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NICHO ECOLÓGICO As respostas dos organismos às condições e recursos ambientais disponíveis levam a um conceito central do pensamento ecológico: o conceito de nicho. O termo nicho ecológico tem sido parte do vocabulário dos ecólogos há mais de 70 anos, mas nos primeiros 30 anos seu significado era bastante vago. Segue abaixo um histórico e definições do termo nicho ecológico. 1. Grinnell (1914 a 1920) • Grinnell nunca definiu nicho, mas referências ao termo como “hábitos e habitats dos animais...” • Este autor argumenta ainda que “cada espécie ocupa um nicho, embora não necessariamente o oposto sempre ocorra...” ou seja, alguns nichos existem, mas não contêm espécies (nicho vagos) 2. Elton (1927) • Em seu livro “Animal Ecology”, Elton diz que o nicho representa o status de um organismo na comunidade, ou seja, seu local e sua função. • Segundo esta definição, o nicho de uma espécie poderia ser definido pelo tamanho e hábitos alimentares dos indivíduos. 3. Hutchinson (1957) e colaboradores • Hutchinson é o primeiro a salientar a importância de todos os fatores ambientais que agem sobre um organismo e definiu nicho como: “Hipervolume n-dimensional dentro do qual a espécie pode manter uma população viável...” • Esta é, atualmente, a definição mais completa e aceita para o termo nicho ecológico, e de forma simples, representa todas as condições e recursos que influenciam nas respostas de um organismo. Este modelo de hipervolume proposto por Hutchinson pode ser mais bem entendido e descrito através de um exemplo (Figura 1). Figura 1. Nicho ecológico de uma espécie hipotética. a) em uma dimensão (temperatura); b) em duas dimensões (temperatura e salinidade); c) em três dimensões (temperatura, pH e disponibilidade de alimentos). A partir de 3 dimensões não mais é possível representar graficamente o nicho de uma espécie. Fonte: Begon et al. 1996. Desta forma, os organismos de uma dada espécie podem sobreviver, crescer, reproduzir e manter uma população viável somente dentro de certos limites de temperatura (Figura 1a). Esta variação de temperatura é o nicho ecológico da espécie em uma dimensão – a dimensão temperatura. É claro que um organismo não é afetado por temperatura somente, ou por qualquer outra condição isoladamente. Assim organismos desta espécie hipotética só estão aptos a sobreviver e reproduzir dentro de certos limites de unidade relativa. Plotando-se temperatura e umidade juntas, o nicho torna-se bi-dimensional e pode ser visualizado como área. Quando outras condições e recursos são levadas em conta, observa-se a descrição tri-dimensional do nicho, visualizado como volume. Entretanto, a incorporação de mais de 3 dimensões é impossível de visualizar, de modo que o nicho verdadeiro de uma espécie passa a ser definido como um grande volume de muitas dimensões (‘hipervolume n- dimensional’), dentro do qual ela mantém uma população viável. Teoria de Nicho e Competição Geralmente, as espécies possuem nichos maiores na ausência de competidores e predadores que na sua presença. Em outras palavras, existem certas combinações de condições e recursos que permitem que uma espécie mantenha uma população viável, mas somente se ela não é fortemente afetada por outras espécies. Isto levou Hutchinson a distinguir entre os nichos fundamental e realizado de uma espécie (Figura 2). Figura 2. Nicho fundamental (área sombreada + área tracejada) da espécie G e seu nicho realizado (área sombreada, somente), que é um subconjunto do nicho fundamental, após a competição, parasitismo, doenças e deslocamento outras espécies competitivamente superiores. Fonte: Bruno et al. 2003. O nicho fundamental envolve todas as potenciais condições e recursos de uma espécie na ausência de outras, enquanto o nicho realizado descreve uma porção mais limitada do nicho fundamental de condições e recursos que a permitem persistir, mesmo na presença de competidores e predadores (considerando as interações interespecíficas). Influência da competição na determinação dos nicho realizados das espécies Para espécies animais existem potencialmente muitos recursos limitantes. Assim, o efeito da competição na riqueza de espécies pode ser visualizado através das relações de nichos das espécies nas comunidades. Considerando o simples caso de um único recurso, como a água do solo para as plantas ou o tamanho do item alimentar para os animais, duas medidas de nicho são muito importantes: a largura e a sobreposição dos nichos (Figura 3). Pela análise da Figura 3 pode-se reconhecer dois casos extremos: 1. Se não existe sobreposição de nichos, de forma que quanto maior a largura dos nichos, menor o número de espécies que a comunidade suporta; 2. Mas se a largura do nicho é constante, quanto menor a sobreposição dos nichos menor o número de espécies na comunidade. (A) (B) Figura 3. Diagrama para ilustrar dois casos extremos de como os parâmetros do nicho (largura e sobreposição) diferem em comunidades tropicais e temperadas. Tanto a largura (a) quanto a sobreposição (b) são determinadas por competição dentro da comunidade. Fonte: Krebs, 2001. Nesta análise hipotética, comunidades tropicais apresentam maior número de espécies porque possuem nichos mais estreitos e/ou mais sobrepostos. Para avaliar o efeito competitivo deve-se medir os parâmetros do nicho em uma grande variedade de comunidades tropicais e temperadas e compará-los na ausência e presença de competição. Os problemas relacionados à medida da largura e sobreposição dos nichos são discutidos por Magurran (1988) e o problema básico envolve decidir quais os eixos das condições e recursos são relevantes para um grupo particular de espécies. Em relativamente poucos casos, medidas detalhadas têm sido feitas para testar o modelo esquemático da figura anterior. Um exemplo pode ser encontrado no trabalho de Roughgarden (1974) estudando lagartos do gênero Anolis. Estes lagartos são organismos pequenos, insetívoros, diurnos e predadores do tipo “senta-e-espera” (não buscam ativamente o alimento). Devido a este hábito particular de forrageamento, o tamanho da partícula alimentar é uma dimensão importante do nicho destes organismos. Roughgarden testou então a hipótese de que a largura do nicho diminuiria à medida que um maior número de espécies ocorressem juntas em um mesmo ambiente (ilhas), o que parece ser verdade. Anolis cyboles que convive com 5 outras espécies e possui nichos mais estreitos que Anolis marmoratus ferreus que ocorre sozinho em outra ilha. Assim, o conceito de nicho foi gradualmente tornando-se ligado ao fenômeno da competição interespecífica e aos padrões de utilização dos recursos. Teoricamente, a competição interespecífica pode favorecer a evolução da divergência (diversificação em diferentes nichos ecológicos), de modo que as espécies venham a diferir nos recursos que utilizam. Evidências de que as espécies evoluem em resposta à competição interespecífica são fornecidas por exemplos do processo chamado de deslocamento de caracteres, definido como diferenças morfológicas observadas entre populações simpátricas de uma ou mais espécies quando comparadas à populações alopátricas das mesmas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Baseado na “Lei da Tolerância”, Hutchinson (1957) e seus estudantes construíram uma definição formal e elegante sobre nichos ecológicos, e este conceito tem grande importância para entender as relações entre os organismos e o meio e as relações entre os próprios organismos. Entretanto, apesar do modelo de hipervolume ser muito poderoso conceitualmente, ele é muito abstrato para ter valor prático e, geralmente, é de difícil aplicação no mundo real. Para construir tal hipervolumeé necessário saber essencialmente tudo sobre o organismo em questão, todos os fatores que agem sobre um organismo. Sendo isto geralmente impossível, o conceito de nicho fundamental permanece como uma abstração, e mesmo os nicho realizados das espécies têm tantos eixos que torna-se difícil quantificá-los.
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