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1 EECCOOLLOOGGIIAA && EEVVOOLLUUÇÇÃÃOO Introdução Assim como em outras áreas do conhecimento humano, grandes avanços na ciência não surgem de repente. Eles têm longas histórias e freqüentemente ocorrem em meios sociais em que talentos criativos podem surgir aliados a certo grau de conhecimento e progresso científico suficiente para desenvolver algo marcante. Este foi o caso da teoria da evolução. Desta forma, é valioso entender o conhecimento a partir do qual o inglês Charles Darwin se baseou e trouxe uma imensa e inestimável contribuição para a ciência. Perspectiva histórica e vida de Darwin Charles Darwin nasceu em Mount, Inglaterra, em 12 de outubro de 1809, no início da revolução industrial e revolução agrária, que aplicou métodos científicos na agricultura, aumentando a produtividade. Em 1820 foi estabelecida a Universidade de Londres, pioneira no enfoque de universidade moderna, ao ensinar disciplinas práticas, importantes para o início da era industrial inglesa. Um professor desta universidade, chamado Dr. Samuel Butler pode ter sido o primeiro a encorajar as futuras idéias de Darwin. Aos oito anos de idade, Darwin já era um ávido coletor de conchas, ovos, minerais e estava geralmente interessado em história natural. Na escola Shrewsbury Darwin leu The Natural History and Antiquities of Selbourne (White 1789) e observou e anotou hábitos de pássaros. Ao sair da escola em 1825, o livro Maravilhas do mundo levantou sua ambição de viajar e coletar animais e minerais. 2 A viagem do Beagle Após começar a cursar medicina na Universidade de Edinburgh e preparar-se para a vida religiosa durante 3 anos na Universidade de Cambridge, Darwin teve noções de Geologia e Botânica. Em 1831 ele recebeu a carta do capitão do navio Beagle, dizendo que precisava da companhia de um jovem naturalista na sua próxima viagem. O Beagle partiu em 27 de Dezembro de 1831 (Figura 1), quando Darwin tinha 22 anos, e retornou em 2 de outubro de 1836. A viagem foi a mais importante experiência educacional da carreira de naturalista de Darwin, graças a seu interesse em história natural, e embasamentos adquiridos durante seu período escolar. A missão da viagem terminou com levantamentos na Patagônia, Terra do Fogo, Chile e Peru, Ilhas Galápagos e algumas Ilhas do Pacífico, além de medidas em outros locais para fixar os pontos de longitude da Terra. Figura 1. A viagem do Beagle. Fonte: Price, 1997. Em direção à Origem das Espécies Em seu retorno da viagem do Beagle, Darwin estudou suas coleções em Cambridge, e mudou-se para Londres, onde era membro da Sociedade de Geologia. Em Julho de 1837, ela começou seus primeiros manuscritos relatando fatos relacionados à origem das espécies, e continuou a trabalhar neste projeto por outros 20 anos. A partir da leitura do livro de Malthus (1798) sobre o crescimento populacional, Darwin percebeu que através da luta pela existência “ variações favoráveis tenderiam a ser preservadas e as desfavoráveis seriam destruídas”. O resultado disso seria a formação de novas espécies. Darwin continuou a colecionar notas sobre a transmutação das espécies, e em 1854 começou a trabalhar com um grande volume de informações. Em 1856 Lyell advertiu-o a preparar uma versão 3 substancial sobre sua teoria, o que Darwin chamou de “o grande livro” (cinco vezes maior que o “origem” que ele publicou em 1859). Em 1858, ele recebeu um ensaio de Alfred Russell Wallace chamado “On the tendency of varieties to depart indefinitely from the original type”, quase uma duplicação de sua teoria. Assim, Darwin extraiu parte de seu livro e junto com Wallace publicou um ensaio no Journal of Linnean Society. Este ensaio recebeu pouca atenção e ainda em 1858 Darwin começou a trabalhar assiduamente na Origem das Espécies, que foi finalmente publicado em 1859. A primeira impressão, de 1250 cópias foi toda vendida no dia da publicação, e a segunda impressão, de 3000 cópias, em pouco tempo. Em 1876, 16.000 cópias haviam sido vendidas, apenas na Inglaterra. O livro foi então traduzido para muitas línguas e foi a mais importante contribuição de Darwin para a ciência, sem dúvida. O grande debate Darwin recebeu os parabéns de grandes intelectuais de sua época, mas foi também grandemente ridicularizado por suas idéias. Um grande debate ocorreu em 30 de Junho de 1860 envolvendo pessoas a favor e contra as idéias de Darwin, como o Bispo de Oxford. Durante mais de uma hora e meia de debate, o bispo ridicularizou as idéias de Darwin (Figura 2), dizendo que elas iam “contra as revelações de Deus na Sagrada Escritura”. Demonstrou-se ainda que o bispo não havia entendido as idéias da tese de Darwin e Thomas Huxley concluiu em relação à descendência humana dos macacos: “... eu asseguro, e repito, que um homem não possui nenhuma razão para se envergonhar de ter um chimpanzé com seu ‘avô’. Se houvesse um ancestral do qual eu deveria me envergonhar, seria um homem, que com seu intelecto pouco versátil critica questões científicas das quais não possui o menor conhecimento....”. 4 Não houve dúvidas acerca de quem havia ganhado o combate, e a partir desta época a teoria de Darwin começava a ganhar ainda mais força. Ainda hoje, entretanto, nós podemos observar que pensamentos religiosos tentam competir com a teoria científica por um lugar na biologia moderna. Figura 2. Caricatura de um jornal londrino ridicularizando a teoria evolutiva de Darwin e a origem humana. Fonte: Encarta, 1995. AS IDÉIAS EVOLUTIVAS A evolução biológica é uma idéia relativamente nova, já que até o final do século passado acreditava-se que os organismos haviam sido criados da maneira que os vemos hoje. Esta é a chamada visão teológica ou criacionista, uma vez que o criador teria criado os organismos. 5 Entretanto, alguns pesquisadores começaram a contestar tal idéia, principalmente devido à falta de provas. O cientista francês Jean Baptiste de Lamarck (1744-1829) foi um dos primeiros a levantar a hipótese da evolução biológica. O problema em relação às idéias de Lamarck era que o mecanismo que ele propunha para explicar a evolução biológica – mecanismo rápido, eficiente e direcionado - estava errado, o que fez com que seu papel na ciência fosse diminuído. Lamarck propôs como mecanismos evolutivos as chamadas “Lei do uso e do desuso” e “Herança de caracteres adquiridos”. Um exemplo que explica estes 2 mecanismos propostos por Lamarck é em relação ao tamanho do pescoço das girafas: “Girafas ancestrais das atuais possuíam pescoço curto, como demonstrado pelo registro fóssil. Como essas girafas tinham que procurar alimento nas árvores na época seca, esticavam o pescoço cada vez mais – Lei do uso e desuso- , para alcançar o alimento nas partes mais altas. Assim, girafas possuíam o pescoço cada vez mais longo e essa característica adquirida era transferida aos seus descendentes – Herança de caracteres adquiridos. Desta forma, em poucas gerações as girafas adquiriram o aspecto que têm hoje...” A falha deste modelo é que não existe transferência de caracteres adquiridos, mas as idéias de Lamarck foram importantes para o surgimento de outras idéias. As idéias evolutivas de Charles Darwin e Alfred Wallace podem ser resumidas da seguinte forma: 1. Existe variabilidade natural nas populações dos organismos; 2. Existem fatores que provocam mortalidade/reprodução diferencial, sobrevivendo apenas os indivíduos mais aptos (seleção natural); 3. As características que conferem maior aptidão são transmitidas. 6 De acordo com estas idéias, a “explicação” para o tamanho do pescoço das girafas seria: 1. Em uma população original de girafas ancestrais de pescoço curto, havia alguns indivíduos de pescoçoum pouco mais comprido; 2. A baixa disponibilidade de alimento no estrato arbóreo funciona como fator de seleção natural; 3. Girafas de pescoço um pouco maior têm mais alimento disponível, e, consequentemente, maior número de filhotes que girafas mal alimentadas, de forma que os filhotes que nascem são filhotes de pescoço um pouco mais longo. Desta forma, a porcentagem de girafas com o pescoço mais comprido aumenta na geração seguinte. Este processo proposto por Darwin e Wallace é lento, mas sabe-se que a Terra existe há cerca de 4,5 milhões de anos, tempo suficiente para a evolução dos milhões de espécies que existem hoje. Entretanto, a teoria de Darwin não foi imediatamente aceita, já que ia contra as idéias apresentadas na Bíblia (criacionismo) e não era sabido, naquela época, como as características eram herdadas. SELEÇÃO NATURAL E EVOLUÇÃO Apesar da seleção natural não ser um conceito de difícil explicação, ele é frequentemente confundido. Uma confusão comum é que a seleção natural é sinônimo de evolução. A evolução se refere a mudanças temporais de qualquer tipo, não-direcionais, enquanto a seleção natural especifica a direção particular em que estas mudanças ocorrem. A origem da variabilidade que permite o processo evolutivo é normalmente a mutação ou a recombinação gênica, que são processos aleatórios (ao acaso), o que reforça a idéia do não direcionamento do processo de evolução biológica. Existem ainda outros mecanismos possíveis de evolução além da seleção natural, como o fluxo gênico, a direção meiótica e a deriva genética. 