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Habigzang & Caminha (2004). Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica. São Paulo: Casa do Psicólogo.

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Agradecimentos
Agradeço à minha família, pelo apoio e pela credibilidade em meu projeto profissional, especialmente à minha mãe, 
pelo amor e dedicação com que acompanha minha caminhada.
Também agradeço aos professores Sílvia Helena Koller e 
Christian Haag Kristensen, pelo incentivo e pelas contribuições que 
qualificaram este trabalho.
Finalmente, agradeço às meninas que participaram deste estudo. 
A convivência com elas provocou mudanças profundas em minha 
vida. Obrigada pela confiança, por revelarem seus segredos e 
compartilharem comigo momentos tão delicados de suas vidas. Vocês 
foram grandes “mestres” na minha formação!
Luís a F Habigzang
Sumário
Apresentação....................................................................................9
Prefácio........................................................................................... 13
Introdução......................................................................................15
Parte I - Conceituando o abuso sexual na
INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA
Definições e dinâmica do abuso sexual....................................... 19
Dados epidemiológicos...................................................................37
Consequências do abuso sexual para crianças e
ADOLESCENTES..................................................................................................... 45
A ÉTICA E A interdisciplinaridade: aspectos
fundamentais para a intervenção............................................... 61
Modalidades terapêuticas e questões clínicas..........................69
Terapia cognitivo-comportamental em abuso
SEXUAL INFANTIL ................................................................................................ 81
Parte II - Intervindo em abuso sexual na
INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA.................................................... 91
Avaliação e intervenção clínica: um relato de
EXPERIÊNCIA.......................................................................................................... 93
A intervenção.......................................................................... 93
Avaliação diagnostica individual...................................... 94
Grupoterapia cognitivo-comportamental...........................96
Reavaliação diagnostica individual................................... 98
8 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
Parte HI - Analisando a intervenção em abuso
SEXUAL NA INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA....................99
Resultados da intervenção....................................................... 101
Resultados da avaliação diagnóstica individual................... 101
Grupoterapia......................................................................... 111
Resultados da reavaliação diagnóstica.................................. 140
Discussão dos resultados...........................................................144
Parte IV - Considerações finais............................................. 149
Considerações finais................................................................... 151
Referências bibliográficas.........................................................155
Anexos............................................................................................165
Anexo A.......................................................................... 167
Anexo B...........................................................................169
Anexo C.......................................................................... 173
Apresentação
Psicólogos e profissionais que trabalham com crianças, adolescentes e famílias têm se interessado, cada vez mais, 
pela interação no ambiente doméstico, considerada um dos aspectos 
mais proeminentes do desenvolvimento humano. A família tem sido, 
repetidamente, apontada como o contexto mais íntimo de proteção 
ao ser humano, oferecendo relações constantes e estáveis de 
reciprocidade, coesão e hierarquia de poder saudável. No entanto, 
nem sempre esta é a realidade. Alguns ambientes domésticos têm 
sido palco de marcantes, freqüentes e severas vivências de dor e de 
exposição ao risco, geradas por inúmeros e variados fatores, que 
roubam da família a sua condição de ninho de amor e cuidado de 
seus integrantes. Entre esses fatores aparece o abuso sexual 
intrafamiliar, que interrompe um processo de desenvolvimento do 
prazer e da fantasia infantil e lança a criança em uma seqüência de 
eventos de dor. O prazer da ingênua sexualidade infantil contrapõe- 
se à dor impetrada pelo abuso. A fantasia dos contos de fadas é jogada 
brutalmente na realidade de atos sexualizados, os quais a criança não 
tem condição de compreender. Nesse cenário de violência, a criança 
e a família são vítimas e testemunhas do evento não natural da 
violência sexual.
Pesquisadores desejam realizar estudos que tenham impacto e 
relevância social, a fim de provocar a redução das conseqüências 
negativas do abuso e ampliar os efeitos positivos das relações 
familiares nesse contexto ecológico. A pesquisa tem caminhado de
10 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
mãos dadas com a ação clínica, influenciando mais do que apenas o 
microssistema familiar e colaborando com políticas públicas. Tais 
ações integradas precisam, cada vez mais, nos dias atuais, concei- 
tualizar e estabelecer seu conhecimento, traduzindo-o em aplicações 
sociais e programas de intervenção na família e na comunidade.
Este livro apresenta um dos mais recentes e importantes produtos 
da integração entre ação clínica, pesquisa, intervenção e responsa­
bilidade política, revelando aos leitores a descrição detalhada do 
processo de aplicação dos preceitos da terapia cognitivo-compor- 
tamental em casos de abuso sexual infantil. Na primeira parte, os 
autores apresentam definições e a dinâmica do abuso sexual, 
enfatizando dados epidemiológicos e as conseqüências do fenômeno 
no ciclo vital de crianças e adolescentes. Para melhor entendimento 
dos leitores, descrevem, ainda, modalidades terapêuticas e questões 
clínicas relacionadas ao problema. Como é esperado de profissionais 
que trabalham com esse problema de saúde pública, os aspectos éticos 
e a interdisciplinaridade são enfatizados, considerados fundamentais 
para a intervenção.
A Parte II descreve a intervenção propriamente dita, tendo por 
base os preceitos conceituais da Parte I e salientando a importância 
de integrá-los à ação clínica. Os autores apresentam um processo 
cuidadoso de avaliação e reavaliação dos casos de abuso sexual infantil 
acompanhados; a intervenção é descrita em detalhes, especialmente 
com relação à técnica desenvolvida, denominada grupoterapia 
cognitivo-comportamental. Na Parte III, são analisadas e discutidas 
a avaliação e a intervenção em abuso sexual realizada por eles, 
evidenciando ao leitor, além da competente abordagem, a isenção 
profissional apropriada e a atitude científica.
O leitor pode se considerar privilegiado, pois está exposto a um 
conteúdo provocante, que gera reflexão e a possibilidade de aperfei­
çoamento de suas práticas. Além disso, o livro permite a leitura de 
um estudo que elabora e constrói uma intervenção com validade 
ecológica, baseada na realidade de crianças brasileiras. Estudos como
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 11
este não devem ser meramente “transplantados” para a realidade atual, 
na qual os protagonistas, o contexto e as relações interpessoais são 
substituídos por entidades, que fazem parte da experiência diária das 
famílias brasileiras.
O abuso sexual expõe crianças, adolescentes e famílias a uma 
luta diária por sobrevivência e segurança. O conhecimento profundo 
dessa realidade, de seus valores e de seu cotidiano deve ser um 
compromisso do profissional que se dedica a seu estudo. Habigzang 
e Caminha propiciamum caminho bastante promissor para alcançar 
tal conhecimento.
Profa. Dra. Sílvia Helena Koller 
Coordenadora do Centro de Estudos Psicológicos 
sobre Meninos e Meninas de Rua CEP-RUA 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Prefácio
O abuso sexual contra crianças e adolescentes é atualmente considerado um grave problema de saúde pública, tanto 
pela elevada prevalência do fenômeno, quanto pelo seu impacto 
deletério no indivíduo, nos familiares e na sociedade. Em particular, 
a vítima de abuso sexual com freqüência desenvolve sintomas em 
diferentes áreas, incluindo prejuízos cognitivos, emocionais, sociais 
e acadêmicos. Diante dessa realidade, grande esforço tem sido 
empregado ao longo das três últimas décadas na prevenção, na 
avaliação e nas intervenções terapêuticas junto à população. Apresente 
publicação de Luisa F. Habigzang e Renato M. Caminha pode ser 
contextualizada dentro desse empreendimento, visto que representa 
uma contribuição nacional relevante à área.
Entre os vários méritos da obra que o leitor agora tem em mãos, 
dois me parecem de especial destaque. Primeiro, para aquele que se 
inicia no estudo do abuso sexual, o livro resume e atualiza conceitos, 
dados epidemiológicos e algumas das principais conseqüências 
experienciadas pelas vítimas dessa forma particular de maus-tratos. 
Segundo, sistematiza a abordagem cognitivo-comportamental, com 
vítimas de abuso sexual, em suas diferentes etapas, incluindo a 
avaliação individual, a intervenção na forma de grupoterapia e a 
avaliação da eficácia da intervenção. Nessa sistematização, tanto o 
psicoterapeuta iniciante como o clínico experiente encontrarão 
elementos suficientes para estruturar o atendimento psicológico de 
crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.
14 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
Ao longo de mais de uma década, tenho o privilégio de acom­
panhar de maneira próxima a evolução teórica e o desenvolvimento 
clínico dos autores - boa parte disso ocorrendo na Universidade do 
Vale do Rio dos Sinos. Paralelamente, também assisti à produção 
brasileira em terapia cognitivo-comportamental crescer e atingir 
autonomia. Hoje, essa abordagem recebe suficiente apoio empírico 
para ser considerada como a psicoterapia eletiva nos casos de abuso 
sexual na infância e adolescência. Que Luísa e Renato contribuam 
para isso pela sistematização de sua experiência com grupoterapia é 
algo notável.
Prof. Ms. Christian Haag Kristensen 
Laboratório de Neurociências 
Universidade do Vale do Rio dos Sinos
Introdução
O abuso sexual contra crianças e adolescentes é compreen­dido atualmente como um grave problema de saúde 
pública. Estudos sobre epidemiologia, as conseqüências do abuso 
para o desenvolvimento e o tratamento têm sido desenvolvidos em 
diversos países. No Brasil, verifica-se um aumento de pesquisas acerca 
desse tema nas últimas décadas. No entanto, não se encontram muitos 
trabalhos, em nosso país, que apresentem a descrição e os resultados 
de intervenções terapêuticas para essa população clínica. O 
desenvolvimento de pesquisas na área pode contribuir para qualificar 
o funcionamento da rede de atendimento a crianças e a adolescentes 
vítimas de abuso sexual, que, no Brasil, ainda apresenta sérias 
dificuldades para desempenhar as políticas públicas definidas pelo 
Estatuto da Criança e do Adolescente.
