 
do Mueller tem alguns dos excertos mais significativos para nós… 
Ele – Olha lá, não é aquele ali que a colega da frente tem? É mesmo! E em 
português!! Milagre! Deixa cá ver o índice… Hipócrates… pág. 38… aqui, na 43, nesta 
edição… Olha, esta frase é engraçada: “Não é possível amar a medicina sem amar os 
homens”. 
Ela – Deixa lá ver o Juramento… está aqui, nesta nota de rodapé… (adoro esta 
expressão, “nota de rodapé”!): “Juro aqui com todas as minhas forças…” 
Ele (no fim da leitura do Juramento) – Engraçado, engraçado. E actual! Houve aí 
passagens ligadas à eutanásia, ao aborto, à ética, ao sigilo profissional… 
Ela – E olha este capítulo: “Aspectos psicoterapêuticos”. Bom, até a 
psicossomática cá está! Olha, e a sugestão… 
Ele - … e até recomendações sobre o aspecto físico do médico, que deverá ter 
uma linguagem adequada, … e até cuidado com o – e passo a citar – “o odor que 
exala”!Viu, colega, quando abrir consultório não vai poder fazer como aqui na sala, 
tirar a botinha disfarçadamente… 
Ela (dando-lhe alguns safanões) – Parvo! Eu não cheiro mal! Estou só a seguir as 
recomendações do prof, para estarmos à vontade… Não estás a ser nada hipocrático, 
não estás a respeitar a minha pessoa… 
Ele – Estava a brincar… Olha, está-me a dar a fome, acaba de passar isto depressa 
para saírmos! Falta a escola Matemática. 
Ela – Esta é fácil: estes acreditavam que, por detrás da realidade das aparências 
havia outra, invisível aos olhos mas acessível através do espírito, da alma. Assim, a 
harmonia do mundo poderia ser traduzida através de relações matemáticas. Para o 
Pitágoras, o mais conhecido dos sábios desta escola, haveria mesmo uma realidade por 
detrás da realidade sensorial, que seria de natureza essencialmente matemática. 
Ele – Mas há aqui outro Hipócrates! Não é o mesmo da medicina, pois não? 
Ela – Não, este era discípulo do Pitágoras, sistematizou os seus ensinamentos e 
escreveu o primeiro tratado de geometria conhecido. 
Ele – OK, chega de matemáticos, a seguir vem os ditos “Ecléticos”. Eclair. Eclair. 
Já não aguento, tenho que comer! Bolos! Eclair. Bola de Berlim, qualquer coisa. Vamos 
indo para o bar. Até porque não apanhei grande coisa destes ecléticos… e tu? 
Ela (dirigindo-se para o bar) – Acho que sim. Para começar, são os sofistas. Isto já 
te diz mais alguma coisa, não diz? 
Ele – Agora, a prioridade é comer! (dirigindo-se ao funcionário do bar) – Estes 
bolos são frescos? 
Funcionário – Estão do mais fresco! 
Ele – Eu não perguntei se estão, perguntei se são! 
Funcionário – Isso agora, é relativo! 
Ele – Olha-me este! Já percebi que bolos, é para esquecer… E a mousse, é 
caseira? 
Funcionário – Claro! 
Ele – Dê-me duas! E um sumo e uma sandocas! 
Ela – Isso é que é apetite! Temos ali mesa. Milagre! É pena é esta barulheira toda. 
Não era melhor uma musiquinha clássica…? 
Ele – Heavy, prá digestão, é que era! Ou trash metal! Hey! A mousse não é 
caseira! Oh amigo! A mousse não é caseira! 
Funcionário – Foi feita em casa! 
 14 
Ele – Detesto isto! Devia haver uma autoridade reguladora da mousse de 
chocolate! Isto assim é um engano! Já estou como o Parménides: as coisas ou são ou 
não são! E ali o camarada deve alinhar mais pelo Heraclito! 
Ela – Pois temos aqui uma excelente introdução para os sofistas. Sabias que o 
Protágoras foi discípulo do Heraclito? 
Ele – O Protágoras é o que disse “O Homem é a medida de todas as coisas, das 
que são e das que não são”, não é? 
Ela – Esse mesmo. Um dos sofistas mais conhecidos… Ele tinha estudado bem os 
filósofos anteriores, nomeadamente o seu mestre Heraclito. E cada escola que estudou, 
suas verdades, ou como dizemos hoje, cada cabeça, sua sentença, tal como tu, com a 
mousse caseira, o heavy metal prá digestão, e o bolo “fresco” que afinal era só “frio”. 
Agora, coloca esta questão de uma forma mais abrangente. 
Ele – De facto, é interessante. Basta seres educado numa cultura diferente para 
passares a olhar as coisas de forma diferente… Olha, o que acharia daqueles bolos um 
habitante de algumas zonas do globo!... 
Ela – Os sofistas, apesar de mal tratados ao longo da história – principalmente 
porque ficaram associados ao julgamento e morte de Sócrates – deram contributos 
muito importantes ao conhecimento do humano. Entre eles, esta questão do relativismo, 
a noção de subjectividade, a importância da cultura e da educação… Sabias que deram 
um grande impulso no interesse pelas chamadas ciências sociais? História, geografia, 
antropologia… 
Ele – Mas acabou por ser essa questão do relativismo que os tramou, não é? Eu até 
percebo a máxima de que o conhecimento das coisas em si mesmas é impossível, já que 
temos que falar sempre do conhecimento de alguém… mas depois, acabas por cair num 
relativismo absurdo, radical, onde nada é certo, onde não há verdades – aquela mousse 
não prestava, e ponto final! 
Ela – Górgias representa de alguma forma essas posições extremas. Ouve esta 
frase, que dizem resumir a sua postura: “Nada existe. Mesmo se existisse o ser, não 
poderia ser conhecido. E mesmo que existisse o ser e pudesse ser conhecido, seria 
incomunicável a outrem”. 
Ele – Bom, isso já é demais! Isso é… como é que se diz… nii… Como é que se 
diz “nada” em latim? 
Ela – “Nihil”, acho eu. 
Ele – Isso mesmo, niilismo! Ou seja, não nos podemos fiar de nada… 
Ela – Mas ele coloca bem o problema da linguagem: para quem sabe, uma palavra 
significa coisas diferentes do que para quem não sabe. 
Ele – Hmmm… de facto, é interessante! Mas caímos no exagero absoluto, não 
achas? Os sofistas foram longe demais. 
Ela – Uma das suas máximas é a ausência de princípios universais, acho que já 
tínhamos dito, né? Sim, ao falar da relatividade cultural. Perante diferentes culturas, os 
mesmos comportamentos podem parecer civilizados ou… 
Ele – Burp! Desculpa o arroto, comi demais. Ah, mas isto, nalgumas culturas, é 
boa educação! 
Ela – Não vás mais longe! Mesmo no nosso país, temos tradições culturais que 
uns acham pura selvajaria enquanto outros consideram o ex libris da nossa identidade. 
Olha o exemplo da tourada! 
Ele – Olé! Boooi! Toro! Isso sim, são homens! 
Ela – Não acredito! És a favor?!! 
Ele – Claro! Tradición! Fiesta! Toros! Olé! Torero! Macho! 
 15 
Ela – Vejo que o teu castelhano melhora de dia para dia. Deve ser dos livros de 
HSP. Olha lá, na Roma antiga, no coliseu tinhas umas touradas feitas com os 
prisioneiros e os gladiadores, atirados aos tigres… que te parece tal “tradición”? Eu 
quando toca a discutir isto das touradas, lembro-me sempre de um grafitti que vi numa 
praça de touros em Espanha. Dizia: “Se tourada é tradição, canibalismo é 
gastronomia!”. Tenho dito! 
Ele – Está bem visto… mas cá para mim, viva Barrancos. Aceito o teu ponto de 
vista e, lá está, acho que aqui as coisas podem ser defendidas a partir do argumento da 
cultura. Mas damos mais um passo nisto do relativismo dos valores e caímos na 
barbárie. Preocupa-me muito esta questão do mundo depois do 11 de Setembro. E aí, 
percebo que não se pode argumentar a partir do relativismo de valores. Porra, não há 
justificação possível, recorrendo a todas as culturas do mundo, para se fazer uma coisa 
daquelas! É barbárie, estupidez, ódio, primarismo… 
Ela – Totalmente de acordo! Tal como a resposta cega que divide o mundo em 
“bons” e “maus” em função da geografia e da religião! E bombas p’ra cima dos “maus”! 
Ele – Pois é, não é fácil pensar tudo isto hoje em dia… Temos tanta informação… 
e torna-se difícil saber distinguir a qualidade das fontes… 
Ela – Olha, estarmos aqui a discutir isto parece-me um bom princípio! E isto a 
propósito dos sofistas. 
Ele – Não te esqueças que a retórica – a arte do discurso – que eles praticavam 
muito ajudou a tramar o Sócrates. As verdades dependiam de quem – e como, com que 
arte – as defendia. Parece alguns políticos na televisão: fazem-lhes uma pergunta e eles 
começam, uns mais subtilmente que outros, a levar a conversa para onde lhes interessa e 
no fim o povo está com eles sem saber muito bem em quê nem onde… 
Ela – Eu confesso que lhes tenho alguma simpatia – aos sofistas, digo!: 
cultivavam o humor e um certo gosto pelo paradoxo… 
Ele – Vá, está quase a começar a aula seguinte e ainda falta a escola humanista. 
Representantes desta: Anaxágoras e, como não podia deixar de ser, Sócrates. 
Ela – Do Anaxágoras, pouco se falou. Ele terá defendido a existência de um 
“nous”, uma espécie de alma universal que permitiria passar do caos à ordem. 
Ele – Pois, de facto do Sócrates é que há mais informação… se bem que há quem 
duvide da sua existência, já que ele não deixou nada escrito pelo seu punho. 
Ela – Aquilo que chegou até nós foi através, principalmente, de Platão, de 
Aristófanes, Xenofonte eAristóteles. Ou seja, para além de um Sócrates histórico, 
temos a lenda de Sócrates. Mas vamos só assim resumir o de mais importante para nós, 
estudantes de psicologia, nos ensinamentos de Sócrates, para acabar isto das escolas do 
Brennan e correr para a próxima aula. 
Ele – Desde logo, o “conhece-te a ti mesmo” socrático toca qualquer aprendiz de 
psicologia: não será isto um convite à introspecção? 
Ela – Mas o que torna esse repto de auto-conhecimento ainda mais interessante é 
que ele tem por base a crença de que, procurando dentro de si, cada homem e cada 
mulher encontrarão o Bem e a Virtude, já que são possuidores de uma alma. É isso que 
justifica a maiêutica socrática. Como diz o Mueller, mesmo aqui no fim do capítulo 
sobre o Sócrates: 
 “ a concepção socrática da alma é inseparável duma filosofia da sabedoria (…); 
essa sabedoria pode-se ensinar, pois é possível agir sobre a alma de tal modo que ela 
seja obrigada a exprimir a verdade de que está prenhe”. 
 
