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Brasília-DF. Ecologia Elaboração Carolline Zatta Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................... 5 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7 UNIDADE I FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES ..................... 9 CAPÍTULO 1 DA DEFINIÇÃO DO TERMO AO PRIMEIRO NÍVEL DE ORGANIZAÇÃO DA ECOLOGIA .................. 9 CAPÍTULO 2 ECOLOGIA DE POPULAÇÕES ................................................................................................. 34 CAPÍTULO 3 ECOLOGIA DE COMUNIDADES .............................................................................................. 47 UNIDADE II FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA ............................... 67 CAPÍTULO 1 ECOLOGIA DE ECOSSISTEMAS ............................................................................................... 67 CAPÍTULO 2 O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA ................................................................................................. 75 CAPÍTULO 3 BIOMAS TERRESTRES, DOMÍNIOS FITOGEOGRÁFICOS E REGIÕES BIOGEOGRÁFICAS ............... 81 UNIDADE III TEMAS DA ECOLOGIA ......................................................................................................................... 94 CAPÍTULO 1 CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE ..................................................................................... 94 CAPÍTULO 2 AÇÕES E SUSTENTABILIDADE ................................................................................................. 107 PARA (NÃO) FINALIZAR ................................................................................................................... 115 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 117 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. 6 Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Exercício de fixação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certificação. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 Introdução Em meio a tantos problemas ambientais, com os quais convivemos hoje, e que a cada dia se agravam, a Ecologia tem ganhado um espaço significativo em nossa sociedade, muito embora ainda não se tenha dado o real valor a essa ciência e suas previsões. Nos sistemas em que vivemos os ambientes urbanizados, as relações sociais e econômicas afetam e são afetadas pelos sistemas naturais. Infelizmente, essa troca é, na maioria das vezes, desarmônica, especialmente porque nossas ações prejudicam a “nossa casa” ou como definida por Odum (1989): “ourlife-support system”, traduzido como “nosso sistema de suporte da vida”, ou seja, o planeta Terra. O simples desconhecimento ou pior, a ignorância consciente dos princípios básicos que norteiam a vida e seu equilíbrio dinâmico, podem levar civilizações para um caminho sombrio e talvez sem volta. O conhecimento ecológico é uma ferramenta importante na busca de soluções para evitar o caos que se instala em nossos sistemas. Por isso, a Ecologia deveria ser assunto comum para a formação das pessoas, independentemente da formação acadêmica/profissional, conquistando seu espaço como ciência integradora, multidisciplinar e fundamental para garantir um futuro justo para as próximas gerações. Nosso material tem como principais referências ás obras de maior relevância dos últimos anos de Cientistas/Ecólogos renomados, como: Ecologia de Eugene P. Odum (1988); EvolutionaryEcology, 6a edição, de Erik R. Pianka (1999); A Economia da Natureza de Robert E. Ricklefs (2003); Ecology - from individuals to Ecosystems, 4a edição, de Michael Begon, Colin R. Townsend e John L. Harper (2006); e A primer of Ecology, 4a edição, de Nicholas J. Gotelli (2008). Todos estes livros-texto constam nas referências bibliográficas deste Caderno de Estudos e são indicados para leitura e aprofundamento nos temas da Ecologia. São tratados todos os níveis de organização ecológica (organismos, populações, comunidades e ecossistemas), com seus respectivos componentes e propriedades e, por fim, alguns temas da Ecologia bastante pertinentes aos dias atuais. Objetivos » Fornecer conhecimentos sobre assuntos essenciais da Ecologia. » Promover a reflexão dos estudantes quanto à aplicabilidadedessa disciplina à nossa realidade. 9 UNIDADE I FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES CAPÍTULO 1 Da definição do termo ao primeiro nível de organização da Ecologia O que é Ecologia? A palavra Ecologia é derivada dos termos gregos oikos e logos, que significam “casa ou ambiente” e “estudo”, respectivamente. De modo literal, a palavra foi designada para se referir ao “estudo da casa” ou “estudo do ambiente”. Contudo, seu sentido é muito mais amplo. Quando cunhada, em 1869, o zoólogo alemão Ernest Haeckel definiu a Ecologia como: [...] o corpo de conhecimento referente à economia da natureza - a investigação das relações totais dos animais tanto com seu ambiente orgânico quanto com seu ambiente inorgânico; incluindo, acima de tudo, suas relações amigáveis e não amigáveis com aqueles animais e plantas com os quais vêm direta ou indiretamente a entrar em contato - numa palavra, ecologia é o estudo de todas as inter-relações complexas denominadas por Darwin como as condições da luta pela existência. Na medida em que a Ecologia foi se tornando mais comum no meio científico, nos anos de 1900, novas definições foram sugeridas e incrementadas por assuntos fundamentais de interesse dessa ciência. O biólogo alemão Krebs, em 1972, a definiu como: O estudo científico das interações que determinam a distribuição e abundância dos organismos. 10 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Tal definição se destacou por apontar para questões centrais da ecologia como: onde os organismos ocorrem? Qual sua abundância? E por quê? Recentemente uma pequena reformulação para essa definição, que inclui algumas sutilezas por trás das questões, foi sugerida. Para Begon e colaboradores (2006), a Ecologia é mais bem definida como: O estudo científico da distribuição e abundância dos organismos e das interações que determinam sua distribuição e abundância. Poderíamos apresentar aqui uma quantidade razoável de definições, no entanto, de modo simplificado, podemos entender a ecologia, do ponto de vista funcional, como o estudo de como os organismos vivos interagem entre si e com o seu ambiente físico. Ao definirmos ecologia, é importante fazermos um paralelo com a ciência da economia. Ambas as palavras possuem a mesma raiz, a palavra grega oikos, que significa “casa”. Mas a sua similaridade vai além da etimologia dos termos. A ecologia e a economia estão intimamente ligadas, e de acordo com Odum (1988), deveriam ser tratadas como disciplinas companheiras ao invés de adversárias. Para aprofundar seu conhecimento sobre este paralelo, leia o texto da seguinte referência: TUROLLA, F.A.; HERCOWITZ, M. Economia e Ecologia. GV - executivo, v.6 no 3 pp. 23-27. 2007. Disponível em: <http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/4874. pdf.> Acessado em: 18/5/2014. “O sistema econômico está intrinsecamente relacionado ao sistema ecológico, uma vez que a natureza é a provedora primária dos materiais e energia necessários para serem transformados no sistema econômico, e é também onde são dispostos e dissipados os resíduos gerados, cuja capacidade é limitada”. Níveis de organização da Ecologia Os ecólogos estudam a natureza sob diversas abordagens. Em menor escala, estão os organismos, que constituem a unidade elementar ou básica da Ecologia. Em seguida, estão as populações, depois as comunidades e os ecossistemas em uma visão macroecológica (em grande escala). 11 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I A compartimentalização dos assuntos em níveis de organização ecológicos tem sua importância evidenciada à medida que novas propriedades surgem ou se tornam mais evidentes a cada nível considerado a partir do primeiro, além de contribuir para um entendimento holístico (abrangente) ao final. Em outras palavras, determinadas características são específicas e mais bem compreendidas quando abordadas em nível de organismo (ex.: seleção de habitat, adaptabilidade, fitness), porém, quando estamos tratando de um conjunto de indivíduos (nível acima), ou seja, uma população, surgem novas características ou propriedades que a descreve (ex.: taxa de natalidade, taxa de mortalidade, imigração, emigração etc.), assim como quando tratamos de uma comunidade ou de um ecossistema. Conforme mudamos de nível, encontramos diferentes propriedades, geralmente mais complexas, que os caracterizam. Esse processo é denominado na ecologia como o princípio das propriedades emergentes. Os organismos como unidades de estudo O organismo é o elemento básico estudado na Ecologia e constitui o primeiro nível de organização. Qualquer ser vivo, seja uni ou pluricelular, cujo processo vital é promovido por um conjunto de componentes (órgãos/organelas), é considerado um organismo. Neste grupo estão inclusos todos os seres procariontes (bactérias e cianobactérias) e eucariontes (protozoários, fungos, plantas, animais). Os vírus são entidades distintas, bastante particulares, e geralmente não são considerados organismos vivos. A principal justificativa para