7 Outra confusão freqüente é que a seleção natural opera principalmente por meio de diferenças nas taxas de mortalidade dos organismos, a chamada mortalidade diferencial. Sabe-se que a seleção natural opera de formas muito mais sutis e inconspícuas (Krebs 1994). Quando um organismo deixa, com mais sucesso, sua prole que outro organismo, seus genes tornam-se dominantes no pool genético daquela população. Eventualmente, o genótipo que deixou menor prole pode tornar-se extinto numa população estável, a não se que existam mudanças concomitantes que lhe conferem certa vantagem à medida que ele se torna mais raro. Assim, a seleção natural opera somente por sucesso reprodutivo diferencial. A mortalidade diferencial pode ser seletiva somente no nível em que cria diferenças entre os indivíduos no número de descendentes que eles produzem. Por muitas vezes a seleção natural pode ser vista em termos de taxas de mortalidade diferenciais e os indivíduos mais fortes e rápidos são considerados como tendo vantagens seletivas sobre os indivíduos mais fracos e mais lentos. Mas, se este fosse o caso sempre, cada espécie iria continuamente ganhar em força e velocidade. Como isto não está acontecendo continuamente, a seleção contra o aumento crescente de força e velocidade (contra-seleção) deve estar ocorrendo e limitando o processo. Um animal, por exemplo, que é por natureza, muito agressivo, pode despender muito tempo e energia agredindo outros animais, e desta forma despendem, em média, menos tempo e energia no acasalamento, deixando assim menos descendentes. Da mesma forma, um indivíduo pode ser tão submisso que despende muita energia e muito tempo fugindo de outros animais. Assim, sob condições estáveis, os indivíduos intermediários em uma população deixam mais descendentes que os fenótipos extremos. O processo de seleção natural é o resultado final de um processo ecológico em ação. Os ambientes nos quais os organismos vivem moldam a forma em que a evolução ocorre. A atual distribuição, abundância e diversidade de plantas e animais são determinadas por 8 processos evolutivos passados, mas que influenciam no ambiente presente (Krebs, 1994). Um exemplo de seleção natural em ação: o melanismo industrial Um exemplo simples e clássico de seleção natural é dado pelas mariposas da espécie Biston betularia na Inglaterra central. Esta mariposa apresenta variações naturais na quantidade de pigmentação preta em suas asas (Figura 3), distinguindo-se dois tipos: B. betularia typica – forma branca – e B betularia carbonaria – forma preta. Figura 3. A mariposa pimenteira, Biston betularia, em suas duas formas: typica à esquerda e carbonaria à direita. Fonte: Price, 1997. Quando a poluição ambiental na Inglaterra central provocou a morte dos liquens que cobriam as cascas das árvores, deixando um fundo escuro, as mariposas pretas sobreviveram mais porque os pássaros (agentes de seleção natural) não as enxergavam com tanta facilidade quanto às mariposas brancas. A coloração preta nas asas destas mariposas é herdada e o resultado foi um aumento na freqüência de mariposas pretas durante a industrialização (Figura 4), o que é chamado melanismo industrial. Ironicamente, desde que a poluição industrial tem decrescido nos últimos 30 anos, este processo de seleção natural está se revertendo (Murray et al. 1980). Figura 4. Ilustração esquemática de como a seleção natural opera usando o melanismo industrial como exemplo. Fonte: Price, 1997. 9 Tipos de seleção Três tipos de seleção podem atuar nos caracteres fenotípicos de um organismo: a seleção direcional, a estabilizadora e a disruptiva (Figura 5). Figura 5. Três tipos de seleção em características fenotípicas. Indivíduos nas áreas sombreadas são contra-selecionados. Fonte: Krebs, 1994. A seleção direcional é a forma mais simples, na qual os fenótipos de um extremo são eliminados. A seleção direcional produz mudanças genotípicas mais rapidamente que qualquer outra foram, de modo que a maioria das seleções artificiais opera desta forma. A seleção direcional foi, provavelmente, a responsável pela maioria das mudanças fenotípicas que ocorreram durante a evolução. Em populações cultivadas, a resistência de pragas a inseticidas ou herbicidas é produzida por seleção direcional. A seleção estabilizadora é muito comum em populações atuais. Neste tipo, os fenótipos mais próximos ao fenótipo médio da população são mais aptos que os fenótipos em cada um dos extremos, e desta forma, os valores médios da população não se modificam. Um exemplo pode ser visto no peso dos bebês no nascimento. A mortalidade é menor em torno de 3,3Kg, um valor bem próximo ao peso médio observado nos bebês ao nascimento (3,2Kg). A seleção disruptiva é um tipo de seleção em que os extremos são favorecidos em relação à média. Mas, uma vez que os extremos podem se intercruzar, cada geração produzirá mais formas intermediárias, que tendem a ser eliminadas. Em qualquer ambiente que favorece os extremos, mecanismos que evitem que extremos opostos se cruzem tornam-se vantajosos, como por exemplo, mecanismos de isolamento. 10 Um exemplo recente de seleção disruptiva foi descoberto num pássaro norte-americano, o tentilhão lápis-lazúli (Passerina amoena), que tem este nome pela cor azulada brilhante dos machos adultos. Os machos mais feios e os mais bonitos são os que mais sucesso conseguem com as fêmeas; aqueles de beleza intermediária são os que menos cruzam e menos deixam descendentes. Quando estes pássaros completam um ano de idade, antes de ficarem adultos, os machos de P. amoena podem variar muito na coloração. Alguns já têm a plumagem azulada e vistosa dos adultos, outros têm pelagem amarronzada parecida com a das fêmeas, e a maioria fica no meio termo. Segundo a teoria evolutiva de Darwin, os machos mais bem sucedidos em produzir filhotes são os que apresentam seus ornamentos sexuais extremos – o pavão com a maior e mais colorida causa, o veado com maior tamanho de chifres.... Neste caso, os machos de P. amoena mais coloridos conseguem conquistar os melhores territórios para a feitura dos ninhos. Já os “feinhos”conseguem se estabelecer ao lado dos melhores territórios, pois os adultos os ignoram, considerando que não representam ameaça. Assim, beleza ou feiúra extrema garante sucesso com as fêmeas desta espécie. O resultado destes tipos de seleção é que os organismos estão geralmente adaptados e grande parte da diversidade de formas biológicas hoje reconhecidas são uma representação gráfica do poder da adaptação por seleção natural. Assim, a evolução através da seleção natural resulta em adaptações e sob condições apropriadas produz novas espécies (especiação). Estes dois processos possuem grandes implicações ecológicas. Adaptação As adaptações – aquelas características que, como disse Darwin, “com tanta justiça promovem nossa admiração” – são centrais no estudo da ecologia. Desde a teoria evolutiva, dois grandes temas 11 permeiam a explicação para as características observáveis de um dado organismo: a genealogia (pela qual a explicação é encontrada na ancestralidade de um organismo) e a adaptação (pela qual ela é encontrada nas condições de vida de um organismo). Na fisiologia, a palavra adaptação é empregada com freqüência para descrever o ajuste fenotípico de um organismo ao seu ambiente. Na biologia evolutiva, uma adaptação é uma característica, que, devido ao aumento que confere no valor adaptativo, foi moldada por forças específicas de seleção natural atuando sobre a variação genética. A chamada coloração críptica – ocorre quando o organismo possui coloração ou forma bastante semelhante a do meio ou substrato onde ele se encontra – é normalmente uma adaptação para diminuir as chances de predação. Especiação Um dos problemas centrais em biologia é o entendimento da origem das espécies. Uma das hipóteses mais aceita para explicar o processo de multiplicação das espécies é a especiação geográfica ou especiação alopátrica. Existem ainda dois tipos de especiação, que ocorrem sob condições particulares: a especiação simpátrica e a parapátrica. 1. Especiação Alopátrica Este mecanismo opera em 4 passos básicos: a) Barreiras físicas ou geográficas isolam 2 populações, o que gera o chamado isolamento reprodutivo (Figura 6); b) As populações reprodutiva e geograficamente isoladas sofrem evolução independente e tornam-se adaptadas a ambientes separados; 12 c) O isolamento reprodutivo evolui de modo que ocorram mecanismos que reduzem o inter-cruzamento entre as 2 populações; d) Se o isolamento geográfico cessa e as 2 populações estão novamente em contato, e se os mecanismos de isolamento reprodutivo evoluíram, o processo de especiação está completo e 2 novas espécies passam a existir. Os mecanismos de isolamento podem ser comportamentais, ambientais, mecânicos e fisiológicos, de forma a impedir que 2 indivíduos de 2 espécies produzam uma prole viável. Figura 6. Especiação geográfica, ou alopátrica, por divisão de populações através de uma barreira geográfica. Fonte: Price, 1997. 2. Especiação Parapátrica A especiação parapátrica ocorre quando a população de uma espécie amplamente distribuída entra em um novo ambiente (Figura 7). Apesar de não existirem barreiras físicas separando esta população de outras, a ocupação de um novo habitat resulta em barreira para o fluxo genético entre a população no novo habitat e o resto das espécies. A especiação parapátrica é comum em organismos que se movem muito pouco, ou nada, como plantas e insetos não-alados. Não é um processo tão comum quanto a especiação alopátrica. 