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128 - TEORIA GERAL DAS NORMAS ANTIELlSIVAS Neste contexto, o efeito desta última diferenciação é o da possibilidade de desaplicação das normas específicas, mas não ocorre a possibilidade de de- saplicação das normas gerais. Como tópico coligado à ideia já apresentada de que as normas antielisivas são conceitos de Teoria Geral do Direito, a ideia de tradução e de comparação entre sistemas jurídicos foi empreendida, demonstrando que vários dos critérios atualmente adotados pelas cortes nacionais são formas indevidamente importa- das por estes usuários, pois não foram positivadas pelo sistema brasileiro. Obviamente tal aplicação de critérios de elisão alienígenas não se justifi- ca do ponto de vista jurídico, entretanto é empreendida pela constatação que forma de aplicação e estrutura da norma antielisiva é idêntica em todos os sistemas jurídicos. Neste sentido, como proposta de política legislativa, lembra-se que uma forma de evitar a elisão é estabelecer regras claras e caminhos específicos para gerenciar o sistema tributário, do que as presunções contidas nas regras anti- elisivas acabam por conferir uma padronização do sistema jurídico tributário, perfazendo com que as condutas dos participantes do sistema sejam homogê- neas, facilitando a fiscalização e ordenando as condutas dos contribuintes e sua previsibilidade para melhorar a eficiência da administração tributária. Por fim, uma distinção, também foi realizada entre a evasão e elisão tri- butárias, com a conclusão, assemelhada à clássica, de que a evasão possui so- mente o código ilícito (para o direito como um todo) e que a elisão possui dois códigos, o lícito para todo o sistema, e o ilícito para o direito tributário. Não se olvida que, em ambos os casos, o aspecto temporal não é critério de distinção, já que tanto a elisão podem ocorrer antes como depois do fato jurídico tributário. Em outro giro, a conduta elisiva não é ilícita para o direito civil, pois não pressupõe quaisquer das formas vedadas do direito civil, mas não há a sua recepção/validação pelo sistema tributário, para a qual a comunicação emite um código ilícito, se não atendidos os outros requisitos. ....• A Ponderação de Princípios no Direito Tributário Juraci Mourão Lopes Filho Doutor~ndo em Dirúto Constitucional pela UMFOR. Mestre em Direito ConstItucional pela UFG. Prc!fissor - Graduação e Pós-Graduação _ da Faculdade Christus. Procurador do MuniCípio de Fortaleza. Advogado. JURACIMouRÃo LOPESFILHO - 131 o estudo dos princípios jurídicos vem passando nos últimos anos por rofundas mudanças devidas aos novos aportes teóricos de autores como ~obert Alexy e Ronald Dworkin, além de decisões de cortes constitucionais europeias, em especial da Alemanha. Relevante instituto dessa nova perspectiva é a ponderação. Seu uso é cada vez mais difundido. Vem se tornando comum ouvir que não existem direitos absolutos, já que todos poderiam ceder diante de uma proporcionalidade com outros de igual relevância. Contudo, é preciso que o uso da ponderação guarde correlação lógica com o modelo teórico de que é fruto, a fim de evitar um sincre- tismo metodológico pernicioso para a eficácia de disposições mais relevantes do sistema jurídico. Conquanto no Direito Tributário essa mudança de paradigma principiológico ainda não possua a mesma ênfase de outros ramos, é importante expor como pode se dar nele o uso da ponderação. Assim, exporemos quais as mais relevantes consequências de uma distinção entre regras e princípios, bem como se dá o enquadramento dos clássicos princípios tributários da tradição brasileira nessa nova classificação. Em seguida, trataremos sobre os modos de ponderação existentes nesse novo modelo, para, então, expor quais são as espécies possíveis de serem operadas no Direito Tributário e o controle que pode ser feito sobre tal ponderação. Certamente o tema é instigante e complexo, daí porque nossa pretensão não é exauri-lo, mas apenas apresentar seus contornos fundamentais e lançar luzes sobre os pontos que reputamos mais relevantes. 