tal exclusão está no fato dos vírus não possuírem organização celular ou qualquer capacidade metabólica fora de uma célula hospedeira. Sob essa perspectiva, são considerados apenas como partículas infecciosas, comparáveis a “caixinhas de receitas com instruções”, as quais somente são colocadas em prática quando o vírus encontra uma célula hospedeira específica capaz de seguir essas instruções. Fora de uma célula hospedeira os vírus são inertes, por isso, são ditos como parasitas intracelulares obrigatórios. Apesar dessa justificativa e de outras, ainda há um grande debate na comunidade científica sobre se eles devem ou não ser considerados seres vivos. Ao abordarmos o nível de organismo veremos que o foco de estudo está em como os indivíduos afetam e como são afetados pelo seu ambiente, quais são suas histórias de vida e ajustamento evolutivo. Então, fundamentalmente, surgem questões como: por que um organismo é o que é? Por que é possível que ele viva em determinado ambiente e em outro não? Bem, a resposta a essas questões foi bem sintetizada por Begon e colaboradores (2006): 12 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Organisms frequently are as they are, and live where they do, because of the constraints imposed by their evolutionary history. A frase pode ser traduzida da seguinte maneira: Os organismos frequentemente são o que são, e vivem onde vivem, por causa das restrições impostas pela sua história evolutiva. Em outras palavras, isso significa que um organismo possui determinadas características e adaptabilidade a certos ambientes porque as condições inerentes aos ambientes, nos quais as gerações desse organismo estiveram inseridas ao longo do tempo evolutivo, o moldaram para isso. Essa visão tem suas bases no pensamento darwinista. Para tanto, vamos relembrar, a seguir, conceitos importantes e pertinentes ao assunto. A evolução é a palavra-chave aqui, e é ela que ajuda a compreender a história de vida dos organismos. O conceito de evolução na Ecologia A evolução, na maioria das vezes, é interpretada erroneamente como sinônimo de melhoria, de progresso ou avanço. No entanto, o real significado da evolução na ecologia é simplesmente o da mudança (não para melhor, nem para pior, pois isso é relativo). A evolução não é algo que se busca como forma de ‘progresso’. Na verdade, a evolução é um processo que ocorre naturalmente como reflexo das pressões ambientais, pelas quais gerações de populações de uma espécie passaram, as quais beneficiaram determinados indivíduos (devido a certas características genotípicas), em detrimento dos demais integrantes da população. O processo evolutivo ocorre por meio de mecanismos como a seleção natural e a deriva genética. Você pode estar se perguntando: Mas que tipo de mudança é consideradaevolução? É a mudança na frequência gênica (na proporção de caracteres genéticos, os genes) das populações de uma espécie, que ocorre ao longo das gerações. Mudanças que ocorrem corriqueiramente na vida dos indivíduos de uma população não são consideradas evolução. Os organismos individuais não evoluem como postulou o naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck, pela lei do uso e desuso. As mudanças por evolução ocorrem muito além da vida de um único indivíduo, pois elas se refletem em nível populacional, na proporção de caracteres genômicos que são passados de pais para filhos, isto é, nos genes hereditários ao longo de gerações. 13 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I Você entenderá melhor o significado da evolução no decorrer deste capítulo, à medida que tratarmos dos elementos envolvidos no processo. A evolução (mudança na frequência gênica de uma população) pode ocorrer por meio dos seguintes processos: 1. Mutação: as mutações gênicas produzem a diversidade genética que existe dentro das populações por provocarem alterações no DNA. 2. Migração: uma população pode ter sua frequência gênica alterada pelo simples fato de organismos novos, vindos de outras populações (da mesma espécie!), se juntarem a ela. 3. Deriva genética: esse processo diz respeito à aleatoriedade na sobrevivência de indivíduos da população, que reflete em diferentes frequências gênicas da população. Por exemplo, se ocorre um acidente (um evento estocástico) numa população que contém um número equilibrado de ratos brancos e ratos cinzas e um maior número de ratos brancos morre, sobrará na população uma proporção maior de indivíduos com genes para a cor cinza. 4. Seleção natural: esse processo é um dos mais importantes para a vida no planeta, além de representar um grande marco na história da ciência. Por isso, dedicaremos mais tempo para falar sobre ele no próximo tópico. Contudo, antes de continuar, é preciso ter em mente que a mudança na frequência gênica de uma população, por seleção natural, depende dos seguintes pré-requisitos: » Existe a chamada “luta pela existência”. Os organismos são compelidos a competirem por recursos limitados e certos indivíduos da população não conseguem se reproduzir utilizando todo o seu potencial. Por isso, as populações não crescem indefinidamente. » Existe sobrevivência e reprodução diferencial entre os indivíduos da população, uma vez que a luta pela existência favorece indivíduos mais ajustados (mais adaptados à situação em questão) e desfavorece outros. Se todos os indivíduos se reproduzissem e sobrevivessem com igual sucesso, não haveria seleção. » Existe variabilidade genética de genes são passados de pai para filho. Não há como acontecer qualquer seleção se não houver um conjunto ou “pool” variável de genes hereditários. 14 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Adaptação, fitness e seleção natural Quando tentamos explicar por que uma espécie ocorre em determinado ambiente, é comum aparecer em nossa fala o termo “adaptação”. Geralmente, dizemos sem muito refletir que a espécie “A” vive no ambiente “X” porque é adaptada para viver nele. A conotação dessa palavra para um ecólogo, no entanto, é bastante profunda e carrega nas entrelinhas um dos mais importantes insights da teoria da evolução pela seleção natural, elaborada por Charles Darwin (1859) e também, pelo jovem naturalista que se correspondia com Darwin, igualmente importante na história da construção desta teoria, Alfred Russel Wallace, muitas vezes relegado na história da ciência. Charles Darwin não foi o único a ter insights sobre a origem e evolução das espécies. Alfred R. Wallace também contribuiu para a teoria e constatação dos fatos. Contemporâneo a Darwin, o jovem naturalista que fizera algumas viagens exploratórias pelo mundo, inclusive pela Amazônia brasileira, chegou a conclusões muitos parecidas com as de Darwin. Para conhecer melhor a história destes dois grandes naturalistas, leia o breve histórico sobre a trajetória de vida de Wallace presente no seguinte artigo: ALVES, K.S.G; FORSBERG, M.C. A história da biologia e a formação de professores de ciências: a contribuição de Alfred Russel Wallace para a teoria da evolução. Anais do VII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação e Ciência. 2009. Disponível em: <http://posgrad.fae.ufmg.br/posgrad/viienpec/ pdfs/1667.pdf>. Acessado em: 18 maio 2014. É uma história bastante interessante: o fato de que ambos os naturalistas, ao longo da construção da teoria da evolução das espécies, foram influenciados por uma mesma obra, relacionada à Economia, escrita por Thomas Malthus em 1797: Ensaio sobre o Princípio da População (Essay on the Principle of Population). Procure saber como é que a obra de Malthus influenciou o pensamento de Darwin e Wallace e registre aqui o resultado de sua pesquisa. Dizer que a espécie “A” é adaptada para viver no ambiente “X” significa, para um ecólogo, como dito há pouco, que tal espécie foi “moldada geneticamente” para isso, que as pressões naturais (competição, predação, e várias outras) em ambientes do passado afetaram a vida dos ancestrais da espécie “A”, e que tais forças direcionaram suas características biológicas, morfológicas, comportamentais etc., para ser e viver como é e vive hoje. Suas características atuais são, portanto, um reflexo dos sucessos e falhas dos seus ancestrais (BEGON et al., 2006). 15 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I A base para essa afirmação se encontra nas diferentes probabilidades que cada indivíduo de uma população tem de contribuir com o pool genético (conjunto de genes) das próximas gerações, isso porque em determinados ambientes alguns indivíduos tendem a sobreviver e reproduzir melhor deixando mais descendentes que outros. Como consequência disso, de geração em geração, a proporção dos genes hereditários (a frequência gênica) numa população pode ser modificada e, assim, a seleção natural está em curso. A probabilidade de um indivíduo em passar seus genes adiante é reflexo da sua aptidão, fitness ou valor adaptativo: quanto mais bem adaptado ou melhor ajustado o indivíduo for ao seu ambiente, maior será a sua aptidão e maior a sua probabilidade de deixar seus genes na população em uma proporção maior do que seus coespecíficos. Em outras palavras, quanto mais filhos tiver, maior será a contribuição para o pool genético da população. Adaptação versus Aptidão A aptidão é comumente confundida com adaptação, sendo tratada como sinônimo. No entanto, seus conceitos são diferenciados: a adaptabilidade de um indivíduo a um determinado cenário (ou ambiente) é o que confere a sua aptidão, isto é, sua capacidade de sobreviver e gerar descendentes. É importante frisar que a seleção natural se dá ao longo do tempo, por meio de cenários (ambientes com determinadas características) que limitam ou favorecem a sobrevivência e reprodução dos indivíduos que os habitam (interação genótipo- ambiente). A natureza não seleciona por um objetivo específico como faz o homem com as plantas das quais se alimenta, por exemplo, ou selecionando determinadas características de raças de cães domésticos. Ao contrário disso, a seleção natural age apenas sobre a capacidade de sobrevivência e reprodução diferencial dos indivíduos. Genótipo X Fenótipo O genótipo refere-se à composição genética de um organismo, enquanto o fenótipo refere-se às características manifestadas pelo organismo, sejam elas morfológicas, fisiológicas ou comportamentais, as quais podem sofrer interferência por parte do meio ambiente ao se manifestarem nos indivíduos. 