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Integração Lavoura Pecúaria São Miguel das Missões.

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32 - MAIO 2013
Resultados de um experimento de longa duração na Integração 
da Lavoura de Soja com Bovinos de Corte no Sul do Brasil
Paulo César de Faccio Carvalho & Ibanor Anghinoni*
Integração
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ILP
Os sistemas integrados de produ-ção agrícola e pecuária são sis-temas planejados para a explo-
ração de cultivos agrícolas e produção 
animal na mesma área, de forma con-
comitante ou sequencial, ou entre áre-
as distintas, explorando sinergismos e 
propriedades emergentes derivadas de 
interações nos compartimentos solo-
planta-animal-atmosfera do sistema. 
Esses sistemas são conhecidos sob a 
denominação coloquial de integração 
lavoura-pecuária (ILP), usualmente 
correspondendo a associações entre 
pecuária de corte ou leite e cultivos 
como soja, milho, arroz, eucalipto, al-
godão, dentre outros.
O interesse nesses sistemas esteve 
em baixa até recentemente, quando a 
agricultura evoluía pelo caminho da 
intensificação do uso de insumos e 
da especialização dos cultivos. Como 
resultado, houve perda de biodiversi-
dade nos ecossistemas agrícolas, po-
luição ambiental e fracionamentos de 
habitats, dentre várias decorrências 
indesejáveis. Segundo a FAO, essas 
consequências mostram a necessidade 
de se trabalhar novos paradigmas na 
agricultura, novas formas de produzir 
alimento, conciliando produção com 
meio ambiente. E eis que os antigos 
sistemas integrados e diversos, que 
haviam sido preteridos pela agricultu-
ra contemporânea, retomam seu valor 
e interesse, agora em novo patamar. 
O fato de serem reconhecidamente 
conservativos, ao terem por base a 
reciclagem de nutrientes e a diversi-
ficação, mas agora construídos sobre 
tecnologias como o plantio direto, os 
credencia como “terceira via tecnoló-
gica” para o desafio da produção de 
alimentos, que agora exige produtivi-
dade com elevado respeito ambiental. 
É neste cenário que em 2001 foi 
iniciado o experimento sobre a in-
tegração entre a lavoura de soja e a 
pecuária de corte do Sul do Brasil. O 
local escolhido foi a confluência dos 
municípios de Tupanciretã, Jóia e São 
REVISTA AG - 33
Miguel das Missões, região de maior 
área de plantio de soja no Rio Gran-
de do Sul. Um clima subtropical com 
verões quentes, Latossolo Vermelho 
Distroférico com 540 g/kg argila, pH 
baixo (4,7), matéria orgânica de 3,2% 
e teores elevados de alumínio carac-
terizam o local. Nesta região, o siste-
ma agrícola predominante é o cultivo 
da soja no verão, enquanto no inver-
no as áreas ficam com cobertura de 
aveia para produção de palhada para o 
plantio direto. Há pouca rotação com 
milho, pois a ocorrência de déficit hí-
drico no verão é recorrente. O trigo 
não tem sido opção, pois as frustra-
ções são recursivas. Logo, a soja é a 
principal cultura da região (4.197 mil 
ha no RS), e a maioria dos produto-
res vive de uma única colheita anual. 
Colheitas essas que resultaram em 
frustrações de safra em 44% dos anos 
agrícolas desde 1976. Disto resulta 
um ambiente de produção de elevado 
risco e insegurança.
Foi com o intuito de se aportar so-
luções a esses sistemas pouco diver-
sificados que a UFRGS implementou 
um experimento propondo a rotação 
da soja com o gado na entressafra. 
Isso significava trabalhar com ani-
mais em áreas agrícolas de alto valor 
e manejadas sob plantio direto, com 
todos os cuidados na conservação dos 
solos e manutenção de cobertura per-
manente de palhada. Uma situação em 
que a totalidade dos técnicos e produ-
tores vê os animais como indesejá-
veis. Para estudar essa proposta foi 
primeiramente necessário estabelecer 
parceria científica entre os adeptos de 
Solos e os de Plantas Forrageiras e 
Agrometeorologia, pois o desafio que 
se apresentava era multidisciplinar. 
