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FEVEREIRO 2018::Nº132 FEVEREIRO 2018::Nº132 Com conteúdo da DOSSIÊ A INOVAÇÃO QUE VEM DA ÁFRICA A REVOLUÇÃO DA EDUCAÇÃO EXECUTIVA ÉPOCA NEGÓCIOS::ANO 11 A REVOLUÇÃODA EDUCAÇÃOEXECUTIVA É O FUTURO, MASNÃO SEASSUSTE Pascal Finette, chefe do programa de empreendedorismo e inovação aberta da Singularity University AS HABILIDADES INDISPENSÁVEIS PARAOMUNDO DIGITAL MBAAINDAVALE A PENA? O QUE INTERESSANA SINGULARITYUNIVERSITY E NAHYPER ISLAND ENTREVISTAEXCLUSIVA: O FUNDADOR DOWEWORK EXPLICA COMO SERÁAWEGROW 132Capa.indd 1 02/02/2018 21:34:15 R E P O R T A G E N S EDUCAÇÃO EXECUTIVA Instituições de ensino radicais revolucionam a preparação de gestores Fevereiro 2018 Número 132 06 Carta do editor Foto de capa: Divulgação 8 | Embraer A negociação com a Boeing cria muitas possibilidades e alguns riscos para a joia da indústria brasileira 17 | Afila anda Rotatividade nas vagas pode beneficiar a produtividade da economia e o cidadão, ensina a Suécia 92 | Ahora dela OprahWinfrey explica por que o mundo está mudando e oferece aos americanos um novo tipo de inspiração 94 | Telescópio A consultora Iza Dezon, da francesa Peclers, antecipa tendências e explica como observá- las no nascedouro I D E I A S I N T E L I G Ê N C I A S I G A O L Í D E R I N S I G H T S OQUEÉOG.LAB OG.LABelabora conteúdos de qualidadepatrocinados por empresas que contratamseus serviços. Eles são identificados por expressões como “apresenta”, “apresentado por”, “oferecimento”, “especial publicitário”, “conteúdopublicitário”, “publieditorial” e “promo”. 21 | Artigo Guilherme Horn alerta para os limites do planejamento 22 | LaNave decola Madri quer descobrir o caminho das cidades inovadoras 28 | Entrevista Zia Chishti e sua segunda empresa de mais de US$ 1 bilhão 34 | DossiêÁfrica As boas ideias de startups africanas atraem investidores 48 | É coisa séria Os planos da Giphy, maior produtora de GIFs do planeta 66 | Entrevista Pascal Finette, da Singularity, e a ambição de salvar o mundo 70 | Entrevista SofiaWingren, da Hyper Island, e a importância de desaprender 72 | Crianças primeiro As escolas infantis que educam para o século 21 80 | Entrevista Miguel McKelvey, doWeWork, e as sacadas daWeGrow 82 | O quevale saber? Em novo livro, o futurólogo Tim O’Reilly avalia a IA e a educação 86 | ADidi acelera O que a gigante chinesa fará após comprar a 99 90 | O novo normal Junte ummeme racista, a festa da firma e um funcionário indignado 54 | 4 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 04_EN132.indd 4 02/02/2018 20:19:07 REDAÇÃOÉPOCANEGÓCIOSEPEQUENASEMPRESAS&GRANDESNEGÓCIOS DIRETORA DE REDAÇÃO: Sandra Boccia EDITORES EXECUTIVOS:Marcos Coronato eMarisa Adán Gil EDITORES:Dubes Sônego, Elisa Campos, Fabiano Candido,MarceloMoura,Mariana Iwakura, Raquel Grisotto e Thomaz Gomes REPÓRTERES:Adriano Lira, Barbara Bigarelli, Daniela Frabasile, Edson Caldas e Nayara Fraga ESTAGIÁRIOS:Amanda Oliveira, Carina Brito eMariane Reghin (texto) DIRETORES DE ARTE:Alex Vargas Cassalho e Rodrigo Buldrini ASSISTENTES DE REDAÇÃO:Mariana Alves da Silva e Sabrina dos Santos Bezerra COLABORADORES: Alexandra Gonsales, Emily Canto Nunes, GuilhermeHorn,Marcos Todeschini, Paulo EduardoNogueira, Patricia Oyama, Priscila Cruz, Rodolfo Araújo e Soraia Yoshida (texto); Luiz RobertoMendes Gonçalves (tradução); Anna Carolina Negri, Jefferson Dias, Leo Lemos e Rogério Albuquerque (fotografia); Baptistão, Davi Augusto e Denis Freitas (ilustração); Jonatan Sarmento (infografista); Laís Rigotti (revisão) O Bureau Veritas Certification, com base nos processos e procedimentos descritos no seu Relatório de Verificação, adotando um nível de confiança razoável, declara que o Inventário de Gases de Efeito Estufa - Ano 2012, da Editora Globo S.A., é preciso, confiável e livre de erro ou distorção e é uma representação equitativa dos dados e informações de GEE sobre o período de referência, para o escopo definido; foi elaborado em conformidade com a NBR ISO 14064-1:2007 e Especificações do Programa Brasileiro GHG Protocol. DIRETOR GERAL Frederic Zoghaib Kachar DIRETORA DEMERCADO ANUNCIANTEVirginia Any DIRETOR EDITORIAL Fernando Luna Deseja falar comaEditora Globo? ATENDIMENTO 4003-9393 www.sacglobo.com.br LICENCIAMENTODECONTEÚDO 21 2534-5777 l 2534-5526 l 2534-5595 venda_conteudo@edglobo.com.br VENDASCORPORATIVAS EPARCERIAS 11 3767-7226 parcerias@edglobo.com.br EDIÇÕESANTERIORES O pedido será atendido através do jornaleiro ao preço da edição atual, desde que haja disponibilidade de estoque. Faça seu pedido na banca mais próxima. PARAANUNCIAR SP: 11 3736-7128 l 3767-7447 3767-7942 l 3767-7889 3736-7205 l 3767-7557 RJ: 21 3380-5930 l 3380-5923 BSB: 61 3316-9584 NAINTERNET www.assineglobo.com.br/sac 4003-9393 ASSINATURAS 4003-9393 www.sacglobo.com.br MERCADOANUNCIANTE SEGMENTOS –TECNOLOGIA, TI, TELECOM, ELETROELETRÔNICOS, COMÉRCIO EVAREJO GERENTEDENEGÓCIOSMULTIPLATAFORMA:Ciro Horta Hashimoto; EXECUTIVOSMULTIPLATAFORMA:Christian Lopes Hamburg, Cristiane de Barros Paggi Succi, Jessica de Carvalho Dias e Roberto Loz Junior SEGMENTOS –BENSDECONSUMO,ALIMENTOSEBEBIDAS, MODAEBELEZA,ARQUITETURAEDECORAÇÃO DIRETORADENEGÓCIOSMULTIPLATAFORMA: Selma Souto; EXECUTIVOSMULTIPLATAFORMA:Eliana Lima Fagundes, Fátima Regina Ottaviani, Giovanna Sellan Perez, Paula Santos Silva e Selma Teixeira da Costa SEGMENTOS –MOBILIDADE, SERVIÇOS PÚBLICOS E SOCIAIS,AGRONEGÓCIOS, INDÚSTRIA, SAÚDE, EDUCAÇÃO,TURISMO, CULTURA, LAZEREESPORTE DIRETORDENEGÓCIOSMULTIPLATAFORMA: Renato Augusto Cassis Siniscalco; EXECUTIVOSMULTIPLATAFORMA:Cristiane Soares Nogueira, Diego Fabiano, João CarlosMeyer e Priscila Ferreira da Silva; DIRETORADENEGÓCIOSMULTIPLATAFORMA: Sandra Regina deMelo Pepe; EXECUTIVOSDENEGÓCIOSMULTIPLATAFORMA:Dominique Pietroni de Freitas e Lilian deMarche Noffs SEGMENTOS – FINANCEIROE IMOBILIÁRIO DIRETORDENEGÓCIOSMULTIPLATAFORMA: EmilianoMoradHansenn; EXECUTIVOSMULTIPLATAFORMA:Ana Silvia Costa eMilton Luiz Abrantes EESCRITÓRIOSREGIONAIS DIRETORADENEGÓCIOSMULTIPLATAFORMA: LucianaMenezes Pereira; GERENTEMULTIPLATAFORMA:Larissa Ortiz; RIODE JANEIRO GERENTEDENEGÓCIOSMULTIPLATAFORMARJ:Rogerio Pereira Ponce de Leon; EXECUTIVOSMULTIPLATAFORMA: Daniela Nunes Lopes Chahim, Juliane Ribeiro Silva, Maria CristinaMachado e Pedro Paulo Rios Vieira dos Santos BRASÍLIA GERENTEMULTIPLATAFORMA:Barbara Costa Freitas Silva; EXECUTIVOMULTIPLATAFORMA: Jorge Bicalho Felix Junior OPECOFFLINE: Bruno Granja, Carlos Roberto de Sá e Douglas Costa; OPECONLINE:Danilo Panzarini e Rodrigo Pecoschi EGCN CONSULTORADEMARCAS:Olivia Cipolla Bolonha DESENVOLVIMENTOCOMERCIALEDIGITAL DIRETORDEDESENVOLVIMENTOCOMERCIAL E DIGITAL:Tiago Joaquim Afonso; G.LAB:Caio Henrique Caprioli e Lucas Fernandes; EVENTOS:Daniela Valente; PORTFÓLIO EMERCADO: Rodrigo Girodo Andrade; PROJETOS ESPECIAIS:Guilherme Iegawa e Luiz Claudio dos Santos Faria AUDIÊNCIA DIRETORDEMARKETINGCONSUMIDOR:Cristiano Augusto Soares Santos; DIRETORDE PLANEJAMENTOEDESENVOLVIMENTOCOMERCIAL:Ednei Zampese; COORDENADORESDEMARKETING: Eduardo Roccato Almeida e Patricia Aparecida Fachetti ESTÚDIODECRIAÇÃO DIRETORA DE ARTE:CristianeMonteiro; DESIGNERS:Alexandre Zanardo, Clayton Rodrigues, Felipe Yatabe,Marcelo Serikaku e Verúcio Ferraz; CarolMalavolta (estagiária) ESTRATÉGIADE CONTEÚDODIGITAL GERENTE: Silvia Balieiro ESTRATÉGIADIGITAL COORDENADOR: Santiago Carrilho DESENVOLVEDORES:AlexsandroMacedo, FabioMarciano, Fernando Raatz, Fred Campos, Leandro Paixão, Marden Pasinato, MarvinMedeiros eWilliam Antunes DIRETOR DE GRUPO AUTOESPORTE, ÉPOCA NEGÓCIOS, GLOBO RURAL E PEQUENAS EMPRESAS & GRANDES NEGÓCIOSRicardo Cianciaruso 5epocanegocios.globo.comFevereiro 2018 05_EN132.indd 5 02/02/2018 19:50:11 QUETIROFOI ESSE? E D I T O R I A L Desde que Bill Gates, SteveJobs eMark Zuckerberg sam-baram na cara dos inimigos com seus famosos dropouts, mos- trando que bom mesmo é ser aluno da Ivy League – só para entrar e sair rapidinho, pois importante mesmo é mudar o mundo –, as coisas come- çaram a complicar para a educação executiva. É verdade que o formato industrial (ou medieval?) de ensinar das escolas muradas estava na corda bamba desde o fim do século passado. Mas agora sua morte foi finalmente decretada. Tudo vai mudar para no- vas e antigas gerações, que passaram a vida fazendo maratonas de provas, foram atormentadas pela humilhante recuperação, se mataram para entrar em universidades famosas e se confi- naram em salas geladas por um bom par de anos (até aos sábados!) para atingir o clímax acadêmico e as siglas MBA e Ph.D. no perfil do LinkedIn. Para entender um mercado que virou de cabeça para baixo, e dar um norte para estudantes e empresas, fizemos uma edição globalizada, que mesmo lugar em que educam os fi- lhos. Crianças e cachorros aceitos nos novos escritórios. Eita louco. Vai saber aonde vai dar. O fato é que novasmetodologias se multiplicam mais que dietas. Adeus, passividadeedecoreba!Mas, por favor, inglês continua fundamental, até para recitar os novos hits do momento: de- sign thinking e hackathon. Desses en- contros, saemprotótipos e vencedores. Mas, claro, o importante é a vivência. O espírito de competição está down no high society. O mesmo vale para estu- dantes mais grandinhos. Para estes, o cardápio acadêmico de velhas e novas instituições oferece viagens cujos des- tinos são, claro, centros de empreen- dedorismo. O medo de ficar obsoleto transformou o Silicon Valley em ponto turístico. Nada como ir até o Facebook e postar uma selfie com o polegar das curtidas ao fundo. Executivos e em- presas abrem seus bolsos na esperan- ça de que outros abram suas cabeças. Pascal Finette, chefe do programa de empreendedorismo e inovação aber- ta da Singularity University, bem