16 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Os três tipos de seleção natural: direcional, estabilizadora e disruptiva. 1. A seleção é estabilizadora quando os indivíduos com fenótipos intermediáriossão os mais ajustados ao seu ambiente e têm sucesso reprodutivo superior aos demais indivíduos da população. A variação fenotípica de uma população sob esse tipo de seleção tende a ser muito reduzida, uma vez que as variações representadas pelos fenótipos extremos apresentam menor fitness. 2. A seleção é classificada como direcional quando os indivíduos mais adaptados (com maior fitness) são também aqueles que apresentam características fenotípicas mais extremas em relação à média dos indivíduos de toda a população. Um caso de seleção direcional é a seleção sexual, comum em alguns grupos de aves, cujas fêmeas preferem acasalar com os machos que apresentam atributos morfológicos mais extremos, como por exemplo, retrizes (penas da cauda) mais compridas ou que tem cores mais vibrantes, dentre outras características vistosas. Falaremos mais sobre isso em um tópico especial sobre a seleção sexual. 3. O tipo de seleção menos comum é a disruptiva, na qual indivíduos de qualquer extremo podem ser beneficiados de modo ocasional. Isso significa que os indivíduos destes extremos vão se reproduzir mais do que a maioria dos indivíduos intermediários da espécie. Para entender melhor os tipos de seleção, veja a representação visual na Figura 1. Figura 1. Tipos de seleção natural. 17 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I A seleção sexual atua sobre o patrimônio genético de uma população Como mencionado anteriormente, a seleção sexual exerce um papel importante na seleção de fenótipos de alguns grupos animais e é um tipo de seleção direcional. Existem vários exemplos na literatura de sua ocorrência em espécies animais. Um dos mais divulgados em livros-texto de ecologia é o caso de uma ave africana, a viúva-de- cauda-longa (Euplectesprogne), da Figura 2, com a qual foi feito o primeiro estudo experimental relativo à seleção sexual. O experimento revelou que a seleção de parceiros pelas fêmeas dessa espécie é baseada no tamanho da cauda dos machos, pois o número de machos com cauda longa escolhidos pelas fêmeas foi significativamente maior do que o número de machos de cauda encurtada. Outro exemplo e, talvez, o mais expressivo exemplo da força da seleção sexual, reside no grupo de aves da Nova Guiné, Austrália e outras ilhas da região conhecidas como aves do paraíso, da família Paradisaeidae. Uma breve pesquisa na internet, à procura de imagens e vídeos dessas aves pode revelar o poder da seleção sexual mais do que qualquer tentativa de explicação nesse texto. Enquanto as fêmeas têm plumagem simples e de cores inconspícuas, os machos possuem atributos morfológicos e comportamentais bastante peculiares: combinações de plumagem multicolores, muitas vezes com cores iridescentes (brilhantes), penas da cauda (retrizes) e penachos extravagantes, comportamentos de corte extremamente elaborados, capacidade elevada de aprender e reproduzir os mais variados sons para se exibir etc. Pesquise na internet mais informações, fotografias e vídeos sobre as aves-do- paraíso. Além deste nome, utilize também as seguintes palavras-chave: birds-of- paradise, família Paradisaeidae. Com certeza você irá se surpreender não apenas com as cores, formas e desenhos das penas, mas também com os cantos e principalmente com os comportamentos extravagantes! Alguns vídeos disponíveis na internet mostram exibições comportamentais inacreditáveis. Não deixe de realizar essa pesquisa! Depois de assistir a alguns vídeos e apreciar algumas fotos dessas fantásticas aves em sua pesquisa na internet, você pode se perguntar: » Por que que tais características são selecionadas pelas fêmeas? » Tantos adornos não poderiam dificultar a vida do macho? 18 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES » Como se esconder de um predador se a plumagem chama muita atenção, ou como escapar mais rápido da predação se a cauda longa diminui a velocidade do voo? Evidentemente, essas são questões que muitos cientistas já procuraram responder. AmotzZahavi, um biólogo israelense, propôs uma explicação bastante interessante sobre o porquê machos que exibem certos fenótipos são preferidos. A sua explicação ele deu o nome de princípio do handicap. Pode soar estranho se traduzirmos a palavra handicap para o português, uma vez que o nome da teoria seria “o princípio da desvantagem” ou então “o princípio da dificuldade”. É muito intrigante a interpretação que parte daí: imagine-se como a ave macho, se você consegue defender um território e sobreviver bem, mesmo carregando tais características que podem lhe ser prejudiciais, significa que você é bastante forte e adaptado o suficiente ao seu ambiente, ou seja, os seus genes têm “alta qualidade”. Para uma fêmea de Euplectesprogne, por exemplo, a cauda mais comprida é um indício de um macho forte, com “virtudes” que superam ou compensam a dificuldade imposta pelo seu fenótipo, afinal um macho fraco não poderia sustentar tal característica de cauda muito longa sem sofrer consequências. William D. Hamilton e Marlene Zuk, em 1982, propuseram que uma das possíveis virtudes que acompanham os indivíduos que conseguem sustentar plumagens mais vistosas, é a capacidade aumentada de resistir aos organismos patogênicos, como os parasitas de penas, por exemplo. Figura 2 - Macho adulto de Euplectesprogne. O corpo do macho adulto mede cerca de 15 cm, ao passo que a cauda tem, em média, meio metro! Fonte: Wikimedia Commons, the free media repository. 19 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I Especialização Dentro de uma mesma espécie existem populações de indivíduos mais especializados em explorar determinado ambiente e/ou com diferentes adaptações que lhes permitem um maior sucesso na sua sobrevivência. A interação genótipo-ambiente pode resultar na ocorrência de populações geneticamente variantes dentro de uma mesma espécie. Ao longo da distribuição geográfica de uma espécie, por exemplo, os ambientes podem ter diferentes características e exercer diferentes pressões de seleção que “produzem” populações diferenciadas, também chamadas de ecótipos. Além do gradiente natural dos ambientes, a alteração das características do habitat de uma espécie por atividades humanas também produz variantes geográficos. Falaremos a seguir sobre esse aspecto. Outro meio pelo qual ocorrem genótipos variantes está baseado na questão do polimorfismo genético. Nesse caso, os novos alelos que surgem podem influenciar (tanto positiva quanto negativamente) no ajustamento evolutivo do organismo, sendo possível também não influenciar em nada dentro de um determinado contexto. Atividades humanas podem exercer pressões de seleção artificial Atividades humanas também podem influenciar as características genéticas de um grupo de indivíduos de uma mesma espécie. Um dos exemplos da ocorrência de pressão de seleção artificial mais clássicos e mais citados em livros de Ecologia é o caso da espécie de mariposa Bistonbetularia, na Inglaterra, durante a revolução industrial. Indivíduos melânicos, mais escuros e mais raros (Figura 3(a)), das populações dessa mariposa que habitavam regiões mais industrializadas e “castigadas” pelo excesso de gases poluentes e fuligem, foram favorecidos pelo escurecimento que a poluição provocou nos troncos das árvores, seu micro-habitat preferencial, enquanto as mariposas de coloração comum, mais clara, (Figura 3(b)) eram mais facilmente visualizadas por seus predadores quando pousadas sobre o substrato mais escuro. O resultado dessa pressão artificial foi uma maior proporção, na população, de genes relacionados ao melanismo, pois os indivíduos melânicos podiam sobreviver e reproduzir melhor deixando mais descendentes. A poluição, nesse caso, gerou a inversão das frequências gênicas que as populações desse lepidóptero costumavam ter em condições normais, onde os indivíduos não melânicos eram muito mais comunsdo que os melânicos. 