Ele – Então, ao contrário dos sofistas, Sócrates acredita em verdades universais! 
 16 
Ela – A Moral era universal, para ele. De facto, essa é a grande batalha entre 
Sócrates e os sofistas. 
Ele – Confesso que, apesar de nunca ter estudado este momento da história a 
fundo, começo a estar curioso, quase chocado, com isto do julgamento à morte de 
Sócrates. Mas se este homem era aparentemente tão integro, que se passou? 
Ela – O Platão, seu mais conhecido discípulo, afirmou que esse período foi o que 
mais marcou toda a sua vida. Não conseguiu compreender como é que tal injustiça pôde 
acontecer. Mas de facto, um livre pensador como Sócrates ganhou muitos inimigos. 
Olha, há um professor de filosofia bastante conhecido, o Jean Brun, que tem um livro 
sobre o Sócrates – este aqui, pedi emprestado ao meu tio - no qual afirma: 
“Parece realmente, com efeito, que o processo de Sócrates não é somente um 
acontecimento histórico à margem de qualquer possível repetição; o processo de 
Sócrates é o processo movido ao pensamento que investiga, fora da mediocridade 
quotidiana, os problemas verdadeiros. Sócrates, importunando os atenienses como um 
moscardo, impedia-os de dormir e de repousar em soluções morais, sociais, acabadas; 
Sócrates é aquele que, espantando-nos nos proíbe de pensar segundo hábitos adquiridos. 
Sócrates situa-se portanto nos antípodas do conforto intelectual, da boa consciência e da 
serenidade beata. Para todos aqueles que pensam que a evidência da autoridade deve 
prevalecer sobre a autoridade da evidência (…), Sócrates não podia ser senão o inimigo 
da cidade.” 
Ele – Uff! Forte, isso que leste! 
Ela – As pessoas tem dificuldade em pensar por elas próprias, em partir de um 
espírito aberto, sem dogmas. Lembro-me de, um dia, a minha mestre de yoga me ter 
contado esta cena: 
Ele – Ahh! A menina yoga? 
Ela (rindo) – Yogo, yogo! Mas a minha mestre conta que um dia, no fim de uma 
sessão, uma senhora veio falar com ela, preocupada. Tinham-lhe dito os representantes 
do culto religioso que ela professava, que não podia fazer yoga. A minha mestre 
perguntou-lhe porquê. 
Ele – Qual foi a resposta? 
Ela – Imagina: disseram-lhe que o yoga era perigoso porque “deixava a mente 
vazia”. Vazia de dogmas, acrescente-se. As pessoas tem medo de pensar, caro colega! E 
agora, a correr para a aula!... Que é que temos agora? 
Ele – Eu, tenho que digerir! Comi demais! - (sobem correndo as escadas, a 
caminho da aula seguinte). 
 