1. Os PRINCíPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS A nova perspectiva jurídica que compreende uma distinção entre regras e princípios já é bastante conhecida na doutrina! e indica que princípios são mandados de otirnização a serem observados e cumpridos na medida do que for fática e juridicamente possível, enquanto as regras trazem juízos definiti- vos, mediante a descrição de uma hipótese fática e atribuição de uma conse- =========------------------ ~r. A~EXY, Robert. Teoria dos Direitos Fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São ulo. Malhelros, 2008. SILVA, Virílio Afonso. Direitos Fundamentais: Conteúdo essencial, restrições e eficácia. São Paulo: Malheiros, 2009. ÁVILA, Humberto. Teoria dos Princípios: da Definição à aplicação dos princípios jurídicos. 5" ed. São Paulo: Malheiros, 2006. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9' "n. S;;n P""I,..· Molho;'M ~nn,.. --~'------------------ l.j,l. - A t'ONlJEKAÇAO LJt t'KINLlPIUS NU UIKtlTU I KIBUTARIO quência segundo os modais de obrigatório proibido e permitido (H --+C). O critério distintivo, portanto, reside na estrutura lógica da norma: enquanto as regras possuem estrutura fechada, os princípios possuem estrutura aberta. Deve ser destacado que por norma não deve ser entendido o texto legis- lativo, mas o produto da interpretação/aplicação realizada a partir desses tex- tos, devendo, ainda, ser levado em conta os elementos contextuais. Assim, por via interpretativa é possível se chegar a um juízo deôntico aberto (princípio) ou fechado (regra). A norma não é um dado apriorístico imposto de maneira objetiva ao intérprete/aplicador. Virgílio Manso da Silva?bem expõe: "É ponto pacíficoque a distinção entre regras e princípios não é um distinçãoentre textos,masentre normas. Nesse sentido,portanto, não há grandesproblemasno fatode queo texto e seusoperadoresdeônticos não dêem indicação precisasobre o tipo de norma que surgirá de sua interpretação. É tarefa do intérprete definir se a norma, produto da interpretação, éuma regraou um princípio." Os princípios são aplicados por meio de regras, ou seja, do juízo aberto de um princípio é extraído um juízo fechado ao qual será subsumido o caso. É o que comumente se chama de concretização dos princípios, que, como se verá, implicará no uso de uma ponderação ad hoc. Essa regra fruto da concretização não demanda um texto legislativo in- tercalar, é inferida mediante a concretização do princípio. Assim, dizer que os princípios se aplicam por regras não significa que precise de uma posterior lei para veicular essa regra, mas que o juízo aberto do princípio se traduz em uma regra que será aplicada. Tudo é operado diretamente a partir do princípio. Com isso em mente, percebe-se que a subsunção não é excluída da apli- cação dos princípios, mas dependerá ela de uma concretização prévia. Exemplifiquemos para ficar mais claro. Do enunciado constitucional "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações" (art. 50, I, da Consti- tuição Federal), se obtém o princípio cuja enunciação pode se dar mais preci- samente da seguinte maneira: "sempre que for fática e juridicamente possível, deve ser a obrigação de homens e mulheres serem tratados igualmente, na medida dessa desigualdade". Como se vê, não se tem a descrição dos fatoS 2 SILVA, Virgílio Afonso. Direitos Fundamentais: Conteúdo essencial, restrições e eficácia. São •..••. 1_. L4 ..•.lhnirnc: ?onq. o. 57. JURAC/ MOURÃo lOPES FILHO _ 133 obre os quais incidirá o princípio, nem a específica consequência. Contudo, s difcerentes situações fáticas possíveis, extrai-se, desse juízo aberto, umanas re a para ser aplicada ao caso concreto, por exemplo: "dado o fato de o legis-b:;' cá", um tributo por lei, deve se, a pmibição de estabelece.- aliquotas diferentes entre homens e mulheres". O momento de criação de umtributo é uma situação em que é fática e juridicamente possível realizar o princípio constitucional da igualdade. Outro: "dado o fato de um professor corrigir as provas de seus alunos, deve ser a proibição de atribuir notas distintas em fim- ção do sexo do respectivo aluno". São inúmeras as regras que podem ser obti- das a partir da concretização do princípio, daí porque se fala de uma estrutura aberta, sem juízo definitivo. Tais regras não precisam vir expressas em um enunciado legal, pois, repita-se, são a concretização direta do princípio cons- titucional em cada um dos casos citados (criação de um tributo e correção de provas por um professor). Essa concretização (tradução de princípio em regra) também pode ser feita pelo Legislativo que inserirá em um texto legal seu produto. Neste caso, o intérprete/aplicador desse enunciado legallabora sobre regra fruto de uma ponderação abstrata já realizada pelo legislador. É possível ilusrrar a opemção, tanto do legislado, quanto do inté'P,ete/ aplicador da seguinte forma: Texto + Contexto 1 Norma (rega ou princípio) I \ Princípio "O"""i~çãoJ1 regra', regra", regra''' ...