20 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Figura 3(a). Forma carbonária ou melânica Figura 3(b). Forma típica ou não-melânica Fonte: Wikimedia Commons, the free media repository Coevolução As interações entre organismos de diferentes espécies podem afetar a evolução umas das outras, reciprocamente. A esse processo se dá o nome de coevolução. A coevolução é um processo bastante interessante, pelo qual a evolução de duas (ou mais espécies – coevolução difusa) é ditada ou dirigida pelo resultado de suas interações/ relações ecológicas antagonistas (de competição, predação, parasitismo) e também de suas interações mutualísticas. Dentre as relações mutualísticas que geram coevolução, os exemplos mais clássicos estão no mundo das plantas e seus animais polinizadores. Plantas floríferas e insetos, por exemplo, evoluíram juntos ao longo de milhões de anos. Estima-se que esse processo de coevolução vem ocorrendo desde o período do Cretáceo, o último da Era Mesozoica. Nesse período, a irradiação do grupo dos insetos foi, provavelmente, a causa final para o sucesso de estabelecimento das angiospermas, que dominaram o planeta terra depois desse advento. Esta antiga relação resultou majoritariamente em um tipo de coevolução genérica, na qual as plantas desenvolveram características gerais para atrair mais de um grupo de inseto (abelhas, besouros, borboletas) para polinização. No entanto, surgiram, em menor quantidade, algumas relações muito estreitas. É o caso da planta denominada iúca (do gênero Yucca) e a mariposa-da-iúca (do gênero Tegeticula). A relação entre essas espécies é um tipo de mutualismo obrigatório, uma vez que a mariposa só consegue viver e se reproduzir nas flores da iúca e tais flores só podem ser polinizadas por essa mariposa. As flores fornecem local para abrigar os ovos da mariposa-da-iúca e, posteriormente, alimento (algumas de suas sementes) para as larvas. As mariposas, em contrapartida, após a oviposição, polinizam as flores deixando o pólen diretamente sobre o estigma da flor (local onde se inicia a fecundação). O pólen da iúca é pegajoso e facilita sua manipulação e transporte pelas fêmeas da mariposa, as quais são especializadas em coletá-lo e o carregar em bolsas enquanto se movimentam 21 entre as flores. O estigma é especialmente modificado para receber o pólen trazido pela mariposa. O mais interessante nessa relação é que as mariposas podem colocar apenas entre 1 e 15 ovos em uma flor, pois quando muitos ovos são colocados e há a chance de todas as sementes serem comprometidas pelas larvas no futuro, a flor hospedeira é abortada pela planta e junto com ela todas as larvas. A planta iúca, de fato, regula o número de ovos que pode ser posto pela mariposa e as mantém na linha de equilíbrio da relação. O mutualismo entre a iúca e a mariposa-da-iúca é um caso de coevolução evidenciado por muitos estudos. Vale lembrar que a existência de uma relação estreita entre duas espécies pode sugerir que houve coevolução, no entanto, nem sempre é evidência definitiva da ocorrência desse processo. Outro exemplo de coevolução a partir de relações mutualísticas é a relação entre algumas espécies de formiga e acácias, na qual as formigas são “responsáveis” pela defesa da planta enquanto a acácia provê abrigo para seus ninhos. Dentre as relações antagonistas que geram coevolução, estão as relações presa- predador/herbívoro, parasita-hospedeiro, além das relações entre competidores. Neste tipo de relação, a evolução das espécies envolvidas ocorreria num tipo de corrida armamentista e o funcionamento básico se daria, em linhas gerais, da seguinte forma: à medida que uma presa desenvolve estratégias para evitar seu predador, o predador também desenvolve estratégias para capturar sua presa com uma probabilidade maior de sucesso (e vice-versa). E, dessa forma, também ocorre o processo entre o hospedeiro e seu parasita, entre a planta e seu herbívoro e entre os competidores. Especiação Até o momento falamos a respeito de como a seleção natural atua sobre os indivíduos e, consequentemente, sobre o pool genético das suas populações ao longo de gerações. No entanto, ainda não havíamos tratado de uma das principais consequências da seleção natural: o surgimento de novas espécies. Além de gerar diferentes variantes de uma mesma espécie, assunto estudado até o momento, a seleção natural promove também a especiação, tema que será abordado agora. O que é uma espécie? Até os dias atuais não há um consenso, uma resposta unânime que defina ‘espécie’. No entanto, ‘espécie’ é uma palavra intuitivamente compreendida, entendida como os 22 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES diferentes tipos ou variedades de organismos ou ainda, objetos inanimados (ALEIXO, 2007). Na Ecologia, existem diferentes definições ou conceitos para o termo. Seguem adiante alguns exemplos que podem ser encontrados na literatura: 1. Conceito biológico: cunhado na década de 1930 por Mayr e Dobzhansky, reconhece dois organismos como pertencentes a uma mesma espécie, quando estes são capazes de se reproduzir naturalmente e gerar descendentes férteis. Embora essa definição tenha sido muito influente para a teoria da evolução, além de ser a mais utilizada até hoje, ela é considerada muito simplificada e falha quando são colocados em foco os organismos que são capazes de se reproduzir assexuadamente, como boa parte dos micro-organismos viventes, por exemplo. 2. Conceito ecológico (SMITH, 1986): de acordo com esse conceito, uma espécie é definida pelo nicho que ocupa, assim, indivíduos que ocupam uma mesma zona adaptativa são considerados como pertencentes a uma mesma espécie. Esse conceito enfrenta problemas de definição, pois não há ainda um significado unificado do que é realmente uma zona adaptativa. 3. Conceito filogenético (CRACRAFT, 1983): Esse conceito leva em conta a posição de um organismo na árvore filogenética. Assim, em um cladograma, o menor conjunto de organismos que compartilham um mesmo ancestral, representa uma espécie. No exemplo a seguir (Figura 4), as espécies “A” e “B” possuem, cada uma, seu próprio ancestral e são consideradas espécies distintas, mas o grupo “C” contém indivíduos representantes de uma mesma espécie, que apesar da grande variação fenotípica, possuem um mesmo ancestral comum, são consideradas subespécies. Figura 4 23 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I O problema do conceito filogenético é que para alguns grupos de organismos as filogenias são ainda não foram estudadas, são inexistentes ou incompletas. Além disso, a filogenia é traçada principalmente em função de aspectos visíveis ao taxonomista e não considera diferenças genéticas de cada organismo, que como bem sabemos, também é possível separar espécies a nível molecular. 4. Conceito fenotípico ou morfológico: de acordo com esse conceito, uma espécie é um grupo de indivíduos cujas características morfológicas ou fenotípicas são bastantesimilares e que diferem significativamente de outros grupos de organismos (demais espécies). Existem alguns problemas com esse conceito: organismos muito parecidos (ex.: espécies crípticas) são considerados como pertencentes a uma mesma espécie mesmo que haja isolamento reprodutivo entre eles; o dimorfismo sexual em espécies não é levado em conta: machos e fêmeas de algumas espécies de aves, por exemplo, podem diferir bastante com relação ao seu tamanho, coloração e outros atributos da plumagem; também não é levada em conta a plasticidade fenotípica: indivíduos de uma mesma espécie podem adquirir determinadas características morfológicas dependendo de sua interação com o ambiente que habitam. Indivíduos de uma mesma espécie de planta, por exemplo, podem exibir diferentes características (tamanho, morfologia das folhas etc.) dependendo da concentração deágua e nutrientes no solo onde estão estabelecidas. 5. Conceito evolutivo (SIMPSON, 1961): de acordo com esse conceito, uma espécie é um grupo de indivíduos cuja linhagem evoluiu separadamente das linhagens de outros indivíduos, com tendências evolutivas e históricas particulares. O maior problema com esse conceito é a necessidade de conhecer temporalmente o curso de evolução das linhagens. Você pode estar se perguntando sobre qual é a importância de tantos conceitos na prática. Eles têm sim um grande peso em questões práticas da Ecologia e podem ter impactos significativos, por exemplo, na conservação das espécies ameaçadas. Ao especularmos a situação ou status de conservação da biodiversidade, o uso de tais conceitos pode resultar em diferentes números de espécies ameaçadas. As “listas vermelhas” de espécies ameaçadas de extinção em diferentes contextos geográficos (locais, regionais e globais) dependem de uma definição clara que permita diagnosticar a situação de cada táxon. 24 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Para entender melhor as implicações desses conceitos para a conservação, leia a seguinte referência: ALEIXO, A. Conceitos de espécie e suas implicações para a conservação. Megadiversidade, pp. 87-95. 