O presente estudo é resultado da experiência clínica com crianças 
e adolescentes vítimas de abuso sexual, desenvolvida durante a 
graduação em Psicologia, tendo como principal objetivo apresentar 
um modelo de intervenção e os resultados obtidos. O estudo está 
dividido em quatro partes.
Na Parte I são abordadas a dinâmica do abuso sexual, a incidência 
epidemiológica dessa categoria de maus-tratos e suas conseqüências 
para o desenvolvimento de crianças e adolescentes. Também são 
apresentados aspectos relevantes para a intervenção clínica em vítimas 
de abuso sexual, como a ética e a interdisciplinaridade, e modalidades
16 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
terapêuticas para esses casos. Além disso, são introduzidos conceitos 
da terapia cognitivo-comportamental como método de intervenção 
que fundamenta a pesquisa.
Na Parte II é apresentado um relato de experiência clínica, no 
qual está descrita a metodologia de avaliação e intervenção para 
meninas vítimas de abuso sexual e os resultados obtidos. Essa 
metodologia foi desenvolvida e coordenada por Habigzang, sob 
orientação do Prof. Ms. Renato Caminha, durante o estágio profissio­
nal em Psicologia no Programa Interdisciplinar de Promoção e 
Atenção a Saúde (PIPAS). O PIPAS é um programa de extensão 
vinculado ao Centro de Ciências da Saúde da Universidade do Vale 
do Rio dos Sinos (Unisinos) que, entre outras atividades, presta 
atendimento psicológico à comunidade. A Parte III apresenta a 
avaliação dos resultados da intervenção. E a Parte IV traz as consi­
derações finais, articulando os aspectos teóricos e práticos abordados 
nos capítulos anteriores.
Conceituando o abuso sexual na
INFÂNCIA E NA ADOLESCÊNCIA
Definições e dinâmica do
ABUSO SEXUAL
A infância e a adolescência são etapas do ciclo vital nas quais o indivíduo desenvolve suas capacidades cognitivas, 
afetivas e físicas. Também se caracterizam como períodos importantes 
para a aprendizagem de habilidades sociais. Por essas razões, crianças 
e adolescentes são considerados sujeitos em condição peculiar de 
desenvolvimento, necessitando cuidados especiais que garantam sua 
proteção e o desenvolvimento de suas potencialidades. Nesse sentido, 
toda a sociedade e o poder público são responsáveis pela garantia 
dos direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes (Estatuto 
da Criança e do Adolescente, Lei Federal n° 8.069, 1990).
A família desempenha um papel de destaque nesse processo, 
uma vez que constitui o primeiro sistema no qual o ser humano em 
desenvolvimento interage. Brito e Koller (1999) salientam que a 
dinâmica do grupo familiar é muito poderosa no desenvolvimento 
da criança, sendo sua casa o ambiente em que desenvolverá quase 
todos os repertórios básicos de seu comportamento. O papel dos 
pais, além do provimento de bens, sustento dos filhos, educação 
informal e preparo à educação formal, consiste em transmitir valores 
culturais de diversas naturezas (religiosos, morais, tradicionais, 
acadêmicos).
No processo de socialização da criança, a família é um impor­
tante fator. Os pais influenciam o desenvolvimento do senso de 
cooperação e reciprocidade dos filhos, quando se mostram sensíveis
20 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
e responsivos às suas necessidades. Nessa perspectiva, o sentimento 
de pertencimento e a percepção de que é amada, fortalece a expectativa 
da criança de que suas necessidades serão atendidas, facilitando a 
busca de novos elos e de gratificação no seu ambiente de forma efetiva. 
Em situações de risco ou ameaça, o apoio recebido dos pais reduz a 
angústia da criança. As transações com os pais fortalecem o 
desenvolvimento de seus recursos internos para enfrentar com 
expectativa de sucesso as situações de risco (Brito & Koller, 1999).
Entretanto, nem sempre os pais ou cuidadores comportam-se 
dessa forma, e as situações de risco experienciadas pela criança 
ocorrem dentro de suas próprias casas. Isto se confirma pelas 
pesquisas, segundo as quais 80% das ocorrências de maus tratos contra 
crianças e adolescentes são perpetradas no ambiente doméstico 
(Oliveira & Flores, 1999; Pires, 1999). A violência intrafamiliar é 
um sério problema social, que, devido ao impacto negativo que 
acarreta ao desenvolvimento infantil, tem sido considerado um grave 
problema de saúde pública (Gonçalves & Ferreira, 2002; Polanczik,Zavaschi, Benetti, Zenker, Gammerman, 2003; Osofsky, 1995).
A compreensão de que os maus tratos contra crianças e 
adolescentes são um problema médico-social é recente entre os 
profissionais da saúde. Na década 40, nos Estados Unidos, o 
radiologista Caffey foi considerado “inadequado” pelos colegas de 
medicina por falar na Síndrome da Criança Espancada, e, somente 
nos anos 60, o pediatra Henry Kempe criou o termo Síndrome da 
Criança Maltratada, abrindo espaço para estudos dos abusos 
cometidos por adultos (Pires, 1999).
Nos últimos 20 anos, o abuso infantil tem se tomado um dos 
mais emergentes campos de pesquisa no que tange à infância e à 
adolescência, e em vários países existem programas em desen­
volvimento para estudo, prevenção e tratamento. No Brasil, verifica- 
se uma intensificação de pesquisas na área desde a publicação do 
Estatuto de Criança e do Adolescente em 1990 (Amazarray & Koller, 
1998; Zavaschi et al., 1991).
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 21
Os termos abuso ou maus-tratos contra crianças e adolescentes 
são utilizados para definir negligência, violência psicológica, física e 
sexual, de maneira repetitiva e intencional, perpetrado por um adulto 
ou alguém em estágio de desenvolvimento superior (idade, força 
física, posição social, condição econômica, inteligência, autoridade). 
O perpetrador utiliza-se do poder, da relação de confiança e/ou força 
física para colocar a criança e/ou adolescente em situações para as 
quais não possui condições maturacionais biológicas e psicológicas 
de enfrentamento (Ferreira & Schramm, 2000; Furniss, 1993; 
Grinblatt, Martins, Sattler, Caminha, Flores, 1994.
O abuso viola aquilo que caracteriza a infância: dependência, 
vulnerabilidade e inocência. O adulto explora o poder que tem sobre 
a criança e, ao fazê-lo, usa-a como mero meio para obtenção de seus 
próprios fins, infligindo o seu direito à autonomia (Ferreira & 
Schramm, 2000). A violência intrafamiliar origina-se de relações 
interpessoais hierarquicamente assimétricas, marcadas por desi­
gualdade e subordinação no contexto familiar (Koller, 1999).
De Antoni e Koller (2000) verificaram a assimetria das relações 
intrafamiliares em um estudo com meninas vítimas de violência 
intrafamiliar. O trabalho objetivava investigar percepções e expecta­
tivas das vítimas com relação à família. Participaram doze adoles­
centes com idade entre doze e dezessete anos, que estavam institu­
cionalizadas por medidas de proteção, devido a maus tratos sofridos 
em casa. A coleta de dados foi realizada por meio de grupos focais: a 
moderadora introduzia temas relacionados à família e as adolescentes 
eram convidadas a problematizá-los. As histórias de vida familiar 
relatadas pelas meninas são marcadas pela falta de diálogo, de 
confiança e pela passividade diante da agressão. Vários fatores de 
risco foram identificados nessas famílias: instabilidade econômica e 
afetiva, dificuldade em buscar soluções efetivas para seus problemas 
e ausência de definição e valorização dos papéis familiares. Além 
disso, as meninas relataram: sentimento de não-pertencimento e de 
desvalorização no grupo familiar, baixa qualidade das interações,
22 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
falta de estruturação de um sistema de apoio, regras pouco ou não 
definidas, apoio emocional precário ou inexistente, e auto-estima 
baixa. O ambiente familiar dessas garotas, além conter o risco de 
violência que determinou o afastamento delas de casa, era pouco 
sadio e propício para a organização e execução de um projeto de 
vida. A violência em si era atribuída ao autoritarismo dos pais ou 
responsáveis, que acreditavam ter a posse delas e que elas mereciam 
ser punidas e culpadas pelos acontecimentos, muito mais do que 
protegidas.
O fenômeno da violência doméstica atinge meninas e meninos 
de todas as idades, em todos os grupos étnicos e em todos os níveis 
socioeconômicos (Kaplan & Sadock, 1997). Os fatores de risco 
identificados no relato das meninas com famílias abusivas estudadas 
por De Antoni e Koller (2000) aparecem entre as variáveis mapeadas 
por Gomes, Deslasdes e colaboradores (2002). Através de uma 
pesquisa bibliográfica, que consultou artigos publicados na década 
de 90 em revistas nacionais representativas de Pediatria, Gomes, 
Deslasdes e colaboradores mapearam as principais explicações 
apontadas pela literatura especializada sobre a questão da violência 
intrafamiliar. Foram analisados catorze trabalhos que apontaram três 
principais fatores como desencadeadores e mantenedores desse 
problema.
A primeira explicação, e a mais recorrente, refere-se à reprodução 
das experiências de violência familiar vividas durante a infância, 
contribuindo para que se perpetuem os maus-tratos. Nessa lógica, 
muitas crianças vítimas de maus-tratos se tomam adultos agressores. 
O fenômeno, chamado de multigeracionalidade, é compreendido 
como um ciclo de violência que acompanha a família de geração em 
geração. Uma pesquisa realizada com 8.145 famílias corrobora essa 
perspectiva (Straus & Smith, 1995, citado por Gomes, Deslasdes e 
cols., 2002): os pais que sofreram violência quando crianças apresenta­
vam um índice de agressão contra os filhos duas vezes maior do que 
os que não foram vítimas de violência. Contudo, Gomes, Deslasdes
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 23
e colaboradores ressaltam que essa questão deve ser entendida como 
uma probabilidade, uma maior vulnerabilidade, mas não como uma 
lei inexorável.