(aplicáveis ao caso por subsunção) Regra (aplicável ao caso por subsunção) ;"1\1 1\ 134 - A PONDERAÇÃO DE PRINC!PIOSNO DIREITO TRIBUTÁRIO Essa forma de compreender a distinção entre regras e princípios deriva necessariamente da perspectiva teórica da chamada Teoria dos Princípios, mais precisamente do modelo proposto por Robert Alexy. Acontece que, na tradição jurídica brasileira, o que se entende por princí- pio não é defmido pela estrutura lógica da norma, como propõe Alexy, mas sim por seu grau de importância para a ordem jurídica ou para determinado ramo do Direito, independentemente de sua estrutura, se aberta ou fechada. É essa a perspectiva de Roque Antônio Carraza' quando escreve que "princípio é o co- meço, alicerce, ponto de partida. Pressupõe, sempre, a figura de um patamar privilegiado, que torna mais fácil a compreensão ou a demonstração de algo. N esta medida, é, ainda, a pedra angular de qualquer sistema". É nesse sentido que se alude aos princípios da legalidade tributária, da vedação de retroatividade da lei tributária e a outros, que, na perspectiva de Alexy, são regras, porque não se traduzem em mandados de otimização a serem observados quando fática e juridicamente possíveis, mas sim em juí- zos definitivos. A legalidade tributária, por exemplo, se traduz no seguinte enunciado: "dada a inexistência de prévia cominação legal, deve ser a proibição de cobran- ça do tributo". Não é demandada uma concretização da hipótese de incidên- cia e da consequência normativa de um princípio, elas são decorrência direta da interpretação realizada a partir do enunciado normativo. É com isso em mente que podemos destacar que muitos dos clássicos princípios constitucionais da ordem tributária são, na nova perspectiva de Teoria dos Princípios, em verdade, regras. São apontados como direitos fundamentais dos contribuintes e, portan- to, princípios do Direito Tributário a legalidade, a anterioridade, igualdade, capacidade contributiva, vedação de confisco, liberdade de tráfego e compe- tência". Com exceção da igualdade e da capacidade contributiva, todos OS demais são regras. Outros clássicos direitos do contribuinte são regras, como a inviolabili- dade do sigilo fiscal, a não cumulatividade, as imunidades, entre outros. 3 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 25' ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 42. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 14' ed. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 29/35. 4 JURACI MouRÃo LOPESFILHO - 135 Não é de se estranhar a proeminência de regras entre as normas mais e1evantes do Direito Tributário, pois este ramo do Direito busca uma maior r ça J'urídica e previsibilidade das relações que disciplina, o que é maisseguran _. " bem satisfeito por regras e nao por pnnClplOs. Com efeito, a estrutura da regra garante uma maior previsibilidade das consequências dos atos praticados, pois prescinde da concretização. Entretanto, essa segurança não pode chegar ao extremo de considerar uma invariabilidade absoluta da regra, porquanto para se chegar a ela é necessária toda a etapa prévia de interpretação do enunciado normativo em função do contexto que demandará uma ponderação de definição (definitional balacing), como se verá adiante. Essa clara colocação da questão é importante para evitar o enfraqueci- mento do Sistema Constitucional Tributário mediante o sincretismo meto- dológico denunciado por Virgílio Afonso da Silvas, especialmente mediante o uso da ponderação ad boc em situações em que não incorrem princípios (no sentido de mandado de otimização). É muito comum encontrar na doutrina indicação de que os direitos fundamentais (entre eles, naturalmente, os direitos fundamentais dos contribuintes) não são, nenhum deles, absolutos porque veiculados exclusivamente por normas princípios. Contudo, nem todo direito fundamental tem estrutura lógica de princípio, pois nem todos são mandados de otimização. É o caso, como se viu, da legalidade tributária e de vários outros princípios constitucionais da ordem tributária que têm