3. Especiação Simpátrica Este tipo de especiação ocorre quando o isolamento reprodutivo ocorre dentro da amplitude de distribuição da população e antes que 13 qualquer diferenciação entre as 2 espécies possa ser detectada. ocorre quando um novo genótipo está apto a colonizar um hospedeiro novo com sucesso, tornando-se reprodutivamente isolado do restante da população. Figura 7. Três hipóteses para o processo de especiação. A alopátrica é provavelmente a mais comum. Fonte: Krebs, 1994. CONCLUSÃO As duas teses principais de “A origem das espécies” – que os organismos são produtos de uma história de descendência com modificação a partir de ancestrais comuns, e que o principal mecanismo de evolução é o da seleção natural das variações hereditárias – têm fornecido uma estrutura conceitual para estudos de morfologia comparada, embriologia, paleontologia e biogeografia. A partir das idéias evolutivas lançadas por Darwin as relações entre os organismos passaram a ser compreendidas como significando ancestralidade comum e não afinidades no sistema de criação. 14 CONDIÇÕES E RECURSOS, NICHO ECOLÓGICO Introdução O clima, a topografia, os solos e a influência destes no meio ambiente determinam o caráter da vida vegetal e animal sobre a superfície da Terra. Todo sistema biológico apresenta trocas de energia, matéria (e outras interações) com o mundo abiótico, embora a expressão desses processos seja diferente de acordo com as condições ambientais específicas de cada lugar em particular. Para entender a distribuição e abundância das espécies é preciso conhecer: 1. Sua história; 2. Os recursos que cada espécie requer; 3. Os efeitos das condições ambientais; 4. As taxas de nascimento, morte e migração dos indivíduos; 5. Os efeitos das interações com outros organismos. CONDIÇÕES Condição é definida como um fator ambiental abiótico que varia no tempo e no espaço, como por exemplo, a temperatura, umidade, pH e salinidade. As condições podem ser modificadas pela presença de outros organismos, mas, diferentemente dos recursos, não são consumidas. Para algumas condições pode-se reconhecer uma concentração ou nível ótimo, no qual os organismos têm melhor desempenho, com suas atividades decrescendo em direção aos extremos. As medidas de desempenho ótimo são dadas por efeitos das condições em algumas propriedades dos organismos, como a atividade enzimática, a respiração e o crescimento. A forma precisa da curva de resposta a uma condição varia de condição para condição, mas pode-se reconhecer, pelo menos, três tipos (Figura 1). 15 Figura 1. a) Representação geral de como as atividades de um organismo se relacionam à intensidade de uma condição ambiental, como a temperatura ou pH. Neste caso, os extremos são leatis. b) resposta de um organismo à concentrações de toxinas e poluentes. c) resposta de um organismo à concentrações de alguns micronutrientes. Modificado de Begon et al. 1996. A figura 1a mostra a resposta de um organismo hipotético à variações na amplitude de condições como a temperatura e o pH. A estreita amplitude de condições através da qual a reprodução ocorre (R – R) geralmente determina onde a existência da espécie é possível. Neste caso, os extremos da condição (exemplo: muito quente ou muito frio, muito ácido ou muito básico) são letais aos organismos. A figura 1b mostra uma curva geral de resposta a condições como toxinas, emissões radioativas e poluentes, que somente são letais quando em altas concentrações. Em baixas concentrações seus efeitos não são detectáveis. Finalmente, a figura 1c mostra a curva de resposta de organismos à concentração de micronutrientes, como o cobre o zinco, que são essenciais para o crescimento em níveis baixos e letais quando em altas concentrações. Condições Limitantes aos Organismos 1. Temperatura Variações na temperatura na superfície da Terra possuem uma grande variedade de causas, como efeitos da latitude e altitude, efeitos continentais, sazonais e diurnos, além de efeitos microclimáticos. Existem muitos exemplos de distribuições de plantas e animais que são relacionados a alguns aspectos da temperatura ambiental,como a riqueza de famílias de plantas florescentes nos hemisférios norte e sul (Figura 2). No hemisfério sul só existem famílias de plantas acima de 16 20oC negativos e observa-se um aumento do número de famílias, em ambos os hemisférios, com o aumento da temperatura. Figura 2. Relação entre temperatura e número de famílias de plantas florescentes nos hemisférios norte e sul. Fonte: Begon et al. 1996. 2. pH do solo e da água O pH do solo em ambientes terrestres e o pH da água em ambientes aquáticos são condições que exercem fortes influências na distribuição e abundância dos organismos. Além disso, existem efeitos indiretos do pH, já que o pH do solo, por exemplo, influencia na disponibilidade de nutrientes e/ou na concentração de toxinas (Figura 3). Observa-se que a disponibilidade de N, P, e K varia muito de acordo com o pH do solo, e apesar da ampla tolerância de plantas a diferentes pH do solo, poucas espécies sobrevivem em pH abaixo de 4.5. Figura 3. A toxicidade de H+ e OH- às plantas, e a disponibilidade de minerais (indicada pela largura das barras) são influenciadas pelo pH do solo. Fonte: Begon et al. 1996. 3. Salinidade Para plantas terrestres a concentração de sais na água do solo oferece resistências osmóticas à captação de água. Além disso, a salinidade em ambientes aquáticos pode ter importantes influências na distribuição e abundância das espécies. A Figura 4 mostra a distribuição de 3 espécies de pequenos crustáceos em rios britânicos. Observa-se que Gammarus pulex ocorre somente em locais com 17 baixíssimas concentrações de sal, enquanto G. locusta ocorre em áreas com concentração de média à máxima. Figura 4. Distribuição de três espécies proximamente relacionadas de crustáceos em rios britânicos (a abundância relativa é indicada pela espessura das bandas) em relação à concentração de sal na água. Fonte: Begon et al. 1996. 4. Ventos, ondas e correntes Na natureza existem muitas forças ambientais que possuem efeito através da força do movimento físico – como o ar e a água. Estas condições possuem importância particular para espécies aquáticas, como algas e animais bentônicos, que normalmente, apresentam adaptações para tolerar a força de correntes e turbulências. 5. Poluição Ambiental Um grande número de condições ambientais, que, infelizmente, têm crescido em importância são os produtos derivados de atividades tóxicas, geralmente antrópicas, como o dióxido de enxofre. Metais pesados, como o cobre e o zinco, limitam a distribuição de espécies de plantas, já que em altas concentrações estes elementos são letais. A variação genética dos organismos pode, algumas vezes, levar à evolução de formas tolerantes à poluição, de modo que a poluição fornece uma oportunidade ideal de observar o processo evolutivo em ação. Exemplos destes processos são: a chuva ácida, o efeito estufa e o aquecimento global. 18 RECURSOS De acordo com Tilman (1982) tudo aquilo que é consumido por um organismo é denominado recurso para tal: “Assim como o nitrato, fosfato e luz são recursos para uma planta, o néctar e o pólen o são para uma abelha, e assim por diante...” Os recursos para os organismos vivos são basicamente os compostos dos quais seu corpo é formado, a energia envolvida em suas atividades e os locais ou espaços nos quais eles desenvolvem seu ciclo de vida. Recursos essenciais para os organismos 1. Radiação A radiação solar é o único recurso energético que pode ser usado nas atividades metabólicas das plantas. A energia radiante chega até uma planta através do fluxo de radiação vinda do sol, tanto diretamente, quanto depois de passar pela atmosfera e ser refletida ou transmitida. O valor da radiação como recurso depende criticamente do suprimento de água. A radiação interceptada não resulta em fotossíntese a não ser que haja CO2 disponível, e a rota de entrada deste composto é através da abertura dos estômatos. LUZ CO2 + H2O C6H12O6 + O2 Se os estômatos estão abertos, a água evapora e se mais água é perdida que ganhada, as plantas são prejudicadas. Assim, as plantas apresentam algumas estratégias que reconciliam a atividade fotossintética com a perda controlada de água, como: 19 1. Plantas com ciclo de vida curto apresentam alta atividade fotossintética quando a H20 é abundante e dormência de sementes no restante do período; 2. Plantas de ciclo de vida longo podem apresentar o chamado polimorfismo seqüencial: folhas grandes e de cutícula fina quando a água é abundante, substituídas por folhas menores, decíduas e de cutícula grossa quando a água do solo torna-se escassa; 3. Presença de pêlos e cera na superfície adaxial e presença de estômatos na superfície abaxial; 4. Adaptações fisiológicas, como plantas C4 e plantas CAM (Figura 5). Figura 5. Anatomia foliar de plantas C3 (a) e plantas C4 (b). Além de diferenças nos tipos celulares, diferenças fisiológicas fazem com que as plantas C4 sejam mais eficientes na fixação do carbono. Fonte: Krebs, 1994. 2. Nutrientes minerais É preciso mais que luz, CO2 e água para fazer uma planta. Os recursos minerais incluem os macronutrientes (necessários em quantidades relativamente grandes) como o N, P, S, K, Ca, Mg e Fe; além de micronutrientes (os chamados elementos-traço), como o Mn, Zn, Cu, B e Mo. Alguns organismos apresentam ainda necessidades especiais (Figura 6). Além de diferenças nos requerimentos nutricionais entre as espécies, observam-se grandes diferenças entre a composição mineral de diferentes partes de uma única planta. 