Uma segunda razão para existência de crianças maltratadas 
associa-se à idéia da violência como produto de desajustes familiares 
e psíquicos e do alcoolismo. Um estudo realizado com 103 vítimas 
apontou os distúrbios de comportamento do agressor (31,06%), a 
desagregação familiar (21,97%) e o alcoolismo do agressor (17,42%) 
como os três principais fatores desencadeantes da violência (Cariola, 
1995, citado por Gomes, Deslasdes et al., 2002).
A terceira explicação encontrada abrange a ordem macroestru- 
tural, traduzida por aspectos sociais, econômicos e culturais - como 
a desigualdade, a dominação de gênero e de gerações. O estudo já 
mencionado de Cariola (1995, citado por Gomes, Deslasdes e cols., 
2002) conclui que a agressão é mais evidente na população mais 
carente (com renda de um a três salários mínimos), correspondendo 
a 52,27% da amostra (n = 103). Os autores chamam a atenção, nova­
mente, para o cuidado quanto às generalizações, uma vez que pobreza 
não está diretamente ligada a maus tratos infantis. Straus e Smith 
(1995, citado por Gomes, Deslasdes e cols., 2002), ao comparar 
famílias cujo pai estava desempregado com outras em que o pai estava 
empregado, observaram que havia uma prevalência de maus-tratos 
contra a criança 50% maior no primeiro grupo.
As explicações para o fenômeno dos maus tratos contra 
crianças e adolescentes, encontradas nos artigos consultados por 
Gomes, Deslasdes e colaboradores (2002), correspondem aos fatores 
de risco para o desencadeamento e a manutenção do problema da 
violência intrafamiliar. Estes indicam, conforme salientam os 
autores, uma maior probabilidade, e não uma relação direta de causa 
e efeito. Dessa forma, eventos estressantes, tais como desemprego 
e história de abuso na infância, não garantem que esses pais abusarão 
de seus filhos. Gomes, Deslasdes e colaboradores (2002) concluem 
que explicar a ocorrência dos maus-tratos contra as crianças é uma
24 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
tarefa complexa, pois envolve a articulação em rede de aspectos 
socioculturais, psicossociais, psicológicos e até mesmo biológicos, 
para que seja atingida uma compreensão mais abrangente acerca 
da problemática em questão.
A literatura aponta quatro categorias básicas de maus-tratos 
contra criançase adolescentes: abuso físico, abuso emocional, 
negligência e abuso sexual (Braun, 2002; Caminha, 2000; De Antoni 
& Koller, 2001; Gomes, Junqueira, Silva, Junger, 2002).
O abuso físico é compreendido como qualquer ação, única ou 
repetida, não-acidental (intencional), na qual o adulto usa de sua força 
física para causar dor e desconforto à criança. A relação de força 
baseia-se no pretenso poder disciplinador do adulto e na desigualdade 
adulto-criança. Esse tipo de abuso, assim como os demais, tem 
tendência de progressão ascendente, podendo evoluir de um puxão 
de orelha a um tapa, uso de cinto, cabo de vassoura, até atingir quei­
maduras por cigarros ou ferro elétrico, choques elétricos, água 
fervente, etc. Os abusos físicos podem deixar marcas, como hema­
tomas, escoriações, fraturas e queimaduras, e, em alguns casos, 
chegam a levar a criança à morte. Além de causar lesões físicas, essa 
forma de abuso é extremamente danosa para a vítima do ponto de 
vista emocional, pois é acompanhada de abusos emocionais - a criança 
agredida fisicamente é, na maioria das vezes, depreciada e desres­
peitada, por meio de agressões verbais (Azevedo & Guerra, 1989; 
Caminha, 1999, 2000; De Antoni & Koller, 2001; Gomes, Junqueira, 
Silva, Junger, 2002; Pires, 1999).
O abuso emocional ou psicológico abrange rejeição, isolamento, 
depreciação, desrespeito, discriminação, corrupção, punição ou 
cobranças exageradas do adulto em relação à criança ou ao adolescente 
(Azevedo & Guerra, 1989; Benetti, 2002; Gomes, Junqueira, Silva, 
Junger, 2002). Ele é evidenciado pelo prejuízo à competência 
emocional da vítima, isto é, à capacidade de amar os outros e de 
sentir-se bem a respeito de si mesma. São atos de hostilidade e 
agressividade que podem influenciar a auto-imagem e a auto-estima
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 25
da criança ou do adolescente (De Antoni & Koller, 2001). Dessa 
forma, compreende situações nas quais o adulto agride verbalmente 
a criança e não reconhece o seu valor, bem como suas necessidades, 
afastando-a de experiências sociais esperadas, impedindo-a de ter 
amigos e brincar, não estimulando seu crescimento emocional e 
intelectual (Azevedo & Guerra, 1989; Benetti, 2002; Caminha, 2000; 
Kaplan & Sadock, 1997).
A negligência é definida como toda omissão em termos de 
cuidados básicos por parte do responsável pela criança ou pelo 
adolescente. Inclui atitudes como privar a criança de afeto, alimentos, 
medicamentos, proteção contra as inclemências do meio (frio, calor), 
educação e higiene - todos necessários à sua integridade física, 
intelectual, moral e social (Azevedo & Guerra, 1989; Caminha, 2000; 
Kaplan, 1995; Gomes, Junqueira, Silva, Junger, 2002). O abandono 
é apontado como uma das mais graves formas de negligência, 
ocorrendo quando os pais biológicos ou adotivos declaram, 
publicamente, que não têm mais interesse na permanência da criança 
ou do adolescente em sua residência. Nesses casos, as crianças são, 
geralmente, encontradas dormindo na rua ou enviadas a instituição 
para acolhimento público (De Antoni & Koller, 2001).
O abuso sexual é definido como todo ato ou jogo sexual, relação 
hetero ou homossexual, cujo agressor esteja em estágio de desen­
volvimento psicossexual mais adiantado que a criança ou o adoles­
cente. Tem por finalidade estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para 
obter estimulação sexual. Essas práticas eróticas e sexuais são 
impostas às crianças ou aos adolescentes por violência física, ameaça 
ou indução de sua vontade. Pode variar desde atos em que não existam 
contatos físicos, mas que evolvem o corpo (assédio, voyeurismo, 
exibicionismo), a diferentes tipos de atos com contato físico, sem 
penetração (sexo oral, intercurso interfemural) ou com penetração 
(digital, com objetos, intercurso genital ou anal). Engloba, ainda, a
26 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
situação de exploração sexual visando ao lucro, como a prostituição 
e a pornografia (Azevedo & Guerra, 1989; Gomes, Junqueira, Silva, 
Junger, 2002; Kaplan & Sadock, 1997; Zavaschi e cols., 1991). Os 
abusos sexuais podem ser classificados como intrafamiliares ou 
incestuosos e extrafamiliares. Esses tipos de abuso serão mais bem 
definidos a seguir.
Outro tipo de maus-tratos tem sido identificado como Síndrome 
de Münchausen por procuração. Esta forma de violência, menos 
comum, é caracterizada pela desordem psiquiátrica de um dos pais, 
mais comumente da mãe: a criança é levada para cuidados médicos 
devido a sintoma e/ou sinais inventados ou provocados por seus 
responsáveis, induzindo exames laboratoriais e hospitalizações com 
procedimentos desnecessários (Gomes, Junqueira, Silva, Junger, 
2002; Pires, 1999).
A exploração infantil constitui outra forma de violência. Nesses 
casos, fica evidente a tentativa do abusador em transformar a vítima 
em ator da violência. A criança ou adolescente é induzido ou coagido 
a participar de ações ilícitas, com prejuízo à sua integridade física, 
psicológica e moral. Destacam-se a exploração sexual infanto-juvenil, 
o uso e o tráfico de drogas e a exploração no trabalho, que são 
atividades não condizentes com a idade, expõem a riscos físicos, 
exigem ampla carga horária de trabalho e, em geral, são trocadas por 
algum amparo para sobrevivência (casa, comida, etc.), mas não 
consistem em remuneração (De Antoni & Koller, 2001).
Os maus tratos na infância expressam-se de forma dinâmica, 
não havendo limites rígidos entre as categorias. Muito comumente, 
o abuso surge de uma negligência primária, incorrendo em um abuso 
emocional, podendo chegar às demais categorias, que por sua vez, 
podem estar presentes simultaneamente (co-morbidade). Fluxos 
entre as categorias são, não só possíveis como também prováveis, 
conforme o esquema proposto por Caminha (2000) apresentado 
na Figura 1:
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 27
Figura 1. Dinâmica dos maus tratos (adaptado de Caminha, 2000).
De acordo com a Figura 1, as crianças e os adolescentes 
submetidos a abusos sexuais, são, na maioria dos casos, também 
vítimas de negligências, abusos emocionais e abusos físicos. Isso 
se confirma pelos relatos das vítimas que revelam as ameaças e as 
agressões físicas sofridas durante o abuso sexual, bem como as 
sentenças depreciativas utilizadas pelo agressor e a falta de amparo 
e supervisão dos cuidadores. Os profissionais que pretendem 
trabalhar com crianças e adolescentes vítimas de abusos sexuais 
precisam, necessariamente, ter conhecimento da dinâmica que 
sustenta essa forma de violência para que as intervenções sejam 
efetivas.
28 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
O abuso sexual e a exploração sexual de crianças vêm se tomando 
um tipo de maus-tratos na infância cada vez mais difundido, com 
implicações psicossociais, legais e médicas (Fumiss, 1993; Kaplan & 
Sadock, 1997). Como foi anteriormente definido, o abuso sexual é 
compreendido como qualquer atividade ou interação, na qual a intenção 
é estimular e/ou controlar a sexualidade da criança (Watson, 1994). 
Etimologicamente, “abuso” indica separação, afastamento do uso 
normal; por si só, a palavra indica, ao mesmo tempo, um uso errado e 
um uso excessivo. O que não significa, como dizem os que criticam 
esse termo, que houvesse um uso permitido, pois abusar é precisamente 
ultrapassar os limites e, portanto, transgredir (Gabei, 1997).