estrutura de regra. Como dito, se tradicionalmente esses direitos fundamentais são conhe- cidos como princípios é porque o termo em tal hipótese tem outro referencial ~et~dológico que o liga à ideia de norma fundamental de um sistema, o que nao Implica necessariamente que deva ter a estrutura de mandado de otimiza- ção (princípio no sentido utilizado por Robert Alexy). A afirmação de que todo direito fundamental é relativo e se submete a uma ponderação ad hoc não é verdadeira, pois esta, por definição, somente p~~e ser utilizada quando há conflito de princípios (mandados de otimiza- fun , o que nem sempre ocorre, porque não faz parte da definição de direito ndamental 1 . ul . "ser e e vere ado por pnnclplO e não por regra. ~ 5 ~~LV:,Luiz Virgílio Afonso da. Princípios e regras:mitos e equívocos acerca de uma distinçã~. . eVlsta Latino·Americana de Estudos Constitucionais. Número 1, janeiro/junho de 2003. er III.. I I JURACI MouRÃo LOPESFILHO - 137 136 _A PONDERAÇÃO DE PRINCfplOS NO DIREITO TRIBUTÁRIO De fato, como muito bem indica Gregório Robles", a fundamentalidade de um direito não decorre da estrutura lógica da norma que o veicula, mas sim de seu conteúdo específico (pauta ético-jurídica em cuja essência se encontra a dignidade da pessoa humana), aliada ao fato de estar no topo de hierarquia norrnativa (na Constituição) e de possuir uma garantia diversa das que possuem outros direitos. O que define um direito como fundamental são três elementos (dois formais e um material) e nenhum deles traz a indicação de que deva ser prescrito por norma com estrutura de princípio. Contudo, não é de todo afastado o uso da ponderação de princípios no Direito Tributário. Para que essa nossa afirmação seja mais bem detalhada, é necessária uma análise mais detida da ponderação. ços da retórica ponderativa, porquanto o processo de balanceamento é empregado como um passo anterior à fixação dos contornos de certas categorias constitucionais." O difinitional balacing utilizado como um instrumento hermenêutico atua, portanto, no processo de construção da norma, determinando seus con- tornOSiniciais. Marcelo Lima Guerra possui entendimento análogo", Nesse âmbito, o intérprete considera preponderantemente elementos abstratos e hipotéticos, projeta situações futuras de aplicação, antevê que prin- cípios podem ser implicados na espécie e busca, em função disso, definir o possível alcance dos termos dos enunciados normativos. Ademais, o caso con- creto fornece elementos novos não imaginados no plano abstrato que são úteis para definir o âmbito de proteção da norma. Daí se falar, adicionalmente, em uma ponderação abstratae outra concreta. No direito constitucional, a ponderação delineadora é utilizada, por exem- plo, para definir o que é casa para fins de determinação do alcance da prescrição de que a "casa é asilo inviolável". Para determinar o âmbito de proteção desse direito fundamental, é necessário considerar princípios que concorram ou se choquem. No plano eminentemente abstrato, é possível se antever a concorrên- cia com os valores da segurança e o interesse da investigação criminal, sem pre- juízo de modificações e contribuições posteriores do caso concreto que pode fazer chocar ou concorrer outros princípios não antecipados numa análise abs- trata. Tudo para definir o âmbito de proteção da norma. A partir de uma análise contrabalanceada desses valores concorrentes, chega-se a uma definição de casa, a qual, entretanto, não será definitiva e imutável diante de verificação de uma situação nova diante de um caso concreto. Ao lado do dejinitional balancing há a ponderação ad hoc,modalidade mais conhecida, 'tanto que chamada de ponderação em sentido estrito ou ponderação propriamente dita. Ela é operada no plano majoritariamente de aplicação da nor.majá delineada. É critério para definir que princípio (ou melhor, que regra denvada do princípio) deve prevalecer no caso. Não há que se confundir essas duas modalidades ponderativas. Nesse sentido, Jane Reis Gonçalves Pereira": 2. As MODALIDADES DE PONDERAÇÃO A ponderação, também denominada de balanceamento ou sopesamento, consiste numa avaliação contrabalanceada entre princípios que concorrem ou se chocam em um determinada situação de interpretação/aplicação a fim de decidir qual deve prevalecer nas circunstâncias. Robert Alexy compreende a ponderação como a proporcionalidade em