20 Figura 6. Tabela periódica dos elementos mostrando aqueles que são recursos essenciais para os vários organismos. Fonte: Begon et al, 1996. 3. Oxigênio O oxigênio é um recurso tanto para plantas quanto para animais. Ele difunde-se e solubiliza-se lentamente na água, podendo tornar-se limitante em ambientes aquáticos ou alagados. Assim, amimais aquáticos devem manter um fluxo contínuo de água através de suas superfícies respiratórias (exemplo: brânquias de peixes) ou possuírem grandes áreas superficiais em relação ao volume corporal (exemplo: crustáceos que possuem apêndices). 4. Organismos como recursos Organismos autotróficos assimilam recursos inorgânicos através de “pacotes” de moléculas orgânicas (proteínas, carboidratos). Estes se tornam então recursos para heterótrofos (decompositores, parasitas e predadores...) criando assim uma cadeia de eventos onde cada consumidor de recursos torna-se um recurso para outros consumidores. Em cada elo desta cadeia alimentar pode-se reconhecer pelo menos três vias: 1. Decomposição: o corpo ou parte do corpo dos organismos morrem e tornam-se recursos para decompositores (bactérias, fungos, detritívoros). Os decompositores usam os organismos somente após sua morte. 2. Parasitismo: os organismos vivos são usados como recursos enquanto ainda estão vivos. O parasita é um consumidor que geralmente não mata seu recurso alimentar e se alimenta de um ou poucos organismos durante sua vida. 21 3. Predação: o consumidor mata e ingere outro organismo – ou parte dele – como recurso. A herbivoria é um tipo de predação onde a presa (recurso) não é morta e somente parte dela é utilizada. 5. Espaço Todos os organismos vivos ocupam espaço e este pode ser normalmente considerado como recurso. Assim, plantas podem competir com outras por espaço no dossel, ou seja, competir por luz e CO2 que são capturados no dossel. Da mesma forma, plantas podem requerer espaço para as raízes, ou seja, espaço para onde está a água e nutrientes. Entretanto, o espaço propriamente dito pode se tornar um recurso limitante, seé a aglomeração dos indivíduos que limita o que eles podem fazer, mesmo quando o recurso alimentar é abundante. Um exemplo pode ser visto em comunidades de lagartos que termorregulam em rochas. Eles estão certamente utilizando uma condição – a temperatura – mas, ao mesmo tempo, usam microhabitats favoráveis para esta atividade, deixando-os indisponíveis para outros indivíduos. Quando as espécies competem por espaço, distingue-se duas situações: 1. Competição de Exploração: onde a espécie ou indivíduo A não reage à presença da espécie ou indivíduo B, mas sim à diminuição de recursos causada por B. 2. Competição de Interferência: A reage à presença de B, capturando o espaço - um comportamento chamado de territorialismo. O comportamento territorialista, comumente observado em grandes animais e pássaros, está geralmente associado à comportamentos reprodutivos, e, tipicamente, um indivíduo estabelece seu território através de comportamentos agressivos. 22 NICHO ECOLÓGICO As respostas dos organismos às condições e recursos ambientais disponíveis levam a um conceito central do pensamento ecológico: o conceito de nicho. O termo nicho ecológico tem sido parte do vocabulário dos ecólogos há mais de 70 anos, mas nos primeiros 30 anos seu significado era bastante vago. Segue abaixo um histórico e definições do termo nicho ecológico. 1. Grinnell (1914 a 1920) • Grinnell nunca definiu nicho, mas referências ao termo como “hábitos e habitats dos animais...” • Este autor argumenta ainda que “cada espécie ocupa um nicho, embora não necessariamente o oposto sempre ocorra...” ou seja, alguns nichos existem , mas não contêm espécies (nicho vagos) 2. Elton (1927) • Em seu livro “Animal Ecology”, Elton diz que o nicho representa o status de um organismo na comunidade, ou seja, seu local e sua função. • Segundo esta definição, o nicho de uma espécie poderia ser definido pelo tamanho e hábitos alimentares dos indivíduos 3. Hutchinson (1957) e colaboradores • Hutchinson é o primeiro a salientar a importância de todos os fatores ambientais que agem sobre um organismo e definiu nicho como: “Hipervolume n-dimensional dentro do qual a espécie pode manter uma população viável...”. 23 • Esta é, atualmente, a definição mais completa e aceita para o termo nicho ecológico, e de forma simples, representa todas as condições e recursos que influenciam nas respostas de um organismo. Este modelo de hipervolume proposto por Hutchinson pode ser melhor entendido e descrito através de um exemplo (Figura 7). Figura 7. Nicho ecológico de uma espécie hipotética. a) em uma dimensão (temperatura); b) em duas dimensões (temperatura e umidade); c) em três dimensões (temperatura, umidade e fluxo de corrente). A partir de 3 dimensões não mais é possível representar graficamente o nicho de uma espécie. Fonte: Begon et al 1996. Desta forma, os organismos de uma dada espécie podem sobreviver, crescer, reproduzir e manter uma população viável somente dentro de certos limites de temperatura (Figura 7a). Esta variação de temperatura é o nicho ecológico da espécie em uma dimensão – a dimensão temperatura. É claro que um organismo não é afetado por temperatura somente, ou por qualquer outra condição isoladamente. Assim organismos desta espécie hipotética só estão aptos a sobreviver e reproduzir dentro de certos limites de unidade relativa. Plotando-se temperatura e umidade juntas, o nicho torna-se bi-dimensional e pode ser visualizado como área. Quando outras condições e recursos são levados em conta, observa-se a descrição tr-dimensional do nicho, visualizado como volume. Entretanto, a incorporação de mais de 3 dimensões é impossível de visualizar, de modo que o nicho verdadeiro de uma espécie passa a ser definido como um grande volume de muitas dimensões (‘hipervolume n-dimensional’), dentro do qual ela mantém uma população viável. Teoria de Nicho e Competição Geralmente, as espécies possuem nichos maiores na ausência de competidores e predadores que na sua presença. Em outras palavras, 24 existem certas combinações de condições e recursos que permitem que uma espécie mantenha uma população viável, mas somente se ela não é fortemente afetada por outras espécies. Isto levou Hutchinson a distinguir entre os nichos fundamental e realizado de uma espécie (Figura 8). Figura 8. Nicho fundamental (área sombreada + área tracejada) da espécie G e seu nicho realizado (área tracejada, somente), que é um subconjunto do nicho fundamental, após a competição e deslocamento por 6 espécies (A-E) competitivamente superiores. Fonte: Pianka, 1986. O nicho fundamental envolve todas as potenciais condições e recursos de uma espécie, enquanto o nicho realizado descreve um espectro mais limitado de condições e recursos que a permitem persistir, mesmo na presença de competidores e predadores. Influência da competição na determinação dos nichos realizados das espécies Para espécies animais existem potencialmente muitos recursos limitantes. Assim, o efeito da competição na riqueza de espécies pode ser visualizado através das relações de nichos das espécies nas comunidades. Considerando o simples caso de um único recurso, como a água do solo para as plantas ou o tamanho do item alimentar para os animais, duas medidas de nicho são muito importantes: a largura e a sobreposição dos nichos (Figura 9a). Figura 9. Diagrama para ilustrar dois casos extremos de como os parâmetros do nicho (largura e sobreposição) diferem em comunidades tropicais e temperadas. Tanto a largura quanto a sobreposição são 25 determinadas por competição dentro da comunidade. Fonte: Krebs 1994. Pela análise da Figura 9 podem-se reconhecer dois casos extremos: 1. Se não existe sobreposição de nichos, de forma que quanto maior a largura dos nichos, menor o número de espécies que a comunidade suporta (Figura 9b); 2. Se a largura do nicho é constante, quanto menor a sobreposição dos nichos menor o número de espécies na comunidade (Figura 9c). Nesta análise hipotética, comunidades tropicais apresentam maior número de espécies porque possuem nichos mais estreitos e/ou mais sobrepostos. Para avaliar o efeito competitivo devem-se medir os parâmetros do nicho em uma grande variedade de comunidades tropicais e temperadas e compará-los na ausência e presença de competição. Os problemas relacionados à medida da largura e sobreposição dos nichos são discutidos por Magurran (1988) e o problema básico envolve decidir quais os eixos das condições e recursos são relevantes para um grupo particular de espécies. Em relativamente poucos casos, medidas detalhadas têm sido feitas para testar o modelo esquemático da figura anterior. Um exemplo pode ser encontrado no trabalho de Roughgarden (1974) estudando lagartos do gênero Anolis. Estes lagartos são organismos pequenos, insetívoros, diurnos e predadores do tipo “senta-e-espera” (não buscam ativamente o alimento). Devido a este hábito particular de forrageamento, o tamanho da partícula alimentar é uma dimensão importante do nicho destes organismos. Roughgarden testou então a hipótese de que a largura do nicho diminuiria à medida que um maior número de espécies ocorressem juntas em uma mesmo ambiente (ilhas), o que parece ser verdade (Figura 10). Anolis cyboles ocorre em simpatria com 26 5 outras espécies e possui nichos mais estreitos que Anolis marmoratus ferreus que ocorre sozinho em outra ilha. Figura 10. Largura de nicho de duas