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Brasília-DF. Ecologia Elaboração Carolline Zatta Produção Equipe Técnica de Avaliação, Revisão Linguística e Editoração Sumário APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................. 4 ORGANIZAÇÃO DO CADERNO DE ESTUDOS E PESQUISA .................................................................... 5 INTRODUÇÃO.................................................................................................................................... 7 UNIDADE I FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES ..................... 9 CAPÍTULO 1 DA DEFINIÇÃO DO TERMO AO PRIMEIRO NÍVEL DE ORGANIZAÇÃO DA ECOLOGIA .................. 9 CAPÍTULO 2 ECOLOGIA DE POPULAÇÕES ................................................................................................. 34 CAPÍTULO 3 ECOLOGIA DE COMUNIDADES .............................................................................................. 47 UNIDADE II FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA ............................... 67 CAPÍTULO 1 ECOLOGIA DE ECOSSISTEMAS ............................................................................................... 67 CAPÍTULO 2 O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA ................................................................................................. 75 CAPÍTULO 3 BIOMAS TERRESTRES, DOMÍNIOS FITOGEOGRÁFICOS E REGIÕES BIOGEOGRÁFICAS ............... 81 UNIDADE III TEMAS DA ECOLOGIA ......................................................................................................................... 94 CAPÍTULO 1 CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE ..................................................................................... 94 CAPÍTULO 2 AÇÕES E SUSTENTABILIDADE ................................................................................................. 107 PARA (NÃO) FINALIZAR ................................................................................................................... 115 REFERÊNCIAS ................................................................................................................................ 117 4 Apresentação Caro aluno A proposta editorial deste Caderno de Estudos e Pesquisa reúne elementos que se entendem necessários para o desenvolvimento do estudo com segurança e qualidade. Caracteriza-se pela atualidade, dinâmica e pertinência de seu conteúdo, bem como pela interatividade e modernidade de sua estrutura formal, adequadas à metodologia da Educação a Distância – EaD. Pretende-se, com este material, levá-lo à reflexão e à compreensão da pluralidade dos conhecimentos a serem oferecidos, possibilitando-lhe ampliar conceitos específicos da área e atuar de forma competente e conscienciosa, como convém ao profissional que busca a formação continuada para vencer os desafios que a evolução científico-tecnológica impõe ao mundo contemporâneo. Elaborou-se a presente publicação com a intenção de torná-la subsídio valioso, de modo a facilitar sua caminhada na trajetória a ser percorrida tanto na vida pessoal quanto na profissional. Utilize-a como instrumento para seu sucesso na carreira. Conselho Editorial 5 Organização do Caderno de Estudos e Pesquisa Para facilitar seu estudo, os conteúdos são organizados em unidades, subdivididas em capítulos, de forma didática, objetiva e coerente. Eles serão abordados por meio de textos básicos, com questões para reflexão, entre outros recursos editoriais que visam a tornar sua leitura mais agradável. Ao final, serão indicadas, também, fontes de consulta, para aprofundar os estudos com leituras e pesquisas complementares. A seguir, uma breve descrição dos ícones utilizados na organização dos Cadernos de Estudos e Pesquisa. Provocação Textos que buscam instigar o aluno a refletir sobre determinado assunto antes mesmo de iniciar sua leitura ou após algum trecho pertinente para o autor conteudista. Para refletir Questões inseridas no decorrer do estudo a fim de que o aluno faça uma pausa e reflita sobre o conteúdo estudado ou temas que o ajudem em seu raciocínio. É importante que ele verifique seus conhecimentos, suas experiências e seus sentimentos. As reflexões são o ponto de partida para a construção de suas conclusões. Sugestão de estudo complementar Sugestões de leituras adicionais, filmes e sites para aprofundamento do estudo, discussões em fóruns ou encontros presenciais quando for o caso. Praticando Sugestão de atividades, no decorrer das leituras, com o objetivo didático de fortalecer o processo de aprendizagem do aluno. 6 Atenção Chamadas para alertar detalhes/tópicos importantes que contribuam para a síntese/conclusão do assunto abordado. Saiba mais Informações complementares para elucidar a construção das sínteses/conclusões sobre o assunto abordado. Sintetizando Trecho que busca resumir informações relevantes do conteúdo, facilitando o entendimento pelo aluno sobre trechos mais complexos. Exercício de fixação Atividades que buscam reforçar a assimilação e fixação dos períodos que o autor/ conteudista achar mais relevante em relação a aprendizagem de seu módulo (não há registro de menção). Avaliação Final Questionário com 10 questões objetivas, baseadas nos objetivos do curso, que visam verificar a aprendizagem do curso (há registro de menção). É a única atividade do curso que vale nota, ou seja, é a atividade que o aluno fará para saber se pode ou não receber a certificação. Para (não) finalizar Texto integrador, ao final do módulo, que motiva o aluno a continuar a aprendizagem ou estimula ponderações complementares sobre o módulo estudado. 7 Introdução Em meio a tantos problemas ambientais, com os quais convivemos hoje, e que a cada dia se agravam, a Ecologia tem ganhado um espaço significativo em nossa sociedade, muito embora ainda não se tenha dado o real valor a essa ciência e suas previsões. Nos sistemas em que vivemos os ambientes urbanizados, as relações sociais e econômicas afetam e são afetadas pelos sistemas naturais. Infelizmente, essa troca é, na maioria das vezes, desarmônica, especialmente porque nossas ações prejudicam a “nossa casa” ou como definida por Odum (1989): “ourlife-support system”, traduzido como “nosso sistema de suporte da vida”, ou seja, o planeta Terra. O simples desconhecimento ou pior, a ignorância consciente dos princípios básicos que norteiam a vida e seu equilíbrio dinâmico, podem levar civilizações para um caminho sombrio e talvez sem volta. O conhecimento ecológico é uma ferramenta importante na busca de soluções para evitar o caos que se instala em nossos sistemas. Por isso, a Ecologia deveria ser assunto comum para a formação das pessoas, independentemente da formação acadêmica/profissional, conquistando seu espaço como ciência integradora, multidisciplinar e fundamental para garantir um futuro justo para as próximas gerações. Nosso material tem como principais referências ás obras de maior relevância dos últimos anos de Cientistas/Ecólogos renomados, como: Ecologia de Eugene P. Odum (1988); EvolutionaryEcology, 6a edição, de Erik R. Pianka (1999); A Economia da Natureza de Robert E. Ricklefs (2003); Ecology - from individuals to Ecosystems, 4a edição, de Michael Begon, Colin R. Townsend e John L. Harper (2006); e A primer of Ecology, 4a edição, de Nicholas J. Gotelli (2008). Todos estes livros-texto constam nas referências bibliográficas deste Caderno de Estudos e são indicados para leitura e aprofundamento nos temas da Ecologia. São tratados todos os níveis de organização ecológica (organismos, populações, comunidades e ecossistemas), com seus respectivos componentes e propriedades e, por fim, alguns temas da Ecologia bastante pertinentes aos dias atuais. Objetivos » Fornecer conhecimentos sobre assuntos essenciais da Ecologia. » Promover a reflexão dos estudantes quanto à aplicabilidadedessa disciplina à nossa realidade. 9 UNIDADE I FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES CAPÍTULO 1 Da definição do termo ao primeiro nível de organização da Ecologia O que é Ecologia? A palavra Ecologia é derivada dos termos gregos oikos e logos, que significam “casa ou ambiente” e “estudo”, respectivamente. De modo literal, a palavra foi designada para se referir ao “estudo da casa” ou “estudo do ambiente”. Contudo, seu sentido é muito mais amplo. Quando cunhada, em 1869, o zoólogo alemão Ernest Haeckel definiu a Ecologia como: [...] o corpo de conhecimento referente à economia da natureza - a investigação das relações totais dos animais tanto com seu ambiente orgânico quanto com seu ambiente inorgânico; incluindo, acima de tudo, suas relações amigáveis e não amigáveis com aqueles animais e plantas com os quais vêm direta ou indiretamente a entrar em contato - numa palavra, ecologia é o estudo de todas as inter-relações complexas denominadas por Darwin como as condições da luta pela existência. Na medida em que a Ecologia foi se tornando mais comum no meio científico, nos anos de 1900, novas definições foram sugeridas e incrementadas por assuntos fundamentais de interesse dessa ciência. O biólogo alemão Krebs, em 1972, a definiu como: O estudo científico das interações que determinam a distribuição e abundância dos organismos. 10 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Tal definição se destacou por apontar para questões centrais da ecologia como: onde os organismos ocorrem? Qual sua abundância? E por quê? Recentemente uma pequena reformulação para essa definição, que inclui algumas sutilezas por trás das questões, foi sugerida. Para Begon e colaboradores (2006), a Ecologia é mais bem definida como: O estudo científico da distribuição e abundância dos organismos e das interações que determinam sua distribuição e abundância. Poderíamos apresentar aqui uma quantidade razoável de definições, no entanto, de modo simplificado, podemos entender a ecologia, do ponto de vista funcional, como o estudo de como os organismos vivos interagem entre si e com o seu ambiente físico. Ao definirmos ecologia, é importante fazermos um paralelo com a ciência da economia. Ambas as palavras possuem a mesma raiz, a palavra grega oikos, que significa “casa”. Mas a sua similaridade vai além da etimologia dos termos. A ecologia e a economia estão intimamente ligadas, e de acordo com Odum (1988), deveriam ser tratadas como disciplinas companheiras ao invés de adversárias. Para aprofundar seu conhecimento sobre este paralelo, leia o texto da seguinte referência: TUROLLA, F.A.; HERCOWITZ, M. Economia e Ecologia. GV - executivo, v.6 no 3 pp. 23-27. 2007. Disponível em: <http://rae.fgv.br/sites/rae.fgv.br/files/artigos/4874. pdf.> Acessado em: 18/5/2014. “O sistema econômico está intrinsecamente relacionado ao sistema ecológico, uma vez que a natureza é a provedora primária dos materiais e energia necessários para serem transformados no sistema econômico, e é também onde são dispostos e dissipados os resíduos gerados, cuja capacidade é limitada”. Níveis de organização da Ecologia Os ecólogos estudam a natureza sob diversas abordagens. Em menor escala, estão os organismos, que constituem a unidade elementar ou básica da Ecologia. Em seguida, estão as populações, depois as comunidades e os ecossistemas em uma visão macroecológica (em grande escala). 