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Aula 4 – A Resistência à Escravidão: Religiosidade
Festa de Nossa Senhora do Rosário – Patrona dos Negros
A imagem é uma litogravura pintada pelo viajante alemão Johann Moritz Rugendas, que viajou pelo Brasil entre os anos de 1822 e 1825. Nela, o viajante registrou um evento comum na história do Brasil escravista: as festas das irmandades negras. Tais festividades reuniam negros e mestiços, escravos e libertos, na comemoração do Santo Padroeiro. Era um dos poucos momentos em que esses homens e mulheres podiam se reunir e festejar, pois essas festividades tinham o aval da Igreja para ocorrer.
A Igreja Católica foi uma das mais importantes instituições da história do Brasil. É possível afirmar que ela foi uma das responsáveis pela chegada dos portugueses no Novo Mundo, bem como por parte das políticas coloniais adotadas pela metrópole. Dito de outra forma, a colonização das Américas também era um movimento de conversão, de catequese dos autóctones do continente e, mais tarde, dos africanos escravizados que aqui chegavam. O fervor religioso chegou, inclusive, a colocar Igreja Católica e Coroa portuguesa em posições antagônicas (como no uso de indígenas como escravos).
Dessa forma, todos os que habitassem a América portuguesa – índios, africanos, portugueses, escravos e livres – deveriam ser católicos. As intervenções da Inquisição durante o período colonial apontam que a Igreja levava a sério a obrigação de cuidar de seu e de assegurar que ninguém desviaria dos propósitos divinos. Diferentes grupos indígenas passaram (muitas vezes, à força) pelo processo de catequese. Já os africanos recém-chegados eram batizados e recebiam um nome cristão que deveriam levar até a sua morte e, quando comprados por senhores religiosos, recebiam os primeiros ensinamentos católicos.
No entanto, se a Igreja tinha seus propósitos, africanos e indígenas souberam ler nas entrelinhas o que era dito e pregado, dando outro significado às práticas religiosas como formas de resistência. Em alguns casos (como nas irmandades negras), tais práticas pareciam conviver com o sistema escravista, mas, em outros, a escolha religiosa transformou-se em ferramenta efetiva de luta e resistência.
Resistência
A resistência foi uma constante na vida de índios e africanos escravizados. Ainda que as formas, tidas como clássicas, de resistir à escravidão passem pela luta aberta ― que muitas vezes levavam ao embate físico. A instauração do sistema escravista na colonização da América portuguesa (e sua manutenção no Império do Brasil) acabou abrindo flanco para outras formas de resistências; formas essas que, muitas vezes, utilizavam as instituições coloniais como muleta.
Para a grande maioria, a resistência ao cativeiro se fazia dia a dia, da hora em que se levantava para trabalhar até o momento de se recolher para dormir. Onde quer que tenha existido escravidão também houve resistência escrava. E tal resistência foi experimentada em diferentes níveis durante toda a história da escravidão no Brasil. No caso indígena, uma das formas mais frequentes de resistência foi o isolamento. Depois dos primeiros anos de contato, das mortes volumosas por epidemias vindas do Velho Continente, da catequização e da escravização, muitas sociedades indígenas decidiram rumar para regiões de difícil acesso, guiando-se pelos cursos dos rios. Contudo, conforme anunciado, muitos índios resolveram ir para a luta aberta e fizeram da religião uma importante arma.
Religiosidade
Antes do contato com os portugueses, a maior parte dos povos indígenas tinha um homem responsável pelos cultos religiosos. Tal homem recebia o título de pajé ou de xamã e, graças à sua relação com forças sobrenaturais, ele gozava de posição de prestígio entre os seus, o que fazia deles um dos principais inimigos do movimento de catequese. Ainda que os missionários tentassem acabar com os poderes (simbólicos e políticos) que os pajés tinham, eles não conseguiram desconstruir o panteão e os rituais religiosos de muitas sociedades indígenas com as quais entraram em contato.