que traz entrevistas com pessoas de na- cionalidades analógicas e digitais. Descobrimos que, no ensino médio e fundamental, instituições católicas e familiares estão cedendo lugar a fun- dos de investimentos. As novas esco- las de elite chegam chegando, com o espírito “quer causar, a gente causa”. Tratam professores como executivos e, no cardápio acadêmico, oferecem até spiritual guidance. É o caso da WeGrow, a nova aposta de negócios do WeWork. Fomos até a Cidade do México conversar com um dos fun- dadores do coworking mais famoso do mundo, Miguel McKelvey, e fa- lamos sobre o novo modelo, que tem por intenção desenvolver o espírito empreendedor nas criancinhas. Sim, empreendedorismo é o novo man- darim. Imagine só se eles resolvem abrir uma escola em cada unidade de coworking. Seria a realização do sonho de toda família: trabalhar no 6 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 06_07_EN132.indd 6 02/02/2018 19:43:00 Sandra Boccia |Diretora de Redação sboccia@edglobo.com.br tenta fazer isso. Enfático, ele e muitos outros recomendamaos líderes treinar os celebrados soft skills. Tudo bem, a gente pode achar o resto na internet. Mas, por favor, não se esqueçam de que o profissional mais desejado hoje nos Estados Unidos é o cientista de dados. E, até que seja possível fazer upload de conhecimentos de matemá- tica, a base formal ainda é obrigatória. NANODEGREES Na fissura aberta entre o velho e o novo mundo, estamos todos nós, que, na esperança de nos mantermos produtivos e provedores, não titu- beamos em gastar um punhado de dólares em cursos de curta duração nas novas mecas do aprendizado di- gital. Singularity University, Hyper Island, Berlin School of Creative Leadership, entre outras, captaram o espírito da nossa época, e abalam estruturas pedagógicas com pro- messas de rejuvenescimento de men- talidade. Rumores dão conta de que alguns, antes mesmo do fim do cur- so, já desistem do emprego, do côn- juge e da fé no fiat money. Isso sem falar nas plataformas que oferecem “nanodegrees” (convenhamos, um nome bem mais hype que diploma) e nas startups que oferecem orien- tação (me recuso a chamar de cur- so) por WhatsApp. Não, não é fácil sobreviver em um mundo em que crianças de 3 anos sabem usar os fil- tros do Instagram, enquanto adultos sofrem para fazer movimento coor- denado no Boomerang. Seja como for, em todos os continentes só se fala dessa nova espécie encontrada no “ecossistema”, conhecida como founder. A Europa, desde o discurso do presidenteMacron sobre a França empreendedora, decidiu investir em espaços gigantes para startups, como você verá na nossa reportagem sobre a La Nave, deMadri, na Espanha. Sai de cena a disputa entre as cidades com os prédios mais altos do mun- do, para dar lugar à briga por qual delas possui as aceleradoras mais sexies, capazes de gerar emprego e sentido para os jovens e milhares de imigrantes, que conseguiram cruzar as fronteiras geográficas e virtuais, mas não a do desemprego. Também fomos até a África para entender como o continente de in- fraestrutura precária, ataques ter- roristas e conflitos políticos conse- guiu encontrar um caminho entre problemas abissais e oportunidades galácticas. A resposta pode ser en- contrada, por exemplo, em Nairóbi, a capital do Quênia, também conhe- cida como a Savana do Silício, cujo fomento a startups atraiu investi- mentos internacionais e uma posi- ção bem melhor do que a do Brasil no ranking Doing Business do Ban- co Mundial. A fórmula usada pelos africanos para resolver seus proble- mas foi pular fases da industrializa- ção e partir direto para os benefícios da tecnologia, mesmo que os recur- sos usados por eles pareçam obsole- tos aos olhos das regiões mais ricas. Se não há energia disponível em lugares remotos, os makers fazem roteadores wi-fi alimentados por energia solar e resistentes à água. Se os bancarizados são minoria, os mi- cropagamentos resolvem o proble- ma, mesmo usando redes 2G e 3G. As oportunidades do continente são tantas que a China resolveu investir US$ 60 bilhões na região em 2017 – e empresas como IBM, Facebook e Google já fincaram bandeira por lá para instalar data centers e redes de fibra ótica, e colher dados para se- rem analisados sob a perspectiva da inteligência artificial. Só para nos lembrarmos que volumes imensos de dados se transformam em infor- mação extremamente sofisticada – e possuí-los é a chave para se manter no pico do mundo, também conhe- cido como 1%. Enquanto não sabe- mos se, no futuro, só vão existir dois únicos estados de espírito, o do em- preendedor e o do desempregado, me cabe um conselho: leia, comente e compartilhe as reportagens que tratam dos negócios da sua época. fotos: reprodução 7epocanegocios.globo.comFevereiro 2018 06_07_EN132.indd 7 02/02/2018 19:43:02 foto: Divulgação OTESOURO BRASILEIRO Há três anos, muito antes de se tornarem públicas as conversas de associação entre Embraer e Boeing, o consultorWayne Plucker sugeriu uma nova forma de avaliar a companhia brasileira. Ao investir com arrojo no negócio de aeronaves militares, a Embraer se diferenciava de sua concorrente mais tradicional, a canadense Bombardier. “Emmuitos aspectos, a Embraer lembra uma versão pequena da Boeing”, disse em 2015 Plucker, diretor da área de Defesa da Frost & Sullivan. Tomara seja esse o futuro da Embraer. O balanço da Boeing, além do lucro de 2017, tem projeções apetitosas para 2018. Incluem faturar mais com serviços, avançar na parceria com a Nasa, entregar quantidade inédita de aviões comerciais, bater recorde de receita (aproximando- se dos US$ 100 bilhões) e elevar em 15% a verba destinada a pesquisa e desenvolvimento, para US$ 3,7 bilhões. Bom que as duas companhias continuem a negociar. “Consideramos realmente importante a oportunidade que temos coma Embraer”, disse o CEO da Boeing, Dennis Muilenburg. Há dois poréns no caminho: o governo brasileiro exige manter seu poder de veto sobre decisões da empresa brasileira e os americanos têm fama ruim no quesito transferência de tecnologia. Qualquer acordo precisará mostrar qual será o ganho da Embraer em propriedade intelectual. QUEVENHAABOEING –MASA EMBRAER PRECISARÁZELAR POR SUAPROPRIEDADE INTELECTUAL MARCOSCORONATO 8 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 08_09_EN132.indd 8 02/02/2018 18:38:15 EMBRAER BOEING AO INVESTIR EM TECNOLOGIA MILITAR, A EMBRAER SE TORNOUMAIS ATRAENTE PARA A BOEING 6 450 97 3,7 bilhões é a estimativa de receita líquida da Embraer em2017 (divulgação prevista para 8 demarço) milhões, aproximadamente, foram investidos pela empresa em pesquisa e desenvolvimento bilhões, aproximadamente, é a expectativa de receita da Boeing em2018 bilhões é a projeção da companhia de verba para pesquisa e desenvolvimento JUNTAS O cargueiro militar KC-390, maior avião já fabricado pela Embraer. A Boeing já é parceira na prospecção de mercado e assistência técnica 9epocanegocios.globo.comFevereiro 2018 08_09_EN132.indd 9 02/02/2018 18:38:16 foto: Egberto Nogueira / imãfotogaleria Bradesco e Santander entraram de vez na onda dos coworkings, inaugurada pelo Itaú Unibanco. O Habitat, do Bradesco, faz sua estreia neste mês em São Paulo, com um espaço de 22mil metros quadrados, com vistas espetaculares. Saiu do ppt com 65 empresas, mas com capacidade de abrigar outras 50. O Farol, do Santander, escolheu um prédio ícone, a torre do antigo Banespa, e teve direito até a direção artística, do empreendedor e escritor Facundo Guerra. Também atraiu para lá a sede da Endeavor. A briga entre os bancos promete. PORDUBES SÔNEGO COWORKINGSAO CUBO BRADESCO E SANTANDERADEREMAOMODELOMODERNINHO DE TRABALHAR 10 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 010_EN132.indd 10 02/02/2018 18:48:40 foto: Jefferson Dias Quando trabalhava para uma fabricante multinacionalde embalagens para remédios, a farmacêutica IzabelFittipaldi vivia chateada. A indústria toda usava – e ainda usa – cartelas de medicamentos caras e não reciclá- veis. “Por que isso?”, perguntava Izabel aos colegas do setor. “Porque não há alternativa”, diziam eles. A fim de solucionar o dilema, Izabel criou, primeiro, um substituto para a folha de alumínio que cobre o fundo da embalagem. Com a ajuda REMEDINHOCONTRA POLUIÇÃO EMPREENDEDORAUSANANOTECNOLOGIA PARA CRIAR CARTELA DE MEDICAMENTO RECICLÁVEL E MAIS BARATA da nanotecnologia e de seu irmão Hamílton Viana, um químico pós-doutor em engenharia de materiais, desenvolveu uma espécie de tinta que, quando aplicada a uma folha de papel, assume a função de impermeabili- zante. A solução, chamada de papel blíster, bate o alumínio em quase tudo: é 57%mais barata, 30%mais leve e tem um índice de proteção contra a umidade próximo ao do metal. Depois de resolvida a parte de baixo da embalagem, a farmacêutica descobriu que a mesma tecnologia poderia ser adicionada no plástico que protege a parte superior do comprimido. O resultado foi um produto 45%mais barato e commaior barreira de proteção. Tanta inova- ção despertou a atenção de grandes empresas. A Na- nomix, como foi batizada a startup de Izabel, participou dos programas de acelera- ção da Braskem, da Jasmine e da Fibria. Uma indústria farmacêutica testa o produ- to. O interesse vai além da redução de custos. “Nossa solução é 100% reciclável”, diz a empreendedora, hoje feliz da vida. PORNAYARAFRAGA * transmissão de vapor d’água. Quanto mais próximo do zero, melhor é a barreira 1 TONELADA por mês é a quantidade que a Nanomix está apta a produzir em sua fábrica em Guarulhos (SP). O material é como uma tinta adicionada ao papel e ao plástico. 