2009. Disponível em: <http://www.conservation.org.br/publicacoes/files_mega5/Conceitos_de_ especie.pdf>. Acessado em: 18 maio 2014. A especiação é passível de ocorrência quando as forças de seleção sobrepujam a chances de cruzamento/hibridização entre os indivíduos de uma ou mais populações, pois, enquanto houver cruzamento e seus genes forem continuamente combinados geração a geração, a seleção natural não poderá diferenciá-los a ponto de se tornarem espécies distintas. Em outras palavras, a especiação por seleção natural só é possível quando há isolamento reprodutivo ou diminuição significativa do fluxo gênicoentre indivíduos de duas populações, sejam estes devido a barreiras geográficas, comportamentais, ou a outros fatores que serão discutidos a seguir ao tratarmos dos diferentes mecanismos de isolamento e modelos de especiação que os favorecem. E, claro, a base para que tudo aconteça é a existência de variabilidade genética, sobre a qual a seleção pode agir. Mecanismos de isolamento reprodutivo pré e pós-cópula (DOBZHANSKY, 1970) O isolamento reprodutivo pode ocorrer antes ou depois da cópula. Antes, os mecanismos são: » Isolamento sazonal ou de habitat: parceiros potenciais não se encontram porque estão isolados geograficamente ou porque a sazonalidade desfavorece o encontro (ex.: no caso de plantas, a floração dos indivíduos pode ocorrer em momentos distintos) » Isolamento etológico: parceiros potenciais encontram-se, mas não copulam por não exibirem sinais sejam comportamentais (ex.: danças ou outras formas de cortejo), morfológicos (ex.: plumagem nupcial em aves ou galhadas em cervos) ou fisiológicos (ex.: liberação de feromônios e outros sinais químicos), que façam os indivíduos se reconhecerem como parceiros sexuais. 25 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I » Isolamento mecânico: há tentativa de cópula, porém sem sucesso. Não há transferência de espermatozoides (ex.: incompatibilidade anatômica). Após a cópula, os mecanismos são: » Mortalidade gamética: o óvulo não é fertilizado (ex.: incompatibilidade química). » Mortalidade zigótica: o óvulo é fecundado, porém o zigoto não sobrevive (por incompatibilidade genética, por exemplo). » Produção de híbrido inviável: o zigoto produz descendentes com viabilidade reduzida ou inviáveis. » Produção de híbrido estéril: a cópula gera descendentes viáveis, no entanto, estes são parcial ou totalmente estéreis. (ex.: o cruzamento de duas espécies distintas, o jumento e a égua, resultam em um híbrido estéril, a mula). Mecanismos de especiação Especiação alopátrica É o tipo de especiação que ocorre quando há isolamento geográfico, ou seja, separação física, que impede ou reduz significativamente o fluxo gênico entre populações. O isolamento geográfico pode ser devido à: 1. vicariância, ao surgimento de barreiras físicas, como grandes corpos d’água, desertos, cadeias montanhosas e vales. Veja a Figura 5. Figura 5. Vicariância: exemplo de um isolamento geográfico. Obs.: As cores dos ratos no primeiro e segundo conjunto não representam espécies diferentes, representam apenas que há variabilidade genética entre os indivíduos. Os dois últimos conjuntos representam a população que permaneceu no ambiente original e a nova espécie que surgiu após o estabelecimento da cadeia de montanhas (barreira física). 26 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES 2. Eventos de dispersão, quando indivíduos ou populações se deslocam ou são dispersos e se estabelecem em locais distantes. Também é chamada de especiação peripátrica. Veja a Figura 6. Figura 6. Especiação peripátrica: exemplo de dispersão de alguns indivíduos que passaram a constituir uma nova população a qual sofreu alterações distintas da original em seu novo habitat ao longo do tempo. Obs.: As cores dos ratos no primeiro e segundo conjunto não representam espécies diferentes, representam apenas que há variabilidade genética entre os indivíduos. O último círculo representa os indivíduos selecionados ao longo do tempo que resultaram em uma nova espécie. Especiação simpátrica A especiação simpátrica não requer isolamento geográfico para acontecer e assume que o isolamento reprodutivo ou a redução do fluxo gênico entre indivíduos se dá também por outras vias: por seleção disruptiva, que favorece dois extremos de uma população e, embora com uma frequência de extremamente baixa a rara, por alterações cromossômicas. A seleção disruptiva se dá, por exemplo, por meio da exploração diferencial de nichos por indivíduos de uma população que gera um isolamento progressivo entre indivíduos com preferências distintas. Nesse caso, a especialização de cada indivíduo em seu recurso preferencial deve ser tão forteque seja capaz de provocar divergência na população. Nosso exemplo com roedores não cabe com tanta clareza aqui, por isso passemos a pensar em uma espécie de inseto fitófago, que pode passar toda a sua vida sobre a espécie de “planta hospedeira A” e somente acasalar com os indivíduos que compartilham desse recurso. Imagine que em um determinado momento alguns indivíduos dessa espécie de inseto aprendem a explorar a “planta B” e passam a ter preferência por ela. O exemplo seria, então, o seguinte (Figura 7): 27 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I Figura 7. Exemplo de como pode ocorrer uma especiação simpátrica. Obs.: As cores dos insetos (cinza e preto) não representam espécies diferentes, representam apenas que há variabilidade genética entre os indivíduos. Nesse caso, ao passarem a explorar a espécie de planta B, os indivíduos com as características genéticas que conferem a cor preta foram selecionados (se saíram melhor sobre tal planta). Especiação parapátrica Para a ocorrência desse tipo de especiação também não é necessário haver isolamento geográfico. Este modelo assume que as populações podem divergir por adaptação aos diferentes ambientes ao longo do continuum (ou gradiente) em sua faixa de distribuição e que essa divergência pode se fortalecer quando os indivíduos da população são mais propensos a cruzar com seus vizinhos do que com indivíduos que estão mais distantes. Figura 8. Especiação parapátrica: é possível que os extremos de uma mesma população não se acasalem por ocupar ambientes muito diferentes dentro do gradiente. Ilhas e especiação As ilhas são ambientes bastante favoráveis a ocorrência do processo de especiação, principalmente quando seu isolamento de outros ambientes é extremo. E, de fato, 28 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADESforam as ilhas que possibilitaram boa parte dos estudos relacionados à evolução, dentre eles o mais conhecido e exaltado: o caso dos tentilhões de Darwin no arquipélago de Galápagos. Em suas viagens exploratórias às ilhas de Galápagos, Darwin observou a ligação peculiar entre a forma do bico dos 14 tentilhões espalhados pelas ilhas do arquipélago, os seus habitats e seus hábitos alimentares. Ele percebeu que apesar de aparência muito similar entre os diferentes tentilhões, o formato dos bicos era bastante marcante em cada espécie, assim como, a forma com que cada um deles se distribuía no ambiente e quais recursos alimentares exploravam (Figura 9). Foi a partir desses estudos que Darwin propôs então que essas aves teriam evoluído a partir de uma ancestral comum e fez a ligação entre a geração “surgimento” de novas espécies e a seleção natural. Até hoje, o arquipélago atrai a atenção dos ecólogos evolucionistas. Peter Grant e Rosemary Grant, pesquisadores da Universidade de Princeton, têm acompanhado por muitos anos as populações de tentilhões e como resultado evidenciaram a influência de mudanças climáticas (El Ninõ e La Niña) sobre a evolução de tentilhões, dentre outros processos interessantes que norteiam essas populações. Figura 9. Representação da especiação de tentilhões a partir de um ancestral comum. A seleção natural teria ocorrido pela exploração diferencial de alimento. Adaptado da fonte: Wikimedia Commons, thefree media repository. 29 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I A ocupação dos ambientes por diferentes organismos Tratamos até aqui de como um organismo é moldado para ser o que é hoje, mas não tratamos diretamente de como todos esses processos definem o tipo de ambiente que esse organismo consegue sobreviver e reproduzir. Ainda não respondemos de forma satisfatória a pergunta sobre o porquê os organismos de uma espécie estão presentes em determinados ambientes, mas em outros não. Vimos que a seleção molda os organismos de acordo com as condições as quais estão submetidos (sob as quais eles evoluíram ao longo do tempo), mas de que forma as condições interferem diretamente sobre suas vidas? Vejamos, portanto, as questões relacionadas aos fatores limitantes da distribuição e abundância, e à ocupação de nicho. Fatores limitantes e limites de tolerância Qualquer condição que se aproxime do mínimo ou máximo necessário para a sobrevivência de um organismo é considerada um fator limitante ou condição limitante. Justus Von Liebig (1840), químico alemão, pioneiro nos estudos sobre nutrição vegetal, a partir de seus experimentos, propôs que “o crescimento dos vegetais é limitado pelo elemento cuja concentração é inferior a um valor mínimo, no qual a síntese já não se processa”, isto é, que o crescimento de uma planta estaria limitado pelo nutriente essencial presente em menor quantidade (quantidade próximo ao mínimo necessário) no solo. Essa constatação ficou conhecida como a lei do mínimo. No entanto, algumas considerações devem ser feitas com relação à aplicação desta “lei” (ou conceito): 1. é passível de ocorrência apenas em ambientes constantes, quando a energia/nutrientes que entram no sistema é contrabalanceado pela energia/nutrientes que saem; 2. existe interação entre os elementos (fatores/nutrientes), pois