11 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I A compartimentalização dos assuntos em níveis de organização ecológicos tem sua importância evidenciada à medida que novas propriedades surgem ou se tornam mais evidentes a cada nível considerado a partir do primeiro, além de contribuir para um entendimento holístico (abrangente) ao final. Em outras palavras, determinadas características são específicas e mais bem compreendidas quando abordadas em nível de organismo (ex.: seleção de habitat, adaptabilidade, fitness), porém, quando estamos tratando de um conjunto de indivíduos (nível acima), ou seja, uma população, surgem novas características ou propriedades que a descreve (ex.: taxa de natalidade, taxa de mortalidade, imigração, emigração etc.), assim como quando tratamos de uma comunidade ou de um ecossistema. Conforme mudamos de nível, encontramos diferentes propriedades, geralmente mais complexas, que os caracterizam. Esse processo é denominado na ecologia como o princípio das propriedades emergentes. Os organismos como unidades de estudo O organismo é o elemento básico estudado na Ecologia e constitui o primeiro nível de organização. Qualquer ser vivo, seja uni ou pluricelular, cujo processo vital é promovido por um conjunto de componentes (órgãos/organelas), é considerado um organismo. Neste grupo estão inclusos todos os seres procariontes (bactérias e cianobactérias) e eucariontes (protozoários, fungos, plantas, animais). Os vírus são entidades distintas, bastante particulares, e geralmente não são considerados organismos vivos. A principal justificativa para tal exclusão está no fato dos vírus não possuírem organização celular ou qualquer capacidade metabólica fora de uma célula hospedeira. Sob essa perspectiva, são considerados apenas como partículas infecciosas, comparáveis a “caixinhas de receitas com instruções”, as quais somente são colocadas em prática quando o vírus encontra uma célula hospedeira específica capaz de seguir essas instruções. Fora de uma célula hospedeira os vírus são inertes, por isso, são ditos como parasitas intracelulares obrigatórios. Apesar dessa justificativa e de outras, ainda há um grande debate na comunidade científica sobre se eles devem ou não ser considerados seres vivos. Ao abordarmos o nível de organismo veremos que o foco de estudo está em como os indivíduos afetam e como são afetados pelo seu ambiente, quais são suas histórias de vida e ajustamento evolutivo. Então, fundamentalmente, surgem questões como: por que um organismo é o que é? Por que é possível que ele viva em determinado ambiente e em outro não? Bem, a resposta a essas questões foi bem sintetizada por Begon e colaboradores (2006): 12 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Organisms frequently are as they are, and live where they do, because of the constraints imposed by their evolutionary history. A frase pode ser traduzida da seguinte maneira: Os organismos frequentemente são o que são, e vivem onde vivem, por causa das restrições impostas pela sua história evolutiva. Em outras palavras, isso significa que um organismo possui determinadas características e adaptabilidade a certos ambientes porque as condições inerentes aos ambientes, nos quais as gerações desse organismo estiveram inseridas ao longo do tempo evolutivo, o moldaram para isso. Essa visão tem suas bases no pensamento darwinista. Para tanto, vamos relembrar, a seguir, conceitos importantes e pertinentes ao assunto. A evolução é a palavra-chave aqui, e é ela que ajuda a compreender a história de vida dos organismos. O conceito de evolução na Ecologia A evolução, na maioria das vezes, é interpretada erroneamente como sinônimo de melhoria, de progresso ou avanço. No entanto, o real significado da evolução na ecologia é simplesmente o da mudança (não para melhor, nem para pior, pois isso é relativo). A evolução não é algo que se busca como forma de ‘progresso’. Na verdade, a evolução é um processo que ocorre naturalmente como reflexo das pressões ambientais, pelas quais gerações de populações de uma espécie passaram, as quais beneficiaram determinados indivíduos (devido a certas características genotípicas), em detrimento dos demais integrantes da população. O processo evolutivo ocorre por meio de mecanismos como a seleção natural e a deriva genética. Você pode estar se perguntando: Mas que tipo de mudança é consideradaevolução? É a mudança na frequência gênica (na proporção de caracteres genéticos, os genes) das populações de uma espécie, que ocorre ao longo das gerações. Mudanças que ocorrem corriqueiramente na vida dos indivíduos de uma população não são consideradas evolução. Os organismos individuais não evoluem como postulou o naturalista francês Jean-Baptiste Lamarck, pela lei do uso e desuso. As mudanças por evolução ocorrem muito além da vida de um único indivíduo, pois elas se refletem em nível populacional, na proporção de caracteres genômicos que são passados de pais para filhos, isto é, nos genes hereditários ao longo de gerações. 13 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I Você entenderá melhor o significado da evolução no decorrer deste capítulo, à medida que tratarmos dos elementos envolvidos no processo. A evolução (mudança na frequência gênica de uma população) pode ocorrer por meio dos seguintes processos: 1. Mutação: as mutações gênicas produzem a diversidade genética que existe dentro das populações por provocarem alterações no DNA. 2. Migração: uma população pode ter sua frequência gênica alterada pelo simples fato de organismos novos, vindos de outras populações (da mesma espécie!), se juntarem a ela. 3. Deriva genética: esse processo diz respeito à aleatoriedade na sobrevivência de indivíduos da população, que reflete em diferentes frequências gênicas da população. Por exemplo, se ocorre um acidente (um evento estocástico) numa população que contém um número equilibrado de ratos brancos e ratos cinzas e um maior número de ratos brancos morre, sobrará na população uma proporção maior de indivíduos com genes para a cor cinza. 4. Seleção natural: esse processo é um dos mais importantes para a vida no planeta, além de representar um grande marco na história da ciência. Por isso, dedicaremos mais tempo para falar sobre ele no próximo tópico. Contudo, antes de continuar, é preciso ter em mente que a mudança na frequência gênica de uma população, por seleção natural, depende dos seguintes pré-requisitos: » Existe a chamada “luta pela existência”. Os organismos são compelidos a competirem por recursos limitados e certos indivíduos da população não conseguem se reproduzir utilizando todo o seu potencial. Por isso, as populações não crescem indefinidamente. » Existe sobrevivência e reprodução diferencial entre os indivíduos da população, uma vez que a luta pela existência favorece indivíduos mais ajustados (mais adaptados à situação em questão) e desfavorece outros. Se todos os indivíduos se reproduzissem e sobrevivessem com igual sucesso, não haveria seleção. » Existe variabilidade genética de genes são passados de pai para filho. Não há como acontecer qualquer seleção se não houver um conjunto ou “pool” variável de genes hereditários. 14 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Adaptação, fitness e seleção natural Quando tentamos explicar por que uma espécie ocorre em determinado ambiente, é comum aparecer em nossa fala o termo “adaptação”. Geralmente, dizemos sem muito refletir que a espécie “A” vive no ambiente “X” porque é adaptada para viver nele. A conotação dessa palavra para um ecólogo, no entanto, é bastante profunda e carrega nas entrelinhas um dos mais importantes insights da teoria da evolução pela seleção natural, elaborada por Charles Darwin (1859) e também, pelo jovem naturalista que se correspondia com Darwin, igualmente importante na história da construção desta teoria, Alfred Russel Wallace, muitas vezes relegado na história da ciência. Charles Darwin não foi o único a ter insights sobre a origem e evolução das espécies. Alfred R. Wallace também contribuiu para a teoria e constatação dos fatos. Contemporâneo a Darwin, o jovem naturalista que fizera algumas viagens exploratórias pelo mundo, inclusive pela Amazônia brasileira, chegou a conclusões muitos parecidas com as de Darwin. Para conhecer melhor a história destes dois grandes naturalistas, leia o breve histórico sobre a trajetória de vida de Wallace presente no seguinte artigo: ALVES, K.S.G; FORSBERG, M.C. A história da biologia e a formação de professores de ciências: a contribuição de Alfred Russel Wallace para a teoria da evolução. Anais do VII Encontro Nacional de Pesquisa em Educação e Ciência. 2009. Disponível em: <http://posgrad.fae.ufmg.br/posgrad/viienpec/ pdfs/1667.pdf>. Acessado em: 18 maio 2014. É uma história bastante interessante: o fato de que ambos os naturalistas, ao longo da construção da teoria da evolução das espécies, foram influenciados por uma mesma obra, relacionada à Economia, escrita por Thomas Malthus em 1797: Ensaio sobre o Princípio da População (Essay on the Principle of Population). Procure saber como é que a obra de Malthus influenciou o pensamento de Darwin e Wallace e registre aqui o resultado de sua pesquisa. Dizer que a espécie “A” é adaptada para viver no ambiente “X” significa, para um ecólogo, como dito há pouco, que tal espécie foi “moldada geneticamente” para isso, que as pressões naturais (competição, predação, e várias outras) em ambientes do passado afetaram a vida dos ancestrais da espécie “A”, e que tais forças direcionaram suas características biológicas, morfológicas, comportamentais etc., para ser e viver como é e vive hoje. Suas características atuais são, portanto, um reflexo dos sucessos e falhas dos seus ancestrais (BEGON et al., 2006). 15 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I A base para essa afirmação se encontra nas diferentes probabilidades que cada indivíduo de uma população tem de contribuir com o pool genético (conjunto de genes) das próximas gerações, isso porque em determinados ambientes alguns indivíduos tendem a sobreviver e reproduzir melhor deixando mais descendentes que outros. Como consequência disso, de geração em geração, a proporção dos genes hereditários (a frequência gênica) numa população pode ser modificada e, assim, a seleção natural está em curso. A probabilidade de um indivíduo em passar seus genes adiante é reflexo da sua aptidão, fitness ou valor adaptativo: quanto mais bem adaptado ou melhor ajustado o indivíduo for ao seu ambiente, maior será a sua aptidão e maior a sua probabilidade de deixar seus genes na população em uma proporção maior do que seus coespecíficos. Em outras palavras, quanto mais filhos tiver, maior será a contribuição para o pool genético da população. Adaptação versus Aptidão A aptidão é comumente confundida com adaptação, sendo tratada como sinônimo. No entanto, seus conceitos são diferenciados: a adaptabilidade de um indivíduo a um determinado cenário (ou ambiente) é o que confere a sua aptidão, isto é, sua capacidade de sobreviver e gerar descendentes. É importante frisar que a seleção natural se dá ao longo do tempo, por meio de cenários (ambientes com determinadas características) que limitam ou favorecem a sobrevivência e reprodução dos indivíduos que os habitam (interação genótipo- ambiente). A natureza não seleciona por um objetivo específico como faz o homem com as plantas das quais se alimenta, por exemplo, ou selecionando determinadas características de raças de cães domésticos. Ao contrário disso, a seleção natural age apenas sobre a capacidade de sobrevivência e reprodução diferencial dos indivíduos. Genótipo X Fenótipo O genótipo refere-se à composição genética de um organismo, enquanto o fenótipo refere-se às características manifestadas pelo organismo, sejam elas morfológicas, fisiológicas ou comportamentais, as quais podem sofrer interferência por parte do meio ambiente ao se manifestarem nos indivíduos. 