1,6WVTR* É o índice de passagem de umidade que o plástico permite com a nanotecnologia, inferior ao do plástico tradicional, 1,9WVTR. Quanto menor, melhor. R$30/kg É o preço do papel blíster com tratamento nanotecnológico. O quilo do alumínio pago pelas farmacêuticas chega a custar R$ 70. 18MIL TONELADAS É a quantidade de cartelas de remédio jogadas fora no Brasil por ano. Elas não são recicláveis, pela dificuldade em separar alumínio de plástico. 12 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 012_EN132.indd 12 02/02/2018 18:44:57 foto: Rogério albuquerque Ofluxo de investimentoestrangeiro direto caiu 16% no mundo em 2017, mas aumentou 4% no Brasil, apesar da turbulência política e econômica. Uma das em- presas brasileiras a chamar capital externo é a corretora de seguros de saúde Public Broker. A companhia, funda- da em São Paulo, vendeu 60% do capital para a seguradora francesa April, com R$ 3,3 bilhões de faturamento. Um dos diferenciais que atraíram os franceses foi uma espécie de auditoria high-tech para empresas feita pela Public. Com a ajuda de um software de análise de dados criado in- ternamente, a empresa fisca- liza os procedimentos feitos pelos pacientes nos hospitais e clínicas. Uma intervenção cirúrgica cotada em R$ 6 mil e registrada como R$ 60 mil, por exemplo, acende o alerta no software. Discrepâncias básicas como essa são co- muns. Commilhões de clien- tes, as seguradoras, muitas vezes, não conseguem checar as informações de imediato. O resultado é uma conta alta para diversas empresas que contratam planos de saú- de para os funcionários. Aí entra a Public. “Além disso, nosso time (de cientistas de dados a médicos) elabora os programas de qualidade de vida de acordo com o perfil epidemiológico da empresa (doenças mais comuns) e os dados obtidos”, diz Leandro Elias, fundador da Public, re- batizada agora de April Brasil Broker. Ele continua à frente da empresa. PORNAYARAFRAGA UMACHADO FRANCÊS SEGUROS DE SAÚDE PRECISAM DESESPERADAMENTE DE MELHOR ANÁLISE DE DADOS. LEANDRO ELIAS FOI LÁ, FEZ E FATUROU A DOIS Elias (ao fundo) e Emmanuel Morandini, da April. Os franceses compraram 60% do negócio AZARÃO BRASILEIRO CRESCIMENTO E POTENCIAL DA PAGSEGURO DESPERTAMA ATENÇÃO NOS ESTADOS UNIDOS Maior oferta pública inicial de ações naBolsa de Valores deNova York (NYSE) desde a rede social Snap, em março de 2017, a estreia da companhia brasileira PagSeguro, em janeiro, atraiu holofotes. A empresa de pagamentos digitais levantou cerca deUS$2,3 bilhões. Há pelomenos duas explicações para o interesse: crescimento acelerado e potencial demercado. De janeiro a setembro de 2017 a companhia processou R$24,8 bilhões em pagamentos, ante R$9,3 bilhões nomesmo período de 2016. E ainda temmuito espaço para crescer. Só 59%dos brasileiros com mais de 15 anos já fizeram ou receberampagamento online (nos Estados Unidos, a taxa é de 92%). OPagSeguro nasceu em 2006 como plataforma de pagamento digital para e-commerce.Mais tarde, lançoumaquininhas para cobrança empontos de venda, que caíram no gosto dos pequenos empresários. Diferente das concorrentes, em vez de cobrar aluguel por elas, a PagSeguro as vendia a preço acessível e antecipava pagamentos de cartão de crédito. PORNAYARAFRAGA 14 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 014_EN132.indd 14 02/02/2018 18:36:37 COLOQUE SUA MARCA NESSA VIAGEM Patrocine e tenha contato direto com essas grandes mulheres, além de espaço promocional exclusivo e presença em cobertura impressa e digital, atingindo também as mais de 6 milhões* de leitoras inteligentes, politizadas e que adoram moda e beleza de Marie Claire. Saiba mais: goo.gl/hKmvWW. NOS D IAS 25 , 26 E 27 DE MARÇO, 50 MULHERES PODEROSAS ES TARÃO JUNTAS EM UMA V IAGEM PARA FALAR SOBRE L IDERANÇA , GESTÃO E FEMINISMO . . . Um even to f e i t o p o r mu l h e r e s , p a r a mu l h e r e s , n o c en á r i o s o f i s t i c a d o do Fa s a no Ang ra do s R e i s ,R i o d e Ja n e i r o Fo nte :D igi tal (M ob ile eD es kto p) Co ms co re ag os to 20 17 |I mp res so Ka nta rI BO PE M ed ia TG I(A go 15 -Ju n1 6) –p es so as co m pr oje çã oB ra sil ba se IVC | *L eit or es Di git al + Im pr es so So ma do s fotos: Getty Images Um ofício antigo, a cartografia volta à moda. A demanda por cartógrafos deve aumentar 30% até 2024 (aomenos nos mercados mais desenvolvidos), segundo estimativas de um grupo de empresas americanas especializadas emmapas virtuais e análises por geolocalização. Antes, os especialistas na área faziam desenhos para nortear navegadores, exploradores e viajantes em geral. Agora, cartógrafos são necessários para interpretar uma infinidade de imagens (como as feitas por satélites e carros-robôs) e dados gerados por deslocamentos de pessoas e cargas. Aplicativos como Google Maps eWase produzem dados constantemente, mas encontrar utilidade para eles exige mais cabeças. Cartógrafos importam também para companhias como Carto eMapbox, que ajudam outros negócios a traçar estratégias de acordo com a localização de seus clientes. Nos Estados Unidos e Europa, a procura por cursos na área aumentou, emmédia, 40%por ano desde 2005. A cartografia pode ser uma especialização – em aulas mais técnicas – ou ser estudada como extensão da graduação, em cursos de pós-graduação ou doutorado de áreas afins, como geografia, história, ciências sociais ou matemática. PORRAQUELGRISOTTO PROCURAM-SE CARTÓGRAFOS MAIS SATÉLITES E NOVAS TECNOLOGIAS RESULTARAM EMABUNDÂNCIA DE DADOS GEOGRÁFICOS. AGORA, É PRECISO GENTE QUE SAIBA INTERPRETÁ-LOS 16 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 016_EN132.indd 16 02/02/2018 18:41:34 aqui há vagas o sumiço de postos de trabalho, porassustador que pareça, tem umpapel adesempenhar.Numaeco-nomia funcional, novas formas de trabalhar enovosnegócios su- cedem aos anteriores. Se foremmais produtivos, contribuem com a prosperidade geral. No Brasil, ciclos de aquecimento e esfriamento se alternam semqueopaíspassea trabalharmelhor–ummal da economia fechada, travada e pouco inovadora que somos. Já a Suécia vemconseguindo tornar a rotatividade de profissionais um fator de aumen- to de produtividade, graças a ummodelo agressi- vo de recolocação de desempregados. Segundo um estudo da OCDE (Organização para aCooperação eDesenvolvimentoEconômi- co, entidade que inclui a maioria dos países de- senvolvidos), 85% dos demitidos na Suécia reen- contram emprego em menos de um ano, graças à política pública dos conselhos de segurança do emprego (ou TRR, na sigla em sueco). Esses grupos reúnem representantes de empresas e entidades sociais e se sustentam com recursos privados. Mais ágeis que órgãos governamen- tais, os conselhos atuam logo após a demissão e se mobilizam para encontrar um novo emprego para o trabalhador. Aí entra a diferença essen- cial: em vez de tentar recolocá-lo namesma fun- ção (muitas vezes ultrapassada por tecnologia ou mudanças de mercado), os conselhos abrem para ele novas opções profissionais. Fazem isso por meio de novos treinamentos, testes de per- sonalidade, avaliação e reorganização de currí- culo, entre outras ações. Também prestam ajuda psicológica no período de transição e fornecem auxílio financeiro durante o desemprego, sobre- tudo àqueles commais de 40 anos. O modelo fortalece a economia como um todo, pois facilita o fechamento de vagas impro- dutivas sem provocar reações de sindicatos – fortes e combativos na Suécia. Afinal, o demitido rapidamente se recoloca em outra função (um efeito nefasto dodesempregoprolongado é que o profissional, defasado, tem dificuldade crescente em se recolocar). O acesso aos conselhos se limi- ta aos profissionais sindicalizados, que corres- pondem a 70%da força de trabalho no país. A política sueca parece tomar a dianteira ante à de outros países da Europa. Nos modelos tradicionais, escritórios do governo tentam dar treinamento aos desempregados, enquanto sin- dicatos tentam defender postos de trabalho, em vez de ajudar o profissional a se adaptar. Na Sué- cia, como reza o principal lema dos conselhos, “a meta não é defender empregos, mas dar apoio aos trabalhadores”. PAULOEDUARDONOGUEIRA BEMDIFERENTE DOBRASIL RECOLOCAÇÃO RÁPIDA DE DEMITIDOS IMPULSIONAA ECONOMIA SUECA ÉPOCA NEGÓCIOSFEVEREIRO 2018 Nº 132 ANO 11 O desemprego prolongado tem efeitos nefastos nos profissionais 17foto: thinkstock 017_020_EN132.indd 17 02/02/2018 18:19:02 whitewashing corporativo abra campo para a INOVAÇÃO DIVERSIDADERACIAL DERRAPA OS LÍDERES NEGROS SEAPOSENTAM E SÃO SUBSTITUÍDOS POR BRANCOS g rupos trabalhando confinados num mesmo ambiente, sob supervisão dechefias, podem gerar na organização uma sensação de controle e eficiência. Esse modo tradicional de organizar o trabalho, porém, tende a tolher a capacidade de inovar. A conclusão resultou de um estudo conjunto do King’s College, de Londres, com a Universidade de Amsterdã. O trabalho inclui algumas recomendações: gestores que desejem incrementar a criatividade dos funcionários devem incentivá-los a sair mais vezes dos limites do local de trabalho. Isso porque e mbora a primeira década deste século tenharegistrado avanços na diversidade racial no meio empresarial, um levantamento sobre li- deranças da revista americana Fortune soa o alerta: atualmente há apenas quatro negros ocupando cargos de CEO no universo das 500 maiores empresas ameri- canas, e o número em 2018 cairá para três, com a apo- sentadoria de Ken Chenault, atual CEO da American Express. Explica-se. Quando Chenault assumiu seu posto, em 2001, havia apenas três CEOs negros na lista da Fortune, número que atingiu o ápice em 2007, com sete. Os líderes negros se aposentaram e estão sendo substituídos por brancos. Ao mesmo tempo, não houve ascensão de novos altos executivos negros. Para o so- ciólogo Richard L. Zweigenhaft, que assessorou os au- tores do estudo, o retrocesso pode