 
 
 
As origens filosóficas do pensamento psicológico 
O pensamento psicológico na antiguidade grega (continuação) 
 
Ele – Mais uma semana, mais uma aventura! Por onde iremos nesta aula? 
Ela – Ora, tínhamos ficado no Sócrates, portanto, Platão é a resposta mais lógica. 
Professor – Blá blá blá, Rafael, blá blá blá, “Scuola d’Atene”, Blá blá blá, 
Vaticano… Stanza della Segnatura… 1509-1510… Blá blá blá… 
 17 
 
 
Ele – Agora o homem tem a mania que fala línguas… Não podia simplesmente 
dizer “Escola de Atenas”? Mas acho que já tinha visto este “fresco” em algum lado… 
Ela – Pelos vistos, estão lá muitos dos filósofos de que já falamos… mas não há 
duvida que o Rafael tinha muito claro quem foram os expoentes máximos do 
pensamento da Grécia antiga. Basta deixares os teus olhos decidirem para onde olhar… 
e certamente focarão o centro da obra de arte, onde estão… 
Professor – Blá blá blá, Platão e Aristóteles. Ohhh! Eu diria mais, Platão e 
Aristóteles! Quem é quem? (O professor sai da sala) 
Ela – Hey, onde é que aquele vai? Diz que volta já? A ideia é nós, a partir do 
“fresco”, adivinharmos quem é o Platão e quem é o Aristóteles? 
Ele – E não só! Ele quer também que, quando voltar, lhe expliquemos algo sobre a 
teoria que cada um deles tinha sobre a forma como os homens adquirem o 
conhecimento…. 
Ela – Xiii!… Olha, juntemo-nos de novo ali aos colegas do outro dia, que até 
correu bem… 
Ele – Sim, fora aquela boquinha infeliz que o das rastas me mandou sobre as 
minhas leituras de jornais desportivos… mas eu ajusto contas assim que surgir a 
oportunidade… 
Ela – Deixa-te disso… não sejas vingativo… até me fazes lembrar um outro 
“fresco” contemporâneo sobre a vingança… fui ver o “Dogville”. Terrível! O profe bem 
avisou! Mas isso fica para depois… Vamos… 
Voz 1 - … quanto mais não seja, chegamos lá pela idade! O Platão foi discípulo 
do Sócrates, e o Aristóteles chegou a ser discípulo do Platão, pelo que ali o velhote da 
esquerda deve ser o Platão. 
Voz 2 – Pois, assim é muito fácil! Mas há outras pistas, mais subtis… 
Ele – Conta lá!... 
Voz 2 – Então vou dar uma pista… para chegarem à pista! Viram o “Amelie”? 
Ela – A-D-O-R-E-I!! Genial! 
Voz 2 – Lembras-te de um miúdo que se dirige ao personagem que coleccionava 
fotografias tipo passe, que andava como louco à procura da misteriosa Amelie, que lhe 
ia deixando pistas pelo caminho… 
 18 
Ela – Lembro, lembro, foi quando ele estava a olhar para um homem-estátua que 
tinha o dedo indicador levantado… 
Voz 2 – Lembras-te do que diz o miúdo? 
Ele – Eu lembro! Qualquer coisa como: “Quando o sábio aponta as estrelas, o 
imbecil olha para o dedo”. É isto, não é? 
Voz 2 – Mais ou menos, a ideia é essa! E essa é a minha pista! Chegam lá? 
Ela – Claro! Já percebi. Repara, ali o velhote – já vimos que deve ser o Platão – 
aponta com o seu dedo para cima, para o infinito, enquanto que o Aristóteles dirige a 
sua mão para a frente… Ora, o que o profe quer é que nós cheguemos à teoria que cada 
um teria sobre a aquisição de conhecimentos… 
Voz 1 – Eles até parece que estão a discutir um com o outro, às tantas podemos 
imaginar que discutem sobre isso… 
Ele – É para imaginar, caro colega rastafari? Estou cá eu, o da bola! Permita-me 
provar-lhe que não há incompatibilidade entre gostar de bola e de filosofia… Aqui vai o 
que eu imagino poderia ser a conversa entre os dois: 
 
Platão (com a mão levantada) – Viste aquilo? O Baia foi buscar a bola mesmo ao 
canto, assim, com a mão, zás, grande voo! São galácticos. Aquela equipa não dá hipóteses, são 
de outro mundo! 
Aristóteles (com a mão apontando para a frente)– De outro mundo?!!! Mas atiravam-
se sempre para o chão, a simular faltas! Sempre no chão, sempre no chão, e tu chamas-lhe 
galácticos. São é bem deste mundo, terrestre… Aliás, isto na bola é tal e qual como nas nossas 
formas de ver o conhecimento, meu caro! Eu acho que se devia resolver tudo, tudo, no terreno 
de jogo. Este mundo chega, não precisamos de introduzir outro, como fazes tu! E já agora, 
como faz essa equipa que tu chamas de galácticos: dizem as más línguas que tudo se decide 
previamente ao jogo, em “instâncias superiores”… ou seja, o que se passa em campo é uma 
fantochada, meras sombras, como dizes tu! 
Platão – Xôo… por Zeus! Respeito aos mais velhos! Isso é mau perder! “Instâncias 
superiores”, dizes? É claro quesim, mas isso é igual para todos! O que nos anima… é a 
“Anima”, a alma! E as almas têm o seu verdadeiro mundo lá em cima, é lá que contactaram 
com a verdade, com o saber! O que acontece é que as almas que animam os meus jogadores 
estão mais evoluídas, mais iluminadas, e eles levam uma vida mais ascética, mais pura do que 
os da tua equipa… ou não tens lido sobre os escândalos e as borgas dos teus meninos?… altas 
horas, noitadas, “bainaite”… 
Aristóteles – Pois eu acho que para explicar o evoluir do jogo, chega muito bem 
observar o que se passa de facto em campo. Observar, recolher dados, procurar regularidades, 
e, com a ajuda da lógica, chegamos à táctica indicada, ao conhecimento, aos universais… 
Depois, é só questão de que cada um fique no seu sítio: os defesas à defesa, os médios a meio 
campo, os alas junto às linhas, enfim, o Universo em equilíbrio… cada macaco no seu galho! 
 