16 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Os três tipos de seleção natural: direcional, estabilizadora e disruptiva. 1. A seleção é estabilizadora quando os indivíduos com fenótipos intermediáriossão os mais ajustados ao seu ambiente e têm sucesso reprodutivo superior aos demais indivíduos da população. A variação fenotípica de uma população sob esse tipo de seleção tende a ser muito reduzida, uma vez que as variações representadas pelos fenótipos extremos apresentam menor fitness. 2. A seleção é classificada como direcional quando os indivíduos mais adaptados (com maior fitness) são também aqueles que apresentam características fenotípicas mais extremas em relação à média dos indivíduos de toda a população. Um caso de seleção direcional é a seleção sexual, comum em alguns grupos de aves, cujas fêmeas preferem acasalar com os machos que apresentam atributos morfológicos mais extremos, como por exemplo, retrizes (penas da cauda) mais compridas ou que tem cores mais vibrantes, dentre outras características vistosas. Falaremos mais sobre isso em um tópico especial sobre a seleção sexual. 3. O tipo de seleção menos comum é a disruptiva, na qual indivíduos de qualquer extremo podem ser beneficiados de modo ocasional. Isso significa que os indivíduos destes extremos vão se reproduzir mais do que a maioria dos indivíduos intermediários da espécie. Para entender melhor os tipos de seleção, veja a representação visual na Figura 1. Figura 1. Tipos de seleção natural. 17 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I A seleção sexual atua sobre o patrimônio genético de uma população Como mencionado anteriormente, a seleção sexual exerce um papel importante na seleção de fenótipos de alguns grupos animais e é um tipo de seleção direcional. Existem vários exemplos na literatura de sua ocorrência em espécies animais. Um dos mais divulgados em livros-texto de ecologia é o caso de uma ave africana, a viúva-de- cauda-longa (Euplectesprogne), da Figura 2, com a qual foi feito o primeiro estudo experimental relativo à seleção sexual. O experimento revelou que a seleção de parceiros pelas fêmeas dessa espécie é baseada no tamanho da cauda dos machos, pois o número de machos com cauda longa escolhidos pelas fêmeas foi significativamente maior do que o número de machos de cauda encurtada. Outro exemplo e, talvez, o mais expressivo exemplo da força da seleção sexual, reside no grupo de aves da Nova Guiné, Austrália e outras ilhas da região conhecidas como aves do paraíso, da família Paradisaeidae. Uma breve pesquisa na internet, à procura de imagens e vídeos dessas aves pode revelar o poder da seleção sexual mais do que qualquer tentativa de explicação nesse texto. Enquanto as fêmeas têm plumagem simples e de cores inconspícuas, os machos possuem atributos morfológicos e comportamentais bastante peculiares: combinações de plumagem multicolores, muitas vezes com cores iridescentes (brilhantes), penas da cauda (retrizes) e penachos extravagantes, comportamentos de corte extremamente elaborados, capacidade elevada de aprender e reproduzir os mais variados sons para se exibir etc. Pesquise na internet mais informações, fotografias e vídeos sobre as aves-do- paraíso. Além deste nome, utilize também as seguintes palavras-chave: birds-of- paradise, família Paradisaeidae. Com certeza você irá se surpreender não apenas com as cores, formas e desenhos das penas, mas também com os cantos e principalmente com os comportamentos extravagantes! Alguns vídeos disponíveis na internet mostram exibições comportamentais inacreditáveis. Não deixe de realizar essa pesquisa! Depois de assistir a alguns vídeos e apreciar algumas fotos dessas fantásticas aves em sua pesquisa na internet, você pode se perguntar: » Por que que tais características são selecionadas pelas fêmeas? » Tantos adornos não poderiam dificultar a vida do macho? 18 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES » Como se esconder de um predador se a plumagem chama muita atenção, ou como escapar mais rápido da predação se a cauda longa diminui a velocidade do voo? Evidentemente, essas são questões que muitos cientistas já procuraram responder. AmotzZahavi, um biólogo israelense, propôs uma explicação bastante interessante sobre o porquê machos que exibem certos fenótipos são preferidos. A sua explicação ele deu o nome de princípio do handicap. Pode soar estranho se traduzirmos a palavra handicap para o português, uma vez que o nome da teoria seria “o princípio da desvantagem” ou então “o princípio da dificuldade”. É muito intrigante a interpretação que parte daí: imagine-se como a ave macho, se você consegue defender um território e sobreviver bem, mesmo carregando tais características que podem lhe ser prejudiciais, significa que você é bastante forte e adaptado o suficiente ao seu ambiente, ou seja, os seus genes têm “alta qualidade”. Para uma fêmea de Euplectesprogne, por exemplo, a cauda mais comprida é um indício de um macho forte, com “virtudes” que superam ou compensam a dificuldade imposta pelo seu fenótipo, afinal um macho fraco não poderia sustentar tal característica de cauda muito longa sem sofrer consequências. William D. Hamilton e Marlene Zuk, em 1982, propuseram que uma das possíveis virtudes que acompanham os indivíduos que conseguem sustentar plumagens mais vistosas, é a capacidade aumentada de resistir aos organismos patogênicos, como os parasitas de penas, por exemplo. Figura 2 - Macho adulto de Euplectesprogne. O corpo do macho adulto mede cerca de 15 cm, ao passo que a cauda tem, em média, meio metro! Fonte: Wikimedia Commons, the free media repository. 19 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I Especialização Dentro de uma mesma espécie existem populações de indivíduos mais especializados em explorar determinado ambiente e/ou com diferentes adaptações que lhes permitem um maior sucesso na sua sobrevivência. A interação genótipo-ambiente pode resultar na ocorrência de populações geneticamente variantes dentro de uma mesma espécie. Ao longo da distribuição geográfica de uma espécie, por exemplo, os ambientes podem ter diferentes características e exercer diferentes pressões de seleção que “produzem” populações diferenciadas, também chamadas de ecótipos. Além do gradiente natural dos ambientes, a alteração das características do habitat de uma espécie por atividades humanas também produz variantes geográficos. Falaremos a seguir sobre esse aspecto. Outro meio pelo qual ocorrem genótipos variantes está baseado na questão do polimorfismo genético. Nesse caso, os novos alelos que surgem podem influenciar (tanto positiva quanto negativamente) no ajustamento evolutivo do organismo, sendo possível também não influenciar em nada dentro de um determinado contexto. Atividades humanas podem exercer pressões de seleção artificial Atividades humanas também podem influenciar as características genéticas de um grupo de indivíduos de uma mesma espécie. Um dos exemplos da ocorrência de pressão de seleção artificial mais clássicos e mais citados em livros de Ecologia é o caso da espécie de mariposa Bistonbetularia, na Inglaterra, durante a revolução industrial. Indivíduos melânicos, mais escuros e mais raros (Figura 3(a)), das populações dessa mariposa que habitavam regiões mais industrializadas e “castigadas” pelo excesso de gases poluentes e fuligem, foram favorecidos pelo escurecimento que a poluição provocou nos troncos das árvores, seu micro-habitat preferencial, enquanto as mariposas de coloração comum, mais clara, (Figura 3(b)) eram mais facilmente visualizadas por seus predadores quando pousadas sobre o substrato mais escuro. O resultado dessa pressão artificial foi uma maior proporção, na população, de genes relacionados ao melanismo, pois os indivíduos melânicos podiam sobreviver e reproduzir melhor deixando mais descendentes. A poluição, nesse caso, gerou a inversão das frequências gênicas que as populações desse lepidóptero costumavam ter em condições normais, onde os indivíduos não melânicos eram muito mais comunsdo que os melânicos. 20 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Figura 3(a). Forma carbonária ou melânica Figura 3(b). Forma típica ou não-melânica Fonte: Wikimedia Commons, the free media repository Coevolução As interações entre organismos de diferentes espécies podem afetar a evolução umas das outras, reciprocamente. A esse processo se dá o nome de coevolução. A coevolução é um processo bastante interessante, pelo qual a evolução de duas (ou mais espécies – coevolução difusa) é ditada ou dirigida pelo resultado de suas interações/ relações ecológicas antagonistas (de competição, predação, parasitismo) e também de suas interações mutualísticas. Dentre as relações mutualísticas que geram coevolução, os exemplos mais clássicos estão no mundo das plantas e seus animais polinizadores. Plantas floríferas e insetos, por exemplo, evoluíram juntos ao longo de milhões de anos. Estima-se que esse processo de coevolução vem ocorrendo desde o período do Cretáceo, o último da Era Mesozoica. Nesse período, a irradiação do grupo dos insetos foi, provavelmente, a causa final para o sucesso de estabelecimento das angiospermas, que dominaram o planeta terra depois desse advento. Esta antiga relação resultou majoritariamente em um tipo de coevolução genérica, na qual as plantas desenvolveram características gerais para atrair mais de um grupo de inseto (abelhas, besouros, borboletas) para polinização. No entanto, surgiram, em menor quantidade, algumas relações muito estreitas. É o caso da planta denominada iúca (do gênero Yucca) e a mariposa-da-iúca (do gênero Tegeticula). A relação entre essas espécies é um tipo de mutualismo obrigatório, uma vez que a mariposa só consegue viver e se reproduzir nas flores da iúca e tais flores só podem ser polinizadas por essa mariposa. As flores fornecem local para abrigar os ovos da mariposa-da-iúca e, posteriormente, alimento (algumas de suas sementes) para as larvas. As mariposas, em contrapartida, após a oviposição, polinizam as flores deixando o pólen diretamente sobre o estigma da flor (local onde se inicia a fecundação). O pólen da iúca é pegajoso e facilita sua manipulação e transporte pelas fêmeas da mariposa, as quais são especializadas em coletá-lo e o carregar em bolsas enquanto se movimentam 21 entre as flores. O estigma é especialmente modificado para receber o pólen trazido pela mariposa. O mais interessante nessa relação é que as mariposas podem colocar apenas entre 1 e 15 ovos em uma flor, pois quando muitos ovos são colocados e há a chance de todas as sementes serem comprometidas pelas larvas no futuro, a flor hospedeira é abortada pela planta e junto com ela todas as larvas. A planta iúca, de fato, regula o número de ovos que pode ser posto pela mariposa e as mantém na linha de equilíbrio da relação. O mutualismo entre a iúca e a mariposa-da-iúca é um caso de coevolução evidenciado por muitos estudos. Vale lembrar que a existência de uma relação estreita entre duas espécies pode sugerir que houve coevolução, no entanto, nem sempre é evidência definitiva da ocorrência desse processo. Outro exemplo de coevolução a partir de relações mutualísticas é a relação entre algumas espécies de formiga e acácias, na qual as formigas são “responsáveis” pela defesa da planta enquanto a acácia provê abrigo para seus ninhos. Dentre as relações antagonistas que geram coevolução, estão as relações presa- predador/herbívoro, parasita-hospedeiro, além das relações entre competidores. Neste tipo de relação, a evolução das espécies envolvidas ocorreria num tipo de corrida armamentista e o funcionamento básico se daria, em linhas gerais, da seguinte forma: à medida que uma presa