sentido estrito, último estágio da proporcionalidade, exercitável depois da adequação e da essencialidade. É tra- duzido no dever de quanto maior for a interferência em um princípio, maior deve ser a importância em se realizar outro. É comum se tentar apartar ponderação e interpretação, mas não vemos como realizar tal tarefa plenamente, sobretudo porque é possível se verificar, num plano ideal, uma ponderação que opere no campo preponderantemente interpretativo (difinitional balacing) e outra no âmbito eminentemente de aplicação (ponderação ad boc). É precisa a lição de Jane Reis Gonçalves Pereira, conquanto defenda a autora a diferença entre ponderação e interpretação': "Em certos casos, a idéia de contrapeso é utilizada para demarcar o alcan- ce de conceitos e fórmulas constitucionais de forma abstrata. Nessa mo- . dalidade hermenêutica, fundem-se elementos da categorização com tra- ~~~~~~== 8 ~I~;~RA, Mar~elo lima. A proporcional idade em sentido estrito e a fórmula do pesode Robert C y. slgnlflcancla e alguma implicações. In: Revista da Procuradoria Ceral do Estado do RIOiz: do Sul, v. 31, n° 65, janeiro/junho de 2007,27/41. id. p. 270. 6 ROBLES,Cregório. Los Oerechos Fundamentales y La ética em La sociedad actual. Madrid: Editorial Civitas, 1992. PEREIRA,jane Reis. Interpretação constitucional e direitos fundamentais. Rio de Janeiro: Ren o ' •. __ "'11"\"'1: •..• 'lca 9 7 138 - A PONDERAÇÃO DE PRINC[PIOSNO DIREITO TRIBUTÁRIO "Fica claro, assim, que é preciso apartar conceitualmente a ponderação em sentido estrito - que os norte-americanos chamam de ponderação ad hoc - da ponderação delineadora ou definitória. Isso não significa, contudo, menosprezar o papel desse critério como instrumento eficien- te para muitos casos de interpretação dos direitos. A estratégia interpretativa consiste em estabelecer soluções abstratas para solucio- nar casos futuros, em diversas hipóteses, ostentando, ainda, a vantagem de evitar a necessidade de ponderações posteriores." A ponderação delineadora também é um modo de ponderação. A gran- de diferença é que o dejinitional balancing se presta a definir o alcance da norma (regra ou princípio), enquanto a ponderação ad hoc se volta para a não aplicação de um princípio em um caso que, a priori, seria aplicável, isto por força do maior peso de outro princípio. Nesta última, não se trata de buscar o âmbito de proteção dos princípios aplicáveis. Este já está definido. Trata-se de se determinar qual deve prevalecer no caso, a qual regra (derivada de que princípio) deverá o fato ser subsumido. Podemos ilustrar as duas formas de ponderação pelo seguinte quadro: Regra A Texto 1 + Contexto 1 Texto 2 + Contexto 11(de[intional balacing) Norma A 1(de[intional balacing) Norma B I \ I \ Princípio A 1'''"''·'''''01 regra' •• • 1 (choque) (ponderação ad hoc) Regra derivada do princípio prevalecente (regra' ou regra") Princípio B 1,,,",,",""01 regra" Regra B JURACI MouRÃo LOPESFILHO - 139 Como se disse, o legislador também realiza ambas as ponderações quan- do da criação de uma lei, a qual conterá o produto das ponderações feitas por 1 De fato a tarefa do Legislativo é, precisamente, emitir leis e outros atose e. , normativos que harmonizem os vários princípios que convirjam em situações padrões de aplicação antevistas por ele. Precisamente por ser a lei o produto de uma ponderação, ela poderá ter sua constitucionalidade controlada por esse mesmo critério, abrindo-se, en- tão, para o Judiciário, um novo modo de julgar a atividade legislativa, além da simples incompatibilidade vertical entre a lei e a Constituição. Por toda a descrição feita até aqui, percebe-se que a ponderação ad boc somente se realiza diante de princípio. Não pode haver ponderação ad hoc de regras constitucionais. A própria definição de regra como mandato definitivo impende a aplicação gradual própria da atividade ponderativa. Em sendo a regra constitucional válida e eficaz, ela incide na verificação dos fatos que compõem sua hipótese de incidência. Em se tratando de regra infraconstitucional, derivada de princípios cons- titucionais ponderados pelo legislador, ainda é possível o intérprete/aplicador julgar a ponderação legislativa mediante uma análise direta dos princípios constitucionais, fazendo, ele mesmo, uma nova ponderação segundo as cir- cunstâncias do caso concreto. Em tal situação, é possível que a regra