 
Voz 1 – Sim, senhor, o miúdo da bola não brinca em serviço, não… Muita 
fantasia… mas no essencial… está lá. Olha, o profe está de volta… Diz ele que quer 
ouvir as nossas opiniões… Alguém se anima? 
Ela – Eu falo! (levantando a voz) Professor! O senhor da esquerda aponta para 
cima, como que sugerindo a existência de um mundo superior ao mundo ilusório dos 
sentidos, que seria o mundo das Ideias. Ora esse só pode ser o autor da “Alegoria da 
Caverna”, ou seja, Platão. 
Professor: Eu diria mais! “Alegoria da Caverna”, ou seja, Platão! 
Ela – Pois, foi isso que eu disse… 
Professor: Bla, bla bla, acetato 2: A alma é… 
 
 19 
 
 
Ele – Passa lá isto... é pá, ele não podia pôr os acetatos na secção de textos? 
Pergunta-lhe tu, que já estabeleceste contacto… vá lá! 
Ela – OK! Professor! Vai deixar esses acetatos, ou então um manual, na secção de 
textos? 
Professor – Blá blá blá, sim, blá blá blá, não, blá blá blá, talvez, blá blá blá, 
“Manuscritos”… 
Ele (murmurando) – Não percebi nada… que é isso dos manuscritos? Afinal é 
para passar os acetatos ou não? 
Ela – Passa, passa, que esses tais manuscritos tanto parece que existem como que 
são uma ficção… e estes aqui já ninguém mos tira… 
Ele – Já passei. Vejamos. Para começar, esta ideia de que é o facto de possuirmos 
uma alma que nos permite aceder ao verdadeiro conhecimento… 
Ela – Mas a alma é ao mesmo tempo divina e nossa? 
Ele – Parece ser que, para Platão, a alma individual que cada um de nós possui é 
uma parte da alma universal. Como tal, é imaterial, impalpável, e está temporariamente 
encarcerada num corpo até que, com a morte, regressará ao Hades. A sua “missão” 
neste “desterro” no corpo é a de, através da purificação… 
Ela – …“ascese”, não foi o que o profe lhe chamou? 
Ele – Isso, ascese. Através da ascese, a alma quer evoluir para estádios mais puros. 
Ela – O que achei mais curioso, engraçado até, foi aquela ideia de que, estando a 
alma dividida em 3 partes no corpo, essa divisão é feita com uma finalidade clara: a de 
contribuir para a purificação da parte mais elevada da alma. 
Ele – Explica-me lá isso, porque aqui no Mueller vem cá com um palavreado que 
não se entende nada: “psicofisiologia finalista”! Irra! 
Ela – Eu percebi! É assim: “Psico” quer dizer… 
Ele – Relativo à “psique”… 
Ela - Correcto! “Fisio”… 
Ele - … relativo ao corpo 
Ela – e “finalista” porque essa distribuição da alma / psique pelo corpo é feita com 
uma determinada finalidade: a de contribuir para a tal purificação. 
Ele – Ahhh! Cappicci! Isso tem a ver com os tais 3 tipos de alma: a “Racional”, a 
mais pura, que até seria imortal, que estaria situada anatomicamente na zona da 
cabeça… 
“...o que há em nós de mais divino, como é também o que de mais nosso 
possuímos.” Platão, Leis, V, cit in Mueller 
 
Imaterial 
A Alma 
Prisioneira do Corpo 
A Alma Tripartida: 
1º: A Alma Racional (Princípio Divino) 
2º: A Energia Moral (Coragem) 
3º: O Desejo (os “apetites”) 
 20 
Ela – Segundo o Mueller, para Platão o pescoço afasta o mais possível a alma 
racional das outras, para ficar mais “limpinha”. Tem piada, esta! 
Ele – Mas a próxima ainda é melhor: há uma parte da alma menos pura que as 
outras – a ligada aos desejos, aos “apetites”, que alguns chamam de concupiscente ou 
passional – que poderia ter tão más influencias na santíssima alma racional que ficou 
relegada para a zona do “baixo ventre” (não sei se me faço entender…) 
Ela – e a meio caminho entre Deus e o Diabo, reside a alma irascível, ligada à 
coragem, que ficaria ali a fazer de guardião para que quaisquer vapores que soprassem 
lá de baixo não pudessem chegar acima do pescoço… 
Ele – Esta “trivisão” da alma – tem piada, esta, não tem? Divisão é dividir em 
dois, trivisão, em 3, kéké, sou o maior! – lembra-me aquela imagem que o Platão usou: 
a de que a alma podia ser vista como um conjunto formado por dois cavalos, um dos 
quais mais dócil (a coragem) e outro mais selvagem (os apetites), conduzidos por um 
cocheiro (a alma racional). 
Ela – Isto soa muito a Freud, não achas? Uma parte racional, outra irracional, 
indomável, capaz de motivar os comportamentos… 
Ele – Não inventes. Tu é Freud e mais Freud… Saíste-me cá uma artista… 
Ela – Pois ficas a saber que, apesar de poder ser fácil imaginar o contrário, o 
Platão não valorizou muito as artes e os artistas! Dizia ele que, como as representações 
que os artistas fazem da realidade – quadros, por exemplo – são cópias das suas formas 
de ver o mundo dos sentidos, seriam sombras de sombras… 
Ele – Pois é, o Platão desvaloriza muito os sentidos, não é? Tanto porque os 
prazeres dos sentidos desviam a alma da purificação pretendida, como porque considera 
que o verdadeiro conhecimento não está neste mundo de “sombras”, mas sim no 
“Mundo das Ideias”. 
Ela – Daí que conhecer estivesse ligado ao recordar, às reminiscências. A alma, 
em contacto com as reles cópias oferecidas pelos sentidos, recordava-se dos arquétipos 
do “Mundo das Ideias”. 
Ele – E chega! Já estou farto de ouvir falar do Platão. “Menos Platão, mais 
Prozac”, arrisco-me a dizer… 
Ela – É ao contrário! 
Ele – Já sei! Aquela colega ali à frente até já disse que vai apresentar esse livro nas 
aulas práticas! 
Ela – Queres só um resumozinho, antes de passar ao tio Aristóteles? Olha o que eu 
tenho aqui! Um livrinho na tua língua favorita… 
Ele – Olé! Esse qual é, é o tal carpinteiro? 
Ela – Esse mesmo. Cita aqui um tal de Laín, que diz que o legado de Platão ao 
pensamento posterior inclui, fundamentalmente “a distinção funcional e real entre alma 
e corpo, a tese da imortalidade da alma, um ascetismo que desvalorizou o valor do 
corpo e uma localização das funções da alma no corpo”. Carpintero dixit! Página 59! 
Ele – Shiii! Olha o que eu acabo de encontrar! Esta é mesmo para ti… Queres 
mais Freud que isto? Olha aqui: no Mueller, mesmo no fim do capítulo do Platão… 
oops… é melhor leres depois, o profe já mandou um daqueles olhares… e já vai nos 
acetatos do Aristóteles… 
Ela (entredentes) – Disfarça… 
Ele (assobiando alto) – ffiiuuu, ffiiiuuuu… 
Professor – “Ffiiuuuu, ffiiiuuuuu”?????!!!! 
Ela (entredentes) – Idiota! 
Ele (entredentes) – Tu é que me mandaste disfarçar! 
Ela – Agora descalça tu essa bota… 
 21 
Professor – Eu diria mais, “fffiiuuuu, ffiiiuuuu”???? 
Ele (dirigindo-se ao professor) – Sim, caro professor: FFiiuuuu, ffiiiuuuuu! Não 
posso deixar de assobiar desta maneira, tendo em conta aquilo que esta minha boa 
colega acabou de me mostrar! Bela obra! 
Ela (mudando de cor 4 vezes) – Eeuuuuu?! 
Professor – vicinus vicini facta scrire praesumitur...! 
Ele – Hélas! Por quem sois?! Quero eu dizer… explico o meu assobio: Olhe-me 
bem para isto, bom professor! Esta minha colega estava aqui a exibir este catrapázio, e 
eu não pude deixar de reparar que é impressionante – daí, o assobio – o volume das 
obras de Aristóteles! É um monstro! 
Professor– Hic est veritas! 
Ele (entredentes) – O homem passou-se. Agora fala em latim… haverá tradução 
simultânea? 
Ela (entredentes) – Tu pá-gas-mas!!! Pá-gas-mas to-di-nhas!!! Espera só pelo 
intervalo! Se não te mata o professor, mato-te eu! 
Professor – Nada mais verdadeiro! Eu diria mais: É um monstro! 
Ele – Vês! O profe está de acordo comigo. Olha, para te acalmares, passa mais 
este acetato! 
 