desenvolve estratégias para evitar seu predador, o predador também desenvolve estratégias para capturar sua presa com uma probabilidade maior de sucesso (e vice-versa). E, dessa forma, também ocorre o processo entre o hospedeiro e seu parasita, entre a planta e seu herbívoro e entre os competidores. Especiação Até o momento falamos a respeito de como a seleção natural atua sobre os indivíduos e, consequentemente, sobre o pool genético das suas populações ao longo de gerações. No entanto, ainda não havíamos tratado de uma das principais consequências da seleção natural: o surgimento de novas espécies. Além de gerar diferentes variantes de uma mesma espécie, assunto estudado até o momento, a seleção natural promove também a especiação, tema que será abordado agora. O que é uma espécie? Até os dias atuais não há um consenso, uma resposta unânime que defina ‘espécie’. No entanto, ‘espécie’ é uma palavra intuitivamente compreendida, entendida como os 22 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES diferentes tipos ou variedades de organismos ou ainda, objetos inanimados (ALEIXO, 2007). Na Ecologia, existem diferentes definições ou conceitos para o termo. Seguem adiante alguns exemplos que podem ser encontrados na literatura: 1. Conceito biológico: cunhado na década de 1930 por Mayr e Dobzhansky, reconhece dois organismos como pertencentes a uma mesma espécie, quando estes são capazes de se reproduzir naturalmente e gerar descendentes férteis. Embora essa definição tenha sido muito influente para a teoria da evolução, além de ser a mais utilizada até hoje, ela é considerada muito simplificada e falha quando são colocados em foco os organismos que são capazes de se reproduzir assexuadamente, como boa parte dos micro-organismos viventes, por exemplo. 2. Conceito ecológico (SMITH, 1986): de acordo com esse conceito, uma espécie é definida pelo nicho que ocupa, assim, indivíduos que ocupam uma mesma zona adaptativa são considerados como pertencentes a uma mesma espécie. Esse conceito enfrenta problemas de definição, pois não há ainda um significado unificado do que é realmente uma zona adaptativa. 3. Conceito filogenético (CRACRAFT, 1983): Esse conceito leva em conta a posição de um organismo na árvore filogenética. Assim, em um cladograma, o menor conjunto de organismos que compartilham um mesmo ancestral, representa uma espécie. No exemplo a seguir (Figura 4), as espécies “A” e “B” possuem, cada uma, seu próprio ancestral e são consideradas espécies distintas, mas o grupo “C” contém indivíduos representantes de uma mesma espécie, que apesar da grande variação fenotípica, possuem um mesmo ancestral comum, são consideradas subespécies. Figura 4 23 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I O problema do conceito filogenético é que para alguns grupos de organismos as filogenias são ainda não foram estudadas, são inexistentes ou incompletas. Além disso, a filogenia é traçada principalmente em função de aspectos visíveis ao taxonomista e não considera diferenças genéticas de cada organismo, que como bem sabemos, também é possível separar espécies a nível molecular. 4. Conceito fenotípico ou morfológico: de acordo com esse conceito, uma espécie é um grupo de indivíduos cujas características morfológicas ou fenotípicas são bastantesimilares e que diferem significativamente de outros grupos de organismos (demais espécies). Existem alguns problemas com esse conceito: organismos muito parecidos (ex.: espécies crípticas) são considerados como pertencentes a uma mesma espécie mesmo que haja isolamento reprodutivo entre eles; o dimorfismo sexual em espécies não é levado em conta: machos e fêmeas de algumas espécies de aves, por exemplo, podem diferir bastante com relação ao seu tamanho, coloração e outros atributos da plumagem; também não é levada em conta a plasticidade fenotípica: indivíduos de uma mesma espécie podem adquirir determinadas características morfológicas dependendo de sua interação com o ambiente que habitam. Indivíduos de uma mesma espécie de planta, por exemplo, podem exibir diferentes características (tamanho, morfologia das folhas etc.) dependendo da concentração deágua e nutrientes no solo onde estão estabelecidas. 5. Conceito evolutivo (SIMPSON, 1961): de acordo com esse conceito, uma espécie é um grupo de indivíduos cuja linhagem evoluiu separadamente das linhagens de outros indivíduos, com tendências evolutivas e históricas particulares. O maior problema com esse conceito é a necessidade de conhecer temporalmente o curso de evolução das linhagens. Você pode estar se perguntando sobre qual é a importância de tantos conceitos na prática. Eles têm sim um grande peso em questões práticas da Ecologia e podem ter impactos significativos, por exemplo, na conservação das espécies ameaçadas. Ao especularmos a situação ou status de conservação da biodiversidade, o uso de tais conceitos pode resultar em diferentes números de espécies ameaçadas. As “listas vermelhas” de espécies ameaçadas de extinção em diferentes contextos geográficos (locais, regionais e globais) dependem de uma definição clara que permita diagnosticar a situação de cada táxon. 24 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Para entender melhor as implicações desses conceitos para a conservação, leia a seguinte referência: ALEIXO, A. Conceitos de espécie e suas implicações para a conservação. Megadiversidade, pp. 87-95. 2009. Disponível em: <http://www.conservation.org.br/publicacoes/files_mega5/Conceitos_de_ especie.pdf>. Acessado em: 18 maio 2014. A especiação é passível de ocorrência quando as forças de seleção sobrepujam a chances de cruzamento/hibridização entre os indivíduos de uma ou mais populações, pois, enquanto houver cruzamento e seus genes forem continuamente combinados geração a geração, a seleção natural não poderá diferenciá-los a ponto de se tornarem espécies distintas. Em outras palavras, a especiação por seleção natural só é possível quando há isolamento reprodutivo ou diminuição significativa do fluxo gênicoentre indivíduos de duas populações, sejam estes devido a barreiras geográficas, comportamentais, ou a outros fatores que serão discutidos a seguir ao tratarmos dos diferentes mecanismos de isolamento e modelos de especiação que os favorecem. E, claro, a base para que tudo aconteça é a existência de variabilidade genética, sobre a qual a seleção pode agir. Mecanismos de isolamento reprodutivo pré e pós-cópula (DOBZHANSKY, 1970) O isolamento reprodutivo pode ocorrer antes ou depois da cópula. Antes, os mecanismos são: » Isolamento sazonal ou de habitat: parceiros potenciais não se encontram porque estão isolados geograficamente ou porque a sazonalidade desfavorece o encontro (ex.: no caso de plantas, a floração dos indivíduos pode ocorrer em momentos distintos) » Isolamento etológico: parceiros potenciais encontram-se, mas não copulam por não exibirem sinais sejam comportamentais (ex.: danças ou outras formas de cortejo), morfológicos (ex.: plumagem nupcial em aves ou galhadas em cervos) ou fisiológicos (ex.: liberação de feromônios e outros sinais químicos), que façam os indivíduos se reconhecerem como parceiros sexuais. 25 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I » Isolamento mecânico: há tentativa de cópula, porém sem sucesso. Não há transferência de espermatozoides (ex.: incompatibilidade anatômica). Após a cópula, os mecanismos são: » Mortalidade gamética: o óvulo não é fertilizado (ex.: incompatibilidade química). » Mortalidade zigótica: o óvulo é fecundado, porém o zigoto não sobrevive (por incompatibilidade genética, por exemplo). » Produção de híbrido inviável: o zigoto produz descendentes com viabilidade reduzida ou inviáveis. » Produção de híbrido estéril: a cópula gera descendentes viáveis, no entanto, estes são parcial ou totalmente estéreis. (ex.: o cruzamento de duas espécies distintas, o jumento e a égua, resultam em um híbrido estéril, a mula). Mecanismos de especiação Especiação alopátrica É o tipo de especiação que ocorre quando há isolamento geográfico, ou seja, separação física, que impede ou reduz significativamente o fluxo gênico entre populações. O isolamento geográfico pode ser devido à: 1. vicariância, ao surgimento de barreiras físicas, como grandes corpos d’água, desertos, cadeias montanhosas e vales. Veja a Figura 5. Figura 5. Vicariância: exemplo de um isolamento geográfico. Obs.: As cores dos ratos no primeiro e segundo conjunto não representam espécies diferentes, representam apenas que há variabilidade genética entre os indivíduos. Os dois últimos conjuntos representam a população que permaneceu no ambiente original e a nova espécie que surgiu após o estabelecimento da cadeia de montanhas (barreira física). 26 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES 2. Eventos de dispersão, quando indivíduos ou populações se deslocam ou são dispersos e se estabelecem em locais distantes. Também é chamada de especiação peripátrica. Veja a Figura 6. Figura 6. Especiação peripátrica: exemplo de dispersão de alguns indivíduos que passaram a constituir uma nova população a qual sofreu alterações distintas da original em seu novo habitat ao longo do tempo. Obs.: As cores dos ratos no primeiro e segundo conjunto não representam espécies diferentes, representam apenas que há variabilidade genética entre os indivíduos. O último círculo representa os indivíduos selecionados ao longo do tempo que resultaram em uma nova espécie. Especiação simpátrica A especiação simpátrica não requer isolamento geográfico para acontecer e assume que o isolamento reprodutivo ou a redução do fluxo gênico entre indivíduos se dá também por outras vias: por seleção disruptiva, que favorece dois extremos de uma população e, embora com uma frequência de extremamente baixa a rara, por alterações cromossômicas. A seleção disruptiva se dá, por exemplo, por meio da exploração diferencial de nichos por indivíduos de uma população que gera um isolamento progressivo entre indivíduos com preferências distintas. Nesse caso, a especialização de cada indivíduo em seu recurso preferencial deve ser tão forteque seja capaz de provocar divergência na população. Nosso exemplo com roedores não cabe com tanta clareza aqui, por isso passemos a pensar em uma espécie de inseto fitófago, que pode passar toda a sua vida sobre a espécie de “planta hospedeira A” e somente acasalar com os indivíduos que compartilham desse recurso. Imagine que em um determinado momento alguns indivíduos dessa espécie de inseto aprendem a explorar a “planta B” e passam a ter preferência por ela. O exemplo seria, então, o seguinte (Figura 7): 27 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I Figura 7. Exemplo de como pode ocorrer uma especiação simpátrica. Obs.: As cores dos insetos (cinza e preto) não representam espécies diferentes, representam apenas que há variabilidade genética entre os indivíduos. Nesse caso, ao passarem a explorar a espécie de planta B, os indivíduos com as características genéticas que conferem a cor preta foram selecionados (se saíram melhor sobre tal planta). Especiação parapátrica Para a ocorrência desse tipo de especiação também não é necessário haver isolamento geográfico. Este modelo assume que as populações podem divergir por adaptação aos diferentes ambientes ao longo do continuum (ou gradiente) em sua faixa de distribuição e que essa divergência pode se fortalecer quando os indivíduos da população são mais propensos a cruzar com seus vizinhos do que com indivíduos que estão mais distantes. Figura 8. Especiação parapátrica: é possível que os extremos de uma mesma população não se acasalem por ocupar ambientes muito diferentes dentro do gradiente. Ilhas e especiação As ilhas são ambientes bastante favoráveis a ocorrência do processo de especiação, principalmente quando seu isolamento de outros ambientes é extremo. E, de fato, 28 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADESforam as ilhas que possibilitaram boa parte dos estudos relacionados à evolução, dentre eles o mais conhecido e exaltado: o caso dos tentilhões de Darwin no arquipélago de Galápagos. Em suas viagens exploratórias às ilhas de Galápagos, Darwin observou a ligação peculiar entre a forma do bico dos 14 tentilhões espalhados pelas ilhas do arquipélago, os seus habitats e seus hábitos alimentares. Ele percebeu que apesar de aparência muito similar entre os diferentes tentilhões, o formato dos bicos era bastante marcante em cada espécie, assim como, a forma com que cada um deles se distribuía no ambiente e quais recursos alimentares exploravam (Figura 9). Foi a partir desses estudos que Darwin propôs então que essas aves teriam evoluído a partir de uma ancestral comum e fez a ligação entre a geração “surgimento” de novas espécies e a seleção natural. Até hoje, o arquipélago atrai a atenção dos ecólogos evolucionistas. Peter Grant e Rosemary Grant, pesquisadores da Universidade de Princeton, têm acompanhado por muitos anos as populações de tentilhões e como resultado evidenciaram a influência de mudanças climáticas (El Ninõ e La Niña) sobre a evolução de tentilhões, dentre outros processos interessantes que norteiam essas populações. Figura 9. Representação da especiação de tentilhões a partir de um ancestral comum. A seleção natural teria ocorrido pela exploração diferencial de alimento. Adaptado da fonte: Wikimedia Commons, thefree media repository. 