Abuso contém ainda a noção de poderio: de poder, de astúcia, 
de confiança - situações em que a intenção e a premeditação estão 
presentes (Gabei, 1997; Watson, 1994). Abuso sexual supõe uma 
disfunção em três níveis: o poder exercido pelo grande sobre o 
pequeno, a confiança que o pequeno (dependente) tem no grande 
(protetor) e o uso delinqüente da sexualidade - ou seja, o atentado ao 
direito que o indivíduotem de propriedade sobre o seu próprio corpo. 
Alguns autores ainda recomendam que deve haver uma diferença de 
idade de cinco anos ou mais entre vítima e perpetrador do abuso, 
quando a criança é menor de doze anos, e uma diferença de dez anos 
ou mais quando o adolescente tiver entre treze e dezesseis anos 
(Amazarray & Koller, 1998; Cohen & Mannarino, 2000a; Cloitre, 
Cohen, Koenen, Han, 2002). Entretanto, o uso de força, ameaça ou 
exploração da autoridade, independentemente das diferenças de idade, 
sempre deverá ser considerado um comportamento abusivo e, 
portanto, cuja responsabilidade deverá ser sempre do adulto 
(Amazarray & Koller, 1998; Cohen & Mannarino, 2000a; Cloitre, 
Cohen, Koenen, Han, 2002; Hayde, Bentovim, Monck, 1995; 
Zavaschi et al., 1991).
O abuso sexual também pode ser definido, de acordo com o 
contexto de ocorrência, em diferentes categorias. Fora do ambiente 
familiar, pode ocorrer em situações nas quais as crianças são envolvidas
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 29
em pornografia e exploração sexual (Amazarray & Koller, 1998). No 
entanto, os estudos mostram que a grande maioria dos abusos sexuais 
cometidos contra crianças e adolescentes ocorre dentro de casa e é 
perpetrada por pessoas próximas, que desempenham papel de cuidador 
da vítima (Braun, 2002; Caminha, 2000; Kaplan & Sadock, 1997).
As relações sexuais, mesmo sem laços de consanguinidade, 
envolvendo uma criança e um adulto responsável (tutor, cuidador, 
membro da família ou conhecido da criança) são relações que se 
enquadram no atual conceito de incesto (Azevedo, Guerra, Vaiciunas, 
1997; Cohen, 1997; Kaplan & Sadock, 1997). Dessa forma, qualquer 
contato abertamente sexual entre pessoas que tenham grau de 
parentesco, ou acreditam tê-lo, é considerado incesto. Isto inclui 
madrastas, padrastos, tutor, meio-irmãos, avós e até namorados ou 
companheiros que morem junto com o pai ou a mãe, caso eles 
assumam a função de cuidadores (Forward & Buck, 1989).
Amazarray e Koller (1998) citam um estudo sobre incesto em 
São Paulo, conduzido por Cohen (1993), revelando que o pai era o 
abusador em 41,6% dos casos, seguido por padrasto (20,6%), tio 
(13,8%), primo (10,9%) e irmão (3,7%). O incesto também pode 
ocorrer entre mãe-filha e mãe-filho, entretanto, a freqüência dessa 
situação é menor, e muitas vezes envolve quadros de psicose.
Com relação ao incesto entre irmãos, a diferença de idade deve 
ser considerada. Quando o irmão abusador é significativamente mais 
velho do que a vítima, supõe-se que o primeiro esteja em uma posição 
de autoridade parental, enquanto o segundo se encontra em uma 
situação de imaturidade e dependência. Em contraste, na relação 
sexual entre irmãos com idades próximas, pode ser inadequado utilizar 
as denominações de abusador e vítima, visto que não há uma relação 
de dependência estrutural entre eles. O que ocorre é uma confusão de 
relacionamento emocional e de relacionamento sexual, na qual a 
excitação sexual é substituta do carinho (Fumiss, 1993).
A familiaridade entre a criança e o abusador aponta para 
tendências de fortes laços afetivos entre ambos, tanto positivos quanto
30 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
negativos, o que colabora para que os abusos sexuais incestuosos 
possuam maior impacto cognitivo-comportamental na criança. O 
incesto é, então, considerado um fator agravante para as conseqüências 
decorrentes de experiências sexualmente abusivas conforme afirmam 
Foward e Buck:
O incesto é poderoso. Sua devastação é maior do que a das violências 
sexuais não incestuosas contra a criança, porque o incesto se insere 
nas constelações das emoções e dos conflitos familiares. Não há 
um estranho de que se possa fugir, não há uma casa para onde se 
possa escapar. A criança não se sente mais segura nem mesmo em 
sua própria cama. A vítima é obrigada a aprender a conviver com o 
incesto; ele abala a totalidade do mundo da criança. O agressor 
está sempre presente e o incesto é quase sempre um horror contínuo 
para a vítima (1989, p. 13).
As famílias incestuosas são severamente disfuncionais. 
Caracterizam-se pela falta de fronteiras entre seus membros e pela 
ausência do sentido de individualidade e de respeito à privacidade, 
não havendo espaço para diferenças e discordâncias (Grinblatt, 
Martins, Sattler, Caminha, Flores, 1994; Scodelario, 2002).
Thomas, Eckenrode e Garbarino (1997) sugerem alguns fatores 
de risco para relações familiares incestuosas: pai e/ou mãe que 
sofreram abusos ou foram negligenciados em suas famílias de origem; 
excesso de álcool e outras drogas; papéis sexuais rígidos; falta de 
comunicação entre os membros da família; autoritarismo; estresse; 
desemprego; mãe passiva e/ou ausente; dificuldades conjugais; 
famílias reestruturadas (presença de padrasto ou madrasta); isola­
mento social; pais que sofrem de transtornos psiquiátricos; doença, 
morte ou separação do cônjuge.
Em vários casos, o pai e a mãe possuem horários diferentes de 
trabalho e o pai fica sozinho com as crianças, buscando intimidade e 
controle sobre a vida dos filhos (Zavaschi et al., 1991). Ocorre, pois,
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 31
uma aliança entre os pais, na qual a mãe não impede a aproximação 
sexual do cônjuge junto aos seus filhos. Fica clara, muitas vezes, a 
permissão passiva da mãe, para que um de seus filhos a substitua no 
papel sexual junto ao companheiro (Grinblatt, Martins, Sattler, 
Caminha, Flores, 1994). Essa permissividade da mãe é, em alguns 
casos, resultante do medo que ela tem de enfrentar o parceiro - uma 
vez que também é vítima de seus abusos físicos - e das dificuldades 
econômicas que poderão surgir com o afastamento dele de casa 
(Cohen & Mannarino, 2000b). É importante salientar que, em muitos 
casos de incesto, as mães assumem uma atitude protetiva e denunciam 
o abuso sexual aos órgãos de proteção à infância (Thomas, Eckenrode, 
Garbarino, 1997; Cohen & Mannarino, 2000b).
Fumiss (1993) também considera as díades conjugal e parental, 
mostrando que a criança procura o pai (ou a mãe) em busca de apoio 
emocional e de carinho, já que é estruturalmente dependente. Em 
resposta, o pai satisfaz o próprio desejo sexual utilizando-se dela. Os 
avanços sexuais são confusos para a criança, e, usualmente, o adulto 
incestuoso a persuade e a amedronta em segredo, constituindo uma 
forma de abuso emocional. A criança tem a percepção de que a 
situação é imprópria e, progressivamente, receia a desintegração 
familiar, teme a rejeição de seus amigos, da escola, e, finalmente, da 
comunidade (Fumiss, 1993; Zavaschi et al., 1991).
Furniss (1993) aponta dois aspectos que se apresentam 
interligados em casos de abuso sexual infantil, a Síndrome de Segredo
- diretamente relacionada com a psicopatologia do agressor (pedofilia) 
que, por gerar intenso repúdio social, tende a se proteger em uma teia 
de segredo, mantido às custas de ameaças e barganhas com a vítima
- e a Síndrome de Adição - caracterizada pelo comportamento 
compulsivo do descontrole de impulso diante do estímulo gerado 
pela criança, ou seja, o abusador, por não se controlar, usa a criança 
para obter excitação sexual e alívio de tensão, gerando dependência 
psicológica e negação da dependência.
32 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
O adulto incestuoso, embora exerça poder e força sobre a criança, 
tende a ser tipicamente tímido e sem autoconfiança em seus contextos 
sociais. Apresenta baixa auto-estima e dificuldades na identidade 
masculina. Tenta compensar isso através da imagem de domínio 
masculino que resulta em controle firme e dominação, tanto sobre a 
esposa quanto sobre os filhos (Green, 1995). O segredo e o sentimento 
de impotência estão ligados à vulnerabilidade das crianças. Elas são 
ensinadas a desconfiar deestranhos, mas, simultaneamente, a ser 
obedientes e afetuosas com todos os adultos que cuidam delas. O 
indivíduo que comete o abuso, na maioria dos casos, é alguém 
conhecido que vai estabelecer uma relação de confiança com sua 
vítima e certificar-se de que ela não se queixará quando ele avançar 
os limites da relação (Gabei, 1997).
A Síndrome de Acomodação da criança é outra variável 
importante para a manutenção do silêncio (Gabei, 1997). Verifica-se 
que ela “cai na armadilha” e se adapta à situação abusiva, uma vez 
que sua opção é aceitar e sobreviver, ao preço de uma inversão dos 
valores morais e alterações psíquicas prejudiciais à sua personalidade. 
Essa síndrome consiste em: segredo; desamparo; aprisionamento e 
acomodação; revelação retardada, conflitada e não convincente, e 
retratação (Summit, 1983, citado em Zavaschi e cols., 1991).
Segredo. O segredo do abuso faz com que a criança perceba 
que aquilo que está ocorrendo é algo errado e perigoso. Ao mesmo 
tempo, a solicitação do abusador para que ela não revele o abuso é 
fonte de medo e envolve promessas de segurança para ele e para sua 
família. O segredo toma proporções mágicas, monstruosas para a 
criança, que se sente isolada, desamparada, estigmatizada, intimidada 
e culpada.