Segundo, foi necessário estabelecer 
parceria com um produtor rural que 
fosse arrojado a ponto de permitir que 
uma situação tal pudesse ser estuda-
da em longo prazo na sua proprieda-
de. E constituiu-se parceria com Sr. 
Armando Chaves Garcia de Garcia e 
Sra. Suzana Pereira Garcia de Garcia 
& Filhos, proprietários da Fazenda do 
Espinilho. Por último, havia necessi-
dade de recursos de instituições que 
provessem os elevados custos de um 
protocolo tão complexo, e distante de 
Porto Alegre. Nesses 12 anos destaca-
ram-se os apoios de CNPq, Fundação 
Agrisus, Fapergs, Embrapa e MAPA. 
O dispositivo experimental tem 
aproximadamente 20 ha, estabeleci-
do com todos os rigores científicos de 
controle local (bloqueamento), aleato-
rização e repetição (3) de tratamentos. 
Além do “sistema controle”, caracte-
rizado pelo cultivo da soja em rotação 
com cobertura de inverno sem paste-
jo, outros quatro tratamentos foram 
estabelecidos com pastos consorcia-
dos de aveia e azevém, caracterizando 
variações em taxas de lotação, desde 
muito pesadas a bem leves (alturas de 
manejo do pasto de 10, 20, 30 e 40 
cm). A soja é semeada no final de no-
vembro/início de dezembro e colhida 
em abril. O pasto de aveia é então se-
meado, se estabelecendo em meio ao 
azevém que retorna via ressemeadura 
natural. Novilhos de 8-9 meses, em 
torno dos 200 kg, entram na pastagem 
na primeira quinzena de julho, e ali 
permanecem até a primeira semana 
de novembro. O método de pastoreio 
é o contínuo e a carga variável para 
manter as alturas de manejo pretendi-
das. A cada ano de experimentação, a 
despeito dos tratamentos serem man-
tidos, o foco de estudo tem evoluído 
constantemente, desde a avaliação do 
impacto do animal nos atributos físi-
cos, químicos e biológicos do solo, 
passando por produtividade e renta-
bilidade dos sistemas, a evolução dos 
estoques de carbono e ciclagem de 
nutrientes, até as temáticas atuais re-
lacionadas ao potencial de mitigação 
dos gases de efeito estufa, e determi-
nação do intervalo hídrico ótimo. 
Como não poderia deixar de ser, os 
resultados do rendimento da soja são 
bastante variáveis ao longo do tem-
po e independentes de se ter rotação 
com gado ou não. A maior produção 
foi registrada em 2002 (3.737 kg de 
grãos/ha) e a menor, em 2011 (310 
kg de grãos/ha). No mesmo período 
a produção do gado, em ganho médio 
diário, registrou o maior valor de 1,11 
kg/cb em 2005 e o menor valor de 
0,89 kg/cb em 2008, enquanto o ga-
nho por hectare variou de 286 kg/ha 
em 2001, a 386 kg/ha em 2004. Esses 
resultados ilustram a enorme diferen-
ça entre a variabilidade da produção 
de grãos e a produção do gado. Na 
média dos anos, o sistema que simula 
a agricultura predominante na região 
apresenta rendimento médio de soja 
de 49 sacos/ha. Como média, um re-
sultado mais que satisfatório. Mas o 
problema são os anos de quebra de sa-
fra. Comparando com o sistema onde 
o gado é integrado e considerando o 
rendimento do gado transformado em 
equivalente sacos de soja, a média 
de colheita passa a ser de 81 sacos/
ha. Um incremento de 32 sacos! E 
ainda mais importante, naquele ano 
(2011) em que se colheu apenas 5,2 
Contraste de corte entre 
40 e 10 cm fala por si
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Integração
sacos/ha, quando se tinha gado no 
sistema a produção animal aportou o 
equivalente a 35 sacos/ha. Portanto, 
ter gado é sempre bom, mas ter gado 
em anos de quebra pode ser simples-
mente a diferença entre se ter ou não 
futuro na atividade.