29 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I A ocupação dos ambientes por diferentes organismos Tratamos até aqui de como um organismo é moldado para ser o que é hoje, mas não tratamos diretamente de como todos esses processos definem o tipo de ambiente que esse organismo consegue sobreviver e reproduzir. Ainda não respondemos de forma satisfatória a pergunta sobre o porquê os organismos de uma espécie estão presentes em determinados ambientes, mas em outros não. Vimos que a seleção molda os organismos de acordo com as condições as quais estão submetidos (sob as quais eles evoluíram ao longo do tempo), mas de que forma as condições interferem diretamente sobre suas vidas? Vejamos, portanto, as questões relacionadas aos fatores limitantes da distribuição e abundância, e à ocupação de nicho. Fatores limitantes e limites de tolerância Qualquer condição que se aproxime do mínimo ou máximo necessário para a sobrevivência de um organismo é considerada um fator limitante ou condição limitante. Justus Von Liebig (1840), químico alemão, pioneiro nos estudos sobre nutrição vegetal, a partir de seus experimentos, propôs que “o crescimento dos vegetais é limitado pelo elemento cuja concentração é inferior a um valor mínimo, no qual a síntese já não se processa”, isto é, que o crescimento de uma planta estaria limitado pelo nutriente essencial presente em menor quantidade (quantidade próximo ao mínimo necessário) no solo. Essa constatação ficou conhecida como a lei do mínimo. No entanto, algumas considerações devem ser feitas com relação à aplicação desta “lei” (ou conceito): 1. é passível de ocorrência apenas em ambientes constantes, quando a energia/nutrientes que entram no sistema é contrabalanceado pela energia/nutrientes que saem; 2. existe interação entre os elementos (fatores/nutrientes), pois alguns elementos podem limitar a taxa de utilização de outros e, além disso, o organismo pode substituir, pelo menos em parte, um fator deficiente no meio por outro semelhante. Os organismos estão sujeitos não apenas à escassez de um elemento, como proposto por Liebig, mas também pelo excesso. Tal questão foi incorporada à lei por Shelford, em 1913, e a proposição ficou conhecida como a lei de tolerância ou lei/princípio de Shelford. Segundo esse princípio, os organismos apresentam um mínimo e um 30 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES máximo ecológicos em termos das condições ambientais e disponibilidade de recursos a partir dos quais sobrevivem. O ponto mínimo e máximo representam seus limites de tolerância e o ponto ou faixa intermediária entre esses limites coincide com um ótimo ecológico, uma faixa ótima para o desenvolvimento dos organismos (ver Figura 10). Para se referir aos organismos com faixas de tolerância largas, utiliza-se o prefixo eurie para indivíduos com faixas mais estreitas, o prefixo esteno. Assim, se um organismo consegue sobreviver dentro de uma ampla faixa de temperatura, por exemplo, ele é dito euritérmico, mas se resiste apenas em uma faixa estreita, é dito estenotérmico. O mesmo vale para outros fatores: as espécies com alimentação mais restrita, que são ditas estenofágicas, enquanto aquelas mais generalistas são ditas eurifágicas. Alguns princípios subsidiários da lei de tolerância » Os organismos podem apresentar uma larga faixa de tolerância para alguns fatores e estreita para outros. » Organismos com maior amplitude de tolerância para todos os fatores têm também maiores possibilidades de uma ampla distribuição. » Quando as condições não são ótimas para uma espécie, com relação a um fator ecológico, os limites de tolerância para outros fatores também podem ser reduzidos. » Apesar de haver uma faixa ótima (estabelecida experimentalmente) para a sobrevivência, na natureza os organismos nem sempre vivem nesta faixa com relação a determinado ou determinados fatores. Nesse caso, outros fatores devem ser mais importantes. » No período reprodutivo, os fatores ambientais têm maior probabilidade de serem limitantes. Os limites de tolerância de indivíduos adultos em reprodução, de indivíduos em estado embrionário, larval ou muito jovem (ex.: plântulas) tendem a ser mais estreitos. 31 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I Figura 10. Representação dos limites de tolerância Toda a abordagem a respeito de fatores limitantes e limites de tolerância permitiram aos ecólogos entender melhor a ocupação dos ambientes pelas espécies. Contudo, como disse Odum (1988), essa é apenas uma parte da história: “todas as necessidades físicas podem situar-se bem dentro dos limites de tolerância de um organismo, mas o organismo pode ainda falhar por causa das inter-relações biológicas”. Essa questão voltará à tona quando abordarmos os indivíduos nos níveis de organização ecológica superiores, como populações e comunidades. Você cultiva alguma planta em casa? Cite pelo menos um exemplo de planta (nomes populares mais comuns ou nome científico) comumente cultivada para a qual: I. Luz do sol em excesso é um fator limitante ao crescimento/ estabelecimento. II. Água em excesso é um fator limitante. III. Escassez de luz do sol é um fator limitante. IV. Escassez de água é um fator limitante. O conceito de nicho É reconhecidamente difícil a missão de definir com exatidão o conceito de nicho. Sinteticamente, podemos vê-lo como o conjunto de limites de tolerância de uma espécie. Diversas definições estão disponíveis na literatura e ainda assim, não há uma descrição que não possua limitações. Contudo, uma das mais influentes e mais disseminadas 32 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES nos livros-texto de Ecologia foi criada por Hutchinson (1957), e trata do nicho como o intervalo n-dimensional (ou hiperdimensional) de condições e recursos dentro do qual um organismo ou espécie consegue sobreviver e persistir. Outra definição bastante conhecida provém do reconhecimento do nicho como o papel funcional de uma espécie na comunidade a qual pertence. A abordagem multidimensional de nicho pode ser compreendida ao imaginarmos uma espécie ou organismo vivendo no interior de um sistema ecológico, representado graficamente, por meio de um cubo, onde cada uma das suas três dimensões representa o espectro das condições e recursos necessários para sua sobrevivência como o peixinho da Figura11. Figura 11. Representação tridimensional do nicho n-dimensional proposto por Hutchinson. Vale ressaltar que essa é uma representação extremamente simplificada e serve apenas para dar uma luz ao entendimento do conceito, pois não conseguimos representar devidamente uma quarta dimensão junto das “n” outras dimensões neste espaço bidimensional (a folha de papel que você está olhando). Embora a ideia seja passível de ser descrita e compreendida, como Hutchinson ponderou, dificilmente teremos uma visão ou quantificação completa dos fatores que possibilitam ou não a ocorrência de um organismo. Sob essa definição de nicho, são considerados ainda, os conceitos de: nicho fundamental ou potencial, que consiste no conjunto de todos os intervalos ou espectro de condições e recursos potencialmente exploráveis por determinado organismo, como mencionado anteriormente; e de nicho percebido, efetivo ou realizado, que considerando a influência de interações bióticas, consiste no intervalo ou espectro mais limitado, dentro do qual o organismo realmente vive. Isso porque interações como, por 33 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I exemplo, a competição, pode restringir a ocupação de um determinado espectro pelos organismos envolvidos. Veja a seção de leituras recomendadas deste capítulo para aprofundar seu conhecimento sobre o conceito de nicho Hutchinsoniano e consultar outras definições de nicho. Sobre Evolução: COLLEY, E.; FISCHER, M.L. Especiação e seus mecanismos: histórico conceitual e avanços recentes. História, Ciências e Saúde, pp. 1671-1694. 2013. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/hcsm/v20n4/0104-5970-hcsm-20-04-01671.pdf>. FUTUYMA, D.J. Biologia Evolutiva. 3. ed. Ribeirão Preto: Funpec. 2009. SULLOWAY, F.J. Darwin and His Finches: The Evolution of a Legend. Journal of the History of Biology, pp. 1-53. 1982. Disponível em <http://www.sulloway. org/Finches.pdf>. O seguinte site criado pelo Museu de Paleontologia da Universidade da Califórnia com o apoio da Fundação Nacional de Ciência e do Instituto Médico Howard Hughes também é indicado para consulta, uma vez que pode auxiliar nas dúvidas em todas as questões discutidas nesse capítulo, especialmente daquelas relacionadas à evolução: <http://www.ib.usp.br/evosite/evo101/ index.shtml>. Sobre o conceito de Nicho: VÁZQUEZ, D.P. Reconsiderando el nicho hutchinsoniano. Ecología austral, pp. 149-158. 2005. VANDERMEER, J.H. Niche theory. Annual review of ecology and systematics, pp. 107-132. 1972. WHITTAKER, R.H.; LEVIN, S.A.; ROOT, R.B. Niche, habitat, and ecotope. American Naturalist, pp. 321-338. 1973. Uma vídeo-aula, que pode ser acessada pelo link a seguir, também é indicada para uma melhor compreensão do conceito de nicho: <http://eaulas.usp.br/portal/video.action?idItem=1183>. Acesso em: 18 maio 2014. 