Desamparo. As crianças são integralmente dependentes dos 
adultos e a eles são subordinadas. A sociedade, porém, espera que a 
criança resista com força, peça ajuda ou fuja da violência do abuso. 
Só que as crianças, muito freqüentemente, são incapazes de tomar 
tais atitudes. A reação normal é “brincar de estátua” (fingir que está
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 33
dormindo, mudar de posição, puxar os cobertores). Elas aprendem a 
lidar em silêncio com os terrores da noite. Para a sobrevivência 
emocional da criança, é importante que os adultos e os profissionais 
de saúde reforcem sua inocência e seu desamparo, em vez de assinalar 
sua cumplicidade. Sem isto, a vítima tende a se sentir culpada, com 
ódio de si mesma, pensando que foi ela quem provocou e permitiu o 
abuso sexual. A compreensão de que a criança é vítima da relação 
abusiva é fundamental, pois ainda existe em nossa sociedade o 
estereótipo da “criança sedutora”, que seduz o pai e aprecia o abuso. 
Mas esse estereótipo tem pouco a ver com a realidade, uma vez que 
cabe ao pai, em seu papel de cuidador, traçar as fronteiras adequadas. 
Isso significa que mesmo que uma criança se comportasse de uma 
maneira abertamente sexual - comportamento que cada vez mais 
aprendemos a ver como resultado de abuso sexual anterior e não 
como ponto de partida - e que ela fosse sedutora e tentasse iniciar o 
abuso, seria sempre responsabilidade do pai estabelecer os limites. 
Nem mesmo o mais sexualizado ou sedutor comportamento jamais 
podería tomar a criança responsável pela resposta adulta de abuso 
sexual, em que a pessoa que comete o abuso satisfaz seu próprio 
desejo sexual em resposta à necessidade da criança de cuidado 
emocional (Fumiss, 1993).
Aprisionamento e acomodação. Quando a criança não procura 
ou não recebe intervenção protetora imediata, fica sem opção para 
interromper o abuso, restando-lhe acomodar-se à situação. O desafio 
é adaptar-se às crescentes solicitações sexuais, bem como à 
progressiva conscientização de traição e de estar sendo vista como 
um objeto por alguém que é habitualmente idealizado como figura 
parental protetora e amorosa. A criança fica com o poder e a 
responsabilidade de manter a família unida, assumindo as funções 
maternas, não resistindo às exigências sexuais do abusador. Busca, 
assim, mecanismos para garantir a própria sobrevivência psíquica, 
que acarretam em dificuldades psicológicas cada vez maiores em 
seu desenvolvimento.
34 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
Revelação retardada, conflitada e não-convincente. A criança 
tenta revelar o abuso para a mãe, que reage com descrença, nega para 
proteger o casamento, não acredita ou tenta negociar uma resolução 
dentro da família. A criança, geralmente, busca compreensão e 
intervenção no momento em que tem menos chances de encontrá-la. 
E ao fazer a revelação, pode se sentir culpada, amedrontada e confusa. 
Muitas vezes, é acompanhada de extrema ansiedade e do relato de 
dados inconsistentes que, associados à falta de preparo e de 
sensibilização dos adultos e profissionais da saúde, tomam a revelação 
não-convincente.
Retratação: A criança tende a negar posteriormente o abuso 
sexual, caso não encontre apoio, retirando a queixa. Isso ocorre devido 
aos seus sentimentos ambivalentes e à culpa com relação ao pai e à 
família, e também por causa da possibilidade real de que as ameaças 
e os medos associados ao abuso sejam verdadeiros. A criança diz que 
inventou a história do abuso - mentira que recebe maior credibilidade 
do que a queixa do incesto -, confirmando as expectativas dos adultos 
de que ela não é confiável, e as dela de que não pode se queixar, 
restabelecendo-se o “equilíbrio” familiar.
A criança é, então, duplamente vítima, dos abusos sexuais e da 
incredulidade dos adultos. Freqüentemente, a relação abusiva se 
mantém pelo período de anos, antes que ela consiga falar a uma 
terceira pessoa, por causa da confusão de papéis na família disfuncional 
(Fumiss, 1993). Quando o abuso é revelado à Justiça e às agências de 
proteção à infância, a mãe expressa choque e incredulidade. Em muitos 
casos, o pai quer ser visto como vítima dos avanços sexuais da criança, 
apresentando-a como sedutora e precocemente sexuahzada (Zavaschi 
e cols., 1991). Contata-se que, mesmo diante da Justiça, em muitos 
casos, ela se retrata, voltando atrás quanto à revelação, diante do risco 
de catástrofe que esta provoca. O silêncio perante a sociedade pode 
ocorrer por vários motivos: temor pela reação da própria família; 
manutenção da aparência de “sagrada família”; conivência entre as 
pessoas que sabem do fato e não o denunciam; a idéia de que nada
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 35
pode ser feito para resolver o problema; por ser um assunto tabu; por 
não saber o que fazer (Cohen, 1997).
Mesmo que a maioria dos casos de abuso sexual envolvendo 
crianças raramente seja revelada, devido a culpa, vergonha e tolerância 
da vítima, há outros fatores que geram essa condição - como, por 
exemplo, a relutância de alguns médicos em reconhecer o problema 
e relatá-lo, a insistência de tribunais em regras estritas de evidência e 
o medo da dissolução da família, se for descoberto o abuso. 
Possivelmente, uma das principais questões que levam os profissionais 
de saúde a negar e a subestimar a severidade e a extensão do abuso 
sexual é o fato de ele significar a violação de tabus sociais - como o 
incesto -, despertando sentimentos de raiva e desconforto nos próprios 
agentes de saúde (Fumiss, 1993; Zavaschi e cols., 1991).
O abuso sexual contra crianças ou adolescentes é, portanto, um 
fenômeno que envolve variáveis complexas na caracterização de sua 
dinâmica. Por esta razão, é considerado um problema multidisciplinar, 
requerendo uma estreita cooperação de diferentes profissionais. Como 
questão legal e terapêutica, requer, por parte de todos os profissionais 
envolvidos, o conhecimento dos aspectos criminais e de proteção da 
criança, assim como dos psicológicos (Fumiss, 1993).
Dados epidemiológicos
O abuso sexual contra crianças e adolescentes não é um fenômeno atual. Referências a atividades sexuais entre 
adultos e crianças podem ser encontradas nos registros históricos de 
civilizações antigas e modernas. Estes revelam reações sociais 
extremamente ambivalentes, variando da negação dos contatos sexuais 
entre adultos e crianças até a sua aceitação dessas relações (Deblinger 
& Heflin, 1995). No entanto, só recentemente o abuso sexual infantil 
passou a ser foco de pesquisas que têm documentadoo seu impacto 
psicossocial no desenvolvimento de crianças e adolescentes, assim 
como vem recebendo atenção dos meios de comunicação (Amazarray 
& Koller, 1998). Flores e Caminha (1994) sugerem, inclusive, que a 
real freqüência de abusos tenha permanecido constante e o que estaria 
aumentando é a atenção dada atualmente ao problema.
A cada ano são relatados, aproximadamente, de 150 a 200 mil 
novos casos de abuso sexual infantil nos Estados Unidos {National 
Committee for the Prevention of Child Abuse, 1992, citado por Kaplan 
& Sadock, 1997). Em diversos países, muitos estudos epidemiológicos 
têm sido conduzidos com o objetivo de entender como o fenômeno 
abuso sexual se manifesta. Esses dados revelam parcialmente a 
dimensão do problema, uma vez que correspondem apenas aos casos 
denunciados em agências de proteção à criança. As taxas de ocorrência 
reais são, provavelmente, mais elevadas que essas estimativas, pois 
muitos casos de abusos sexuais não são reconhecidos tampouco 
diagnosticados.
38 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
Finkelhor (1994) realizou uma pesquisa nos Estados Unidos, 
através de contato telefônico, constatando que 27% das mulheres e 
16% dos homens consultados sofreram abusos sexuais antes de 
completarem dezoito anos. Amazarray e Koller (1998) apresentam 
um estudo, realizado com mulheres adultas em São Francisco (EUA), 
dirigido por Russell (1984), demonstrando que mesmo após excluir 
eventos menores (exibicionismo sem contato físico), 16% da amostra 
reportou abuso sexual intrafamiliar antes dos dezoito anos e 12% 
antes dos catorze anos. Abuso sexual extrafamiliar, envolvendo sexo 
genital, antes dos dezoito anos foi referido por 31 % dos entrevistados, 
20% reportaram tais atividades antes dos catorze anos. Dos abusos 
sexuais extrafamiliares antes dos dezoito anos, somente 15% foram 
perpetrados por estranhos. Raramente as mulheres eram identificadas 
como perpetradoras.
Os profissionais envolvidos em estudos sobre abuso sexual 
infantil acreditam que, na realidade, uma em cada quatro meninas e 
um em cada oito meninos, sofrem abuso antes de completar dezoito 
anos, e que cerca de 80% dos casos são intrafamiliares (Zavaschi e 
cols., 1991). Outros trabalhos também apontam uma maior incidência 
de abusos sexuais incestuosos do que extrafamiliares. Um deles, 
conduzido por Ferracuti (1988, citado por Cohen, 1997) nos Estados 
Unidos, avaliou que o número de meninas vítimas de incesto está 
entre 60 e 100 mil, mas somente 20% dos casos são denunciados. As 
pesquisas mais alarmistas, porém, calculam que ocorram relações 
incestuosas em 10% das famílias americanas. Um estudo realizado 
por Barry (1985, citado por Cohen, 1997) estima que uma menina 
em quatro teria sido vítima de incesto antes dos dezoito anos - ou 
seja, 25% das mulheres -, sendo que apenas 25% dos casos de incesto 
fica limitado a um único ato sexual, 70% das relações incestuosas 
duram mais que um ano e 10% têm duração maior que três anos.