espécies de Anolis em ilhas do Caribe. Anolis cybotes coexiste com 5 outras espécies em Jarabacoa e tem nicho mais estreito. Anolis marmoratus ferreus é a única espécie em Maria Galante. Fonte: Krebs, 1994. Assim, o conceito de nicho foi gradualmente tornando-seligado ao fenômeno da competição interespecífica e aos padrões de utilização dos recursos. Teoricamente, a competição interespecífica pode favorecer a evolução da divergência (diversificação em diferentes nichos ecológicos), de modo que as espécies venham a diferir nos recursos que utilizam. Evidências de que as espécies evoluem em resposta à competição interespecífica são fornecidas por exemplos do processo chamado de deslocamento de caracteres, definido como diferenças morfológicas observadas entre populações simpátricas de uma ou mais espécies quando comparadas à populações alopátricas das mesmas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Baseado na “Lei da Tolerância”, Hutchinson (1957) e seus estudantes construíram uma definição formal e elegante sobre nichos ecológicos, e este conceito tem grande importância para entender as relações entre os organismos e o meio e as relações entre os próprios organismos. Entretanto, apesar do modelo de hipervolume ser muito poderoso conceitualmente, ele é muito abstrato para ter valor prático e, geralmente, é de difícil aplicação no mundo real. Para construir tal hipervolume é necessário saber essencialmente tudo sobre o organismo em questão, todos os fatores que agem sobre um organismo. Sendo isto geralmente impossível, o conceito de nicho fundamental permanece como uma abstração, e mesmo os nicho realizados das espécies têm tantas vezes tantos eixos que torna-se difícil quantificá-los. 27 ECOLOGIA DE POPULAÇÕES Introdução Uma população compreende os indivíduos de uma espécie dentro de uma dada área. As fronteiras de uma população podem ser naturais, impostas pelos limites geográficos de um habitat adequado, ou podem ser definidas arbitrariamente à conveniência do pesquisador. Em qualquer caso, a população possui uma estrutura espacial e sua abundância pode variar de acordo com a quantidade de alimento, predadores, locais para construir ninhos e outros fatores ecológicos do habitat (Ricklefs 1996). A estrutura da população proporciona uma visão rápida num determinado instante de tempo. As populações também apresentam comportamento dinâmico, continuamente mudando o número de indivíduos devido aos nascimentos, mortes e movimentos individuais. A regulação destes processos depende de várias interações de indivíduos com o seu ambiente e entre si. Por isso, muito da ecologia focaliza-se no nível populacional. Indivíduos e Populações Uma população é definida como um grupo de indivíduos de uma mesma espécie em uma mesma área. Uma população pode ser, por exemplo, o número de pulgões presentes em uma única folha, ou o número de humanos na China. Geralmente, a população é arbitrariamente definida pelo número de indivíduos que é conveniente e/ou possível de contar. Mas, o que é um indivíduo? É possível reconhecer, de maneira grosseira, dois tipos de organismos: os organismos unitários e os organismos modulares. Os organismos unitários são aqueles que possuem forma e aspecto previsível. Salvo as aberrações, todo cachorro tem 4 patas, toda lagosta tem 6 e todo ser humano tem 2 pernas, 2 braços, 2 olhos. Além 28 disso, nestes organismos a sucessão de fases (nascimento, reprodução, morte...) é, de certa forma, previsível. Já os chamados organismos modulares são aqueles em que a forma e o tempo não são previsíveis. Estes indivíduos são compostos por um número variável de módulos e seu desenvolvimento é dependente da interação com o meio ambiente. Os mais conhecidos exemplos de organismos modulares são as plantas, onde cada ramo ou folha pode ser considerado um módulo. A Figura 1 exemplifica alguns tipos de animais e plantas que possuem crescimento modular. Figura 1. Organismos modulares: plantas à esquerda e animais à direita. Fonte: Begon et al. 1996. Parâmetros Demográficos A demografia é a área da ciência que estuda a estrutura etária e o crescimento das populações. Apesar dos estudos de plantas e animais terem se desenvolvido separadamente, estas 2 formas de vida possuem muito em comum quando examinadas do ponto de vista demográfico. Em um nível mais simples, plantas são geradas a partir de sementes da mesma forma que pássaros são gerados a partir de ovos. Animais mais velhos exibem sinais de senilidade assim como árvores mais velhas apresentam galhos mortos. Assim, parece sensato sugerir que, apesar de formas de vida e estágios de desenvolvimento diferirem significativamente entre as espécies, alguns processos populacionais básicos são comuns a todas elas. Como varia o número de indivíduos em uma população? Pode-se dizer que nascimento, morte, imigração e emigração são os 4 parâmetros demográficos fundamentais no estudo de dinâmica de uma população. Estes parâmetros podem ser combinados numa 29 equação algébrica bem simples, que descreve a mudança numérica em uma população entre 2 intervalos de tempo: Nt = Nto + N + I – M – E , onde * Nto = tamanho da população no tempo anterior * Nt = tamanho da população no tempo seguinte * N = no de indivíduos nascidos entre t e to * M = no de indivíduos que morreram entre t e to * I = imigração (chegada na população) * E = emigração (saída da população) Se uma população é muito grande, então esta equação pode ser construída em termos da densidade, ao invés de números absolutos. Nt, por exemplo, passa a ser “o número de plantas por m2 no tempo t” ou “o número de insetos por folha”. Importância dos estudos demográficos Descrever, explicar e entender a distribuição dos organismos é um dos objetivos da ecologia. A equação acima descrita tem aplicações na ecologia, agricultura e conservação. Ao se estudar os efeitos de uma praga sobre uma cultura, o objetivo é aumentar o Nt da cultura ao diminuir o Nt da espécie praga. Se o objetivo é conservacionista, deve- se avaliar as taxas de natalidade, mortalidade e reposição de uma população ameaçada de extinção. Métodos para descrever N, M, I, E Para descrever de forma precisa o nascimento, morte... é preciso que os indivíduos sejam quantificados. Isso significa contar os 30 indivíduos ou módulos de uma população. A maioria dos estudos não lida diretamente com os nascimentos e mortes, mas com suas conseqüências, isto é, com o número de indivíduos que estão presentes em uma população e como este número varia com o tempo (Figura 2). Os melhores estudos populacionais são aqueles que não só descrevem os dados de variação do número de indivíduos, mas que também fornecem dados sobre os processos que afetam os números. Figura 2. Exemplos de contagens de indivíduos. a) números de pares de pássaros; b) número de pupas de mariposas por m2; c) número de peixes por unidade de esforço de captura (CPUE). Fonte: Begon et al. 1996. TABELAS DE VIDA A projeção precisa de mudança no tamanho de uma população requer o conhecimento do número de indivíduos por faixa etária, suas probabilidades de sobrevivência e sua taxa de fecundidade. Estas estatísticas são coletivamente conhecidas como tabelas de vida e registram a adição e remoção de indivíduos em uma população. Elas se dividem em 3 tipos: tabelas de vida diagramáticas, tabelas de vida de coorte e tabelas de vida estáticas. Tabela de Vida Diagramática O esquema abaixo exemplifica uma tabela de vida diagramática para uma espécie de planta hipotética. 31 Nos quadrados observa-se o número inicial de indivíduos em cada um dos 3 estágios: sementes, plântulas e adultos. Assim, o número de adultos no tempo t+1 é derivado de 2 fontes: 1. Alguns são derivados dos adultos sobreviventes do tempo t, cuja probabilidade de sobrevivência é indicada por p. Se Nt = 100 e p = 0.9, então existem 90 adultos contribuindo para Nt+1 no tempo t+1. 2. Outra fonte de adultosé o nascimento, que envolve múltiplos estágios, como a produção de sementes, a germinação e o crescimento e estabelecimento das plântulas. f é o número médio de sementes produzidas por adulto, ou a fecundidade média da população de plantas. O número total de sementes produzidas pode ser calculado multiplicando-se Nt . f. Adultos Nt Sementes Nt . f Plântulas Nt . f . g Adultos Nt+1 f g e p f = fecundidade g = germinação e = estabelecimento p = probabilidade de sobrevivência 32 A proporção destas sementes que realmente germinam é g, que é essencialmente a taxa de sobrevivência. Multiplicando-se Nt . f. g têm-se o número de sementes que germinaram com sucesso e tornaram-se plântulas. A parte final do processo é o estabelecimento das plântulas como adultos, e essa possibilidade é denotadas por e, deforma que o número total de nascimentos pode ser calculado por Nt . f. g . e. De forma geral, o número de adultos desta população em t + 1 pode ser calculado por: N t+1 = (Nt . p) + (Nt . f. g . e) Neste exemplo, a imigração e a imigração foram ignoradas, de modo que a descrição de como a população muda de tamanho está incompleta. Na prática, estudos de campo meticulosos são necessários para a construção de tabelas de vida diagramáticas. Estimativas das probabilidades de transição (p, g, e...) são necessárias, além de medidas como a fecundidade dos adultos. Um exemplo de trabalho detalhado pode ser encontrado em Richards & Waloff (1954) estudando uma espécie comum de gafanhoto do campo, Chorthippus brunneus. A população desta espécie foi isolada, de forma que a migração pôde realmente ser ignorada (Figura 3). Não existem sobreviventes de uma não para o outros (p = 0), e o processo de nascimento até a fase adulta é complexo, envolvendo 6 estágios. O primeiro é a postura de ovos no solo pelas fêmeas (pods). Cada fêmea deixa, em média, 7.3 conjuntos, com 11 ovos. Assim, observa-se a postura de aproximadamente 200 ovos. Somente 7.9% destes sobrevivem ao inverno e viram ninfas de 1o estágio. A sobrevivência de ninfa I até adultos é baixa, o que no fim do processo, gera apenas 5.8 adultos (aproximadamente 3 machos e 3 fêmeas). 