34 CAPÍTULO 2 Ecologia de populações Conceito Uma população é definida na Ecologia como um conjunto de indivíduos de uma mesma espécie que habita uma mesma área ou uma mesma mancha de habitat adequado em um dado momento do tempo, cuja probabilidade de cruzamentos dos indivíduos dessa área é maior entre si do que com indivíduos vizinhos. Nesse nível de organização ecológica, os elementos-chave estudados são a presença ou ausência de determinadas espécies, sua abundância e fatores que regulam as flutuações em seus números (taxas de natalidade e mortalidade, imigração e emigração etc.). Veremos que a distribuição ou abrangência geográfica de uma espécie é determinada, fundamentalmente, pela distribuição de habitats adequados (favoráveis ao estabelecimento do organismo) na paisagem, apesar da presença de competidores, predadores, barreiras de dispersão etc., também influenciarem. Veremos ainda que, a estrutura populacional, isto é, densidade, distribuição dos indivíduos nos habitats favoráveis e estrutura etária, são dinâmicas e ditadas pelas diversas interações entre os indivíduos e seus ambientes. A ecologia de populações é essencialmente quantitativa, por isso também trataremos, ainda que de modo bastante superficial, de alguns modelos matemáticos que regem as populações. Não abordaremos aqui a genética de populações, pois alguns princípios importantes já foram abordados no capítulo anterior, aproveitando o gancho deixado pelo assunto “evolução”. O papel da heterogeneidade ambiental nas populações dos organismos Entende-se por ambiente heterogêneo uma área ou paisagem formada pela distribuição descontínua de diversos tipos de habitats que formam um tipo de colcha de retalhos ou mosaico. A heterogeneidade ambiental é promovida tanto por fatores abióticos quanto bióticos. Dentre as causas abióticas, o relevo e o clima têm destaque especial, como veremos com mais detalhes ao abordar, na próxima unidade, os padrões de distribuição 35 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I da vegetação no mundo e no nosso país. Já dentre as causas bióticas, podemos apontar para as ações dos organismos vivos que determinam a presença de diferentes manchas de habitats na paisagem: um castor, por exemplo, com sua habilidade em cortar madeira e usá-las para represar corpos d’água, cria e mantém áreas alagadas, assim como as represas feitas pelo homem. As plantas também exercem esse papel à medida que criam condições diferenciadas que favorecem ou não o estabelecimento de outros organismos, retendo mais ou menos água e nutrientes no solo, sombreando o local que se encontra, ou mesmo criando clareiras em florestas densas a partir de sua morte e queda. Afinal, um espaço aberto em meio a uma floresta é uma mancha de habitat (ou “retalho de uma colcha”) bastante diferenciada aos nossos olhos e de outros animais (em macro escala) e até mesmo em microescala, se pensarmos no tronco caído como um habitat adequado para milhares de micro-organismos e fungos. O quanto um ambiente é heterogêneo depende bastante do ponto de vista do organismo em questão. Para um inseto fitófago ou uma lagarta (borboleta em fase inicial de desenvolvimento) que é especializada em uma ou algumas plantas, a heterogeneidade de uma floresta, por exemplo, é exorbitante, enquanto aos nossos olhos essa mesma floresta pode parecer bastante homogênea (igual) quando vista de um avião em voo. A configuração dos ambientes ou da paisagem tem profunda influência sobre as populações de organismos. É um assunto da Ecologia que, recentemente, tem ganhado maior atenção dos ecólogos, em vista das profundas alterações que as ações humanas têm gerado nos ambientes naturais, de modo que uma grande área desta ciência foi desenvolvida e consolidada nos últimos anos: a Ecologia de Paisagem. Modelos de população Como os diferentes habitats normalmente se distribuem na paisagem de forma desigual e descontínua, formando um mosaico bastante heterogêneo de habitats intoleráveis ou menos favoráveis até habitas mais favoráveis, assim também tendem a se distribuir as populações se outros fatores bióticos, como a presença de predadores e competidores em uma mancha, não atuarem como impedimento. A heterogeneidade pode determinar, portanto, a existência de subpopulações. Podem ser citados três diferentes modelos de população (ver Figura 12): 1. O modelo de metapopulação: considera que uma população é, na verdade, um grupo de subpopulações que ocupam manchas de um tipo específico de habitat, e sua conexão é mantido pelo trânsito ocasional 36 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES de indivíduos entre as subpopulações. Segundo esse modelo, o habitat- matriz (habitat mais abundante que circunda a mancha de habitat favorável) é considerado uma barreira para a dispersão ou movimento dos indivíduos entre as manchas favoráveis. 2. O modelo de fonte-poço: prevê que as diferentes manchas de habitat favorável ocupadas pelas subpopulações podem ter qualidade variada. Segundo esse modelo,uma mancha com qualidade superior (com maior abundância de recursos) poderia abrigar melhor os indivíduos e por conseguinte, permitir que eles se reproduzam mais. Já uma mancha de qualidade inferior suportaria populações menos produtivas (populações- poço) e seriam sustentadas, principalmente, pela constante imigração de filhotes excedentes das populações mais produtivas (populações-fonte). 3. O modelo de paisagem: é muito parecido com o modelo de metapopulação, no entanto reconhece o que o papel da matriz vai muito além de uma simples barreira ao movimento dos indivíduos entre as subpopulações. Considera, por exemplo, que algumas matrizes contêm habitats mais permeáveis e facilitam a dispersão de indivíduos e que, além disso, o tipo de matriz pode influenciar a qualidade do habitat favorável. Assim, uma mancha de habitat adequado envolta por uma matriz que abriga poucos predadores, poucos patógenos ou que contém recursos disponíveis (água, material para ninho etc.) teria melhor qualidade que uma outra mancha qualquer. 37 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I Figura 12. Modelos de população. Distribuição dos indivíduos de uma população nos habitats favoráveis A distribuição dos indivíduos dentro de uma população também responde às interações sociais e disponibilidade de recursos. Indivíduos com tendência a formar grupos sociais ou aqueles cujos recursos preferenciais (seja alimentar ou não) são pontuais, por exemplo, tendem a sedistribuir de forma agrupada. Por outro lado, indivíduos que interagem negativamente entre si tendem a se distribuir de forma homogênea ou uniforme. A defesa de territórios, por exemplo, pode determinar uma distância fixa entre um indivíduo e seus vizinhos. Há também a ocorrência de distribuições randômicas, na qual os indivíduos se distribuem independentemente de qualquer interação social (ver Figura 13). 38 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Figura 13. Padrões de distribuição espacial Estrutura e dinâmica populacional Todas as populações são dinâmicas e mudam continuamente, pois muitos indivíduos nascem, morrem, imigram e emigram. Estes são os quatro elementos principais que descrevem o crescimento populacional ao longo do tempo. A “luta pela existência”, relatada por Darwin, é o processo básico pelo qual a população de um organismo tem seu crescimento limitado. Em um mundo sem predadores, sem competidores, com recursos abundantes e condições adequadas, os indivíduos tenderiam a se reproduzir indefinidamente, podendo ocupar todo o planeta. Ao tratar da Ecologia de comunidades no próximo capítulo, veremos mais a fundo como as relações entre espécies interferem no tamanho de suas populações. Por agora vamos ver como são feitos estudos populacionais. 39 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I Delimitando o tamanho de uma população O início de qualquer estudo com uma população requer o reconhecimento dos limites de tal população e, a partir daí, a contagem dos indivíduos que a integram, isto é, a determinação do tamanho da população. Reconhecer os limites de uma população não é uma tarefa fácil, com exceção de alguns casos, como por exemplo, de uma população numa ilha isolada. A delimitação do que é a população real, com frequência, corre risco de ser feita arbitrariamente pelo ecólogo. Obter o tamanho total ou densidade absoluta de uma população é uma tarefa sistematizada e geralmente exige grande esforço. O tamanho pode ser estimado obtendo-se a densidade (ou número de indivíduos por unidade de área) e o tamanho total da área ocupada. A multiplicação do primeiro valor (densidade) pelo segundo (área total) resulta no tamanho da população. Apesar de ser uma fórmula simples, a obtenção de tais dados pode ser mais complicada do que se imagina. Além da dificuldade em delimitar a área ocupada pela população, contar o número de indivíduos de uma população de animais que se movem muito e habitam áreas extensas, por exemplo, pode ser bem complexo. No entanto, diversos métodos foram desenvolvidos para resolverem esse problema. Os índices de densidade são bons aliados para estimar o tamanho de uma população utilizando dados a partir de amostras. Para tanto, técnicas de amostragem devem ser bem definidas de acordo com o grupo animal ou vegetal cuja população é foco do estudo. Faça uma pesquisa em busca de técnicas de amostragem para populações naturais. Dê preferência para artigos científicos durante a busca. Descreva a seguir algum método ou conjunto de métodos/técnicas que encontrou para: » uma espécie de planta; » duas espécies animais. (Escolha dois animais que pertençam a dois dentre os seguintes grupos faunísticos: mamíferos, aves, répteis, anfíbios, peixes). Além de descrever brevemente os métodos, fale sobre os tipos de dados coletados nos artigos que encontrou. 40 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Crescimento e regulação populacional Uma população cresce pela entrada de novos indivíduos vindos de outras populações (imigrantes) e por reprodução; e ela decresce pela emigração e morte de indivíduos. O balanço entre as taxas de imigração/emigração e as taxas de natalidade/mortalidade definem o quão estável ou dinâmico é o tamanho de uma população. Em termos reprodutivos, as populações tendem a crescer mais por multiplicação que por adição, pois crescem proporcionalmente ao seu tamanho. Quanto mais indivíduos reproduzindo-se em uma população, mais indivíduos são adicionados à essa população. Mais indivíduos adicionados significam mais reprodutores para as próximas gerações. Existem dois tipos de crescimento populacional, que são descritos por equações matemáticas: 1. Crescimento exponencial, que acontece quando indivíduos jovens são constantemente adicionados à população. Tal crescimento é descrito pela seguinte equação: N(t) = N(0)ert onde N(t) é o número de indivíduos adicionados na unidade de tempo ‘t’, N(0) é o tamanho inicial da população, e é uma constante, base dos logaritmos naturais e equivale a 2,72 e r é a taxa de crescimento exponencial. Esse tipo de crescimento é típico da população humana, uma vez que bebês nascem continuamente em qualquer estação ou período do ano. 2. Crescimento geométrico, que acontece em populações cujos indivíduos jovens são adicionados em intervalos discretos, isto é, em determinados períodos apenas. Tal crescimento é descrito pela equação λ = N(t+1)/ N(t) ou N(t+1) = N(t)λ onde λ é atribuída à razão do tamanho populacional num ano para o ano precedente (ou de uma estação em relação à precedente ou outro intervalo de tempo qualquer). Esse tipo de crescimento é característico de populações naturais, dado que, na maioria das vezes, novos indivíduos são adicionados apenas durante determinado período do tempo, numa estação reprodutiva. Ambos os tipos de crescimento estão matematicamente relacionados, uma vez que há uma correspondência direta entre os valores de λ e er: λ = erou então, loge λ = r. Quando o tamanho das populações é constante, r = 0 e λ = 1. Populações em crescimento apresentam taxas de crescimento exponencial positivas ou taxas de crescimento geométrico maior que 1. Quando o tamanho está em decrescimento, as populações têm taxas de crescimento exponencial negativas ou taxas de crescimento geométrico menor que 1, mas maior que 0. 