ser resumido na fra- se “últimos a entrar, primeiros a sair” – fórmula também aplicada às mulheres. P.E,.N. CIRCULE PARA CRIAR EQUIPES CONFINADAS, MESMO QUE PAREÇAM PRODUTIVAS, TÊM IDEIASMAIS ESTREITAS chefes que exigem constantes avanços e propostas da equipe geralmente não permitem os períodos necessários para que se pense com calma, o que impede a formulação de ideias novas. Longe dessa pressão, os profissionais mostram maior capacidade de refletir. O estudo, publicado no Journal of Organisational Behaviour, avaliou o desempenho de mais de mil consultores e 200 trabalhadores em assistência de saúde. Constatou que as melhores propostas surgiam quando a pessoa tinha tempo para checar suas ideias com múltiplos interlocutores (incluindo amigos e familiares), sem a pressão do cubículo do escritório e a vigilância do chefe. É o fenômeno chamado de “variedade de fontes de feedback”, que estimula a criatividade a partir do acesso a uma variedade maior de opiniões. Quanto mais referências houver, mais a criatividade se desenvolve. Por isso, gestores devem também promover regularmente seminários internos de feedback para encorajar suas equipes a refletir. P.E.N. 18 foto: thinkstock 017_020_EN132.indd 18 02/02/2018 18:19:05 TRUMP PASSARIA? SEM CASCATA RECRUTE COMQ.I. AVALIARACAPACIDADE COGNITIVADE CANDIDATOSAJUDAASELECIONARMELHOR o cultar informaçõesnegativas numa empresa, mesmo na intenção de preservar o ânimo da equipe, é perigosíssimo. Pesquisadores da Warwick Business School, no Reino Unido, concluíram num estudo que honestidade e transparência são cruciais para obter o engajamento de cada profissional envolvido. O conhecimento dos desafios profissionais em jogo mostrou-se mais motivador do que a percepção de que coordenadores omitem informaçãoou agem com otimismo infundado. O estudo constatou que chefias mostram tendência a omitir informações negativas na ilusão de que pouparão a equipe de desgaste, mas isso gera insegurança. Um chefe que expõe problemas ganha confiança e respeito da equipe, o que tende a se refletir emmelhores resultados no longo prazo, mesmo com obstáculos imediatos. Há regras fundamentais para que isso funcione: as informações devem ser compartilhadas regularmente e a equipe deve poder se expressar. P.E.N. o bcecado por autopromoção e autolouvação, Donald Trump tui-tou, em outubro passado, ter quociente de inteligência (Q.I.) mais alto que seu secretário de Estado, Rex Tillerson. Trump já havia lembrado dessa gasta medição em 2013, quando também se gabou de ter Q.I. maior que os dos ex-presidentes Barack Obama e George W. Bush. O Q.I. já passou por todas as interpretações erradas possíveis – muitos rejei- tam completamente esse tipo de medição –, e Trump exagera sua impor- tância. Hámuito tempoQ.I. não é a principal definição de inteligência.Mas eis que um estudo publicado na revista científica Industrial and Organiza- tional Psychology constata que recrutadores de empresas deveriam incluir essamedição em seu trabalho. Segundo o artigo, o habitual hoje é que o Q.I. seja completamente ignorado, em favor de traços de personalidade e co- nhecimento técnico. Para os autores, isso impede a devida mensuração de uma característica básica para um bom desempenho profissional – a capa- cidade cognitiva, de apreensão e reconhecimento de padrões, mudanças e informações. Essa capacidade, fundamental para assimilar conhecimento, é parcialmente medida pelo Q.I. Isso não significa que o Q.I. deva direcionar o recrutamento – apenas que precisa ser considerado. Estudo publicado pela americana Harvard Business School destaca os três traços conjuntos que devemnortear a esco- lha de um candidato: habilidade cognitiva (outra denominação para Q.I.), habilidades sociais e energia para agir. P.E.N. BOAOUMÁ, DÊ-ME A VERDADE EQUIPES PERDEM MOTIVAÇÃOAONÃO SABER O QUE OCORRE NA EMPRESA 19foto: thinkstock 017_020_EN132.indd 19 02/02/2018 18:19:10 TRABALHARMENOS HORAS POR DIA PODE SER MAIS PRODUTIVO MULTITAREFA,MULTIERROS CONCENTRE-SE EMUM SÓTRABALHO E RENDAMAIS e m vez do clássico expe-diente de trabalho de oito horas, que tal reduzi-lo para três? Parece sonho de pregui- çosos, mas tem respaldo científico: estudo da consultoria britânica Vouchercloud, que avaliou o de- sempenho de quase 2 mil funcioná- rios de vários setores, constatou que, em média, os pesquisados tra- balham realmente apenas duas ho- ras e 53 minutos por dia. O restante do expediente se escoa em outras atividades não relacionadas ao tra- balho, como checar redes sociais, tomar lanchinhos ou socializar. A neurociência explica o fato: nosso cérebro não consegue manter o foco em alguma tarefa por muito tempo. Amaioria de nós mal resiste durante minutos. O problema se agrava ao longo do dia. Conforme se aproxima o fim do expediente, declina o poder de concentração. v irou hábito disseminado, durante o trabalho (sejaem que local for), navegar pela internet, ouvir música, pesquisar, escrever e manter-se conectado a redes sociais, tudo ao mesmo tempo. Cuidado. Um estudo do Bryan College, dos Estados Unidos, questiona o mito de uma pessoa ser capaz de realizar “multitarefas” seguidas. Nada indica que esse indivíduo produza mais que outro concentrado em uma só obrigação. Funcionários que costumam alternar tarefas mais de 20 vezes durante o período de uma hora acabam perdendo 15 pontos de Q.I. durante testes cognitivos feitos pelos autores. É uma pancada séria, equivalente ao efeito de uma noite de insônia. Os profissionais de 18 a 34 anos incluídos na pesquisa mudaram o foco de atenção mais vezes ainda, cerca de 27 por hora. Os resultados ruins vêm em cadeia – baixa capacidade de decisão, aumento de estresse e queda de criatividade. O prejuízo é perceptível também na qualidade do trabalho. Os autores detectaram ainda correlação entre os hábitos multitarefa e uma baixa densidade em áreas do cérebro ligadas a controle emocional. O estudo sugere que o profissional administre melhor como gasta atenção e tempo. Já o empregador deve conter as jornadas da equipe dentro de limites saudáveis e ajudar o funcionário a exercitar a concentração – ioga e meditação podem contribuir para esse esforço. P.E.N. A FARSADO EXPEDIENTE O estudo põe em dúvida o que diz a sabedoria convencional so- bre jornadas longas e a tentativa de evitar qualquer distração (que, normalmente, fracassa). A intensi- dade da dedicação deve ser admi- nistrada com critério: pessoas mais produtivas não necessariamente se dedicam o tempo todo, sem inter- rupções, mas sim se concentram na tarefa por um tempo e depois se permitem uma pausa planejada, conforme constataram os autores. Eles sugerem redução de expe- diente como um caminho possível para melhores resultados. A Ama- zon avalia isso. A empresa come- çou uma experiência com algumas dezenas de funcionários: permite jornadas de cinco horas durante quatro dias por semana e folgas às sextas-feiras. Os resultados dessa experiência permanecem em sigi- lo. P.E.N. MOSTRE AO CHEFE FOCA NO FOCO 20 foto: thinkstock 017_020_EN132.indd 20 02/02/2018 18:19:12 R U P T U R A : : : G U I L H E R M E H O R NR U P T U R A : : : G U I L H E R M E H O R N ADA VEZ MAIS vemos fundos de Venture Capital buscando in- vestir em startups de empreen- dedores que já falharam. Como se falhar fosse um pré-requisito para se chegar ao sucesso. Como um ex-empreendedor que viveu os dois lados, falhou e foi bem- sucedido, posso dizer que, se não é um pré-requisito, a falha é, no mínimo, ingrediente muito importante para o sucesso. Especialmente nos dias atuais, em que tudo muda em grande velocida- de, e que é mister testar muito mais do que planejar. Décadas atrás, havia tempo nas organizações para longos planejamentos, que exigiam detalhadas discus- sões. Até era comum ouvir dos especialistas que as dis- cussões de planejamento eram mais relevantes do que o plano, o produto final das intermináveis reuniões. Mas esse tempo se foi. Não que planejamento não seja mais importante. Ele continua sendo fundamental para qualquer empresa. A diferença é que vivemos, atual- mente, a era da experimentação. Em vez de longos es- tudos e desenhos, precisamos gerar protótipos, para serem rapidamente testados e validados no mercado. Entretanto, experimentar pressupõe que haverá fa- lhas.Nãohá inovação sem falha. E isso impõe umdesafio às empresas que historicamente se acostumaram a pu- nir aqueles que falhavam, porque sua busca sempre foi pela eficiência. A eficiência é que entregava retorno aos stakeholders. Como então compatibilizar inovação e efi- ciência?Dois conceitos aparentemente antagônicos,mas que precisam conviver nas novas organizações da era digital, chamadas IDE (innovation-driven enterprises). Todos os caminhos passam pelo entendimento da diferença entre risco e incerteza. Há um jogo que expli- ca de forma quase lúdica o que quero dizer. Chama-se Jogo das 3 Caixas. Imagine que, numa primeira caixa, existam cem bolas, sendometade delas verdes e a outra metade, azuis. Você precisa colocar amão, com os olhos vendados, e retirar uma bola verde. Uma conta simples, ensinada na primeira aula de Estatística Básica, resol- ve a equação e nos aponta a probabilidade de você ser bem-sucedido. Vamos para a segunda caixa, onde você encontrará cem bolas de cores aleatórias. Sua missão continua a mesma, retirar uma bola verde. Assumimos então uma premissa: as bolas possuem dez cores dife- rentes, igualmente distribuídas. E novamente calcula- mos a probabilidade de você acertar. Chegamos então à terceira e última caixa. Nesta, os objetos são aleatórios. Não sabemos quais são, muito menosde que cor. E a missão não muda: retirar uma bola verde. Para calcularmos sua chance de ser bem- sucedido, neste caso, será