33 Apesar da alta fecundidade, os adultos de 1947 não fazem mais que substituir com adultos novos a população no ano seguinte. Figura 3. Tabela de vida diagramática de Chorthippus brunneus, uma espécie anual (tamanho populacionais por 10m2). Fonte: Begon & Mortimer, 1986. Tabela de Vida de Coorte Este tipo de tabela de vida segue o destino de uma coorte – um grupo de indivíduos nascidos no mesmo intervalo de temo – desde o seu nascimento até a morte do último indivíduo. Cada indivíduo deve ser reconhecido e distinguido de outros indivíduos pertencentes a outras coortes, mas que também estão presentes na população. A Figura 4 exemplifica uma coorte. Os indivíduos são representados por linhas sólidas, vão ficando mais velhos com o tempo e eventualmente morrem (representado por um ponto). Neste caso, a coorte de quatro indivíduos (nascidos no tempo to) é observada novamente no tempo t1 (quando há só dois sobreviventes) e no tempo t3, quando não há mais sobreviventes. Figura 4. Uma população representada por várias linhas diagonais. Três indivíduos nasceram antes de to e três durante t1. Entretanto, somente 4 indivíduos pertencem à coorte marcada por uma chave, a coorte dos indivíduos nascidos em to. Fonte: Bego & Mortimer, 1986. Plantas são ideais para estes tipos de estudo, já que são sésseis e podem ser facilmente marcadas ou mapeadas e assim “seguir” o destino de cada indivíduo. Para exemplificar uma tabela e vida de coorte, analisaremos o exemplo do trabalho de Law (1975) com a gramínea Poa annua. 34 Resumo das variáveis em uma tabela de vida • lx = sobrevivência dos indivíduos recém-nascidos até a idade x • bx= fecundidade na idade x • mx= proporção de indivíduos vivos na idade x morrendo em x+1 • sx= proporção de indivíduos na idade x sobrevivendo até x+1 • ex = expectativa adicional de vida de indivíduos da idade x A Tabela 1 mostra a sobrevivência e a fecundidade de uma plantação de P. annua sob condições experimentais durante 2 anos de estudo, em cuja época o último indivíduo morreu (a idade é apresentada de 3 em 3 meses). Das 843 plantas vivas no tempo to (germinação), 722, ou 85.7% estavam vivas no tempo 1, aos 3 meses de idade. Daí So e l1 serem ambos iguais a 0.857. Esta tabela mostra também que a probabilidade de morrer aumenta com o aumento da idade e por isso a expectativa de vida diminui. Na idade de 6 meses esta espécie mostra seu maior valor (620 sementes) e então declina com a idade. Outro parâmetro importante é o chamado R0, ou taxa de crescimento básico que é calculada pela fórmula: R0 = ∑ bx Nt0 No caso desta população, o somatório de bx é 1660 e Nt0 é 843. Desta forma, R0 = 1.96, o que significa que a população quase dobra a cada geração. Se R0 > 1 a população cresce, e se R0 é menor que 1 a população está diminuindo. Tabela 1- Tabela de vida da gramínea Poa annua. Fonte: Ricklefs, 1996. abela de Vida Estática 35 Este tipo de tabela de vida considera a sobrevivência de indivíduos de idade conhecida durante um único intervalo de tempo. O pesquisador, neste caso, estima cada valor de sobrevivência de idade específica, independentemente, para cada faixa etária da população. Naturalmente, para aplicar esta técnica, é preciso conhecer as idades dos indivíduos. Para plantas esta idade pode ser estimada por anéis de crescimento e para animais pelo desgaste dos dentes ou tamanho dos chifres. A distribuição de idades de morte foi utilizada para construir uma tabela de vida para o carneiro montês, no Alasca (Tabela 2). O tamanho dos chifres, que crescem continuamente durante a vida do carneiro fornece estimativas da idade na hora da morte. Dos 608 esqueletos observados, 121 foram julgados ter menos de 1 não na hora da morte, 7 entre 1 e 2 anos e assim por diante. Se todos os 608 carneiros estavam vivos na data de nascimento e 121 morreram no primeiro ano, então 608 - 121 = 487 estavam vivos entre 1 e 2 anos e assim por diante... até o carneiro mais velho ter morrido durante seu 14o ano de vida. Tabela 2. Tabela de vida para o carneiro montês construída a partir da idade de morte de 608 carneiros no Parque Nacional de Denali. Fonte: Ricklefs, 1996. CONCLUSÃO Uma das razões para se utilizar tabelas de vida para monitorar taxas idade-específicas é que elas permitem descobrir padrões de natalidade e mortalidade que são repetidos em uma variedade de espécies, em uma variedade de circunstâncias. Quando estas tabelas revelam diferenças entre as espécies ou entre as populações são as diferenças que permitem reconhecer particularidades e permitir comparações entre diferentes respostas para ambientes semelhantes ou respostas semelhantes para ambientes distintos. 36 INTERAÇÕES ENTRE POPULAÇÕES * Comunidade naturais: conjuntos de populações várias formas de interações * Efeitos interações: ℵ Aumento na sobrevivência, crescimento ou fecundidade ℑ Decréscimo na sobrevivência, crescimento ou fecundidade ℜ Sem efeitos Tabela 1. Tipos de interações entre as populações Tipo Interação Espécie Natureza Interação A B Neutralismo 0 0 Sem efeitos Comensalismo + 0 Hospedeiro não afetado Amensalismo - 0 População A é inibida, B não é afetada Mutualismo + + É obrigatória Protocooperação + + É facultativa Predação + - B é destruído por A Parasitismo + - B é explorado por A Competição - - Inibição mútua * Simbiose: associação próxima entre indivíduos de pares de espécies que não se prejudicam ⊇ Neutralismo: relação na qual as sp não teriam efeitosrecíprocos rara na natureza ⊄ Comensalismo: apenas uma das partes envolvidas beneficia-se, a outra nada perde/ganha Exemplo: Epífitas e suas hospedeiras Fungos e plantas hospedeiras 37 ⊂ Mutualismo: relação obrigatória que envolve benefício mútuo Exemplo: liquens: fungos e algas ⊆ Protocooperação: relação facultativa que envolve benefício mútuo Exemplo: pássaros que comem invertebrados e ectoparasitas em vertebrados * Outras interações não-simbiônticas ∈ Amensalismo: uma poulação é inibida, a outra não é afetada Exemplo: alelopatia em plantas ∉ Predação: uma sp é ingerida pela outra 4 Herbivoria ∠ Parasitismo: organismo obtém nutrientes do hospedeiro ∇ Competição: interação entre 2 organismos (espécies) onde o uso ou defesa de um recurso reduz sua disponibilidade para outros organismos. A depleção de recursos causada por A leva à menor crescimento, menor número de descendentes e maior risco de mortalidade da sp. B. 38 COMPETIÇÃO “ Interação ente indivíduos, competindo por recursos LIMITADOS, levando a uma redução na sobrevivência, crescimento e/ou reprodução de pelo menos um dos indivíduos envolvidos na interação...” * Em relação às sp. envolvidas na interação: ⊇ Competição Intraespecífica membros de uma mesma sp membros de uma dada população de área geográfica definida decréscimos dependentes da densidade nos níveis do recurso Afeta a fecundidade e a sobrevivência dos indivíduos ⊄ Competição Interespecífica espécies diferentes Efeito mutuamente depressor em ambas as populações * Em relação à forma como se manifesta nos organismos: ⊇ Competição Exploração indivíduos não interagem diretamente afetados pela quantidade de recurso restante RECURSO LIMITADO! ⊄ Competição Interferência indivíduos interagem diretamente presença de um evita a exploração por outro defesa de territórios ⊂ Competição Difusa simultaneamente entre várias sp. incomum na natureza (Plantas?) * 6 categorias de competição 39 COMPETIÇÃO INTRAESPECÍFICA “Cada indivíduo de uma população afeta e é afetado por outros indivíduos desta população...” ⊇ População de gafanhotos ⊄ Competição em Patella cochlear Algumas características da competição intraespecífica ℵ Efeito final da competição é um decréscimo na contribuição dos indivíduos para as gerações futuras Competição: efeitos mensuráveis na sobrevivência, fecundidade... ℑ Recurso LIMITADO ℜ Interação recíproca: efeitos negativos em ambos ℘ Competição intraespecífica é densidade-dependente ⊗ Competição intraespecífica pode ser ASSIMÉTRICA ∴ Características individuais ∴ Diferentes indivíduos: respostas distintas à pressão de competição COMPETIÇÃO INTERESPECÍFICA “ indivíduos de uma espécie sofrem redução na fecundidade, sobrevivência ou crescimento, como resultado da exploração dos recursos ou interferência de indivíduos de outra espécie....” Demonstração da competição em comunidades naturais e artificiais: � Experimentos de adição e remoção de indivíduos (espécies) 40 � Diferença no crescimento populacional de A na presença e ausência de B funciona como medida da competição entre A e B ⊇ Competição entre espécies de Paramecium ⊄ Competição entre espécies de plantas ⊂ Competição entre grupos distintos que usam mesmo recurso: formigas e roedores ∴ Resultado da competição interespecífica pode ser dependente das condições ambientais 4 “caruncho do trigo” Tribolium castaneum e Tribolium confusum Ξ Condições Experimentais X Condições Naturais 3Populações de laboratório: condições diferentes das reais 3Densidade em populações laboratório: maior que na natureza 3Contatos entre indivíduos mais freqüentes em laboratório 3 Experimentos: ecossistemas fechados (migração) Hipótese de Gause ou Princípio da Exclusão Competitiva (1934) “... duas espécies com ecologia muito similar não podem existir juntas em um mesmo local...” 