41 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I A velocidade de crescimento de uma população por reprodução depende da sua estrutura etária, isto é, da proporção de indivíduos em cada classe de idade. Uma população com mais indivíduos maduros, aptos a se reproduzir, cresce mais rapidamente do que uma população com maior proporção de indivíduos mais velhos (senescentes) ou com indivíduos muito jovens, especialmente se a maturação destes jovens é lenta.Cada organismo/espécie possui uma história de vida que influencia as taxas de mortalidade e natalidade de sua população, dado que, cada organismo tem um período na vida em que está apto para reprodução e períodos que não. O comprimento de cada período é bastante variável dentre as diferentes espécies. O período pré-reprodutivo, em que o organismo é imaturo, pode durar anos para algumas espécies ou poucos meses para outras. Isso também acontece com o período reprodutivo, que pode durar apenas algumas horas para insetos, por exemplo, e da mesma forma com o pós-reprodutivo. As próprias taxas de natalidade e mortalidade também são diferenciadas dentro de cada classe etária. Para se estudar de maneira mais sistematizada a influência dessas variáveis em uma população é que são utilizadas as tabelas de vida ou tábuas-de-vida, as quais resumem a sobrevivência e a fecundidade por idade. No entanto, existem muitas limitações para se construir uma tábua-de-vida e estudar essas variáveis em determinadas populações. Esse método é mais palpável para organismos sésseis do que para organismos móveis, e acima de tudo para organismos sob condições experimentais. Outras limitações são: na maioria das vezes é difícil conhecer a idade de cada organismo; e o tempo adequado de coleta de dados pode ser muito longo, uma vez que vários organismos podem viver por muitos anos. Algumas espécies de árvores, por exemplo, podem viver centenas de anos! Um desdobramento importante do uso das tabelas de vida é a possibilidade de estabelecer os modelos e padrões de nascimento e morte das diferentes espécies. Três modelos de curva de sobrevivência são considerados a partir do estudo das tabelas de vida (ver figura 14): Curva de sobrevivência do tipo I: descreve o padrão das populações cujas taxas de mortalidade são maiores ao final da vida dos organismos, isto é, quando estes estão velhos. É o caso, por exemplo, das populações humanas em países desenvolvidos. Curva de sobrevivência do tipo II: descreve o padrão das populações cujas taxas de mortalidade são constantes para cada idade, isto é, a mortalidade independe da idade. Curva de sobrevivência do tipo III: descreve o padrão das populações cujas taxas de mortalidade são elevadas no início da vida dos organismos. É o caso de algumas espécies de peixes e de tartarugas, por exemplo, que produzem dezenas a milhares de 42 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES ovos/filhotes que sofrem forte predação, sendo que uma pequena porcentagem apenas consegue chegar à fase adulta. Figura 14. Modelos de curva de sobrevivência Equação logística Como vimos, as populações tendem a crescer de forma exponencial em direção ao infinito sob condições ideais e com recursos em elevada abundância. Darwin, em A origem das espécies, bem relatou: “Não há exceção à regra que todo ser orgânico naturalmente cresce numa taxa tão alta, que, se não destruído, a Terra logo seria coberta pela progênie de um único casal”. Entretanto, em condições naturais, isso não acontece porque há a chamada “luta pela existência”. Os organismos não podem direcionar toda sua energia para a reprodução, eles devem dividir essa energia na busca de condições adequadas e recursos específicos que provém a sobrevivência. Raymond Pearl e L.J. Reed (1920), após estudos sobre a taxa de crescimento populacional nos Estados Unidos com dados obtidos desde 1870, sugeriram, por meio de uma equação matemática, que a taxa exponencial de crescimento r diminuía quando N aumentava, isto é, quando o tamanho da população aumentava. A equação logística considera a capacidade de suporte do ambiente (K) ou, em outras palavras, o número máximo de indivíduos que o ambiente pode sustentar. De acordo com a equação, enquanto o tamanho populacional N não excede a capacidade de suporte K, a população continua a crescer, embora de forma mais lenta à medida que se aproxima de K. Quando N excede K a população decresce. Isso acontece porque à medida que a 43 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I população cresce em direção a K, os recursos necessários à sobrevivência, decrescem e limitam a reprodução. O tamanho das populações é regulado por fatores dependentes da densidade. Em primeiro plano, pela quantidade de alimento e habitats adequados, que são limitados. Num segundo momento, tomam espaço os efeitos de predadores, parasitas e patógenos que têm força maior dentro de populações densas, mais que em populações com indivíduos esparsos. Fatores independentes de densidade, como aqueles relacionados às condições ambientais, temperatura, precipitação e eventos estocásticos (ex.: catástrofes ambientais), também afetam o tamanho de uma população, no entanto, não agem sobre a regulação do tamanho. Por todos estes fatores e aqueles dependentes de densidade, a ocorrência de oscilações e ciclos populacionais é comum em populações naturais. Comportamento social em populações A competição intraespecífica talvez seja o primeiro tipo de relação social, no qual pensamos ao falar em comportamento social dentro de populações. Contudo, relações harmônicas, não antagonistas, também estão presentes entre os organismos de uma mesma espécie. A competição entre indivíduos coespecíficos é inevitável, seja na exploração por recursos alimentares, por territórios ou por fêmeas, e tende a ser forte, afinal, organismos de uma mesma espécie ocupam o mesmo nicho ecológico. É comum em populações naturais observarmos espécies territorialistas porque este tipo de comportamento pode trazer benefícios para aqueles que o apresentam, mesmo que para alguns organismos isso se manifeste temporariamente (ex.: numa estação reprodutiva). A defesa de território pode, por exemplo, garantir o acesso prioritário a recursos importantes, no caso de beija-flores ou pode garantir mais fêmeas para se acasalar no caso de grandes cervídeos. O grau de territorialidade varia de acordo com a abundância de recursos. Quanto mais recursos, maior é a possibilidade de se manter um maior número de territórios numa mesma área, pois diante da abundância de um recurso, o organismo não precisa defender uma área tão grande para atender às suas necessidades. Se os recursos são escassos, teremos um menor número de territórios, pois o organismo deve percorrer e defender uma área maior para acessar uma maior quantidade de recursos. Enquanto os custos 44 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES envolvidos na defesa territorial não sobrepujam as recompensas, este comportamento permanece. A disputa por fêmeas também é algo corriqueiro na natureza. A disputa pode ser corporal, envolvendo lutas ou não. Em boa parte das vezes basta uma exibição de poder. No grupo das aves é bastante comum as danças de coorte e displays elaborados, nos quais os machos “disputam” por meio da exibição de suas “qualidades” (penas vistosas, cantos e danças elaborados, repertório vocal amplo etc.) sem que haja combate de fato. Às fêmeas cabe a escolha. Os combates envolvem riscos à vida dos envolvidos e geralmente são evitados na natureza, embora possamos ver em documentários inúmeros exemplos de enfrentamento, dentre algumas espécies, principalmente de mamíferos. Do recuo à luta real, está a avaliação prévia dos riscos. Quando um dos indivíduos se percebe em desvantagem (ex.: menor porte, menor chifre etc.), normalmente, ocorre o recuo. Quando o resultado é difícil de ser pré-avaliado, os indivíduos podem partir para apresentações elaboradas que possibilitam os organismos a avaliar a capacidade um do outro. Se ambos os indivíduos se perceberem com chances equilibradas a luta então passa a ser real. O estudo das possibilidades de ocorrência ou não desses comportamentos é foco da Teoria dos Jogos. Para saber mais sobre essa teoria faça a leitura das referências recomendadas no final desse capítulo. Hierarquia social A organizaçãohierárquica é comum em grupos e pode ditar a interação entre os indivíduos e o nível das suas respectivas qualidades de vida. Indivíduos que ocupam a primeira posição na hierarquia dominam todos os integrantes do grupo e são os mais beneficiados em vários aspectos. Ocupar a primeira posição significa ser capaz de vencer disputas com maior sucesso e aí voltamos à teoria dos jogos. Aqueles que ocupam as posições mais inferiores podem ser bastante prejudicados. Os indivíduos dominantes têm prioridade de acesso aos recursos e também às fêmeas, como vimos anteriormente. Já os indivíduos subordinados tendem a ser subnutridos, mais desprotegidos e relegados ao insucesso reprodutivo. Embora isso não seja regra, pois os dominantes têm obrigações que comprometem sua qualidade de vida: precisam estar preparados para o confronto, devem defender o grupo, quando são mais vistosos também ficam mais atraentes para os predadores etc. A hierarquia social é fundamental para alguns grupos animais, por exemplo, formigas, abelhas e cupins. A existência de uma hierarquia é essencial para o funcionamento 45 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I do todo, especialmente porque possibilita a divisão de tarefas. Para outros grupos animais, ela é mais simples ou mais pontual (no espaço ou no tempo), contribuindo na estruturação de um grupo de indivíduos em situações específicas, como os mamíferos que somente formam haréns na estação reprodutiva. Vantagens da vida social Apesar dos pesares, a vida em grupo pode trazer muitas vantagens aos indivíduos envolvidos. Ao sobrepujar a competição pelos recursos, mais indivíduos significam mais olhos para vigiar o entorno e se precaver da chegada de predadores. Mais vigias se revezando, significa mais tempo para cada indivíduo se alimentar. Quanto mais agrupados também significa maior proteção contra predação por outro motivo além do citado, pelo “efeito da diluição”. Muitos indivíduos juntos confundem o predador, uma questão puramente matemática. Quanto maior o número de indivíduos, maior ainda a possibilidade de exploração de diferentes fontes de recursos, isso porque os diferentes indivíduos têm suas experiências próprias e podem conhecer fontes não conhecidas por outros do grupo. Nessa situação, há uma troca ou fluxo de informações entre os membros do grupo, pelo simples fato da observação e aprendizagem. O tamanho do grupo, no entanto, deve ter um limite. Um grupo não pode ser muito grande, afinal uma rápida depleção (uso) dos recursos traz desvantagens óbvias para todos. A possibilidade de cooperação direta entre indivíduos é outra vantagem evidente da vida social. Dentro do grupo das aves, há espécies, por exemplo, em que os casais em reprodução são ajudados por outros indivíduos que podem nem ser aparentados. Estes ajudam na construção do ninho, na alimentação dos filhotes e até mesmo na defesa contra predadores! Pode soar estranho de início, pois, hipoteticamente, tais indivíduos deveriam estar depositando suas energias em suas próprias proles, em seus próprios descendentes que carregam seus genes. Contudo, se estes ajudantes são jovens de ninhadas anteriores desse casal, podemos pensar que eles, de certa forma, estão garantindo a permanência de parte dos seus genes na população, já que os ninhegos de agora são seus irmãos. Tanto neste caso quanto no caso de ajudantes não aparentados, podemos justificar a ajuda como uma forma de aprendizagem e aquisição de experiência, que pode garantir, no futuro, que esses ajudantes tenham sucesso reprodutivo. De fato, há estudos que comprovam que os indivíduos que, em sua “adolescência”, ajudaram outros casais adultos na nidificação, demonstram um maior sucesso reprodutivo ao longo da vida. O altruísmo, dessa forma, parece algo que vale a pena, mesmo envolvendo custos para o doador. Em geral, esse tipo de comportamento é sensível ao 46 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES grau de parentesco dos indivíduos. Ser altruísta não é uma estratégia evolutiva estável, pois muitos trapaceadores que exibem comportamentos egoístas podem se aproveitar disso. O egoísmo tende a promover maior ajustamento do indivíduo ao seu ambiente, especialmente em animais solitários. BEGON, M.; TOWNSEND, C. R.; HARPER, J. Ecologia: de indivíduos a ecossistemas. Oxford: Blackwell. 