necessário assumirmos uma série de premissas. Na prática, isso significa que esta- remos nos distanciando da realidade. Serão tantas pre- missas, todas ocorrendo simultaneamente, que a chan- ce desse cenário ser real será muito pequena. Nas duas primeiras caixas, temos uma situação onde podemos calcular o risco. Não significa que sabemos de antemão se você será bem-sucedido ou não, mas pode- mos estimarqual o riscodessa operação.No terceiro caso, é bemdiferente.Não temos números, não temos cálculos, não há indícios concretos que nos ajudem a fazer qual- quer estimativa. Porque este é tipicamente um ambiente de incerteza. E incerteza é muito diferente de risco. Incerteza é o mundo das startups. Elas não têm histó- ria, não têmclientes, não têmprocessos, não têm sistemas. Tudo é novo. Este cenário é diferente do contexto de uma grande organização, onde todo o seu passado, o conheci- mento acumulado, a experiência dos profissionais que nela trabalham, a história dos clientes, tudo isso ajuda a construir um mundo onde existe muito mais informação. E esta profusão de informações é que tornará possível a esta empresa falhar com baixo impacto. Falhar de forma que se gere um aprendizado. Que sirva para mostrar que aquele não era o caminho. Que permita à organização co- nhecer os NÃOS antes desconhecidos. Isso tem um enor- me valor para as empresas. Isso é inovar e ser eficiente. TESTE E FALHE. MAIS DE UMAVEZ. VOCÊ NÃOVAI CONSEGUIR INOVAR SE NÃOAGIR ASSIM QUANDO EXPERIMENTAR É MAIS IMPORTANTE QUE PLANEJAR C GuilhermeHorn,Digital Innovation Partner da Accenture 21epocanegocios.globo.comFevereiro 2018 021_EN132.indd 21 02/02/2018 18:22:15 À L U Z D A S S T 021_027_EN132.indd 22 02/02/2018 20:14:22 S S T A R T U P S Aincubadora LaNave fazMadri revisitar seu passado com umdos centros de inovaçãomais potentes daEuropa MARCOSTODESCHINI DE PORTAS ABERTAS PARA OS EMPREENDEDORES O novo hub madrilenho ocupa uma antiga fábrica de elevadores. A empresa que funcionava ali fechou nos anos 90, no auge da crise econômica da Espanha 23foto: Divulgação Fevereiro 2018 epocanegocios.globo.com V I A G E M P A R A O F U T U R O 021_027_EN132.indd 23 02/02/2018 20:14:25 O espaço de 13 mil metros quadrados, apelidado de La Nave, promete ser o ponto nevrálgico do ecossiste- ma de inovação tecnológica que começa a se consolidar em Madri. Iniciativa da prefeitura local – e abraçada com especial fervor pela prefeita, Manuela Carmena –, o espaço iniciou as operações com a missão de trans- formar a cidade em um dos principais hubs de star- tups na Europa, aproveitando a brecha aberta pela saída da Inglaterra da União Europeia. “Há muitos espaços desse tipo surgindo na Europa. Mas só algu- mas cidades pertencerão à liga dos campeões”, diz o empreendedor brasileiro Igor Tasic, um dos idealiza- dores da La Nave. “Madri certamente tem fôlego para estar nesse grupo.” Um dos primeiros passageiros a embarcar na via- gem da Nave é Matthieu Arviset. Ele é o fundador da startup Footuro, que desenvolveu um aplicativo para conectar jogadores de futebol amador e times que po- demcontratá-los. A aposta deArviset é umaplataforma que possibilita aos jogadores mostrarem seus talentos e serem facilmente descobertos pelas grandes equipes, numa espécie de LinkedIn de atletas. A empresa foi montada em março do ano passado na sala da casa de Arviset e, desde dezembro, mudou para dentro da La Nave. “Queremos ser globais. Essa estrutura vai permi- tir que possamos dar o próximo passo”, diz. Para levar a cabo a ambição de tornar-se referência nomercado de inovação, a capital espanhola tem alguns pontos a seu favor. A cidade conta com uma das melho- res infraestruturas de bens e serviços da Europa. O cus- to de vida é apenas uma fração do que é em muitas ca- pitais europeias, comoAmsterdã ou Paris. Além disso, a cidade é sede de três dasmaiores escolas de negócios do continente (IE Business School, Iese e Esade). E agora conta também comLaNave. São dezenas de salas de co- working, comcapacidadepara abrigar 160pessoas.Uma área aberta de 7 mil metros quadrados, capaz de sediar eventos para 3 mil pessoas. Um auditório com capaci- dade para 630 pessoas. Um espaço equipado para quem quiser desenvolver suas próprias soluções em hardwa- re. E um programa de aceleração que deve formar pelo menos 20 startups por ano, com foco em projetos que visem o desenvolvimento sustentável da cidade. lll ECOSSISTEMA EM EBULIÇÃO_ A criação da La Nave é uma resposta a um movimento que vem se desenrolando na capital espanhola nos últimos anos. Durante décadas, Madri foi conhecida como o centro O ECOSSISTEMADE MADRI JÁ GEROU CASOS DE SUCESSO COMO O CABIFY (AVERSÃO ESPANHOLA DO UBER), QUE CAPTOU US$ 100MILHÕES EM INVESTIMENTOS E ESTÁ PRESENTE EM 11 PAÍSES A VINTEMINUTOS DO CENTRO de Madri, encontram-se duas construções simbólicas do que a capital da Espanha já foi e do que ela quer ser. De um lado, as instalações de uma indústria tradicional: pavilhões cinzas, telhados pontiagudos e uma chaminé em atividade. Em frente, fica a carcaça do que um dia foi também uma fábrica. Só que essa construção teve um destino diferente. O espaço que um dia abrigou uma linha de produção de elevadores foi transformado em um galpão colorido e moderno, que ho- je abriga um coworking, uma aceleradora, um laboratório de inovação e um amplo espaço para eventos e cursos. A rua que separa os dois edifícios é como uma divisória do tempo. Um lado representa o passado da revolução industrial. O outro representa o esforço de uma cidade com mil anos de história em abraçar a economia criativa do presente e do futuro. 24 epocanegocios.globo.com V I A G E M P A R A O F U T U R O Fevereiro 2018 021_027_EN132.indd 24 02/02/2018 20:14:26 FORMAÇÃO Aula de gestão na La Nave. Os cursos dessa área e os de tecnologia estão abertos a toda a população econômico e financeiro da Espanha, tendo como car- ros-chefes setores tradicionais como energia, constru- ção e bancário. Com a crise econômica de 2008, porém, essas indústrias foram incapazes de absorver a mão de obra disponível. O índice de desemprego entre jovens chegou a rondar os 50% em 2013. Quem se formava na faculdade tinha duas opções: emigrar, como foi o caso de 200 mil pessoas que deixaram o país desde 2011, ou então criar sua própria empresa. “A crise mostrou que o antigo modelo de economia não servia mais e que era necessário voltar-se para a criatividade”, diz Luis Mar- tín, um dos gestores executivos da La Nave. Por conta desse movimento, o número de startups emMadri explodiu: em 2016 e 2017, o crescimento foi de 30% ao ano. A nova leva de empreendedores ge- rou cases de sucesso mundial. É o caso do Cabify, uma versão espanhola do Uber, que angariou investimento de US$ 100 milhões e hoje está presente em 11 países (incluindo oito cidades no Brasil). A efervescência do ecossistema madrilenho não passou despercebi- da pelas gigantes de tecnologia, que passaram a ver a capital espanhola como uma opção para montar suas bases. No ano passado, o Google abriu na cidade um de seus três centros de inovação na Europa. Ao mes- mo tempo, a Amazon instalou ali um hub de inovação e um centro logístico. Em outro sinal de amadure- cimento do mercado, 35 empresas de capital aberto abriram suas próprias aceleradoras, como é o caso da Telefónica Open Future. Uma das prioridades da La Nave é fazer a ponte entre todos esses players. “Que- remos ser uma plataforma que facilite alianças criati- vas”, diz Azucena Elbaile, responsável pelo programa de aceleração. A ascensão de Madri vem surpreendendo especia- listas de mercado, que apostavam na rival Barcelona como o mais provável centro de tecnologia na Europa pós-Brexit.Com um cenário artístico criativo e cosmo- polita, a capital da Catalunha sempre foi reconhecida por seu ecossistema vibrante – a cidade abriga um pro- jeto semelhante ao La Nave, o Numa. A disputa entre as duas adversárias históricas é bastante acirrada. No ranking das dez cidades europeias com maior número de startups, Barcelona ocupa a sexta posição; Madri, a sétima. Em 2017, a Espanha captou ¤ 780milhões de in- 25epocanegocios.globo.comFevereiro 2018foto: Divulgação 021_027_EN132.indd 25 02/02/2018 20:14:29 vestimento em startups. Barcelona ficou com 58% des- se dinheiro. Hoje, são 1,15 mil empresas que nasceram em Madri, ante 1,3 mil em Barcelona. “As duas cidades contam com ecossistemas bem atrativos. É difícil dizer qual é a melhor”, diz Javier Ulecia, CEO da empresa de investimentos Bullnet Capital. lll NAVE EM ÓRBITA_ Embora só tenha sido colocada no ar em setembro de 2017, La Nave começou a esquen- tar seusmotores há alguns anos. O espaço, que pertence à prefeitura, foi repaginado em 2012 para receber even- tos de tecnologia, como TED Talks e South Summit. Mas não vingava. Um dos grandes desafios era transfor- mar um galpão no subúrbio de Villaverde, um bairro de classe operária, em um ponto de encontro de empresas de tecnologia. Até que, no ano passado, o governo mu- nicipal decidiu adicionar o combustível que faltava. A responsável foi a prefeita de Madri, Manuela Carmena. Juíza aposentada de 74 anos, que vai ao trabalho todo dia usando transporte público, Manuela está causando alvoroço desde sua chegada à prefeitura, em 2015. Sua gestão colocou em pauta temas como mobilidade, co- nectividade e meio ambiente. Lançou plataformas de incentivo ao uso de carros elétricos compartilhados. Aprovou um projeto para transformar a Gran Vía, prin- cipal avenida da cidade, em uma zona de pedestres. Como parte de seus planos de transformar Madri numa referência em mobilidade, Manuela decidiu reto- mar o projeto da La Nave, que passou a ser responsabili- dade da diretoria de inovação da