41 “Como conciliar as extinções freqüentes de espécies em culturas de laboratório e a aparente coexistência de um grande número de espécies em comunidades naturais?” ⊇ A competição é rara em ambientes naturais, baixa freqüência de exclusão competitiva. ⊄ A competição tem sido evento muito comum através da história evolutiva das comunidades. Exclusão X Coexistência “... se 2 espécies coexistem em um ambiente estável então elas o fazem devido à diferenciação de nichos realizados. Se não há diferenciação, a espécie competitivamente superior possui maiores chances de eliminar a outra.” ∴ Coexistência é possível devido à PARTIÇÃO DE RECURSOS DESLOCAMENTO DE CARACTERES tipo particular de partição de recursos Envolve a modificação da morfologia (forma, tamanho) de uma característica da espécie como resultado da presença de competidores interespecíficos Ξ Tentilhões de Galápagos (Darwin, 1859) Geospiza sp. 42 CRESCIMENTO E REGULAÇÃO POPULACIONAL Introdução A imensa capacidade de crescer das populações não pode ser melhor ilustrada do que pela população humana, a qual tem crescido continuamente, por vezes dobrando a cada quarto de século (Ricklefs, 1996). Desde que a espécie humana começou a compreender o seu rápido crescimento, ele tem causado preocupação. Esta preocupação levou ao desenvolvimento de técnicas matemáticas que prevêem o crescimento das populações e ao estudo intensivo de populações naturais e de laboratório para determinar os mecanismos de regulação das populações. Estrutura Espacial das Populações A estrutura espacial de uma população tem três propriedades principais: distribuição, dispersão e densidade. A distribuição de uma população descreve a sua abrangência geográfica e ecológica, a qual é determinada primordialmente pela presença ou ausência de habitats adequados. O clima, a topografia, a química e a textura do solo exercem influência progressivamente mais refinada sobre a distribuição geográfica do arbusto Clematis fremontii. O clima e talvez as interações com outras espécies ecologicamente relacionadas restringem esta espécie a uma pequena área geográfica (Figura 1) e, dentro desta abrangência, C. fremontii está restrita aos solos rochosos e secos dos afloramentos de calcário. Pequenas variações no relevo e na qualidade do solo confinam ainda mais a distribuição de Clematis dentro de cada clareira de calcário. 43 Figura 1. Hierarquia dos padrões de distribuição geográfica de Clematis fremontii no Missouri, EUA. Fonte: Ricklefs, 1996. A dispersão de uma população caracteriza o espaçamento dos indivíduos formando padrões que variam da distribuição agregada até distribuições regulares ou homogêneas (Figura 2). Entre estes 2 extremos encontra-se a distribuição aleatória ou randômica, na qual os indivíduos estão distribuídos ao acaso em toda uma área independente da presença de outros indivíduos. Figura 2. Tipos de distribuição espacial dos indivíduos em uma população: distribuição regular, aleatória e agregada. A densidade populacional é definida como o número de indivíduos por unidade de área. Este parâmetro tem duas aplicações importantes em ecologia. A primeira surge da dificuldade prática em estimar os tamanhos de populações inteiras distribuídas sobre grandes áreas. Em tais situações, o pesquisador assume que a densidade e os atributos que são observados dentro de uma pequena área amostral espelhem os da população como um todo. A Segunda aplicação surge do fato de que a densidade indica a capacidade do meio ambiente em suportar a população particular sob estudo. Em geral,os indivíduos são mais numerosos onde os recursos são mais abundantes. Regular Aleatória Agregada 44 CRESCIMENTO POPULACIONAL O crescimento de uma população descreve a variação do número de indivíduos em função do tempo, e reconhecem-se, pelo menos, dois tipos de crescimento: o exponencial e o logístico. Crescimento Exponencial Uma população que experimenta um crescimento exponencial aumenta em proporção ao seu próprio tamanho, exatamente como uma conta bancária ganha juros mais rapidamente quando tem um saldo maior. Um aumento nos números depende da reprodução dos indivíduos na população. Portanto, uma população que cresce numa taxa exponencial constante ganha indivíduos cada vez mais rápidos à medida que a população aumenta. Por exemplo, uma taxa anual de crescimento de 10% adiciona 10 indivíduos por ano numa população de 100, mas 100 novos indivíduos numa população de 1000. Deixada a continuar a crescer nessa taxa a população rapidamente chegaria ao infinito e a Terra seria rapidamente coberta pelos filhotes de um único casal. Vejamos como este tipo de crescimento populacional funciona através de um exemplo. Suponha uma população de amebas que se dividem em duas a cada geração, como mostrado no quadro abaixo. Neste exemplo, a população pode começar com 1, 5 ou a indivíduos. Geração Número inicial de indivíduos 1 5 a 0 1 (20) 5 (5 x 20) a x 20 1 2 (21) 10 (5 x 21) a x 21 2 4 (22) 20 (5 x 22) a x 22 3 8 (23) 40 (5 x 23) a x 23 4 16 (24) 80 (5 x 24) a x 24 N N (2N) N (5 x 2N) a x 25 45 Assim, para uma população que dobra a cada geração pode-se calcular o número de indivíduos através da equação y = a. bx. Como o crescimento trata da variação do número de indivíduos em uma população, então: Nt = N0 . R0t EQUAÇÃO 1 onde: • Nt = número de indivíduos no tempo t • N0 = número inicial de indivíduos • R0 = taxa reprodutiva líquida ou taxa básica de crescimento O gráfico que descreve a variação do número de indivíduos em função do tempo em uma população que cresce numa taxa exponencial é: Tempo N Modelo Exponencial de Crescimento Populacional 46 Capacidade Intrínseca de Crescimento (r) É uma variável que dá idéia da capacidade de crescimento da população como um todo, independente do número de gerações, é a chamada taxa de crescimento exponencial. É calculada pelo logaritmo neperiano de R0. Se r = lnR0, então pode-se dizer que R0 = er. Substituindo R0 na equação 1 tem-se: Nt = N0 . ert EQUAÇÃO 2 Para calcular a variação do número de indivíduos em função do tempo, a taxa na qual os indivíduos são adicionados à população sob um crescimento exponencial é derivada da equação 2, isto é: dN = rN Equação Exponencial dt Basicamente, esta equação expressa 2 princípios. Primeiro, a taxa de aumento (dN/dt) varia em proporção direta ao tamanho da população. Segundo, a taxa de crescimento exponencial (r) expressa o aumento ou diminuição populacional numa base individual. Em outras palavras, esta equação poderia ser lida da seguinte forma: (taxa de mudança no tamanho da população) = (contribuição de cada indivíduo ao crescimento populacional) x (número de indivíduos na população no tempo atual). Esta contribuição individual ao crescimento populacional é chamada taxa intrínseca de crescimento e também pode ser calculada pela diferença entre a natalidade (b, do inglês birth) e a taxa de mortalidade (d, do inglês death). Assim, r = b-d. Mas, será que o crescimento exponencial descreve realmente o crescimento de uma população, ou existem limites a este crescimento? 47 Crescimento Logístico Mesmo as espécies de reprodução mais lenta cobririam a Terra num curto espaço de tempo se as populações crescessem sem restrições. Charles Darwin escreveu na “Origem das Espécies”: “O elefante é tido como o reprodutor mais lento de todos os animais conhecidos e eu sofri um pouco para estimar sua provável taxa mínima de crescimento natural; será mais seguro assumir que ele começa a reproduzir aos 30 anos de idade, e segue reproduzindo até os 90 anos, trazendo à luz seis filhotes nesse período e sobrevivendo até os 100 anos de idade; se isto é assim, após um período de 740 a 750 anos, haveria aproximadamente 19 milhões de elefantes vivos, descendentes do primeiro casal.” Colocando certo limite na equação de crescimento exponencial chega-se à variável K, chamada de capacidade de suporte do ambiente – número máximo de indivíduos de uma população. Mas, como incluir K no modelo matemático? Os pesquisadores Pearl e Reed (1920) estudando a taxa de crescimento da população dos EUA, argumentaram que as mudanças nas taxas exponenciais de crescimento deveriam estar relacionadas com o tamanho da população. E assim, no lugar de um valor constante de r para crescimento populacional irrestrito (dN/dt = rN), Pearl e Reed sugeriram que r diminui à medida que N aumenta de acordo com a relação: r = r0 (K-N) K onde: • r0 = taxa intrínseca de crescimento populacional quando seu tamanho é muito pequeno • K = capacidade de suporte do ambiente 48 Substituindo r na equação exponencial, tem-se o modelo de crescimento populacional restrito: dN = r0 (K-N) Equação Logística dt K O gráfico que descreve a variação do número de indivíduos em função do tempo em uma população que cresce no modelo logístico é: A equação logística permite avaliar que enquanto o tamanho da população N não exceder a capacidade de suporte K, isto é (K–N/K) é menor que 1 a população continua a aumentar. Quando N excede o valor de K, o termo entre parênteses torna-se negativo e a população diminui. Devido às populações abaixo de K aumentarem e acima de