Em uma pesquisa realizada com crianças, de idades entre seis e 
dezesseis anos, que haviam sofrido abusos sexuais, dos 81 casos 
avaliados, em 78 o abusador era algum membro da família e em três
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 39
eram pessoas de confiança (vizinhos ou babás). Dos 78 casos, 22% 
tinham o pai biológico ou o padrasto como abusador. Com exceção 
de uma criança que sofrerá abuso da madrasta, todas as demais foram 
vítimas de homens. Em 70% dos casos houve penetração anal ou 
vaginal. A maioria das crianças participantes do estudo tinha sete ou 
oito anos quando começaram os abusos, que tiveram duração, em 
média, de dois anos (Horowitz, Putnam, Noll, Trickett, 1997).
Outro levantamento, também realizado nos Estados Unidos, com 
amostra de 105 crianças vítimas de abusos sexuais, com idade entre 
oito e quinze anos, constatou que 46,7% dos casos eram incestuosos 
e 44,8% envolviam sexo oral, anal ou penetração vaginal. As idades 
médias do primeiro e do último episódio de abuso foram, 
respectivamente, 9,3 e 10,5 anos, e 84,8% eram meninas com idade 
média de 11,6 anos (Lanktree & Briere, 1995).
No Brasil, Cohen (1997) realizou um estudo com a aplicação de 
um questionário em vítimas de violência sexual que compareceram ao 
Instituto Médico Legal da cidade de São Paulo, durante um período de 
seis meses. Foram encontradas 548 pessoas (49,64%) que disseram 
conhecer o seu agressor e 249 (22,55%) que foram vítimas de algum 
parente, sendo que 207 (18,75%) moravam na mesma casa do agressor.
O grau de parentesco com a vítima foi assim caracterizado por 
Cohen (1997): pai, 99 casos (41,60%); padrasto, 49 casos (20,59%); 
tio, 33 casos (13,86%); primo, 26 casos (10,93%); irmão, nove casos 
(3,78%); cunhado, nove casos (3,78%); companheiro da mãe, cinco 
casos (2,10%); avô, quatro casos (1,68%); concunhado, um caso 
(0,42%); sobrinho de padrasto, um caso (0,42%); tio-avô, um caso 
(0,42%); madrasta, um caso (0,42%).
Outra pesquisa visando a verificar a prevalência da exposição à 
violência sexual entre adolescentes foi desenvolvida com estudantes 
de escolas estaduais de Porto Alegre. Foram selecionadas 52 
instituições com Ensino Fundamental completo por meio de um 
processo de amostragem aleatória, estratificada de acordo com o 
tamanho da escola. Foi escolhida, em cada escola, uma turma de 8a
40 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
série, por sorteio aleatório, e foram incluídos todos adolescentes 
presentes em sala de aula que consentiram participar do estudo. Um 
instrumento de triagem da exposição à violência na comunidade foi 
utilizado para identificar jovens que foram vítimas, testemunhas ou 
conheciam vítimas de atos de violência sexual. Foram incluídos 1.193 
adolescentes, representando 10,3% dos alunos de oitava série 
matriculados na rede estadual de ensino da cidade. Os resultados 
revelaram que entre os jovens estudados, 27 (2,3%) relataram ter 
sido vítimas de violência sexual, 54 (4,5%) foram testemunhas de 
algum tipo de violência sexual e 332 (27,9%) disseram conhecer 
alguma vítima de abuso sexual (Polanczik, Zavaschi, Benetti, Zenker, 
Gammerman, 2003).
Kristensen, Oliveira e Flores (1999) desenvolveram um 
trabalho na região metropolitana de Porto Alegre com 1.754 registros 
de crianças e adolescentes de zero a 14 anos que sofreram algum 
tipo de violência, entre 1997 e 1998. Foram consultadas 75 institui­
ções que prestam atendimento a crianças e adolescentes, tais como 
conselhos tutelares, casas de passagem, hospitais, órgãos do 
Ministério Público, entre outros. Com relação aos abusos sexuais, 
os números revelaram que 79,4% das vítimas são meninas e 20,6% 
são meninos. A idade média das meninas é 11 anos e a dos meninos 
é 9,5. Também foi investigado o local de ocorrência desses abusos, 
constatando-se que 65,7% ocorreram na residência da vítima, 
22,2% na rua, 9,8% na residência de terceiros e 2,4% em instituições 
públicas.
De Lorenzi, Pontalti e Flech (2001) realizaram um levanta­
mento de 100 casos de violência contra crianças e adolescentes 
atendidos no Ambulatório de Maus Tratos do município de Caxias 
do Sul/RS, no período de 1998 a 1999, e constataram um significa­
tivo predomínio de abuso sexual (59%) e de vítimas do sexo 
feminino (77%). A maioria dos abusos ocorreu com crianças entre 
seis e nove anos de idade (35%), sendo o pai o principal responsável 
pelas agressões verificadas (33%).
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 41
Outro estudo (Braun, 2002) analisou os boletins de ocorrência 
policial e os termos de informação das vítimas de abuso sexual 
familiar, registrados no Departamento Estadual da Criança e do 
Adolescente da Polícia Civil do RS (DECA). A amostra foi composta 
por cinqüenta participantes com menos de dezoito anos. A partir dos 
dados encontrados,foram traçadas a caracterização da vítima, do 
agressor e do fato.
Com relação às vítimas, Braun (2002) verificou que a idade 
variou entre dois e dezessete anos, sendo que a porcentagem mais 
significativa foi a da faixa entre dez e catorze anos (56%), seguida 
das faixa entre cinco e nove anos (29%), entre quinze e dezessete 
anos (14%) e entre dois e quatro anos (10%). O maior número de 
vítimas foi do sexo feminino (96%), com acentuada diferença em 
relação ao masculino (4%). A pesquisa constatou que 26% da amostra 
rompeu o silêncio em um período menor que um ano, 22% de um a 
dois anos e 30% de três a seis anos. A idade da vítima, quando ocorreu 
o fato pela primeira vez também foi mapeada: 44% da amostra tinha 
entre dez e catorze anos, 42% entre cinco e nove anos, 10% entre 
dois e quatro anos, 2% entre 15 e 17 anos e 2% não informou. A 
maioria das vítimas procurou a ajuda da mãe (42%), sendo que as 
demais recorreram a irmãos (10%), tios (4%), amigos (6%), escola 
(6%), conselho tutelar (2%), vizinhos (2), instituição (6%) e não 
procuraram ajuda (22%). As denúncias foram realizadas pelas mães 
(38%), seguidas de outros familiares (30%), conselho tutelar (16%), 
instituição (6%), disque-denúncia (6%) e Brigada Militar (4%). Com 
relação ao agressor, a faixa etária situou-se, em primeiro lugar, entre 
35 e 39 anos (26%), depois entre 45 e 49 anos (18%) e entre 40 e 44 
anos (16%). Braun constatou que em primeiro lugar apareceu o pai 
(40%) como perpetrador, seguido por padrasto (28%), tio (16%), avô 
(4%), pai adotivo (4%), irmão (4%), cunhado (2%) e primo (2%). 
Em 94% dos casos, os agressores negaram o fato e apenas 6% 
confirmaram o abuso, afirmando terem sido “seduzidos” pela vítima. 
O trabalho também invetigou a presença de álcool e/ou drogas: em
42 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
46% dos casos o agressor se encontrava alcoolizado e/ou drogado, 
19% estavam sóbrios e em 38% das fichas não constava a informação. 
A autora verificou, ainda, a especificação do fato: em 46% dos casos 
houve estupro, em 42% constatou-se atentado violento ao pudor e 
em 12% verificaram-se estupro e atentado violento ao pudor. Os locais 
onde os abusos ocorreram foram a residência da família (86% dos 
casos), a residência dos avós (2%), local do serviço (6%), matagal 
(2%) e não foi informado (4%).
Resultados semelhantes foram encontrados por Caminha, 
Habigzang e Bellé (2003) em um levantamento realizado no período 
de 2000 a 2002, no Programa Interdisciplinar de Promoção e Atenção 
a Saúde (PIPAS), em São Leopoldo (RS). Mensalmente os estagiários 
do grupo de pesquisa cognitivo-comportamental foram consultados 
sobre os casos novos em atendimento. No período acima, o grupo 
totalizou atendimento a 194 casos, sendo que em 51 destes havia 
histórico de abusos sexuais na infância e na adolescência (26,29%). 
Com relação a estes casos, algumas variáveis foram avaliadas:
• sexo da vítima: 44 casos (86,27%) eram do sexo feminino, 
enquanto apenas sete (13,73%) eram do sexo masculino.
• idade: a grande maioria eram crianças e adolescentes com 
idade entre dois e dezesseis anos (84,32%), havendo casos 
de adultos com revelação tardia (15,68%).
• idade de início do abuso: a faixa etária entre cinco e oito 
anos apareceu em primeiro lugar (49,02%), seguida da faixa 
entre dois e quatro anos (23,53%), entre nove e doze anos 
(15,66%), aos 15 anos (3,92%); em 7,83% dos casos não 
havia informação.
• a quem pediu ajuda: a mãe apareceu em primeiro lugar 
(52,94%), seguida de outro familiar (16,92%), psicoterapia 
(9,8%), amigos ou vizinhos (13,73%), escola (3,92%) e 
Juizado da Infância e Juventude (1,96%).
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 43
• intervalo de tempo entre início do abuso e revelação: 37,25% 
dos casos foram revelados durante o mesmo ano de início do 
abuso, 7,84% romperam o silêncio no período de um a dois 
anos, em 27,44% dos casos os abusos duraram entre três e 
seis anos, 13,72% conseguiram romper o silêncio após sete 
anos do início dos abusos e 13,73% não souberam informar.
• vínculo do abusador com a vítima: o padrasto apareceu em 
primeiro lugar (37,25%), seguido de tio (15,68%), pai 
(13,73%), irmão (3,92%), companheiro da avó (1,96%), 
pessoas amigas da família, que freqüentavam a residência da 
criança (19,6%), e em 7,84% o abusador era desconhecido.