Ele – Ou seja, a primeira coisa a ter em conta é que o Aristóteles inventa o “dois 
em um”… 
Ela – Antes de eu te matar à pancada, explica lá essa do “dois em um”… 
Ele – Para o Platão, havia dois mundos, para o Aristóteles, um chega, e tem tudo o 
necessário para possibilitar o conhecimento. Não aceita o dualismo platónico… 
Ela – Então o corpo e a alma… já não são de mundos diferentes? 
Ele – A alma pertence à natureza, e é o que dá vida aos corpos. Ele vê corpo e 
alma como inseparáveis. Dá um exemplo que me parece elucidativo: a alma estaria para 
o corpo como a vista para o olho. 
Ela – Interessante… olha, é o que está naquele acetato… 
Voz 3 – Outra vez?!!! Aquilo que ali está é um abuso, um absurdo! Como é que se 
pode falar em Psicologia em Aristóteles? A Psicologia é uma ideia inexistente na época! 
ARISTÓTELES (384-322) 
Psicologia como ciência empírica que estuda as relações ALMA – CORPO 
 Como? 
 
- o mundo em que vivemos é real, não ilusório 
- é um “mundo natural” de substâncias, sujeito à causalidade 
- a ALMA é parte da natureza 
ALMA: 
- Aquilo que explica o viver dos corpos (“Acto Vital”) 
- Inseparável do Corpo* 
*(Excepto “noûs poietikós”) 
Logo: a Psicologia está ligada à FÍSICA e à BIOLOGIA 
 
 22 
Ela - Acho que o profe falou nisso, e até te dá razão. Ele citou alguém que dizia 
que este tipo de raciocínios parte de “decisões ancoradas na contemporaneidade”… Mas 
enfim vamos tentar perceber este acetato… 
 
 
 
Ele – Sabes que a ciência muito deve ao Aristóteles! Como diz aqui o Carpintero, 
é “graças a ele que o mundo que antes era entendido religiosamente ganhou 
independência e substantividade plenas e se converteu em objecto de conhecimento e 
investigação para o homem. As propriedades de tudo o que nos rodeia dependem 
fundamentalmente da sua própria constituição, da sua natureza e das suas causas”. Está 
aqui, página 62-63… ah, mas parece que a ideia é de um tal Solmsen… 
Ela – Então será por isso que, enquanto o Platão é mais associado ao 
Racionalismo, o Aristóteles é mais ligado ao empirismo, já que propõe que na base do 
conhecimento deve estar a observação dos fenómenos, e não quaisquer intuições ou 
ideias inatas… 
Ele – Tem lógica… Aliás, lógica é o que não faltava ao Aristóteles! Olha, olha, 
pelos vistos aquilo de dividir a alma em 3 era moda. O Aristóteles também a dividiu, 
mas em vegetativa, animal e racional… 
Ela – Não sei se reparaste, mas o profe saiu… ou seja, vou neste momento afastar 
a minha alma racional, atacar-te com a minha componente animal e deixar-te em estado 
vegetativo!!! Vingança!!! Anda cá, camafeu!!! 
Ele – Não vou fugir! E ficas a saber que camafeu poderás ser tu, nunca eu! 
Camafeu é uma mulher muito feia… nunca um homem. 
Ela – Tu não és um homem, és um rato! Foge! Não vais fugir? 
Ele – Nunca! Ficas a saber que agora sou um estóico! 
Ela - Estóico? Eu é que estoi cos azeites! Foge-me da frente! E que é isso dos 
estóicos? 
- Alma como FORMA do corpo 
“Não há razão para investigar se a alma e o corpo são uma única realidade, pois tal investigação não se 
faz para a cera e a gravação, nem, duma maneira geral, para a matéria de uma coisa qualquer e para 
aquilo de que ela é matéria” De Anima, in Mueller, p.67 
 
- Manifestações da alma e do corpo interligadas 
- 3 tipos de alma: VEGETATIVA (ou nutritiva) 
 ANIMAL (ou sensitiva) 
 RACIONAL (ou intelectiva) 
CONHECIMENTO: 
 A partir da OBSERVAÇÃO de indivíduos concretos, chegamos, por INDUÇÃO, a CONCEITOS GERAIS 
 
RESUMO: 
Aristóteles orienta o estudo do HOMEM (CORPO/ALMA) para o EMPÍRICO. 
A PSICOLOGIA fica ligada ao estudo da VIDA (BIOLOGIA) 
 23 
Ele – Resistir às pulsões, aceitar o destino! “O estoicismo é uma filosofia para 
tempos duros”! Vá, estou aqui. Que me queres? Já pareço o Zenão, quando enfrentou a 
morte! 
Ela – Já não te aturo mais, sai-me da frente. Deixa-me ir descansar e ouvir a minha 
musiquinha, que essa é que me salva! 
Ele – Que é que tens aí nos fones? Hmmm! Caetano Veloso! Muito bem! Esse 
álbum é bem bom! “Livro”. E até podes estudar enquanto curtes a música. Ora põe aí a 
música 12. Já viste como se chama? 
Ela – “Alexandre”. Quê, não me digas que é sobre o Alexandre Magno? Confesso 
que não tinha prestado atenção à letra… 
Ele – Garota, deixa eu cantar prá você, vai… 
Ela – Vá, canta, a ver se me alegras! 
Ele (cantando) – 
 
“(o seu pai) contratou para seu preceptor um sábio de Estagira 
 Cuja cabeça sustenta ainda hoje o Ocidente. 
 O nome Aristóteles – nome Aristóteles - se repetiria 
 Desde esses tempos até nossos tempos e além. 
 Ele ensinou o jovem Alexandre a sentir filosofia 
 Pra que mais que forte e valente chegasse ele a ser sábio também. 
 
 Feito rei aos vinte anos, Transformou a Macedónia, 
 Que era um reino periférico, dito bárbaro, 
Em esteio do helenismo e dos gregos, seu futuro, seu sol. 
 