infra- constitucional deixe de ser aplicável ao caso concreto por inconstitucionalidade, sem prejuízo de sua válida aplicação em outras situações futuras em que a ponderação legislativa se mostre válida. Mas não se trata de ponderar direta- mente a regra legislativa, mas julgar sua constitucionalidade, ou, mais precisa- mente, a constitucionalidade da ponderação legislativa de que ela é fruto. Destaque-se que essa não aplicação da regra legal por força de uma ponderação ad hoc direta dos princípios constitucionais somente é permiti- da pelo Controle concreto de constitucionalidade que autoriza uma pende- :a ção . sU~stitutiva. Mas isso é impossível de Ocorrer em se tratando de regra onstItuclOnal, pois não há um princípio que lhe seja superior e que autori- ze u~ Controle de validade vertical. Nem mesmo se pode falar que a regra constItu' al . _ '. . su . ClOn seja produto de uma ponderaçao de principros que lhe são d penores. Portanto, regras constitucionais não podem deixar de ser aplica-as pOr fi d orça e uma ponderação ad hoc. 140 - A I-'ONDERAÇAO DE I-'RINClPIOS NO UIREITO I RIBUTARIO 3. As MODALIDADES DE PONDERAÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO Conquanto o Direito Tributário não tenha incorporado a nova Teoria dos Princípios com a mesma profundidade de outros ramos, conforme nos alerta Humberto Ávila'", é muito comum se referir à proporcionalidade como critério de controle da atividade tributária do Estado. Em sede jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal possui firme precedente": "TRIBUTAÇÃO E OFENSA AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. _O Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatalacha-se essencialmente condi- cionada pelo princípio da rawabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. _O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parârnetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. _ A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (oude inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe,nos termos da própria Carta Política,de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrawáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado." Por essa decisão, percebe-se o primeiro uso importante da proporcionali- dadelponderação no Direito Tributário, qual seja, para controle do balancea- mento de direitos feito pelo Legislador. Aqui é perfeitamente válida a ideia de ponderação como proporcionalidade em sentido estrito de Alexy: o direito de 10 ÁVILA, Humberto.A teoria dos princípios e o Direito Tributário. In: Revista Dia/ética de Direito Tributário. n? 125, fevereiro de 2006, p. 33/49. 11 AOI 2.551-M-QO, ReI. Min. Celsode Mello, julgamento em 2-4-03, DJ de 20-4-06 JURACI MOURAO LOPES FILHO -141 .edade de um contribuinte somente dever ser restringido na exata medida propn . . . _ " da satisfação de outros direitos, A restrição exagerada e passível de controle de constitucionalidade que poderá julgar desproporcional a ponderação de princí- pios subjacente à norma legislativa. A atividade do legislador de criação de tributos e multas implica, inega- velmente, em uma ponderação de vários princípios. Comumente, se tem de um lado capacidade contributiva, isonomia, propriedade e, do outro, os prin- cípios que prescrevem direitos sociais (os quais impõem atividade positiva do Estado que demanda recursos). Sempre se deverá ter em mente que a tributa- ção e a punição não possuem fim em si mesmo, mas sim realizar a tarefa estatal que pode de maneira geral ser descrita pelos fins do art. 3° da Consti- tuição Federal e, mais precisamente, pela satisfação, fomento e realização dos demais direitos fundamentais, em especial os sociais. Portanto, o Judiciário pode averiguar a ponderação legislativa subja- cente para julgar a constitucionalidade da norma legal. Eis um ponto rele- vante, pois essa averiguação não se restringe a um julgamento de mera incompatibilidade vertical e definitiva de uma norma legal com a constitui- ção, nem se trata apenas da análise abstrata (segundo perspectiva padroniza- da e genérica) da proporcionalidade. Permite, também, um julgamento numa perspectiva concreta, se valendo de dados fáticos adicionais não contempla- dos no plano abstrato para demonstrar a inconstitucionalidade da aplicação da norma à situação específica. Em outras palavras: o caso concreto poderá fornecer