alguns elementos podem limitar a taxa de utilização de outros e, além disso, o organismo pode substituir, pelo menos em parte, um fator deficiente no meio por outro semelhante. Os organismos estão sujeitos não apenas à escassez de um elemento, como proposto por Liebig, mas também pelo excesso. Tal questão foi incorporada à lei por Shelford, em 1913, e a proposição ficou conhecida como a lei de tolerância ou lei/princípio de Shelford. Segundo esse princípio, os organismos apresentam um mínimo e um 30 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES máximo ecológicos em termos das condições ambientais e disponibilidade de recursos a partir dos quais sobrevivem. O ponto mínimo e máximo representam seus limites de tolerância e o ponto ou faixa intermediária entre esses limites coincide com um ótimo ecológico, uma faixa ótima para o desenvolvimento dos organismos (ver Figura 10). Para se referir aos organismos com faixas de tolerância largas, utiliza-se o prefixo eurie para indivíduos com faixas mais estreitas, o prefixo esteno. Assim, se um organismo consegue sobreviver dentro de uma ampla faixa de temperatura, por exemplo, ele é dito euritérmico, mas se resiste apenas em uma faixa estreita, é dito estenotérmico. O mesmo vale para outros fatores: as espécies com alimentação mais restrita, que são ditas estenofágicas, enquanto aquelas mais generalistas são ditas eurifágicas. Alguns princípios subsidiários da lei de tolerância » Os organismos podem apresentar uma larga faixa de tolerância para alguns fatores e estreita para outros. » Organismos com maior amplitude de tolerância para todos os fatores têm também maiores possibilidades de uma ampla distribuição. » Quando as condições não são ótimas para uma espécie, com relação a um fator ecológico, os limites de tolerância para outros fatores também podem ser reduzidos. » Apesar de haver uma faixa ótima (estabelecida experimentalmente) para a sobrevivência, na natureza os organismos nem sempre vivem nesta faixa com relação a determinado ou determinados fatores. Nesse caso, outros fatores devem ser mais importantes. » No período reprodutivo, os fatores ambientais têm maior probabilidade de serem limitantes. Os limites de tolerância de indivíduos adultos em reprodução, de indivíduos em estado embrionário, larval ou muito jovem (ex.: plântulas) tendem a ser mais estreitos. 31 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I Figura 10. Representação dos limites de tolerância Toda a abordagem a respeito de fatores limitantes e limites de tolerância permitiram aos ecólogos entender melhor a ocupação dos ambientes pelas espécies. Contudo, como disse Odum (1988), essa é apenas uma parte da história: “todas as necessidades físicas podem situar-se bem dentro dos limites de tolerância de um organismo, mas o organismo pode ainda falhar por causa das inter-relações biológicas”. Essa questão voltará à tona quando abordarmos os indivíduos nos níveis de organização ecológica superiores, como populações e comunidades. Você cultiva alguma planta em casa? Cite pelo menos um exemplo de planta (nomes populares mais comuns ou nome científico) comumente cultivada para a qual: I. Luz do sol em excesso é um fator limitante ao crescimento/ estabelecimento. II. Água em excesso é um fator limitante. III. Escassez de luz do sol é um fator limitante. IV. Escassez de água é um fator limitante. O conceito de nicho É reconhecidamente difícil a missão de definir com exatidão o conceito de nicho. Sinteticamente, podemos vê-lo como o conjunto de limites de tolerância de uma espécie. Diversas definições estão disponíveis na literatura e ainda assim, não há uma descrição que não possua limitações. Contudo, uma das mais influentes e mais disseminadas 32 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES nos livros-texto de Ecologia foi criada por Hutchinson (1957), e trata do nicho como o intervalo n-dimensional (ou hiperdimensional) de condições e recursos dentro do qual um organismo ou espécie consegue sobreviver e persistir. Outra definição bastante conhecida provém do reconhecimento do nicho como o papel funcional de uma espécie na comunidade a qual pertence. A abordagem multidimensional de nicho pode ser compreendida ao imaginarmos uma espécie ou organismo vivendo no interior de um sistema ecológico, representado graficamente, por meio de um cubo, onde cada uma das suas três dimensões representa o espectro das condições e recursos necessários para sua sobrevivência como o peixinho da Figura11. Figura 11. Representação tridimensional do nicho n-dimensional proposto por Hutchinson. Vale ressaltar que essa é uma representação extremamente simplificada e serve apenas para dar uma luz ao entendimento do conceito, pois não conseguimos representar devidamente uma quarta dimensão junto das “n” outras dimensões neste espaço bidimensional (a folha de papel que você está olhando). Embora a ideia seja passível de ser descrita e compreendida, como Hutchinson ponderou, dificilmente teremos uma visão ou quantificação completa dos fatores que possibilitam ou não a ocorrência de um organismo. Sob essa definição de nicho, são considerados ainda, os conceitos de: nicho fundamental ou potencial, que consiste no conjunto de todos os intervalos ou espectro de condições e recursos potencialmente exploráveis por determinado organismo, como mencionado anteriormente; e de nicho percebido, efetivo ou realizado, que considerando a influência de interações bióticas, consiste no intervalo ou espectro mais limitado, dentro do qual o organismo realmente vive. Isso porque interações como, por 33 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I exemplo, a competição, pode restringir a ocupação de um determinado espectro pelos organismos envolvidos. Veja a seção de leituras recomendadas deste capítulo para aprofundar seu conhecimento sobre o conceito de nicho Hutchinsoniano e consultar outras definições de nicho. Sobre Evolução: COLLEY, E.; FISCHER, M.L. Especiação e seus mecanismos: histórico conceitual e avanços recentes. História, Ciências e Saúde, pp. 1671-1694. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v20n4/0104-5970-hcsm-20-04-01671.pdf>. FUTUYMA, D.J. Biologia Evolutiva. 3. ed. Ribeirão Preto: Funpec. 2009. SULLOWAY, F.J. Darwin and His Finches: The Evolution of a Legend. Journal of the History of Biology, pp. 1-53. 1982. Disponível em <http://www.sulloway. org/Finches.pdf>. O seguinte site criado pelo Museu de Paleontologia da Universidade da Califórnia com o apoio da Fundação Nacional de Ciência e do Instituto Médico Howard Hughes também é indicado para consulta, uma vez que pode auxiliar nas dúvidas em todas as questões discutidas nesse capítulo, especialmente daquelas relacionadas à evolução: <http://www.ib.usp.br/evosite/evo101/ index.shtml>. Sobre o conceito de Nicho: VÁZQUEZ, D.P. Reconsiderando el nicho hutchinsoniano. Ecología austral, pp. 149-158. 2005. VANDERMEER, J.H. Niche theory. Annual review of ecology and systematics, pp. 107-132. 1972. WHITTAKER, R.H.; LEVIN, S.A.; ROOT, R.B. Niche, habitat, and ecotope. American Naturalist, pp. 321-338. 1973. Uma vídeo-aula, que pode ser acessada pelo link a seguir, também é indicada para uma melhor compreensão do conceito de nicho: <http://eaulas.usp.br/portal/video.action?idItem=1183>. Acesso em: 18 maio 2014. 34 CAPÍTULO 2 Ecologia de populações Conceito Uma população é definida na Ecologia como um conjunto de indivíduos de uma mesma espécie que habita uma mesma área ou uma mesma mancha de habitat adequado em um dado momento do tempo, cuja probabilidade de cruzamentos dos indivíduos dessa área é maior entre si do que com indivíduos vizinhos. Nesse nível de organização ecológica, os elementos-chave estudados são a presença ou ausência de determinadas espécies, sua abundância e fatores que regulam as flutuações em seus números (taxas de natalidade e mortalidade, imigração e emigração etc.). Veremos que a distribuição ou abrangência geográfica de uma espécie é determinada, fundamentalmente, pela distribuição de habitats adequados (favoráveis ao estabelecimento do organismo) na paisagem, apesar da presença de competidores, predadores, barreiras de dispersão etc., também influenciarem. Veremos ainda que, a estrutura populacional, isto é, densidade, distribuição dos indivíduos nos habitats favoráveis e estrutura etária, são dinâmicas e ditadas pelas diversas interações entre os indivíduos e seus ambientes. A ecologia de populações é essencialmente quantitativa, por isso também trataremos, ainda que de modo bastante superficial, de alguns modelos matemáticos que regem as populações. Não abordaremos aqui a genética de populações, pois alguns princípios importantes já foram abordados no capítulo anterior, aproveitando o gancho deixado pelo assunto “evolução”. O papel da heterogeneidade ambiental nas populações dos organismos Entende-se por ambiente heterogêneo uma área ou paisagem formada pela distribuição descontínua de diversos tipos de habitats que formam um tipo de colcha de retalhos ou mosaico. A heterogeneidade ambiental é promovida tanto por fatores abióticos quanto bióticos. Dentre as causas abióticas, o relevo e o clima têm destaque especial, como veremos com mais detalhes ao abordar, na próxima unidade, os padrões de distribuição 35 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I