O grande Alexandre, o Grande, Alexandre 
Conquistou o Egipto e a Pérsia 
Fundou cidades, cortou o nó górdio, foi grande; 
Se embriagou de poder, alto e fundo, fundando o nosso mundo, 
Foi generoso e malvado, magnânimo e cruel; 
Casou com uma persa, misturando raças, 
mudou-nos terra, céu e mar, 
Morreu muito moço, mas antes impôs-se do Punjab a Gibraltar. 
 
 
Ela (aplaudindo) – Estou rendida, pronta a fazer as pazes! Homem que me cante 
Caetano encanta-me! Tu que tivesses os olhos do Chico… e eu dizia-te! 
Ele – Posso sempre pôr umas lentes… Mas reparaste na letra? É que é daqui que 
partimos para a matéria da próxima aula! 
 
 
2.2) Helenismo e época romana: subordinação à crise espiritual 
 
Ela – Pois, não sabia que o Alexandre tinha sido discípulo do nosso Aristóteles, 
mas sabia que foi com a morte prematura de Alexandre e as guerras internas pela 
sucessão de tão vasto reino que começou uma crise política e social que levou as 
pessoas a sentir-se um pouco desorientadas… 
Ele – E é aí que surgem, já não grandes sistemas filosóficos como os que vimos 
agora mesmo, mas antes doutrinas mais acessíveis e que dão respostas mais concretas às 
 24 
ansiedades generalizadas. Basicamente, aconselham as pessoas a como chegar à 
felicidade, à paz interior… 
Ela – Acho que isso se chama “ataraxia”! Vê lá tu que palavra para significar “paz 
de espírito”! Então por isso é que se chama a estas doutrinas as “doutrinas da 
felicidade”… 
Ele – Entre as quais estão o epicurismo, o cinismo, o estoicismo, o cepticismo e 
até o neo-platonismo. Mas acho que os profes só falam de duas delas. Olha lá, reparaste 
que passamos aqui o intervalo todo? E a aula vai recomeçar! Uiii, que isto vai doer, não 
tomei café! Bom, dizia eu que era um estóico, não é? Então, toca a sofrer! 
Ela – Oh meu, não te queixes tanto, carpe diem! 
Ele – Isso é dos epicuristas, minha linda! Olha, cá está o acetato dos estóicos! 
 
 
 
 
Ela – Era o que tu dizias, de facto! Para estes, viver bem é aceitar tudo o que o 
Destino nos traz. Eu, pelo menos nesta fase da vida, não estou mesmo nessa. Quero 
lutar para que as coisas me corram bem, não entrar cá em Fados e Destinos. Acho que 
cada um é que faz o seu destino! 
Ele – Pois definitivamente tu estás mais para o lado do Epicurismo. 
Ela – Mas esse tal de Epicuro não era só borgas e curtição? 
Ele – Parece que ficou com mais fama do que proveito. Parece ser que até 
propunha mais os prazeres da contemplação e da discussãodas ideias do que 
propriamente os prazeres do corpo… Mas de facto o epicurismo… olha, outro acetato. 
ESTOICISMO 
ZENÃO (336-264), SÉNECA (4 a.C. – 65 d.C.), EPÍCTETO (50-130), MARCO AURÉLIO (121-180) 
 
O UNIVERSO DETERMINA A VIDA 
 
DEUS, LOGOS, NATUREZA PANTEÍSMO 
 
“VIVE DE ACORDO COM A NATUREZA” 
“SUPORTA E ABSTEM-TE” 
LIBERDADE HUMANA = COOPERAR COM A CAUSALIDADE 
 
APROPRIAÇÃO ROMANA: DIZER NÃO ÀS PULSÕES 
 
 25 
 
 
Ela – Pois, é lógico que, ao acreditar que a alma é feita de átomos materiais, e 
como tal é perecível, se opte também por defender que devemos aproveitar os prazeres 
enquanto estamos vivos. Para quê penar, se a alma não vai sobreviver a esta vida? 
Ele – Bom, eu só sei que estou completamente estoirado! Estas aulas sem 
intervalo matam-me. A culpa é minha, eu sei… Felizmente está quase a acabar… Olha, 
vem agora a grande transição histórica, a passagem do “antes” para o “depois” de 
Cristo. O que se passará com a psicologia neste período? 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
EPICURISMO: EPICURO (342-270) ROMA (50 a.C.-100d.C.) 
• RETOMA ATOMISMO DE DEMÓCRITO 
 
ALMA MATERIAL 
• IMPORTÂNCIA DOS SENTIDOS (fonte única dos conhecimentos) 
• HOMEM SENHOR DO SEU DESTINO 
• “PROCURA O PRAZER, FOGE À DOR” 
• “VIVE ESCONDIDO” 
 