prefeitura. Em 2015, foi aberta uma licitação para escolher a empresa que seria responsável pela gestãode conteúdodo local. A escolhida foi a Innova Next, uma consultoria de inovação coman- dada por Carlos Barrabés, um dos pioneiros do e-com- merce espanhol. Pelo contrato, a empresa recebe por ano ¤ 840 mil (cerca de R$ 3,3 milhões) para gerenciar o es- paço – o que inclui o desenvolvimento de programas de aceleração, cursos e eventos voltados às startups locais. DOIS TEMPOSDe um lado, fábricas tradicionais. Do outro, La Nave, símbolo da revolução digital na região 26 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 V I A G E M P A R A O F U T U R O 021_027_EN132.indd 26 02/02/2018 20:14:31 A parceria entre o privado e o público foi essencial para levar a cabo o projeto. O funcionamento da Nave se fundamenta três pilares, que levam o nome de For- ma, Conecta e Acelera. O primeiro se refere à formação, tanto de empreendedores que trabalham diretamente com tecnologia quanto da população em geral, que também tem acesso aos cursos e palestras da casa. Para este ano, já estão planejadas 200 atividades, com temas como cidades inteligentes, realidade virtual, inteligên- cia artificial e drones. O segundo pilar, a conexão, acon- tece tanto nos grandes eventos de tecnologia quanto nas pequenas salas de coworking. O terceiro é a ace- leradora, que deve anunciar em breve o seu primeiro processo de seleção. “Não queremos qualquer projeto, mas sim os que busquem melhorar a qualidade de vida das pessoas e o espaço urbano”, diz Maysoun Douas, diretora de ecossistemas da Nave. A inovação ligada à cidade pode ser um dos trunfos deMadri para se diferenciar de outros 78hubs europeus surgidos nos últimos anos. A própria escolha do local já reflete sua singularidade. Estar inserida nos subúrbios faz com que La Nave esteja diariamente conectada com UMANOVAERA A estrutura da incubadora La Nave, antes uma fábrica de elevadores, estava deteriorada e invadida desde os anos 90. Acompanhe uma visita ao início das obras de recuperação do espaço, em 2011. o melhor e o pior de uma grande capital. É um conceito que passa longe do estereótipo dos hubs de inovação, em que cientistas e desenvolvedores vivem em um mundo idealizado, uma espécie de bolha. O laborató- rio da Nave é a própria metrópole. “Queremos acabar com a ideia de que inovação é feita dentro de um la- boratório, onde trabalham gênios visionários. A inova- ção precisa surgir da interação entre as pessoas, e im- pactar positivamente o seu dia a dia”, diz Maysoun. PLATAFORMAMatthieu Arviset, criador da startup Footuro. Ele quer conectar clubes de futebol e jogadores amadores 27epocanegocios.globo.comFevereiro 2018fotos: Divulgação 021_027_EN132.indd 27 02/02/2018 20:14:34 028_033_EN132.indd 28 02/02/2018 20:11:56 QUANDO DINHEIRO É UM DETALHE Depois de criar dois unicórnios, Zia Chishti chegou à conclusão de que capital não passa de commodity. As ideias podem até não ser tão boas. A diferença, diz, quem faz é o time THOMAZGOMES ÉPOCANEGÓCIOSVocê nasceu nos Estados Unidos e cresceu no Pa- quistão. Como isso influenciou a sua formação de negócios? ZIA CHISHTI Para responder a essa pergunta, preciso falar um pouco sobre a história da minha família. Meu pai era americano, descendente de alemães. Minha mãe é paquistanesa. Eles se co- nheceram nos Estados Unidos, enquanto faziam seus doutorados na Universidade Cornell. Meu pai faleceu quando eu tinha 2 anos. Logo depois, eu e minha mãe nos mudamos para o Paquistão. Mo- rei lá até os 15 anos. Não queria voltar para os Estados Unidos. Mas minha mãe me convenceu a cursar uma faculdade americana [Chishti é formado em economia e ciências da computação pela Uni- versidade Columbia]. Essas idas e vindas me deixaram com uma visão de mundo mais abrangente. Fiquei mais aberto para criar ope- A CRIAÇÃO de unicórnios – apelido dado às startups ava- liadas emmais de US$ 1 bilhão – virou obsessão coletiva no mercado de tecnologia. Enquanto fundos de capital de risco elevam apostas em companhias como Snap, Uber e Airbnb, o americano Zia Chishti, 45 anos, pasto- reia seu segundo projeto de vulto. Criado no Paquistão, Chishti tornou-se conhecido por fundar em 1997 a Align Technology, empresa especializada em produtos e equipamentos para tratamentos ortodônticos. A compa- nhia foi listada em 2001 na Nasdaq e seu valor logo ultrapassou US$ 1 bi, três anos antes de começar a dar lucro (hoje avaliada em cerca de US$ 20 bilhões). Depois de deixar a Align, em 2002, o empreendedor passou a se dedicar ao desenvolvimento de tecnologias para grandes corporações. Seu projeto atual é a Afiniti, startup de inteligência artificial avaliada em US$ 1,6 bi. De passagempor São Paulo, em seu escritório na Avenida Faria Lima, ele contou a ÉpocaNEGÓCIOS que sua vida pessoal é quase inexis- tente e a sua grande ambição: tornar-se um filantropo autossuficiente. 29 D O P A Q U I S T à O A O B I L H à O epocanegocios.globo.comFevereiro 2018foto: Tasja Keetman 028_033_EN132.indd 29 02/02/2018 20:11:56 “TENHOAMISSÃO DE CRIAR EMPREGOS. TODOS OSMEUS NEGÓCIOS COMBINAM BAIXO CUSTO OPERACIONAL EMÃO DE OBRAQUALIFICADA” rações globais, sem restrições ou preconceitos. Tenho cerca de 800 funcionários trabalhando no Pa- quistão, por exemplo. Enquanto boa parte das pessoas enxerga o país como uma área de risco, con- sigo identificar a grande oferta de talentos que existe ali. NEGÓCIOS Esses mesmos ta- lentos poderiam ser encontra- dos em outros países a custos igualmente competitivos. Qual é a motivação para manter uma operação no Paquistão? CHISHTI Sempre vai ser um pou- co pessoal. Tenho como missão criar empregos e tentar melhorar a vida no Paquistão. Além disso, minha mãe ainda mora lá. Então, preciso ir até lá visitá-la de qual- quer jeito (risos). Masnão esta- ria no país se não fizesse sentido economicamente. Todos os meus negócios são baseados na com- binação entre baixo custo opera- cional e mão de obra qualificada. Como você mesmo disse, existem vários mercados eficientes sob esse aspecto, como Índia e Vietnã. O ponto é que o Paquistão apre- senta algumas facilidades para mim. Falo o idioma, conheço a cultura. O país tem 200 milhões de pessoas. É uma força econô- respostas negativas antes de con- seguir o primeiro aporte – muitas delas desdenhosas e arrogantes. Todo mundo me perguntava por que estava apostando em um seg- mento tão específico. Algumas pessoas ficavam até bravas quan- do eu apresentava o projeto. Mas sabia que era questão de tempo até o mercado entender o poten- cial da ideia. NEGÓCIOS Por que você saiu da empresa? CHISHTI Essa é uma história curiosa... No dia 10 de setembro de 2001 [véspera do atentado das Torres Gêmeas], as ações da Align estavam cotadas entre US$ 10 e US$ 11. No dia 15 de setembro, quando a bolsa reabriu, o valor tinha desabado para US$ 1,20. Tínhamos cerca de 750 funcio- nários trabalhando no Paquistão. Por mais estranho que pareça, na época o mercado americano não conseguia distinguir muito o Afeganistão do Paquistão. Esta- vam todos meio atordoados com os acontecimentos. Isso levou a uma disputa interna para tirar a empresa do país. Essa opção era inaceitável para mim. Então ter- minei comprando apenas a ope- ração paquistanesa. A partir daí, comecei a trabalhar na criação da TRG [The Resource Group, funda- da em 2002], uma holding de in- vestimentos focada em empresas BPO [terceirização de processos operacionais, na sigla em inglês]. NEGÓCIOS Foi difícil recomeçar? CHISHTI Foi bastante desgastan- te. Eu já tinha passado pela mon- tanha-russa emocional que envol- ve a criação de uma empresa. Não mica muito maior do que muita gente pensa. NEGÓCIOS Quando e como você criou o seu primeiro negócio? CHISHTI Em 1997, fundei a Align Technology, uma empresa espe- cializada em tecnologias ortodôn- ticas. A ideia veio num insight. Usei aparelhos dentários durante anos. Os tratamentos eram ex- tremamente incômodos. Pensan- do nisso, comecei a desenvolver uma solução menos invasiva para ajudar os pacientes. Em seguida, contratei um time de engenheiros para criar os protótipos iniciais. A Align passou por todos os ciclos de crescimento do mercado de tecnologia: levantamos dinhei- ro entre investidores, investimos em marketing, abrimos canais comerciais. Em 2001, abrimos o capital na Nasdaq [o valor de mer- cado da empresa logo superou US$ 1 bilhão e, no final de 2016, atingiu a marca de US$ 20 bilhões]. NEGÓCIOS Simples assim? CHISHTI (Risos) Obviamente, tive algumas dificuldades. Na épo- ca em que fundei a Align, todos os investidores estavam loucos por soluções web voltadas para consumidores finais. Recebi dez 30 D O P A Q U I S T à O A O B I L H à O epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 028_033_EN132.indd 30 02/02/2018 20:11:57 sabia se queria vivenciar isso no- vamente. Por outro lado, o segun- do negócio é sempre mais fácil do que o primeiro. Para começar, eu tinha recursos próprios. Ou seja: não dependia exclusivamente do dinheiro de investidores. Isso foi um alívio e tanto. Além disso, eu havia construído uma relação de amizade com vários funcionários da Align. Muitos deles vieram trabalhar comigo. Quando come- cei a TRG, tinha dinheiro e pes- soas incríveis ao meu lado. Muito mais fácil, certo? ritários. Nenhum deles deu certo. Então decidimos que o controle está em nossa natureza. NEGÓCIOS Como a Afiniti se en- caixa nesse contexto? CHISHTIATRGpossuía uma em- presa de call center que não esta- va indo muito bem. Então come- MOSTRANDOOS DENTES Chishti na Align, empresa que criou em 1997. Ele deixou o comando após divergir do conselho NEGÓCIOS Qual é o foco dos in- vestimentos da TRG? CHISHTI Todos os nossos investi- mentos estão nos