Analisando os dados encontrados nos estudos acima apresen­
tados, fica aparente a coesão dos resultados. A grande maioria dos 
abusos sexuais contra crianças e adolescentes ocorre dentro da casa 
da vítima e configura-se como abuso sexual incestuoso; o pai biológico 
e o padrasto aparecem como principais perpetradores. Ocorre, 
também, uma maior prevalência de meninas nos casos de abuso 
sexual, principalmente os incestuosos (Caminha, Habigzang, Bellé, 
2003). A idade de início dos abusos é bastante precoce: a maioria se 
concentra entre os cinco e os oito anos de idade. A mãe é a pessoa 
mais procurada na solicitação de ajuda e a maior parte dos casos é 
revelada pelo menos um ano depois do início do abuso sexual.
Esses dados são importantes porque contribuem para a análise 
do impacto da experiência para o desenvolvimento de crianças e 
adolescentes. Além disso, eles potencializam a eficácia de planos 
preventivos e terapêuticos de intervenção.
Consequências do abuso sexual
PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES
As pesquisas demonstram que crianças e adolescentes podem ser afetadas pela experiência de abuso sexual de diferentes 
formas: algumas apresentam efeitos mínimos ou nenhum efeito 
aparente, enquanto outras desenvolvem severos problemas 
emocionais, sociais e/ou psiquiátricos (Heflin & Deblinger, 1999; 
Saywitz, Mannarino, Berliner &s Cohen, 2000). O impacto do abuso 
sexual está relacionado com fatores intrínsecos à criança, tais como, 
vulnerabilidade e resiliência (temperamento, resposta ao nível de 
desenvolvimento neuropsicológico), e com a existência de fatores de 
risco e proteção extrínsecos (recursos sociais, funcionamento familiar, 
recursos emocionais dos cuidadores e recursos financeiros, incluindo 
acesso ao tratamento). Algumas conseqüências negativas são 
exacerbadas em crianças que não dispõem de uma rede de apoio social 
e afetiva (Saywitz, Mannarino, Berliner & Cohen, 2000).
Brito e Koller (1999) destacam três aspectos de um desenvol­
vimento adaptado: presença de uma rede de apoio social e afetiva, 
coesão familiar e ausência de conflito, e características individuais, 
tais como autonomia e auto-estima. A rede de apoio social é definido 
como o conjunto de sistemas e de pessoas significativas que compõem 
os elos de relacionamento existentes e percebidos pelo indivíduo. A 
esse construto foi, recentemente, agregado o elemento afetivo, em 
função da importância do afeto para a construção e a manutenção do 
apoio. Dessa forma, a possibilidade de se desenvolver adaptativamente 
e de dispor de recursos que incrementem os determinantes acima
46 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
protege a pessoa de doenças e sintomas psicopatológicos, mesmo 
quando ela está diante de situações adversas.
O apoio social e afetivo está relacionado com a percepção que a 
pessoa tem de seu mundo social e de como se orienta nele, suas 
estratégias e suas competências para estabelecer vínculos. A rede de 
apoio social e afetiva exerce influência na emissão de respostas 
positivas e diminuição de sintomas psicopatológicos, tais como, 
remissão de sintomas depressivos e de sentimentos de desamparo 
(Brito & Koller, 1999).
Brito e Koller (1999) salientam que as pessoas tomam-se 
vulneráveis perante situações de risco, demonstrando suscetibilidade 
individual, por não contarem com uma rede de apoio social e afetivo 
eficaz e efetiva na prevenção de doenças e de características 
desadaptativas.Essa vulnerabilidade potencializa os efeitos negativos 
das situações estressantes. Por outro lado, a pessoa que tem um 
desenvolvimento saudável é definida como resiliente, ou seja, capaz 
de buscar alternativas para enfrentar de forma satisfatória os eventos 
negativos da vida. Crianças vulneráveis carecem dessa capacidade 
ou da tomada de ação eficaz na superação de eventos negativos, 
provocando comportamentos desadaptados ou sintomas 
psicopatológicos (De Antoni & Koller, 2001).
Os conceitos de resiliência e vulnerabilidade envolvem fatores 
de risco e de proteção. Risco está associado às características ou aos 
eventos que podem levar a resultados ineficazes, enfraquecendo a 
pessoa diante da situação de estresse. Em contrapartida, fatores de 
proteção inibem a intensidade desse risco e têm sido identificados 
principalmente no cuidado estável oferecido pela família - que reforça 
a identificação com modelos e papéis -, nas características pessoais 
- como a habilidade para resolver problemas, a capacidade de cativar 
pessoas, a competência social, as crenças de controle pessoal sobre 
os eventos de vida e o senso de auto-eficácia - e na possibilidade de 
contar com o apoio social e emocional de grupos externos à família, 
diante de eventos estressores (De Antoni & Koller, 2001).
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 47
Crianças com um fraco apoio social e afetivo - em especial o 
recebido dos pais - são mais propensas a vários riscos emocionais e 
sociais durante seu desenvolvimento. Assim, a família possui capacidade 
ótima de ser fator protetivo e preventivo de psicopatologias ou transtornos 
comportamentais de crianças e adolescentes (Brito & Koller, 1999).
Em um estudo realizado com 49 vítimas de abuso sexual (idade 
entre sete e catorze anos) e seus cuidadores primários não abusivos, foi 
constatado que o desenvolvimento e a manutenção de sintomas 
psicológicos em crianças que sofreram abuso são significativamente 
influenciados pelo sofrimento emocional dos pais com relação ao fato, 
o apoio deles à criança e as crenças que ela apresenta com relação ao 
abuso (Cohen & Mannarino, 2000a). Crianças e adolescentes vítimas 
de abuso sexual com cognições negativas relacionadas ao evento 
traumático - como sentir-se diferente dos iguais, auto-acusar-se, pouca 
credibilidade e confiança interpessoal - apresentam níveis maiores de 
sintomatologia pós-abuso (Heflin & Deblinger, 1996/1999).
Segundo Fumiss (1993), o grau de severidade dos efeitos do 
abuso sexual varia de acordo com:
• a idade da criança no início do abuso sexual (não se sabe em 
qual idade há maior prejuízo);
• duração do abuso (algumas evidências sugerem que maior 
duração produz conseqüências mais negativas);
• o grau de violência (uso de força pelo perpetrador resulta em 
conseqüências mais negativas, tanto a curto como a longo prazo);
• a diferença de idade entre a pessoa que cometeu o abuso e a 
vítima (quanto maior a diferença, mais graves são as 
conseqüências);
• a importância da relação entre abusador e vítima (quanto 
maior a proximidade e a intimidade, piores as conseqüências);
• a ausência de figuras parentais protetoras e de apoio social 
(nesses casos, o dano psicológico é agravado);
• o grau de segredo e de ameaças contra a criança.
48 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
Outros fatores são acrescentados: saúde emocional prévia 
(crianças com saúde emocional positiva antes do abuso tendem a 
sofrer menos efeitos negativos); tipo de atividade sexual (alguns dados 
sugerem que formas de abuso mais intrusivas, como a penetração, 
resultam em mais conseqüências negativas); vários tipos de abusos 
sexuais cometido; reação dos outros (a resposta negativa da família 
ou dos pares diante da descoberta do abuso acentuam efeitos 
negativos: família, amigos e juizes atribuindo a responsabilidade à 
criança); dissolução da família depois da revelação; criança 
responsabilizando-se pela interação sexual; recompensa recebida pela 
vítima e negação do perpetrador de que o abuso aconteceu (Amazarray 
& Koller, 1998; Deblinger&Heflin, 1995;Gabel, 1997; Mattos, 2002; 
Rouyer, 1997).
Os abusos sexuais infantis são um importante fator de risco para 
o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, apesar da com­
plexidade e da quantidade de variáveis envolvidas. Estudos revelam 
que crianças vítimas de abuso sexual exibem mais sintomas psiquiá­
tricos quando comparadas a outras que não sofreram abuso (Browne 
& Finkelhor, 1986; Green, 1993; Wind & Silvem, 1994, citados por 
Saywitz e cols., 2000). Contudo, não há um único quadro sinto- 
matológico que caracterize a maioria das crianças abusadas sexual­
mente. Mesmo não tendo sido identificado um único transtorno 
resultante de experiências sexualmente abusivas, mais de 50% de 
vítimas de abuso sexual infantil apresentam critérios diagnósticos 
para transtorno do estresse pós-traumático (Saywitz e cols., 2000).
A literatura mostra, ainda, que crianças ou adolescentes vítimas 
de abuso sexual podem desenvolver quadros de depressão, transtornos 
de ansiedade, transtornos alimentares, transtorno dissociativo, 
transtorno de hiperatividade e déficit de atenção e transtorno de 
personalidade borderline. Entretanto, a psicopatologia decorrente do 
abuso sexual mais citada é o transtorno do estresse pós-traumático 
(TEPT) (Cohen, Mannarino, Rogai, 2001; Green, 1995; Heflin & 
Deblinger, 1999; Kaplan & Sadock, 1997; Zavaschi et al., 1991).
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 49
Em um estudo realizado com adolescentes internados em uma 
clínica psiquiátrica por motivos diversos, 93% relataram pelo menos 
um evento traumático em sua história de vida, tais como: ser vítimas 
ou testemunhas de violência comunitária, testemunhar violência 
familiar ou ser vítimas de abusos físicos e sexuais. O abuso sexual, 
neste estudo, foi o evento traumático mais comum, citado por 69% 
dos pacientes com transtorno do estresse pós-traumático (Lorion & 
Saltzman, 1993, citado por Polanczik, Zavaschi, Benetti, Zenker, 
Gammerman, 2003).
As manifestações do TEPT são agrupadas em três categorias: 
1) experiência contínua do evento traumático (lembranças intrusivas, 
sonhos traumáticos, jogos repetitivos, comportamento de 
reconstituição, angústia nas lembranças traumáticas); 2) evitação e 
entorpecimento (de pensamentos e lembranças do trauma, amnésia 
psicogênica, desligamento), e 3) excitação aumentada (transtorno do 
sono, irritabilidade, raiva, dificuldade de concentração, 
hipervigilância, resposta exagerada de sobressalto e resposta 
autônoma a lembranças traumáticas) (DSM-IV-TR, 2002).