Do sincretismo entre os dizeres e propósitos cristãos com as crenças e práticas religiosas indígenas originou-se a “Santidade” (nome dado pelos portugueses). Esse fenômeno era um culto sincrético e messiânico, no qual os índios questionavam o Deus católico e posicionavam-se contra os senhores brancos. Segundo Schwartz e Vainfas, esse movimento era uma combinação de crenças dos tupinambás no paraíso terrestre, com a hierarquia e os símbolos do cristianismo. Havia o culto em ídolos com poderes sagrados feitos de cabaça e pedra que, segundo os seguidores, dotariam os fiéis de força para lutar contra os brancos. Esses “santos” teriam ainda poder de vitalizar os idosos ou fazer as enxadas trabalhares sozinhas. Para tanto, era necessário entoar cantos e realizar cerimônias que podiam durar dias seguidos (regados do alto consumo de bebidas alcóolicas e infusão de tabaco), muitas vezes levando os fiéis ao estado de transe. O mais interessante é reconhecer as contribuições católicas deste movimento.
Além dos ídolos receberem o nome de santos, os líderes do movimento proclamavam-se como “papas”, chegando a nomear bispos e organizar os “missionários”, que tinham a incumbência de difundir o culto em outras localidades. Houve até mesmo um caso no qual os seguidores da Santidade criaram uma igreja destinada ao culto de “Maria”. A “Santidade” foi muito comum durante o século XVI, demonstrando como os índios que entraram em contato com os portugueses souberam reler os interesses e crenças cristãs sob uma nova ótica. Visão que lhes favorecia e que questionava as bases do sistema colonial que estava sendo montado. Com o passar dos anos, a morte crescente por epidemias e a entrada cada vez mais volumosa de africanos escravizados, a “Santidade” foi perdendo parte de seus seguidores, dando lugar a outras formas de resistência indígena, que serão abordadas na próxima aula.
Casamentos entre escravos ou de cativos com libertos também ocorriam nessas organizações. As irmandades negras ainda garantiam enterro e cortejo fúnebre digno para todos os seus membros. Além disso, em alguns casos, as irmandades negras ou irmandades de “homens pretos” eram formadas por africanos escravizados da mesma origem. Escravos e libertos angola ou congo se reuniam e formavam uma irmandade, reforçando, assim, identidades oriundas do outro lado do Atlântico.
Em determinadas situações, esses escravos também cultuavam entidades religiosas africanas ou atribuíam as mesmas características de deuses da sua terra de origem a santos católicos, como a forte relação estabelecida entre São Jorge e o orixá Ogum. Mais do que ampliar as redes de parentesco, as irmandades negras tiveram papel importante na luta pela liberdade de muitos escravos. Diversos escravos africanos e crioulos conseguiram obter sua liberdade graças à poupança feita por seus “irmãos” de credo. Assim que comprava a alforria de um membro, a irmandade começava uma nova poupança para ajudar outra pessoa.
Anualmente, cada irmandade fazia a festa para seu santo padroeiro. Esse era o momento mais importante de cada irmandade. Tal comemoração era composta por uma longa procissão, missa solene e grande festa com muita música, dança e batuque. Também era nessa festa que a irmandade coroava seu rei e sua rainha. Para os escolhidos, esse era um momento de grande prestígio frente a seus companheiros. A devoção de escravos e libertos fez com que algumas irmandades negras ganhassem muito prestígio e se transformassem em organizações com muito dinheiro. Um exemplo disto está no fato de que, no Rio de Janeiro, tanto a Igreja de Nossa Senhora do Rosário como a Igreja de São Elesbão e Santa Efigênia terem sido construídas na região central da cidade.