Outro resultado relevante diz res-
peito ao impacto do animal nos atri-
butos físicos do solo. No método 
plantio direto, a cobertura do solo 
pela palhada é fundamental. Nesse 
sentido, a presença do animal no sis-
tema é tida como indesejável, seja 
por consumir a vegetação que deveria 
se constituir palha, seja pelo trânsito 
e impacto do casco na superfície do 
solo. Nesse aspecto, o experimento 
produziu inúmeras informações com 
diferentes metodologias, desde coleta 
de amostras indeformadas em anéis 
metálicos,penetrômetros georeferen-
ciados até o uso de hastes sulcado-
ras instrumentalizadas para avaliar 
a resistência do solo à penetração e 
a força de tração da semeadoura. Os 
resultados demonstraram que pastos 
manejados em alturas ≥ 20 cm não 
apresentam compactação que gere 
impedimento ao crescimento vege-
tal. Somente pastos conduzidos a 10 
cm apresentam incrementos na den-
sidade do solo e perdas em macro e 
microporosidade. Porém, ainda que 
esses efeitos ocorram quando a taxa 
de lotação é muito alta (5-6 novilhos/
ha), eles não mais são detectados em 
profundidades do solo superiores a 6 
cm. O acompanhamento sistemático 
da área mostrou que esses efeitos são 
revertidos pela soja, pois no final de 
cada ciclo esses parâmetros retornam 
aos seus níveis originais.
Enquanto se detecta compactação 
apenas na condução de pastos com 10 
cm de altura, e de forma superficial e 
reversível, no tocante aos parâmetros 
de agregação do solo, biomassa mi-
crobiana e diversidade desta biomas-
sa, todos são melhorados pela presen-
ça do animal em pastejo. Variáveis 
indicadoras da qualidade do solo, tais 
como diâmetro médio ponderado e o 
índice de manejo do carbono, tam-
bém são incrementados pelo pastejo. 
A evolução dos estoques de carbono 
tem sido positiva e contínua nos 10 
primeiros anos, justificando o uso do 
sistema para políticas setoriais como 
o Programa ABC (Agricultura de Bai-
xa Emissão de Carbono). A melhoria 
na qualidade do solo está associado 
a dinâmica imposta pela presença do 
animal, que ingere a cobertura vege-
tal, a digere e excreta fezes e urina, 
provocando rebrotes e aportando ao 
sistema novas vias de ciclagem que 
têm impacto positivo, particularmen-
te sobre a biota do solo. Estudos que 
georeferenciaram a distribuição dos 
excrementos concluíram que áreas 
com presença de fezes produziram 
671 kg/ha de soja a mais do que áre-
as sem fezes. Quando se avaliou a 
ciclagem de N, P e K, constatou-se 
que em áreas pastejadas a ciclagem 
desses elementos é incrementada em 
65%, 80% e 77%, respectivamente, 
em comparação àquelas sem ani-
mais. Outra resposta impactante foi 
em relação à dinâmica do calcário. 
Nas áreas sem pastejo o calcário des-
ce 2,5 cm por ano em profundidade, 
enquanto nas áreas pastejadas esse 
fluxo chega a 7,5 cm. 
Para concluir, os resultados têm 
demonstrado como a produção de 
gado pode ajudar o produtor de soja 
a diversificar a produção e ter mais 
segurança e renda em sua atividade. 
Ao contrário do que se pensa, o gado 
pode melhorar o solo de áreas sob 
plantio direto, acrescentando vias de 
ciclagem que inexistem em rotações 
puramente agrícolas. Mas para isso 
é premente que se trabalhe com lota-
ções moderadas (pastos com 20 cm 
ou mais), pois o manejo da lotação é 
determinante do sucesso ou fracasso 
da integração.
Para aqueles que quiserem se apro-
fundar, a UFRGS, em conjunto com a 
família Garcia de Garcia e a Fundação 
Agrisus, organiza anualmente um dia 
de campo entre final de setembro e 
início de outubro. O Boletim Técnico 
Integração Soja-Bovinos de Corte no 
Sul do Brasil reúne os resultados dos 
10 primeiros anos da pesquisa e está 
disponível com os autores ou com a 
Fundação Agrisus.
*Paulo Carvalho e Ibanor Anghinoni são 
professores da Faculdade de Agronomia da 
UFRGS - paulocfc@ufrgs.br e ibanghi@ufrgs.br
Para Paulo César, os resultados 
têm demonstrado como a produção 
de gado pode ajudar o produtor de 
soja a diversificar
Contraste entre a palhada 
acumulada no tratamento sem pastejo 
ao lado de um piquete pastejado

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