O evento traumático pode ser revivido de várias maneiras, e, 
algumas vezes, a pessoa experimenta estados dissociativos, ou seja, 
momentos nos quais há uma ruptura com a realidade, que podem 
durar de alguns segundos a várias horas (Caminha, 2000). Nesses 
casos, os componentes do evento são revividos e a pessoa se comporta 
como se o vivenciasse naquele instante, com intenso sofrimento psico­
lógico ou reatividade fisiológica. É possível o desenvolvimento de 
transtornos dissociativos graves decorrentes dos abusos. Após longos 
períodos de exposição à violência, há dissociações mais freqüentes e 
patológicas, ou seja, o meio ambiente é tão hostil e a hiper-responsi- 
vidade é tão constante que toma-se imperativo para o psiquismo um 
corte com a realidade. Esta é uma tentativa de preservação da 
integridade psíquica, que, na verdade, acaba se desorganizando, 
justamente por causa do uso contínuo (não consciente) de mecanismos 
dissociativos. Nessa mesma perspectiva, Perry e Pollard (1998)
50 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
afirmam que, nos momentos em que a criança está mais exposta ao 
perigo (alarme), surge a necessidade urgente de atingir a homeostasea fim de garantir a sobrevivência. A dissociação é, então, caracterizada 
por uma variedade de mecanismos mentais envolvidos no 
desprendimento do mundo externo, nos quais ocorre distração, 
evitação, paralisia, fuga, fantasia, despersonalização, etc.
Além de quadros psiquiátricos decorrentes de experiências 
sexualmente abusivas, pode-se observar, nas vítimas, alterações 
comportamentais, afetivas e cognitivas, tais como, ideações suicidas, 
abuso de substâncias, condutas hipersexualizadas, fugas do lar, 
condutas delinqüentes, isolamento social, baixo rendimento escolar, 
irritabilidade, sentimentos de culpa, raiva e de diferença com relação 
aos seus iguais (Amazarray & Koller, 1998; Cohen, Mannarino & 
Rogai, 2001; Flores & Caminha, 1994; Polanczik, Zavaschi, Benetti, 
Zenker & Gammerman, 2003).
Porter, Blick e Sgroi (1982, citados por Knell & Ruma, 1999) 
indicaram dez questões de impacto comumente encontradas em 
vítimas de abuso sexual infantil: 1) síndrome dos “bens danificados”; 
2) culpa; 3) medo; 4) depressão; 5) baixa auto-estima e habilidades 
sociais empobrecidas; 6) raiva e hostilidade reprimidas; 7) capacidade 
para confiar prejudicada; 8) limites não muito claros entre os papéis 
e confusão de papéis; 9) pseudomaturidade e fracasso na aquisição 
de áreas do desenvolvimento; 10) problemas de autodomínio e 
controle.
Alguns estudos mostram que as conseqüências do abuso sexual 
para o desenvolvimento podem ocorrer a curto e a longo prazo. Um 
desses trabalhos analisou os efeitos do abuso, classificando-os de 
acordo com a idade pré-escolar (zero a seis anos), escolar (sete a 
doze anos) e adolescência (treze a dezoito anos). Os sintomas mais 
comuns em pré-escolares são: ansiedade, pesadelos, transtorno do 
estresse pós-traumático e comportamento sexual inapropriado. Em 
crianças com idade escolar, os sintomas mais freqüentes incluem: 
medo, distúrbios neuróticos, agressão, pesadelos, problemas escolares,
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 51
hiperatividade e comportamento regressivo. Na adolescência, os 
sintomas mais recorrentes são: depressão, isolamento, comportamento 
suicida, auto-agressão, queixas somáticas, atos ilegais, fugas, abuso 
de substâncias e comportamento sexual inadequado. Entre os sintomas 
comuns às três fases de desenvolvimento estão: pesadelos, depressão, 
retraimento, distúrbios neuróticos, agressão e comportamento 
regressivo (Kendall-Tackett, Williams, Finkelhor, 1993, citado por 
Amazarray & Koller, 1998).
Outro estudo investigou as conseqüências negativas para as 
vítimas a curto prazo (Azevedo, Guerra & Vaiciunas, 1997). 
Participaram da pesquisa 21 vítimas de incesto pai-filha (pai biológico, 
adotivo ou padrasto). Elas foram atendidas na Ia Delegacia da Defesa 
da Mulher de São Paulo, onde havia registrados 76 casos como esses. 
As meninas responderam a uma entrevista semi-estruturada que 
envolvia duas partes: uma chamada álbum de família e a outra, minha 
vida em família. Na primeira, pediu-se às participantes que fizessem 
um retrato falado de cada uma das pessoas de sua família, incluindo 
ela própria. Este retrato de família foi feito, pelo desenho de cada 
menina, associado a uma entrevista complementar. Na segunda parte, 
foi abordada a vida em família das participantes, a partir dos seguintes 
temas: biografia pessoal, biografia familiar, incesto, causas, 
conseqüências e formas de evitação. Analisando o discurso das 
meninas foi possível identificar as principais modificações que 
perceberam em suas vidas, logo após a ocorrência do incesto. As 
conseqüências identificadas foram de dois tipos: orgânicas e 
psicológicas. Do primeiro tipo, foi mencionada a gravidez que ocorreu 
com duas adolescentes (uma de treze anos e outra de dezessete anos). 
Outras conseqüências físicas possíveis são doenças sexualmente 
transmissíveis e lesões físicas (Amazarray & Koller, 1998; Braun, 
2002). Entre as conseqüências psicológicas, Azevedo, Guerra e 
Vaiciunas (1997) identificaram as seguintes dificuldades: adaptação 
interpessoal, adaptação sexual, processo de ensino-aprendizagem e 
adaptação afetiva.
52 Abuso sexual contra crianças e adolescentes: conceituação e intervenção clínica
As dificuldades de adaptação interpessoal (com pessoas em 
geral, meninos, amigos, pais das amigas e irmãos) incluem 
retraimento, dificuldade em confiar nos outros e relacionamentos 
superficiais, além do risco de se tomarem adultos abusadores. Crianças 
que sofreram abuso podem apresentar lacunas na emissão de 
comportamento pró-social: compartilham menos, ajudam menos e 
se associam menos com outras crianças, quando comparadas com 
crianças que não foram vítimas de abuso (Flores & Caminha, 1994).
As dificuldades de adaptação sexual incluem brinquedo 
sexualizado com bonecas, introdução de objetos ou dedos no ânus 
ou na vagina, masturbação excessiva e em público, conhecimento 
sexual inapropriado para a idade e pedido de estimulação sexual a 
adultos ou a outros meninos ou meninas (Amazarray & Koller, 1998). 
Em crianças há um aparecimento precoce da sexualidade genital, 
enquanto em adolescentes a menarca pode ser vivida como uma reação 
violenta de vergonha: o sangue pode ser vinculado ao incesto e 
percebido como castigo. As vítimas sofrem de incapacidade de dizer 
não, têm dificuldades para se proteger e, numa reprodução do trauma, 
colocam-se em situações de perigo (Cohen, 1997; Rouyer, 1997). Na 
idade adulta, essas dificuldades podem se manifestar através do medo 
de se relacionar sexualmente, problemas de relacionamento sexual 
com o cônjuge, impotência, compulsão ao sexo, etc.
As dificuldades no processo ensino-aprendizagem identificadas 
no estudo de Azevedo, Guerra e Vaiciunas (1997) se manifestaram 
sob a forma de repetência ou de interrupção dos estudos, precedida 
ou não de repetência. Na amostra estudada, nove vítimas (42,8%) 
interromperam os estudos. As autoras sugerem que esses problemas 
podem ser resultantes de depressão ou de dificuldades em se 
concentrar.
As dificuldades de adaptação afetiva estão freqüentemente 
associadas ao sentimento de culpa, a idealizações e/ou a tentativas 
de suicídio e fixação em idéias de morte. O sentimento de culpa é 
uma reação típica em vítimas de abuso sexual na infância e adoles­
Luísa E Habigzang & Renato M. Caminha 53
cência. Segundo Azevedo, Guerra e Vaiciunas (1997), são três as 
possíveis explicações para esse sentimento: 1) medo das pressões 
oriundas do “complô de silêncio” que cerca a criança-vítima; 2) auto- 
condenação por ter experienciado algum prazer físico; 3) vergonha 
por ter se deixado abusar durante um longo tempo.
Azevedo, Guerra e Vaiciunas (1997) ressaltam que a fixação 
em idéias de morte e o suicídio (idealizado ou efetivamente tentado) 
têm provavelmente a mesma raiz: podem ser sintomas importantes 
de depressão, que, por sua vez, pode ser tristeza em decorrência de 
sentimentos de culpa e de autodesvalorização experimentados pelas 
vítimas. É importante observar que as idéias de morte surgiram em 
crianças, enquanto a problemática de suicídio revelou-se em adoles­
centes. Sentimentos de autodesvalorização e de culpa podem levar a 
uma série desastrosa de eventos. De um lado, a culpa internalizada 
pode ser um importante fator na manifestação de tentativas de suicídio, 
auto-agressão, depressão e anorexia nervosa. Por sua vez, quando 
extemalizada, pode redundar em delinqüência, pequenos crimes, fugas 
e comportamento anti-social. Para Gabei (1997), as conseqüências 
afetivas são as mais graves e difíceis de avaliar.
Esses efeitos implicam uma verdadeira ruptura na vida da criança 
e do adolescente. O termo ruptura justifica-se pelo corte brusco na 
vida da vítima: interrompe-se o ciclo da sexualidade normal com 
uma gravidez precoce, a sociabilidade toma-se mais limitada, há 
suspensão dos estudos, etc. E é por meio desse corte que

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