Estados Unidos e na Europa. Focamos em tecno- logias para processos corporati- vos que envolvem grandes fluxos de pessoas e informações. Den- tro desse universo, atuamos em frentes que vão do mercado de seguros a soluções de marketing digital. Um ponto importante: sempre entramos para assumir o controle das empresas. Já fize- mos alguns investimentos mino- 31epocanegocios.globo.comFevereiro 2018foto: AP 028_033_EN132.indd 31 02/02/2018 20:11:58 “BRASIL E PAQUISTÃO SUBESTIMAM OTAMANHO DAS OPORTUNIDADES. DE CERTO MODO, O DELICADO CICLO DA ECONOMIA SÓ NOS FAVORECE” çamos a analisar quais processos poderiam melhorar as fontes de receita. Concluímos que o fluxo de chamadas era extremamente desorganizado. Os clientes eram direcionados ao primeiro aten- dente livre, independentemente do problema ou da experiência do funcionário. Para resolver esse problema, desenvolvemos uma solução de inteligência ar- tificial [IA] que fazia um dire- cionamento mais assertivo das chamadas. Com o passar do tem- po, descobrimos que a solução também poderia ser aplicada a departamentos de marketing e vendas. A Afiniti surgiu em 2009. Hoje temos mais de 150 projetos no mundo. Os primeiros códigos da plataforma foram escritos no meu próprio laptop. NEGÓCIOSVocê ainda programa? CHISHTI Claro! Na verdade, a programação é o meu primeiro e maior amor. Gosto mais de pro- gramar do que de qualquer outro aspecto do negócio. NEGÓCIOS Qual é o seu grau de intimidade com os códigos? CHISHTI Bom, estou ficando ve- lho... Se você me fizesse essa pergunta há dez anos, eu respon- deria que era excelente. Hoje, eu me viro. As ferramentas mudam todos os dias. Tem todo tipo de coisa maluca surgindo. Fica difí- cil se manter atualizado se você não acompanha as mudanças de perto. Mas entendo o suficien- te para criar protótipos e testar conceitos de maneira bastante rápida. Se a ideia der certo, eu encaminho o projeto para a equi- pe especializada. NEGÓCIOS A Afiniti oferece uma solução de inteligência artifi- cial bastante técnica e específi- ca. Qual é a melhor estratégia para convencer clientes a ado- tar esse tipo de tecnologia? CHISHTI Essa segmentação que você apontou é a nossamaior van- tagem. Nosso público é bastante restrito. A tecnologia da Afiniti é voltada para grandes prestadores de serviços, como bancos, segura- doras e operadoras de telefonia. Dentro desse universo, trabalha- mos apenas com líderes de mer- cado. Existem poucas empresas com esse perfil. Isso faz com que as notícias se espalhem rapida- mente. O mais importante é con- quistar um grande cliente e gerar resultados relevantes para ele. Se você conseguir fazer isso, o resto do mercado vai ficar sabendo. NEGÓCIOS O que vocês têm feito para se destacar em um merca- do que atraiu o interesse de gi- gantes como Amazon e Google? CHISHTI A IA virou uma espécie de expressão da moda do mer- cado de tecnologia. Tem muito barulho em torno do assunto e poucos projetos consistentes. A maioria das soluções não é muito diferente do que já existia há cin- co anos. A única diferença é que os investidores têm dado mais atenção a esse tipo de tecnolo- gia. Segmentos como chatbots e carros inteligentes já estão fican- do saturados. Na minha opinião, cerca de 90% desses negócios vão falhar. Por isso, evitamos explorar tecnologias de IA como platafor- mas genéricas. Oferecemos uma solução bastante específica para as necessidades de nossos clien- tes. Mantemos o foco em ferra- mentas que gerem impacto direto na receita e na produtividade de grandes empresas. NEGÓCIOS As startups unicór- nio são outra buzzword do mercado de tecnologia. Você fundou dois negócios com esse perfil. Quais são os elementos essenciais para criar uma star- tup bilionária? CHISHTI Estamos diante de um cenário estranho, onde existe um volume enorme de dinheiro con- centrado em cerca de200 uni- córnios. Entendo que os unicór- nios sejam muito atraentes como produto financeiro. O problema é que muitas dessas avaliações de 32 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 028_033_EN132.indd 32 02/02/2018 20:11:58 valor não estão lastreadas em fun- damentos básicos de negócios. E quanto mais investidores correm atrás dessas empresas, mais infla- daabolha fica.Quandoeueramais novo, acreditava que amelhorma- neira de criar uma empresa bilio- nária era levantar capital de risco. Tudo girava em torno disso. Com o passar do tempo, percebi que dinheiro é commodity. Você pode conseguir dinheiro em diversos lugares. O que faz a diferença é ter uma equipe incrível. O time certo pode fazer sua empresa chegar a qualquer lugar. Mesmo que a ideia não seja tão boa assim. NEGÓCIOS Enxergar dinheiro como uma commodity faz mais sentido para quem já temacesso a capital, certo? CHISHTI Sem dúvidas. Essa é uma percepção que muda ao longo do tempo. Para um empreendedor iniciante, a questão do dinheiro é muito mais difícil. É complica- do consegui-lo até que as pessoas reservem um tempo para ouvir a sua ideia. Recebi dez “nãos” antes de obter o meu primeiro aporte. Quando você está construindo a sua carreira, isso é extremamen- te desanimador. Mas com o pas- sar dos anos, você percebe que levantar capital é um processo como qualquer outro. Você treina para isso, assim como treina para disputar uma corrida. Cercar-se de pessoas boas é muito mais di- fícil. Aprender a identificar talen- tos – e convencê-los a trabalhar com você – é algo que leva anos. NEGÓCIOS Você precisou buscar ajuda emalgummomento? Teve algum tipo de mentor? CHISHTI De maneira geral, cos- tumo me dar muito bem com ho- mens entre 20 e 40 anos mais ve- lhos do que eu. Tive muita sorte em encontrar pessoas sábias que reservaram parte do seu tempo para escutar meus problemas. Talvez eles tenham sentido pena de mim (risos). Um dos meus me- lhores amigos é um cara chamado Peter Riepenhausen [ex-vice-pre- sidente da PepsiCo para o mercado oriental]. Aprendi mais com ele do que com qualquer outra pes- soa. Ele nunca lucrou um centavo comigo, mas sempre esteve dis- posto a me ajudar com os negó- cios. Ele me ensinou muita coisa sobre como administrar empre- sas, reconhecer talentos e seguir as intuições certas. NEGÓCIOS Quais são os seus pla- nos para o mercado brasileiro? CHISHTIAestratégia segue ames- ma linha da nossa operação inter- nacional. Queremos conquistar líderes de mercados-chave, como bancos e operadoras de telefonia. Estamos indo bem. Temos cer- ca de 20 clientes no país. Assim como acontece com o Paquistão, muitas pessoas subestimam o ta- manho das oportunidades que existem no Brasil. O país é muito aberto a novas ideias e tecnolo- gias. Entendo que a economia está passando por um ciclo delicado. Mas, de certo modo, essa situação nos favorece. É nesses momentos que as empresas procuram por alternativas para aumentar a efi- ciência de seus processos. NEGÓCIOS Na posição em que você se encontra hoje, qual é a sua ideia de sucesso? CHISHTI Minha vida pessoal é praticamente inexistente. Do lado profissional, tento deixar minha marca no mundo dos ne- gócios. Gostaria que minhas ideias deixassem um impacto positivo na vida das pessoas. De- pois disso, quero começar a me envolver mais com filantropia. O meu sonho é criar um projeto que melhore a educação no Pa- quistão. Quero acumular capital suficiente para fazer isso sem precisar recorrer a investidores. Se eu conseguir me tornar um filantropo de sucesso, me darei por satisfeito. CORAGEM, INICIANTES! Pouco após se sentir traído e deixar a empresa que havia fundado, a Align Technology, Chishti palestrou para formandos de administração em Lahore, no Paquistão, em 2002. Aos 33minutos do vídeo, ele começa a tratar das dificuldades para empreender e inovar. E diz que ouviu “todas as palavras de desencorajamento imagináveis”. 33 D O P A Q U I S T à O A O B I L H à O epocanegocios.globo.comFevereiro 2018 028_033_EN132.indd 33 02/02/2018 20:11:58 D O S S I Ê Á F R I C A MISSÃONjoki Gichinga, diretora de parcerias do iHub, incubadora e espaço de coworking no Quênia. “Há muitas oportunidades. Vamos abraçá-las com todas as forças” AS FERAS DA SAVANADO SILÍCIO Novos negócios em alguns países africanos chamama atenção de investidores e gigantes de tecnologia. Todos vão à caça de ideias para enfrentar grandes problemas (e algumas servem para o Brasil) RAQUELGRISOTTO,DE NAIRÓBI 34 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: Nichole Sobecki/VII/Redux/Latinstock 034_047_EN132.indd 34 02/02/2018 17:28:33 35epocanegocios.globo.comFevereiro 2018 034_047_EN132.indd 35 02/02/2018 17:28:37 P ELA RODOVIA MOMBASA, uma das principais do Leste Africano, os car- ros avançam devagar. O trânsito é len- to o tempo todo. Perto da Land Rover blindada, transporte-padrão dos es- trangeiros que vêm trabalhar no Quênia, segue um matatu, ônibus multicolorido que roda sobre velhos chassis de caminhão. A estrada corta a capital, Nairó- bi. Vacas e cabras pastam no acostamento largo de ter- ra batida e o esgoto segue a céu aberto por longos tre- chos. Muita gente caminha ao longo da estrada e o comércio de rua oferece quase tudo, de sofás, camas e fogões a lápides de cemitério. Alguns comerciantes, a pé, arriscam-se pelos vãos do trânsito para incentivar a compra. Gritam em swahili (o idioma oficial do país, junto com o inglês) ou em algum dos 43 dialetos lo- cais. Conforme o carro se aproxima de um bairro ele- vado no centro da cidade, a paisagem começa a mudar. A Land Rover avança por Upper Hill, onde se vê menos gente caminhando, mais árvores e muito mais obras em andamento. A área já foi mais residencial e abrigou principalmente brancos, executivos expa- triados e diplomatas. Agora, o bairro se transforma. Operários e máquinas de construtoras chinesas du- plicam