• ψ - TERAPIA EPICURISTA: 
RECORDAR MOMENTOS AGRADÁVEIS 
 
 26 
Ela - Bom, não estava nada à espera disto!!!... 
Ele – Como é que achas que nos gravaram? Isto é aqui algum dos colegas nossos vizinhos que nos fez 
esta maldade! Agora somos famosos… e nem sequer podemos aproveitar a fama. Viste os profes na 
semana passada? Disseram que estavam quase a descobrir quem é o autor dos manuscritos… 
Ela – Achas que eles nos associam aos manuscritos? Um deles mandou cá uns olhares no outro dia… 
Ele – Nada, não ligues… eu é que confesso que começo a suspeitar de ti… Essa ceninha que tens sempre 
aí em forma de joaninha… não será um micro? 
Ela – Não sejas parvo. Olha, sabes aquela tua última pergunta sobre a psicologia cristã? 
Ele – Psicologia cristã? Nem sabia que havia uma psicologia cristã! 
Ela – Mas há. Já andei a investigar. Para percebê-la, temos que nos situar na transição do período clássico 
para o período medieval. Mais uma vez, “apogeu e queda”, mas desta vez do Império Romano. Parece 
que, aos poucos, esse império extensíssimo, muito prático e com uma administração notável, foi-se 
desagregando… 
Ele – As porradas do Viriato não lhes serviram de aviso? Os Lusitanos não eram para brincadeiras!... 
Ela – Mas isso foi ainda antes de Cristo! Eu já estou a falar do fim do império. Lá para III, IV depois de 
Cristo, quando os povos do Norte começavam o seu périplo pela Europa do Sul. Chegaram de facto até à 
península ibérica onde, nalguns locais, até foram vistos como “menos bárbaros que os Romanos”, que 
exploravam algumas populações até à escravatura. Lá para o norte, diz um presbítero de Braga dos 
tempos da invasão, os Suevos rapidamente “trocaram a espada pelo arado e se fizeram amigos”. 
Ele – Mas as invasões e os saques, em particular o de Roma, não deixaram propriamente boas 
memórias… 
Ela – De facto, as pessoas nessa altura não deviam saber bem para onde se virar! O Império desfazia-se, 
as cidades perdiam habitantes (Roma, por exemplo, passou de milhão e meio de habitantes a cerca de um 
quinto, talvez até muito menos, desse número), as pessoas regressavam ao campo, as trocas directas de 
produtos substituíam o dinheiro romano, a agricultura de subsistência tornava-se cada vez mais 
importante… 
Ele – Ouve lá, chega de história! E a psicologia, a tal de “cristã”? 
Ela – Aí tens o profe, que acaba de chegar. Vais ver que vai falar de dois santos… 
Professor – Blá blá blá, psicologia cristã, blá blá blá, de Santo Agostinho a São Tomás de Aquino. 
Ele – Como sempre, acertaste. É engraçado o que disse o profe, o facto de um homem que até aos 33 anos 
se considerou um epicurista, ter tido um papel tão relevante na disciplina cristã. 
Ela – Pois, mas a partir da revelação dedicou-se com afinco à causa da Igreja. Sendo um estudioso de 
Platão e de Plotino… 
Ele – Plotino?... 
Ela – O criador do neoplatonismo, algures no segundo século da era cristã. Santo Agostinho conhecia a 
sua obra, ainda desde a sua atribulada e pecadora juventude, e conforme se aventurou mais e mais no 
pensamento de Platão, mais sentia a culpa crescer dentro de si, pelos seus actos mais libertinos e pelos 
hábitos de corrupção e vícios dos seus contemporâneos… 
Ele – Eram muito frequentados os circos romanos, com os gladiadores tipo Russell Crowe… 
 27 
Ela – Duvido um bocado que o aspecto da coisa fosse esse… Bom, de qualquer maneira, o facto é que um 
certo dia, roído pela culpa, o futuro santo estava com um amigo num jardim de Milão quando ouviu uma 
voz infantil que lhe dizia “Pega e lê, pega e lê…”. Como tinha com ele uma cópia dos escritos de S. 
Paulo, abriu ao acaso e leu um excerto em que se pregava o caminho de Cristo. Sentiu-se repentinamente 
sereno e cheio de alegria interior. Não mais deixou a via da santidade. 
Ele – Mas onde é que tu estudaste isso tudo??? Não me digas que vais ingressar num mosteiro? Se for o 
caso, aqui me tens como fiel devoto… Santa… 
Ela – shiiiiuuuuuu! Quase dizias o meu nome! Olha se nos estão a gravar! 
Ele – Santa Ela, Santa Ela! É assim que te chamas nos manuscritos, não é? 
Ela – Santa Ella só há uma, a Fitzgerald e mais nenhuma! Olha, até me lembro de uma música dela muito 
adequada a este momento da vida de Stº Agostinho: 
 
 “You showed me the way 
 When I was someone in distress 
 A heart in search of happiness 
 You showed me the way” 
 
Ele – Ena! Temos artista! Um destes dias ainda nos convidam para um disco de “Covers”! Mas diz lá, 
onde é que leste isso tudo do santo? 
Ela – Sabes que eu adoro biografias e autobiografias, né? Pois estive a ler excertos do “Confissões”. A tal 
tradição cristã na psicologia, e no saber em geral, está lá bem patente: a procura da via da interioridade, o 
uso da fé como argumento último… olha, olha, ouve aquele excerto que o profe está a ler… 
 
Professor: “Razão: Então, que queres? 
 Agostinho: Precisamente essas coisas pelas que acabei de rogar. 
 Razão: Repete-as. 
 Agostinho: Quero conhecer Deus e a alma. 
 Razão: Nada mais? 
 Agostinho: Não, nada mais quero.” 
 
Ele – Mas assim, é impossível a ciência que já tínhamos visto dar os primeiros passos com os gregos! A 
razão só serve para confirmar as verdades divinas? E então os dados dos sentidos, não servem? 
Ela – Isso está no acetato. Na adaptação platónica, está bem patente que os sentidos não são a via do 
conhecimento, mas sim a alma. Tens que ver as coisas no contexto cultural e social da época. No meio 
daquela confusão toda, mais valia mesmo acreditarmos antes no mundo interior como via para a 
felicidade e o conhecimento, já que cá fora… 
 28 
 
 
Ele – É então aí que entra aquela proposta da “Cidade de Deus”? 
Ela – Muita da importância deste santo para a Igreja vem de facto dessa sua imponente obra. Mais uma 
vez, Platão ajusta-se muito bem aquela que será a visão cosmológica da Igreja: o mundo de Deus lá em 
cima e um corrupto mundo dos homens cá em baixo. As igrejas seriam como que embaixadas divinas, 
prontas a fornecer os preceitos necessários ao acesso à Cidade de Deus. 
Ele – Mas de investigação psicológica, o que é que temos em Agostinho? 
Ela – Assim sistematizado, não muito. Algumas considerações sobre as relações mútuas entre corpo e 
alma, as funções da alma, e assuntos afins. Aparecem é boas intuições, fruto das suas introspecções. Há 
quem veja algumas aproximações a alguns conceitos do que virá aser… 
Ele – “Say no more!” Não digas mais nada! Vais de novo falar no teu amigo Freud, né? 
Ela – Não digo mais nada, não. Até porque o profe já avançou, e está a caracterizar o mundo medieval… 
Ele – É impressionante como a Igreja conseguiu chamar tantos fiéis, que na maioria se inscreviam no 
paganismo romano até aí… 
Ela – Pois, de facto a Igreja conseguiu adaptar-se aos tempos que corriam: segundo o Brennan, aos 
poucos foi-se tornando a grande referência para o povo. Adaptou o calendário litúrgico ao calendário 
agrícola, consentiu alguma aproximação a muitos dos rituais pagãos, nomeadamente os cultos vários, e 
aos poucos foi-se tornando num novo poder. Quando o imperador Constantino se converte, deu-se um 
passo enorme de aproximação do poder eclesiástico ao poder civil. No final do séc. IV, já o cristianismo 
era religião “oficial”, através de medidas introduzidas em sucessivos éditos imperiais. 
Ele – E cada vez mais, a lei dos homens passou a ser a lei de Deus, e o saber, que antes tinha sido 
filosófico e até quase científico, passou a ser sinónimo de saber divino, com via exclusiva através da fé. A 
ciência, por excelência, passa a ser a teologia. 
Ela – Ouve, ouve… não posso acreditar! Não sabia que… 
Professor – Blá blá blá… o caruncho. Eu diria mais: o caruncho! 
Ele – Chegava-se a tal ponto? Julgavam-se em tribunal, com direito a acusação e advogado de defesa, os 
actos de certas espécies animais?!!! Não posso! Mas onde é que ele foi buscar aquilo? Ouviste como se 
chamava o livro? 
SSAANNTTOO AAGGOOSSTTIINNHHOO ((335544--443300)) 
����RETOMA NOÇÕES PLATÓNICAS 
�CORPO É PRISÃO DA ALMA 
- PARTILHA DA GLÓRIA DE DEUS 
- CAMINHO PARA O CONHECIMENTO 
�”CONFISSÕES” 
- A MENTE REFLEXIVA COMO CAMINHO PARA DEUS 
�”A CIDADE DE DEUS” 
- A HEGEMONIA DA IGREJA 
 