da vegetação no mundo e no nosso país. Já dentre as causas bióticas, podemos apontar para as ações dos organismos vivos que determinam a presença de diferentes manchas de habitats na paisagem: um castor, por exemplo, com sua habilidade em cortar madeira e usá-las para represar corpos d’água, cria e mantém áreas alagadas, assim como as represas feitas pelo homem. As plantas também exercem esse papel à medida que criam condições diferenciadas que favorecem ou não o estabelecimento de outros organismos, retendo mais ou menos água e nutrientes no solo, sombreando o local que se encontra, ou mesmo criando clareiras em florestas densas a partir de sua morte e queda. Afinal, um espaço aberto em meio a uma floresta é uma mancha de habitat (ou “retalho de uma colcha”) bastante diferenciada aos nossos olhos e de outros animais (em macro escala) e até mesmo em microescala, se pensarmos no tronco caído como um habitat adequado para milhares de micro-organismos e fungos. O quanto um ambiente é heterogêneo depende bastante do ponto de vista do organismo em questão. Para um inseto fitófago ou uma lagarta (borboleta em fase inicial de desenvolvimento) que é especializada em uma ou algumas plantas, a heterogeneidade de uma floresta, por exemplo, é exorbitante, enquanto aos nossos olhos essa mesma floresta pode parecer bastante homogênea (igual) quando vista de um avião em voo. A configuração dos ambientes ou da paisagem tem profunda influência sobre as populações de organismos. É um assunto da Ecologia que, recentemente, tem ganhado maior atenção dos ecólogos, em vista das profundas alterações que as ações humanas têm gerado nos ambientes naturais, de modo que uma grande área desta ciência foi desenvolvida e consolidada nos últimos anos: a Ecologia de Paisagem. Modelos de população Como os diferentes habitats normalmente se distribuem na paisagem de forma desigual e descontínua, formando um mosaico bastante heterogêneo de habitats intoleráveis ou menos favoráveis até habitas mais favoráveis, assim também tendem a se distribuir as populações se outros fatores bióticos, como a presença de predadores e competidores em uma mancha, não atuarem como impedimento. A heterogeneidade pode determinar, portanto, a existência de subpopulações. Podem ser citados três diferentes modelos de população (ver Figura 12): 1. O modelo de metapopulação: considera que uma população é, na verdade, um grupo de subpopulações que ocupam manchas de um tipo específico de habitat, e sua conexão é mantido pelo trânsito ocasional 36 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES de indivíduos entre as subpopulações. Segundo esse modelo, o habitat- matriz (habitat mais abundante que circunda a mancha de habitat favorável) é considerado uma barreira para a dispersão ou movimento dos indivíduos entre as manchas favoráveis. 2. O modelo de fonte-poço: prevê que as diferentes manchas de habitat favorável ocupadas pelas subpopulações podem ter qualidade variada. Segundo esse modelo,uma mancha com qualidade superior (com maior abundância de recursos) poderia abrigar melhor os indivíduos e por conseguinte, permitir que eles se reproduzam mais. Já uma mancha de qualidade inferior suportaria populações menos produtivas (populações- poço) e seriam sustentadas, principalmente, pela constante imigração de filhotes excedentes das populações mais produtivas (populações-fonte). 3. O modelo de paisagem: é muito parecido com o modelo de metapopulação, no entanto reconhece o que o papel da matriz vai muito além de uma simples barreira ao movimento dos indivíduos entre as subpopulações. Considera, por exemplo, que algumas matrizes contêm habitats mais permeáveis e facilitam a dispersão de indivíduos e que, além disso, o tipo de matriz pode influenciar a qualidade do habitat favorável. Assim, uma mancha de habitat adequado envolta por uma matriz que abriga poucos predadores, poucos patógenos ou que contém recursos disponíveis (água, material para ninho etc.) teria melhor qualidade que uma outra mancha qualquer. 37 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I Figura 12. Modelos de população. Distribuição dos indivíduos de uma população nos habitats favoráveis A distribuição dos indivíduos dentro de uma população também responde às interações sociais e disponibilidade de recursos. Indivíduos com tendência a formar grupos sociais ou aqueles cujos recursos preferenciais (seja alimentar ou não) são pontuais, por exemplo, tendem a sedistribuir de forma agrupada. Por outro lado, indivíduos que interagem negativamente entre si tendem a se distribuir de forma homogênea ou uniforme. A defesa de territórios, por exemplo, pode determinar uma distância fixa entre um indivíduo e seus vizinhos. Há também a ocorrência de distribuições randômicas, na qual os indivíduos se distribuem independentemente de qualquer interação social (ver Figura 13). 38 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Figura 13. Padrões de distribuição espacial Estrutura e dinâmica populacional Todas as populações são dinâmicas e mudam continuamente, pois muitos indivíduos nascem, morrem, imigram e emigram. Estes são os quatro elementos principais que descrevem o crescimento populacional ao longo do tempo. A “luta pela existência”, relatada por Darwin, é o processo básico pelo qual a população de um organismo tem seu crescimento limitado. Em um mundo sem predadores, sem competidores, com recursos abundantes e condições adequadas, os indivíduos tenderiam a se reproduzir indefinidamente, podendo ocupar todo o planeta. Ao tratar da Ecologia de comunidades no próximo capítulo, veremos mais a fundo como as relações entre espécies interferem no tamanho de suas populações. Por agora vamos ver como são feitos estudos populacionais. 39 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I Delimitando o tamanho de uma população O início de qualquer estudo com uma população requer o reconhecimento dos limites de tal população e, a partir daí, a contagem dos indivíduos que a integram, isto é, a determinação do tamanho da população. Reconhecer os limites de uma população não é uma tarefa fácil, com exceção de alguns casos, como por exemplo, de uma população numa ilha isolada. A delimitação do que é a população real, com frequência, corre risco de ser feita arbitrariamente pelo ecólogo. Obter o tamanho total ou densidade absoluta de uma população é uma tarefa sistematizada e geralmente exige grande esforço. O tamanho pode ser estimado obtendo-se a densidade (ou número de indivíduos por unidade de área) e o tamanho total da área ocupada. A multiplicação do primeiro valor (densidade) pelo segundo (área total) resulta no tamanho da população. Apesar de ser uma fórmula simples, a obtenção de tais dados pode ser mais complicada do que se imagina. Além da dificuldade em delimitar a área ocupada pela população, contar o número de indivíduos de uma população de animais que se movem muito e habitam áreas extensas, por exemplo, pode ser bem complexo. No entanto, diversos métodos foram desenvolvidos para resolverem esse problema. Os índices de densidade são bons aliados para estimar o tamanho de uma população utilizando dados a partir de amostras. Para tanto, técnicas de amostragem devem ser bem definidas de acordo com o grupo animal ou vegetal cuja população é foco do estudo. Faça uma pesquisa em busca de técnicas de amostragem para populações naturais. Dê preferência para artigos científicos durante a busca. Descreva a seguir algum método ou conjunto de métodos/técnicas que encontrou para: » uma espécie de planta; » duas espécies animais. (Escolha dois animais que pertençam a dois dentre os seguintes grupos faunísticos: mamíferos, aves, répteis, anfíbios, peixes). Além de descrever brevemente os métodos, fale sobre os tipos de dados coletados nos artigos que encontrou. 40 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Crescimento e regulação populacional Uma população cresce pela entrada de novos indivíduos vindos de outras populações (imigrantes) e por reprodução; e ela decresce pela emigração e morte de indivíduos. O balanço entre as taxas de imigração/emigração e as taxas de natalidade/mortalidade definem o quão estável ou dinâmico é o tamanho de uma população. Em termos reprodutivos, as populações tendem a crescer mais por multiplicação que por adição, pois crescem proporcionalmente ao seu tamanho. Quanto mais indivíduos reproduzindo-se em uma população, mais indivíduos são adicionados à essa população. Mais indivíduos adicionados significam mais reprodutores para as próximas gerações. Existem dois tipos de crescimento populacional, que são descritos por equações matemáticas: 1. Crescimento exponencial, que acontece quando indivíduos jovens são constantemente adicionados à população. Tal crescimento é descrito pela seguinte equação: N(t) = N(0)ert onde N(t) é o número de indivíduos adicionados na unidade de tempo ‘t’, N(0) é o tamanho inicial da população, e é uma constante, base dos logaritmos naturais e equivale a 2,72 e r é a taxa de crescimento exponencial. Esse tipo de crescimento é típico da população humana, uma vez que bebês nascem continuamente em qualquer estação ou período do ano. 2. Crescimento geométrico, que acontece em populações cujos indivíduos jovens são adicionados em intervalos discretos, isto é, em determinados períodos apenas. Tal crescimento é descrito pela equação λ = N(t+1)/ N(t) ou N(t+1) = N(t)λ onde λ é atribuída à razão do tamanho populacional num ano para o ano precedente (ou de uma estação em relação à precedente ou outro intervalo de tempo qualquer). Esse tipo de crescimento é característico de populações naturais, dado que, na maioria das vezes, novos indivíduos são adicionados apenas durante determinado período do tempo, numa estação reprodutiva. Ambos os tipos de crescimento estão matematicamente relacionados, uma vez que há uma correspondência direta entre os valores de λ e er: λ = erou então, loge λ = r. Quando o tamanho das populações é constante, r = 0 e λ = 1. Populações em crescimento apresentam taxas de crescimento exponencial positivas ou taxas de crescimento geométrico maior que 1. Quando o tamanho está em decrescimento, as populações têm taxas de crescimento exponencial negativas ou taxas de crescimento geométrico menor que 1, mas maior que 0. 