vias e levantam novos edifícios comerciais. A demanda por espaço multiplicou por seis o preço do metro quadrado na área desde 2010. Upper Hill vem acomodando escritórios de companhias estrangeiras, investidores e pequenas empresas de base tecnológi- ca. É o bairro da moda para quenianos e estrangeiros bem formados que querem criar novos negócios. Em comum, tentam resolver problemas locais – e enri- quecer ao fazer isso. Tudo bem pedagógico para quem vive no Brasil. Os problemas e as oportunidades soam familiares: territórios extensos e pouco povoados, que exigem investimento em cobertura de telecomunica- ções e internet; lacunas sérias e potencial imenso para inovações em transporte, energia, saneamento, habi- tação, agronegócio; grande população jovem, pobre e mal instruída, porém culturalmente inventiva, recep- tiva a tecnologia e ansiosa por consumir. Para comple- tar, o Quênia, especificamente, passa por um período que combina instabilidade política (emperrada por defeitos velhos) e efervescência empreendedora (ace- lerada por ideias novas). Quem chega do Brasil pode se sentir meio em casa. No sexto andar de um desses novos edifícios en- vidraçados, o Senteu Plaza, fica o iHub, mistura de coworking e incubadora. É peça-chave para Nairóbi merecer o apelido de Savana do Silício. Tem fama de ambiente de inovação mais produtivo da África. Em sete anos de existência, abrigou 170 startups e gerou uma rede que conecta 17 mil profissionais. Começou em 2010, como projeto social de um grupo de jovens quenianos que queriam um espaço para trabalhar e discutir ideias. Operou graças a doações de funda- ções e empresários, como o francês Pierre Omidyar, fundador do eBay. Nessa fase, o iHub ajudava a trei- 36 epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: Divulgação 034_047_EN132.indd 36 02/02/2018 17:28:38 nar programadores e oferecia gratuitamente espaço a quem precisasse de internet rápida paramontar seu negócio (sem fins lucrativos, o espaço também havia acumulado dívidas e gerado acusações de ges- tão ruim contra seus administradores). Em dezem- bro de 2017, o perfil mudou. O iHub recebeu aporte de US$ 2 milhões da In- vested Development, gestora de recursos dos Estados Unidos que investe exclusivamente em projetos de países em desenvolvimento, e tornou-se ele próprio um negócio com fins lucrativos. Com o novo estatuto, seus gestores esperam acele- rar a linha de produção de startups. “Estávamos rece- bendo mais de 200 pedidos por mês de gente queren- do usar o espaço. Não dava para atender todo mundo apenas com doações”, diz Njoki Gichinga, diretora de parcerias do iHub, enquanto mostra as novas instala- ções. A infraestrutura para as empresas incubadas se espalha por 7 mil metros quadrados recém-inaugu- rados, decorados com tubulação hidráulica e elétrica expostas, paredes de tijolo aparente e luminárias em diferentes alturas. “Agora, temos estrutura muito me- lhor e condições de cumprir nossa missão – ser um polo de tecnologia para a África, reunindo gente com diferentes perfis, do mundo todo”, diz Njoki. A comunidade de profissionais ligados à inovação ganha força em vários países africanos. Os setores em que trabalham seguem uma dinâmica particular, na VANGUARDA Entardecer em Nairóbi, capital do Quênia. O país é referência em serviços de pagamentos digitais e, entre emergentes, aparece na lista dos mais promissores do mundo para negócios de tecnologia 37epocanegocios.globo.comFevereiro 2018 034_047_EN132.indd 37 02/02/2018 17:28:40 contramão dos negócios tradicionais no continente. Nos últimos anos, caiu o fluxo de capital estrangeiro para a África. Isso ocorreu, entre outros motivos, por causa do fim do ciclo de valorização das mercadorias básicas, por volta de 2010 (o Quênia, por exemplo, exporta muito café e petróleo) e pela desaceleração da economia da China – um fenômeno que também afetou o Brasil. A comunidade tem outra história para contar, bem mais interessante. Conforme secou o dinheiro para setores tradi- cionais, fluiu o investimento para nichos criativos. Só em 2016, startups africanas levantaram US$ 367 milhões, na estimativa da gestora Partech Ventures – valor quase dez vezes superior ao registrado qua- tro anos antes. O simples surgimento desse tipo de estimativa mostra uma mudança no jeito de avaliar a região. “Há tanta dificuldade [na África] de as pes- soas terem acesso a serviços básicos, a produtivida- de é tão baixa, que as possibilidades de melhoria são inúmeras”, diz Miguel Granier, diretor-geral do In- vested Development, o fundo que apostou no iHub e colocou US$ 20 milhões no continente. “Nos ne- gócios, esses desafios se traduzem em ganhos expo- nenciais. Os riscos são altos, mas as perspectivas de lucro, gigantescas.” Se os valores envolvidos parecem pequenos para os padrões do Vale do Silício, bastam para fazer flores- cer startups em países pobres. África do Sul e Nigéria, as maiores economias da África subsaariana, também têm cena empreendedora vibrante e costumam aboca- nhar, junto com o Quênia, as maiores fatias de capital vindo de fora do continente (numa rodada de inves- timento em 2015, a empresa de varejo online e de en- tregas Jumia, fundada na Nigéria por Tunde Kehinde e Raphael Afaedor, foi avaliada em mais de US$ 1 bi- lhão e tornou-se o primeiro unicórnio da África, bem antes de o Brasil ter o seu, o aplicativo de táxis 99). O exemplo do iHub fez surgir incubadoras em outras cidades quenianas, como a SwahiliBox, em Mombasa, e a Dlab Hub, em Eldoret. Unem-se a um ecossistema que inclui Wennovation e Co-Creation Hub, em La- gos, na Nigéria, blueMoon, emAdis-Abeba, na Etiópia, e Bandwidth Barn, na Cidade do Cabo, África do Sul. Não se trata de euforia local. Há consistência, perce- bida mundo afora. Em dezembro, durante um encontro em Adis- -Abeba, na Etiópia, Christine Lagarde, diretora-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), destacou as inovações que vêm da África e ressaltou a impor- tância de cultivar as iniciativas na região. “Além de ser uma oportunidade sem paralelo para a ge- ração de empregos aos mais jovens, a inovação é uma forma eficiente de reduzir o hiato de infraestrutura do conti- nente”, disse Christine. Ela destacou que a tec- nologia “molda a África de agora” e que, com os investimentos corretos, “poderá ser a ferramen- ta mais poderosa para fortalecer a África do futuro”. O FMI acompanha o Banco Mundial, que escolheu startups como um meio relativamen- te barato de fomentar o desenvolvimento na PADRINHOMark Zuckerberg, do Facebook, em visita à Nigéria. Ele se impressionou com o que viu na África. “É aqui que o futuro será construído” 38 D O S S I Ê Á F R I C A epocanegocios.globo.com Fevereiro 2018 foto: divulgação 034_047_EN132.indd 38 02/02/2018 17:28:40 AÁfrica deque falam Falta de infraestrutura, fome, pobreza, instabilidade política, conflitos religiosos e étnicos. O continente tem deficiências em quase todas as áreas SOMÁLIA 75% dos ataques terroristas do planeta estão concentrados em dez nações. A Somália faz parte da lista. Desde 1991, o grupo jihadista AI-Shabab controla áreas importantes e vive em conflito com o governo, apoiado pelos Estados Unidos. As ações por vezes chegam até o vizinho Quênia. A guerra civil na Somália já resultou emmais de 2 milhões de refugiados BURKINAFASO 63% é a taxa de analfabetismo – uma das maiores do continente. Metade das crianças é subnutrida. Os problemas persistem, apesar das significativas reservas de ouro do território REPÚBLICA CENTRO-AFRICANA 51,4 anos é a expectativa de vida, uma das menores do mundo. O lugar é um dos mais violentos do continente e também o mais pobre. A renda anual per capita é de pouco mais de US$ 370. Hoje, metade da população, de 5 milhões, depende de ajuda humanitária para sobreviver ETIÓPIA Mais de 400mil pessoas morreram de fome na mais longa estiagem do país, de 1983 a 1985. Foi um dos mais dramáticos episódios da Etiópia, que ainda sofre com secas e confrontos armados entre regiões ÁFRICADO SUL 40mil casos de estupro são reportados anualmente no país. O crime é corriqueiro, mesmo em grandes cidades como a capital, Johannesburgo. As condenações judiciais são raras QUÊNIA Três pessoas morreram e centenas ficaram feridas nos conflitos políticos do final de 2017, após a eleição presidencial, anulada por suspeita de fraude. A instabilidade política marca o Quênia desde sua independência do Reino Unido, em 1963. Em dezembro, Uhuru Kenyatta foi confirmado como presidente NIGÉRIA 113 das 276meninas sequestradas durante uma aula na comunidade de Chibok, em 2014, continuam com paradeiro desconhecido. O ataque foi comandado pelo Boko Haram, grupo terrorista que atua no país e é considerado um dos mais agressivos do mundo. Tradicionalistas islâmicos, eles são contrários à educação feminina 35DOS54PAÍSES AFRICANOS ESTÃO ENTREOSMENOS DESENVOLVIDOS DOMUNDO 1,2 BILHÃODE PESSOAS 620 MILHÕES SEM ACESSOAENERGIA 315 MILHÕES SEM ACESSOAÁGUA POTÁVEL 240 MILHÕES PASSAMFOME US$90 BILHÕES É OTOTAL NECESSÁRIO PARA RESOLVERODÉFICIT DE INFRAESTRUTURA 38% DOSADULTOS SÃO ANALFABETOS –AMAIORIA, MULHERES 60% DAPOPULAÇÃO TEMATÉ 25ANOS 50% DOSQUE SE FORMAM NÃOCONSEGUEM EMPREGO República Democrática do Congo África do Sul Chade Mali Quênia Nigéria Países entre os 20 mais perigosos do mundo no relatório sobre Viagem e Turismo do Fórum Econômico Mundial 39epocanegocios.globo.comFevereiro 2018Fontes: Banco Mundial, Global Safety Index, FMI e ONU 034_047_EN132.indd 39 02/02/2018 17:28:47 região. Em dezembro, por meio do infoDev, um pro- grama que visa organizar e expandir negócios locais ligados à tecnologia, o banco selecionou 20 empresas
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