 29 
Ela – Luc Ferry, não era? Mas esse não é o ministro francês da educação? Acho que se chama “A nova 
ordem ecológica”. De facto, impressionante. Mas e então a psicologia, ou melhor, as explicações do 
comportamento, nomeadamente do comportamento dito desviante, por estas alturas? 
Ele – É fácil. Sintomatologia: comportamentos bizarros, discurso incoerente, posturas pecaminosas, 
audição de vozes interiores, gritos descontrolados, desmaios, actos de bruxaria, etc. etc. Etiologia: obra do 
chifrudo (cruzes credo!). Diagnóstico: reservado. Tratamento: Fé, rezas, em casos menos graves. 
Aumento da posologia se os sintomas subsistirem. Intervenção de um padre exorcista em casos mais 
graves. Por último, em casos extremos, fogueira, a ver se se salva a alma! 
Ela – Tu inventas um bocado, não é? 
Ele – Pois, não sei bem de onde retirei isto, mas… 
Ela – Mas nada. É melhor ficares por aí. O que é um facto é que, nesses tempos, ter acesso ao 
conhecimento, nomeadamente aos textos, era um privilégio dos representantes da igreja, pelo menos no 
território europeu. Muitos dos textos clássicos se perderam, entre invasões, saques, pilhagens, e até por 
serem considerados hereges alguns deles. A igreja proíbe a tradução, para as línguas vernaculares, 
inclusivamente, ou especialmente, da Bíblia. O apogeu do poder eclesiástico talvez seja dado pelas 
Cruzadas. 
Ele – Pois é, o contacto com os árabes, apesar de quase sempre pelos piores motivos, acabou por ter 
algumas vantagens. É que eles, e também os judeus, tinham salvo, em traduções para as respectivas 
línguas, a maior parte dos clássicos que hoje conhecemos. 
Ela – E aqui na Península Ibérica esteve um dos pólos mais importantes dessa cultura: o Califado de 
Córdoba. Deixou-nos tradições artísticas, filosóficas, científicas até, muito mais evoluídas do que as 
europeias. 
Ele – Fiquei curioso com aquele livro que o profe referiu, das “Cruzadas vistas pelos Árabes”. Por acaso 
não o tens? 
Ela – Posso ver lá em casa do meu tio… Sei que ele andava a ler uns contos “sufis” 
Ele – Sufs? Isso era a nota que eu tinha no liceu, quando os testes me corriam bem! 
Ela – Sufi, não “Suf”, palerma. Tu andas muito Tecla 3! 
Ele – Tecla 3? Essa não apanhei eu! 
Ela – Vai lá ver o que diz a tecla 3 do teu móvel. É o que tu és, às vezes… O sufismo acho que é a modos 
que o sistema espiritual islâmico. 
Ele – Bom, isso já é muito para mim. Mas se vires o tal do Maalouf… Olha, ele está a resumir os 
contributos dos árabes, nesta época do final de Idade Mérdia… 
Ela – “Média”, meu, não embarques nessa onda de que a Idade Média não trouxe nada de bom! 
Ele (em voz alta) – Mais devagar, professor… como é que é? “Devolvem-nos Hipócrates, Platão e 
Aristóteles, mais as matemáticas e a astronomia”… chiça, não foi pouco, não! 
Ela – Vês! E digo-te mais, meu pinga-amor: o amor romântico deve ter aparecido por estas datas, mais 
uma vez provavelmente com inspirações árabes. No século XII os trovadores tinham-no por um dos seus 
temas favoritos. Sabes que, até aí, a mulher era vista fundamentalmente como um poço de pecados e 
tentações. Ou era pura e casta como a Virgem Maria ou então uma ordinária… Benditos trovadores! 
Ele – Pinga amor, eu?? Mas eu só te quero a ti, tu é que não me dás nem bola! 
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Ela – Homens! Armam-se em santos, mas no fundo… 
Ele – Como dizem os espanhóis, “Santo… ó más!”. San Tomás! O próximo figurão da nossa história. Lá 
vem o acetato. Deixa lá os amores para depois… 
 
 
 
 
 
 
 
Ele (em voz alta) – Eii.. eii. profe! Atão não deixa passar o acetato todo? 
Ela – Diz que não! Esta não percebi. Bom, o que é que ficou do Santo do Tomás? 
Ele – Portanto é este que adapta o Aristóteles às teses da Igreja, certo? 
Ela – Parece que sim. Também, o Aristóteles já não podia ser renegado para aquelas bibliotecas 
refundidas lá nos cantos mais secretos dos mosteiros, como no “Nome da Rosa”, do Umberto Eco… 
Ele – Grande filme… 
Ela – Grande livro, isso sim! O filme nem por isso… Mas, de facto, o contacto com os Árabes tinha 
tornado acessível o sábio grego, já não dava para negá-lo. Assim, S. Tomás de Aquino vai dizer que é 
possível usar a razão para conhecer o mundo natural (mas não Deus!), reintroduzindo assim a 
possibilidade de utilizar os sentidos na descoberta do mundo. 
Ele – Ou seja, abriu a caixa de Pandora! 
Ela – Bela imagem. De facto, não foi lá muito bem visto por alguns dos seus irmãos da Igreja. É que, 
apesar de ser um dos Doutores da Igreja – foi considerado aliás pai da Escolástica, que propõe uma 
transmissão dos saberes de forma autoritária… 
Ele - “Magister Dixit”. Vês, sei falar latim! 
Ela - … do mestre aos discípulos, o que lhe fez ganhar o estatuto de “alvo a abater” entre os novos 
cientistas e filósofos - também ficou associado, do ponto de vista da Igreja, ao afastamento da ortodoxia 
que impedia o uso livre da razão… os franciscanos não lhe perdoam a defesa de Aristóteles! 
Ele – Ouve lá, tu já falas como uma douta!!! Viste o tamanho dessa tua frase? Quando sair publicada nos 
“Manuscritos, Volume II”, até vou contar o nº de palavras! 
Ela – E digo-te mais: apesar das opiniões pouco favoráveis deste senhor relativamente às mulheres, que 
considerava só servirem para dar à luz e pouco mais, até lhe vou reconhecer o seguinte: tratou-se de um 
personagem charneira! 
Ele – Não, de facto isto está-te a fazer mal. Daqui a umas aulas, substituis o profe. De facto, o Dupont 
cada vez diz menos! No outro dia, nas práticas, chegou ao fim do trabalho apresentado por umas colegas 
(e muito bem!) e disse que, de aqui a umas aulas, já não precisamos dele. É um facto! Mas explica lá essa 
da charneira! Que raio é isso? 
Ela – Esta aprendi com um marceneiro, vê lá tu. A charneira, no caso das portas, é aquela peça que une a 
porta à parede. Ora o que eu quero dizer é que o S. Tomás está ali na passagem entre o velho mundo, 
representando a autoridade

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