elementos novos, não antecipados num plano abstrato pelo legislador, que alterarão o sopesa- mento dos princípios envolvidos, demandando aplicação de regra diversa in- ferida diretamente dos princípios constitucionais e não a regra legislativa, :uastada por inconstitucional, ao menos naquele caso. Essa é uma constatação Importante, pois, no Brasil, diferentemente do que ocorre em outros países em que o controle de constitucionalidade é abstrato e concentrado, ao juiz é da~o o poder de julgar a ponderação previamente inserida em um enunciado l~gtslativo, autorizando uma permanente utilização da ponderação de princí- pIOSque concorrem no caso. Nem sempre é possível o Legislativo antever os elementos do contex- to fátic d l' - " . . - . 1 o e ap Icaçao dos pnncIplOs. Mesmo a determinação de quaIs de- es pode . . m VIr a entrar em choque é impossível de ser exaunda em uma atu - açao abstrata. Assim, pode o Judiciário verificar dados factuais que es.- 142 - A PONDERAÇÃO DE PRINC[PIOS NO DIREITO TRIBUTÁRIO tão diante de si e que não foram levados em conta pelo legislador ao reali- zar a ponderação abstrata inserida na lei. Em tais situações, ele pode dei- xar de aplicar a lei àquele caso concreto para fazer prevalecer uma solução específica gerada em função de uma nova ponderação, desta vez fruto do caso concreto. Deve ser advertido, porém, que aqueles "princípios constitucionais tri- butários" (no sentido de normas nucleares do Sistema Tributário Nacional) que têm estrutura de regras não podem entrar nessa ponderação legislativa ou judicial pelas razões já expostas. Legalidade, vedação de confisco, anteriorida- de, competência, entre outros, não podem ser ponderados, embora a definição de seus alcances demande a categorização (dejinitional balancing). A legalidade desempenha papel fundamental no sistema tributário, es- pecialmente porque veiculada por regra. Uma ponderação substitutiva feita pelo intérprete/aplicador jamais poderá ensejar aumento e instituição de tri- buto, sendo tal proibição inviável de ser ponderada. Assim, embora seja válida uma ponderação ad hoc direta dos princípios constitucionais para controle da legalidade da regra legislativa, ela jamais poderá substituir o papel do legisla- dor reservado pela legalidade. São nesses termos gerais que deve ser compreendida a ponderação ad hoc no Direito Tributário. Por sua vez, a ponderação delineadora tem ampla aplicação da definição dos fatos tributáveis trazidos pela Constituição Federal. Com efeito, definir o que seja renda, circulação de mercadoria ou propriedade territorial urbana, por exemplo, envolve uma análise ponderativa de vários princípios não só tri- butários, como também de outros domínios constitucionais, como da Ordem Econômica. Essa atividade demanda consideração de questões não só de di- reito' mas também de fato, autorizando a incorporação do aspecto econômico dos mesmos. Isso evidencia que a análise econômica do Direito Tributário, em alguma medida, não é uma postura ideológica de como enfrentar a interpretação dos institutos jurídicos, mas uma consequência inexorável do modo de ser do próprio Direito Tributário. Ao se ter em mente o papel da ponderação delineadora na determinação do alcance desses termos, evita-se a ilusão de acreditar que os fatos tributáveis trazidos pela Constituição como limites impositivos do Fisco e critério para JURACI MOURÃo LOPES FILHO _ 143 tl'ção das competências dos entes federativos sejam dados acabados erepar . A'_ imutáveis. Nesse âmbito herrnenêutico, nao se pode falar de certeza ou imu- tabilidade quanto ao significado. 4. CONCLUSÃO o uso da ponderação no Direito Tributário deve guardar coerência lógi- ca com a Teoria dos Princípios de que é fruto. Esse uso adequado e coerente das modalidades existentes garante maior eficácia das disposições do Sistema Tributário Nacional. A ponderação ad hoc autoriza um controle mais amplo da constitucionalidade das normas tributárias e a ponderação delineadora de- sempenha papel de incomensurável relevância na definição do alcance dos fatos tributáveis. Muitos dos classicamente denominados princípios constitu- cionais tributários possuem, nessa nova perspectiva, estrutura de regras, insus- cetíveis, então, de uma ponderação ad hoc, mas possíveis de serem submetidos a uma categorização no plano hermenêutico.
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