Famílias
Mais do que a formação de famílias segundo o modelo ocidental (ou a família nuclear composta pelo casal e seus filhos), os africanos e crioulos escravizados conseguiram desenvolver uma ideia de família muito próxima daquela encontrada em diferentesregiões africanas: a família extensa. Já que os laços de parentesco originais haviam sido rompidos pelo processo de escravização, muitos cativos encontraram no apadrinhamento uma forma eficaz e legítima (frente os olhos dos senhores, da Igreja Católica e do Estado) de reconstruírem suas redes de parentesco. Escravos e libertos batizavam os filhos de seus companheiros sob o juramento de se responsabilizar pela criança caso algum incidente ocorresse com seus pais. O compadrio também foi utilizado como uma das estratégias na luta pela liberdade, tendo em vista que os padrinhos e madrinhas, principalmente os alforriados e livres, se comprometiam em empenhar-se pela obtenção da liberdade de seus afilhados.
Diferentes Deuses e Entidades Africanas
As famílias extensas também estiveram presentes em muitas das religiões de matriz africana criadas em solo brasileiro. Africanos que vinham de regiões islamizadas da África, como o Golfo da Guiné, continuaram acreditando em Alá e, quando chegaram em solo brasileiro, fizeram o possível para encontrar outros muçulmanos e cultivar suas tradições e costumes. Os escravos e libertos islamizados criaram verdadeiras redes de contato e, em diversas situações eles, aqui no Brasil, sabiam de episódios importantes que estavam acontecendo em território africano ou em outras colônias e países da América. Religiões que cultuassem diferentes deuses e entidades africanas também foram comuns ao longo da história brasileira, embora os senhores, a Igreja Católica e as autoridades governamentais tentassem proibir essas práticas.
No Maranhão, africanos minas iniciaram o culto dos voduns; na Bahia, africanos jejes e nagôs reverenciavam os orixás. Tanto os voduns como os orixás eram deuses ancestrais ou heróis de diferentes sociedades africanas. Conforme ocorria na religião de diversos povos africanos, cada pessoa tinha um orixá que lhe acompanhava durante toda a vida e, para entrar em contato com seu orixá, a pessoa deveria passar por um ritual de possessão que era acompanhado de música e dança.
Durante o período em que estava em transe, a pessoa entrava em contato com a força divina e, muitas vezes, conseguia resolver os problemas que lhe afligiam. Muitos escravos e libertos faziam isso. Aos poucos, a crença nos orixás foi se desenvolvendo e, no século XIX, deu origem ao Candomblé. Essa religião era formada por “irmãos de fé” ― pessoas que acreditavam nos orixás e que se reuniam em torno a uma mesma casa ou terreiro. Nesse espaço, comandado por uma mãe de santo ou um pai de santo, além de realizar suas cerimônias religiosas, entrar em contato com seus deuses e buscar repostas por meio de jogos de adivinhação (como o jogo de búzios), muitos escravos e libertos conseguiram formar outra família, que muito se assemelhava com as grandes linhagens existentes em diversas localidades africanas.
Outros cultos e religiões com matriz africana também surgiram durante o período escravista e foram fortemente combatidas, como o caso da Umbanda. Os especialistas não sabem ao certo a origem da Umbanda (que mistura cultos religiosos de matriz africana, indígena e kardecista), mas as pesquisas levam a crer que os primeiros cultos surgiram no Rio de Janeiro na segunda metade do século XIX.  Juca Rosa ― liberto e filho de uma escrava da Costa ocidental africana ― é apontado pela historiografia como um dos possíveis fundadores dos cultos que, mais tarde, daria origem à Umbanda. Tido como feiticeiro, Juca Rosa era visitado não só por escravos e libertos, mas também por muitas pessoas ilustres da Corte do Império do Brasil que recorriam às suas “feitiçarias” para curar doenças do corpo e da alma.
Sua fama logo ganhou a cidade e Juca Rosa passou a ser perseguido pelas autoridades. Assim como Juca Rosa, outros homens e mulheres negros fizeram da religião não só uma ferramenta de construção de identidade, mas também uma forma de lutar contra uma sociedade escravista.
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