41 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I A velocidade de crescimento de uma população por reprodução depende da sua estrutura etária, isto é, da proporção de indivíduos em cada classe de idade. Uma população com mais indivíduos maduros, aptos a se reproduzir, cresce mais rapidamente do que uma população com maior proporção de indivíduos mais velhos (senescentes) ou com indivíduos muito jovens, especialmente se a maturação destes jovens é lenta.Cada organismo/espécie possui uma história de vida que influencia as taxas de mortalidade e natalidade de sua população, dado que, cada organismo tem um período na vida em que está apto para reprodução e períodos que não. O comprimento de cada período é bastante variável dentre as diferentes espécies. O período pré-reprodutivo, em que o organismo é imaturo, pode durar anos para algumas espécies ou poucos meses para outras. Isso também acontece com o período reprodutivo, que pode durar apenas algumas horas para insetos, por exemplo, e da mesma forma com o pós-reprodutivo. As próprias taxas de natalidade e mortalidade também são diferenciadas dentro de cada classe etária. Para se estudar de maneira mais sistematizada a influência dessas variáveis em uma população é que são utilizadas as tabelas de vida ou tábuas-de-vida, as quais resumem a sobrevivência e a fecundidade por idade. No entanto, existem muitas limitações para se construir uma tábua-de-vida e estudar essas variáveis em determinadas populações. Esse método é mais palpável para organismos sésseis do que para organismos móveis, e acima de tudo para organismos sob condições experimentais. Outras limitações são: na maioria das vezes é difícil conhecer a idade de cada organismo; e o tempo adequado de coleta de dados pode ser muito longo, uma vez que vários organismos podem viver por muitos anos. Algumas espécies de árvores, por exemplo, podem viver centenas de anos! Um desdobramento importante do uso das tabelas de vida é a possibilidade de estabelecer os modelos e padrões de nascimento e morte das diferentes espécies. Três modelos de curva de sobrevivência são considerados a partir do estudo das tabelas de vida (ver figura 14): Curva de sobrevivência do tipo I: descreve o padrão das populações cujas taxas de mortalidade são maiores ao final da vida dos organismos, isto é, quando estes estão velhos. É o caso, por exemplo, das populações humanas em países desenvolvidos. Curva de sobrevivência do tipo II: descreve o padrão das populações cujas taxas de mortalidade são constantes para cada idade, isto é, a mortalidade independe da idade. Curva de sobrevivência do tipo III: descreve o padrão das populações cujas taxas de mortalidade são elevadas no início da vida dos organismos. É o caso de algumas espécies de peixes e de tartarugas, por exemplo, que produzem dezenas a milhares de 42 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES ovos/filhotes que sofrem forte predação, sendo que uma pequena porcentagem apenas consegue chegar à fase adulta. Figura 14. Modelos de curva de sobrevivência Equação logística Como vimos, as populações tendem a crescer de forma exponencial em direção ao infinito sob condições ideais e com recursos em elevada abundância. Darwin, em A origem das espécies, bem relatou: “Não há exceção à regra que todo ser orgânico naturalmente cresce numa taxa tão alta, que, se não destruído, a Terra logo seria coberta pela progênie de um único casal”. Entretanto, em condições naturais, isso não acontece porque há a chamada “luta pela existência”. Os organismos não podem direcionar toda sua energia para a reprodução, eles devem dividir essa energia na busca de condições adequadas e recursos específicos que provém a sobrevivência. Raymond Pearl e L.J. Reed (1920), após estudos sobre a taxa de crescimento populacional nos Estados Unidos com dados obtidos desde 1870, sugeriram, por meio de uma equação matemática, que a taxa exponencial de crescimento r diminuía quando N aumentava, isto é, quando o tamanho da população aumentava. A equação logística considera a capacidade de suporte do ambiente (K) ou, em outras palavras, o número máximo de indivíduos que o ambiente pode sustentar. De acordo com a equação, enquanto o tamanho populacional N não excede a capacidade de suporte K, a população continua a crescer, embora de forma mais lenta à medida que se aproxima de K. Quando N excede K a população decresce. Isso acontece porque à medida que a 43 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I população cresce em direção a K, os recursos necessários à sobrevivência, decrescem e limitam a reprodução. O tamanho das populações é regulado por fatores dependentes da densidade. Em primeiro plano, pela quantidade de alimento e habitats adequados, que são limitados. Num segundo momento, tomam espaço os efeitos de predadores, parasitas e patógenos que têm força maior dentro de populações densas, mais que em populações com indivíduos esparsos. Fatores independentes de densidade, como aqueles relacionados às condições ambientais, temperatura, precipitação e eventos estocásticos (ex.: catástrofes ambientais), também afetam o tamanho de uma população, no entanto, não agem sobre a regulação do tamanho. Por todos estes fatores e aqueles dependentes de densidade, a ocorrência de oscilações e ciclos populacionais é comum em populações naturais. Comportamento social em populações A competição intraespecífica talvez seja o primeiro tipo de relação social, no qual pensamos ao falar em comportamento social dentro de populações. Contudo, relações harmônicas, não antagonistas, também estão presentes entre os organismos de uma mesma espécie. A competição entre indivíduos coespecíficos é inevitável, seja na exploração por recursos alimentares, por territórios ou por fêmeas, e tende a ser forte, afinal, organismos de uma mesma espécie ocupam o mesmo nicho ecológico. É comum em populações naturais observarmos espécies territorialistas porque este tipo de comportamento pode trazer benefícios para aqueles que o apresentam, mesmo que para alguns organismos isso se manifeste temporariamente (ex.: numa estação reprodutiva). A defesa de território pode, por exemplo, garantir o acesso prioritário a recursos importantes, no caso de beija-flores ou pode garantir mais fêmeas para se acasalar no caso de grandes cervídeos. O grau de territorialidade varia de acordo com a abundância de recursos. Quanto mais recursos, maior é a possibilidade de se manter um maior número de territórios numa mesma área, pois diante da abundância de um recurso, o organismo não precisa defender uma área tão grande para atender às suas necessidades. Se os recursos são escassos, teremos um menor número de territórios, pois o organismo deve percorrer e defender uma área maior para acessar uma maior quantidade de recursos. Enquanto os custos 44 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES envolvidos na defesa territorial não sobrepujam as recompensas, este comportamento permanece. A disputa por fêmeas também é algo corriqueiro na natureza. A disputa pode ser corporal, envolvendo lutas ou não. Em boa parte das vezes basta uma exibição de poder. No grupo das aves é bastante comum as danças de coorte e displays elaborados, nos quais os machos “disputam” por meio da exibição de suas “qualidades” (penas vistosas, cantos e danças elaborados, repertório vocal amplo etc.) sem que haja combate de fato. Às fêmeas cabe a escolha. Os combates envolvem riscos à vida dos envolvidos e geralmente são evitados na natureza, embora possamos ver em documentários inúmeros exemplos de enfrentamento, dentre algumas espécies, principalmente de mamíferos. Do recuo à luta real, está a avaliação prévia dos riscos. Quando um dos indivíduos se percebe em desvantagem (ex.: menor porte, menor chifre etc.), normalmente, ocorre o recuo. Quando o resultado é difícil de ser pré-avaliado, os indivíduos podem partir para apresentações elaboradas que possibilitam os organismos a avaliar a capacidade um do outro. Se ambos os indivíduos se perceberem com chances equilibradas a luta então passa a ser real. O estudo das possibilidades de ocorrência ou não desses comportamentos é foco da Teoria dos Jogos. Para saber mais sobre essa teoria faça a leitura das referências recomendadas no final desse capítulo. Hierarquia social A organização
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