K diminuírem, K é o eventual tamanho de equilíbrio de uma população que cresce de acordo com a equação logística. No ponto 1 na figura acima a derivada (dN/dt) é próxima de zero por que existem poucos indivíduos na população, no ponto 2 ela é Tempo N ú m e ro d e in d iv íd u o s 2 3 K 1 Modelo Logístico de Crescimento Populacional 49 máxima por que existem indivíduos e recursos e no ponto 3 (N=K) a população fica estável (dN/dt = 0). O que determina o valor de K em um ambiente? Externamente à população, K é determinado pela quantidade de recurso – basicamente alimento – que um ambiente possui. Internamente, K é determinado pelo tamanho dos indivíduos, eficiência no uso e assimilação dor recurso. Seleção r e K Imaginemos agora uma situação em que duas populações de espécies distintas sejam mantidas por um grande tempo (suficiente para que mudanças evolutivas ocorram) em baixo tamanho populacional (ponto I, na figura abaixo) e em tamanho populacional próximo à capacidade de suporte do ambiente (ponto II na figura). Estes dois tipos extremos de seleção foram chamados por MacArthur & Wilson (1967) de seleção r e K, respectivamente, de forma que as letras se referem aos parâmetros da equação exponencial e logística. Tempo N ú m e ro d e in d iv íd u o s I II K 50 A seleção r se refere aos indivíduos que são favorecidos por sua habilidade de reproduzir rapidamente (alto valor de r) enquanto a seleção K refere-se a indivíduos que são competitivamente capazes de sobreviver próximo à capacidade limite do ambiente. A tabela I exemplifica as principais diferenças entre os indivíduos r e K selecionados. Tabela 1. Principais diferenças entre indivíduos r e K selecionados. Seleção r Seleção K ⊇ Maturidade cedo. ⊇ Maturidade tardia. ⊄ Pequeno tamanho. ⊄ Grande tamanho. ⊂ Semélparos (reproduz e morre). ⊂ Iteróparos (vários eventos de reprodução). ⊆ Grande no de pequenos descendentes. ⊆ Pequenaprole de grandes indivíduos. ∈ Pouco investimento em sobrevivência. ∈ Cuidado parental. ∉ Habitat imprevisível e efêmero. ∉ Ambiente estável, saturado. ∠ Períodos de crescimento populacional rápidos, sem competição. ∠ Intensa competição entre os adultos determina sobrevivência e/ou fecundidade. REGULAÇÃO POPULACIONAL A percepção de que as populações não crescem indefinidamente levou à conclusão de que alguns processos – os chamados processos regulatórios - estariam impedindo o crescimento indefinido. Regulação significa a tendência de uma população decrescer em tamanho quando acima de certo nível e aumentar quando abaixo deste. A regulação, normalmente, é resultado das características da população que agem sobre as taxas de nascimento (e/ou imigração) e nas taxas de mortalidade (e/ou emigração). 51 Mecanismos de Regulação da População Voltando-se à equação logística, observa-se que a taxa de crescimento da população diminui com o aumento do número de indivíduos, ou seja, é um processo que está relacionado com a densidade. Desta forma, podem-se distinguir dois tipos de fatores: os independentes da densidade (id) e os dependentes da densidade (dd). 1. Fatores independentes da densidade: são aqueles cujos efeitos não variam com as mudanças da densidade, ou seja, seu efeito na população permanece constante, qualquer que seja seu tamanho. Geralmente, são fatores ambientais abióticos, muitas vezes considerados catastróficos, como tempestades, neve, passagem do fogo. Os fatores id podem até influenciar na abundância das populações, mas somente fatores dd podem manter a população sob certo controle. 2. Fatores dependentes da densidade: são aqueles cujos efeitos aumentam proporcionalmente com o aumento da densidade populacional. São normalmente fatores bióticos, como a COMPETIÇÃO INTRAESPECÍFICA (competição entre indivíduos da mesma espécie). Assim, a estabilização da população, próximo à capacidade de suporte, significa que os indivíduos estariam competindo por recursos, e a competição intraespecífica tem um poder regulatório sobre a população. Tanto os fatores dd quanto id podem interagir para determinar as densidades observadas em uma população, mas somente os fatores dd podem regulá-la. 52 CONCLUSÃO Embora os ecólogos tivessem muito menos trabalho se as populações mantivessem um tamanho constante, observa-se que na verdade elas flutuam, seja porque seu tamanho reflete variações no ambiente ou porque ela apresenta propriedades oscilatórias intrínsecas à sua dinâmica. Alguns fatores governam, regula a dinâmica das populações como a interação entre os indivíduos (competição intraespecífica) além das influências do meio externo, que podem determinar a abundância, a densidade de uma população. 53 Ecologia de Comunidades: composição de espécies e diversidade Introdução O termo biodiversidade é uma simples contração do termo diversidade biológica, e à primeira vista, é um conceito muito simples: [e o somatório total de toda a variação biótica, do nível genético ao ecossistema. O desafio em relação à diversidade, entretanto, reside em como medir e quantificar um conceito tão amplo. Apesar da biodiversidade não poder ser representada por um único número, como os gerados através dos chamados índices de diversidade, alguns estudos em relação à medida da diversidade têm demonstrado algumas particularidades de certas comunidades, descobertas estas muitas vezes alarmantes. Análises temporais e filogenéticas estão dando certa luz à processos ecológicos e evolutivos que têm moldado a diversidade atual. Entretanto, apesar dos expressivos esforços de pesquisa na área da biodiversidade do planeta, eles são pouco representativos em relação à quantidade de “diversidade” desconhecida e ameaçada, principalmente pela ação antrópica. Ecologia de comunidades A comunidade é uma unidade ecológica de visualização pouco clara na natureza. Em virtude disso, existem inúmeras definições, que procuram destacar algumas de suas propriedades gerais e atributos: ⊇ Qualquer conjunto de populações em determinada área ou habitat, podendo ter os mais variado tamanhos (Odum 1983) ⊄ Uma reunião de populações em uma determinada área ou habitat físico definido (Krebs 1991) ⊂ Uma associação entre populações interativas (Ricklefs 1996) 54 ⊆ Um conjunto de espécies interativas que ocorrem conjuntamente no tempo e espaço (Begon et al. 1996) AA CCOOMMUUNNIIDDAADDEE NNÃÃOO ÉÉ AAPPEENNAASS UUMM CCOONNJJUUNNTTOO DDEE PPOOPPUULLAAÇÇÕÕEESS DDEE EESSPPÉÉCCIIEESS EEMM UUMMAA DDEETTEERRMMIINNAADDAA ÁÁRREEAA.. SSUUAA EESSTTRRUUTTUURRAA,, FFUUNNCCIIOONNAAMMEENNTTOO,, EE DDIINNÂÂMMIICCAA SSÃÃOO GGOOVVEERRNNAADDAASS PPOORR IINNTTEERRAAÇÇÕÕEESS PPOOSSIITTIIVVAASS EE NNEEGGAATTIIVVAASS EENNTTRREE AASS EESSPPÉÉCCIIEESS.. AASSSSIIMM,, AASS CCOOMMUUNNIIDDAADDEESS PPOODDEEMM SSEERR DDEESSCCRRIITTAASS CCOOMMOO ““SSOOMMAATTÓÓRRIIOO DDAASS EESSPPÉÉCCIIEESS QQUUEE AA CCOOMMPPÕÕEEMM MMAAIISS OO SSOOMMAATTÓÓRRIIOO DDAASS IINNTTEERRAAÇÇÕÕEESS EENNTTRREE EELLAASS””.. Atributos de uma comunidade: composição, riqueza e diversidade A riqueza de espécies de uma comunidade indica quantas espécies estão presentes em determinada área, enquanto a composição de espécies indica quais são as espécies desta comunidade. O termo diversidade será definido adiante. Uma comunidade pode ser definida ainda em termos de sua distribuição espacial, que pode ser basicamente de três tipos: agregada, aleatória e regular. A maneira mais simples de se caracterizar uma comunidade seria através do número e tipo de espécies que a compõem. Para tanto, bastaria contar e identificar todas as espécies presentes em uma comunidade. Este procedimento, entretanto, apresenta consideráveis dificuldades metodológicas, uma vez que quase nunca é possível contar todos os indivíduos de todas as espécies em uma comunidade. Normalmente, existem limitações de tempo e de dinheiro, e, quando não se pode simplesmente contar todos os indivíduos, coletá-los pode destruir uma comunidade inteira. Assim, ecólogos se baseiam em amostragens para fornecer uma aproximação da composição de uma comunidade (Figura 1). A seguir, são descritos alguns métodos utilizados em ecologia vegetal para a caracterização da flora de algumas comunidades. Figura 1. Métodos de coleta de dados de animais e vegetais em comunidade naturais. Fonte: Dodson et al. 1998. 55 Métodos de amostragem da riqueza e diversidade vegetal A escolha de uma técnica de amostragem depende de vários fatores, tais como os objetivos do levantamento, tipos de informações prévias disponíveis, características da área a ser estudada e parâmetros de interesse que serão obtidos através das estimativas. A rigor, existem dois grandes grupos de amostragem: a amostragem aleatória - que pode ser irrestrita ou restrita - e a amostragem não-aleatória - que pode ser sistemática ou seletiva. Amostragem Aleatória Irrestrita É aquela em que todas as unidade de amostragem têm igual probabilidade de serem sorteadas. A amostragem é chamada irrestrita uma vez que a primeira unidade da amostra, uma vez sorteada, pode tornar a sê-lo, tanto quanto as subsequentes. As unidade amostrais podem ser todas de mesmo tamanho (Figura 2) e de tamanhos e formas distintas (Figura 3). Figura 2. Área florestal dividida em rede de unidades de amostras, todas de igual tamanho. Fonte: Oliveira-Filho 1991. Figura 3. Área florestal dividida em rede de unidades de amostras. As parcelas próximas às bordas são de tamanho e forma irregulares. Fonte: Oliveira-Filho 1991. 56 Amostragem
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