2006. GOMES, O.M.C. Teoria dos jogos: algumas noções elementares. ISCAL: materiais pedagógicos. 2013. Disponível em: <http://repositorio.ipl.pt/ handle/10400.21/2040>. Acessado em: 18 maio 2014. RICKLEFS, R.E. A economia da natureza. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan: 2003. 47 CAPÍTULO 3 Ecologia de comunidades Conceito As comunidades são representadas pelo “conjunto de populações de diferentes espécies que habitam um determinado ambiente ou ecossistema”. Existem outros conceitos para comunidade, no entanto. O conceito holístico, por exemplo, considera uma comunidade como um “superorganismo que tem seu funcionamento dependente de uma super organização das relações entre os organismos que a compõe”. É sob a perspectiva da Ecologia de comunidades que se aborda a diversidade e abundância dos organismos que convivem em um mesmo meio e as suas interações com os fatores físicos e biológicos que limitam e/ou promovem a sua coexistência. Nesta seção, falaremos sobre as propriedades emergentes de uma comunidade, sobre os importantes conceitos de riqueza e diversidade, e as inter-relações biológicas. Também falaremos sobre as ferramentas usadas para se descrever e comparar comunidades. A soma das propriedades dos organismos mais as suas interações constituem as propriedades emergentes de uma comunidade. Um ecólogo que estuda comunidades se preocupa em descrever a composição de uma comunidade, em entender como os agrupamentos de espécies estão distribuídos, em avaliar como eles são afetados por suas inter-relações e relações com o meio, como os fatores abióticos, dentre outros escopos. Relações interespecíficas dentro das comunidades Ao nível de comunidade, emerge o estudo das relações entre populações de organismos de diferentes espécies. As relações que veremos a seguir, junto de fatores abióticos (clima, temperatura, pluviosidade, relevo etc.), são responsáveis pela composição de uma comunidade, pela distribuição dos diferentes organismos nessa comunidade e pela sua dinâmica. Elas podem ser classificadas como relações antagonistas ou não harmônicas, nas quais um dos envolvidos sai prejudicado (competição, predação) e, como relações harmônicas, 48 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES nas quais um dos envolvidos é beneficiado sem prejudicar o outro (ex.: comensalismo) ou ambos os envolvidos são beneficiados (ex.: mutualismo). Competição De maneira geral, podemos dizer que a competição é a interação que ocorre entre organismos que buscam por um mesmo recurso (ex.: abrigo, comida, parceiro sexual) e que ao usá-lo ou defendê-lo, diminui sua disponibilidade aos outros organismos. Essa interação pode ocorrer tanto entre indivíduos de diferentes espécies, sendo nesse caso denominada interespecífica,quanto entre indivíduos de uma mesma espécie, sendo denominada intraespecífica (como vimos no capítulo anterior). Entre espécies diferentes, a competição tende a ocorrer e ser mais forte quando essas são estreitamente aparentadas ou quando, por determinados motivos, têm uma grande semelhança ecológica e ocupam nichos semelhantes: quando exploram as mesmas presas de uma mesma maneira em um mesmo espaço, por exemplo. De acordo com as principais previsões das teorias de competição, para que duas ou mais espécies coexistam em um mesmo ambiente estável é necessário que: haja diferenciação entre seus nichos e que essa diferenciação se manifeste na morfologia de cada organismo. É improvável a coexistência de competidores com pouca ou nenhuma diferenciaçãode nicho, pois nesse caso se aplica o princípio da exclusão competitiva ou princípio de Gause. Segundo este princípio proposto por Gause em 1920, a partir de experimentos em laboratório,duas espécies com nichos iguais ou muito semelhantes não podem coexistir em um mesmo ambiente estável, sem que uma exclua a outra. Corroborado matematicamente pela equação de Lotka-Volterra, este se tornou um dos princípios básicos da Ecologia. Para se aprofundar no assunto, leia o material indicado na seção de leituras recomendadas ao final deste capítulo. A coexistência mediada pela predação Embora espécies competidoras, não possam conviver em um mesmo ambiente estável, a coexistência pode ser permitida pela ação de terceiros. Um exemplo disto provém da ação de predadores. Em um mesmo ambiente, duas ou mais espécies competidoras podem coexistir se a população da espécie competidora mais forte for controlada por um predador, pois a redução da pressão de competição pode permitir a sobrevivência da espécie competidora mais fraca. Uma conclusão interessante que podemos tirar 49 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I daí é que a predação pode garantir maior diversidade no ambiente. A herbivoria e o parasitismo também podem ter esse efeito numa comunidade Predação A predação é outra relação bastante estudada na Ecologia e se caracteriza por ser uma relação desarmônica entre os envolvidos, positiva para o predador e negativa para a presa, que é abatida pelo predador. Contudo, é de grande importância para o equilíbrio de uma comunidade (ex.: controle de populações e, como vimos acima, manutenção da biodiversidade) e mesmo para o processo evolutivo, à medida que elimina os indivíduos menos ajustados da população. A predação é um dos fatores que geram as oscilações ou ciclos populacionais que mencionamos no capítulo anterior. As populações de predador e presa aumentam e diminuem em ciclos regulares em resposta um ao outro (figura 15). Os períodos de tais ciclos variam de espécie para espécie, e mesmo entre as populações de uma mesma espécie, e podem ainda ser influenciados pelo tipo de ambiente no qual se dão. Resumidamente, um ciclo se dá da seguinte forma: os predadores comem suas presas e, por consequência, reduzem seu número. Com poucas presas, os predadores também têm seu número reduzido, pois muitos morrem de fome e a reprodução fica comprometida. Com menos predadores, as presas que restaram sobrevivem melhor e podem se reproduzir melhor e seus números crescem novamente. Em resposta à nova abundancia de presas os predadores crescem em número também e o ciclo recomeça. Assim, ao tempo que os predadores controlam as populações de suas presas, eles também são controlados por elas. Essa situação é fato para todas as relações do tipo consumidor-recurso. Diversas minúcias estão envolvidas nessa relação, e a representação do ciclo na figura 15, é considerada simplificada demais em vista da situação real da relação, pois não leva em conta, por exemplo, a questão da saciedade do predador. Existem respostas funcionais e numéricas que influenciam as oscilações populacionais. Para se aprofundar no assunto, leia as referências indicadas ao final do capítulo. Porque os predadores não extinguem suas presas? A resposta pode parecer intuitiva: porque uma população de predador se autoextinguiria ao extinguir suas presas. No entanto, a resposta não é tão óbvia, pois não há por parte dos predadores tal nível de discernimento. Em outras palavras, os predadores não sabem que, se comerem todas as suas presas, eles próprios vão se extinguir no futuro. 50 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Uma explicação para essa questão reside na relação presa-predador ao longo do tempo evolutivo: a coevolução entre predadores e presas garante a manutenção do equilíbrio da relação. Assim, como as populações de predadores se desenvolvem para capturar mais ou de forma mais eficiente suas presas, as populações das presas também se desenvolvem para evitar o seu predador1. Ao longo de uma história evolutiva comum, a seleção natural tende a diminuir os efeitos negativos de uma população sobre a outra, por isso não é comum ocorrer oscilações muito intensas nas populações de predadores e presas sob condições naturais, em ambientes razoavelmente estáveis. Essa situação também é verdadeira para os sistemas parasita-hospedeiro e herbívoro-planta. Situações de descontrole (de oscilações extremas) podem ser mais facilmente vistas quando a relação entre as espécies é recente, quando não existiu coevolução. Um grande exemplo são as espécies exóticas, isto é, espécies não-nativas do ambiente, que podem ser introduzidas em novos ecossistemas. Algumas espécies exóticas podem ser tornar invasoras e dominantes e, por consequência, devastar as populações nativas das espécies do ambiente onde se estabelecem. Um clássico exemplo dessa situação é o caso da perca-do-Nilo no Lago Vitória, na África. A perca, um peixe predador voraz, ao ser introduzido no lago levou à extinção inúmeras espécies de peixe ciclídeos endêmicos do lago. No capítulo 8 desta apostila voltaremos a falar sobre os problemas relacionados à introdução de espécies exóticas. Figura 15. Representação simplificada de um ciclo populacional 1 Vale lembrar que a evolução se dá à medida que presas e predadores menos eficientes tem sobrevivência limitada com relação àqueles que são mais eficientes. As populações de presa ou predador não evoluem/se desenvolvem para (com o objetivo de) ser mais eficiente. Isso é fruto da seleção natural, da sobrevivência e reprodução diferencial, como vimos no primeiro capítulo. Predadores mais eficientes se alimentam melhor e, portanto, sobrevivem e reproduzem-se mais, deixando mais descendentes. Assim também ocorre com as presas: aquelas que têem maior habilidade de escapar da predação tem maior chance de sobreviver e deixar mais descendentes, com os genes que conferem tal habilidade. 51 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I Parasitismo O parasitismo é uma relação não harmônica, positiva para o parasita e negativa para o organismo hospedeiro. Um parasita é qualquer organismo que se instala sobre (ex.: carrapatos) ou no interior do corpo de outro organismo (ex.: vermes, bactérias, vírus) para se nutrir. Os que se instalam sobre o corpo do hospedeiro são chamados ectoparasitas e os que se instalam no interior são chamados endoparasitas. Os parasitas não necessariamente matam seus hospedeiros, mas podem diminuir sua expectativa de vida ou reduzir sua fecundidade. Parasitóides, por outro lado, levam seus hospedeiros a morte. Esse termo é aplicado a algumas espécies de vespas (a maioria micro-hymenópteros) e moscas que depositam seus ovos no interior ou sobre hospedeiros e suas larvas o consomem à medida que se desenvolvem. Veremos um pouco mais sobre os parasitóides e sua importância para as comunidades e, especialmente para o controle de pragas agrícolas. Os parasitas e parasitoides, assim como os predadores, são controlados pelos seus alvos, no caso, os hospedeiros. A coevolução também age na manutenção da relação. Um parasita muito agressivo, por exemplo, pode matar o organismo hospedeiro antes de garantir sua própria perpetuação e dessa forma está fadado ao insucesso. A seleção natural também atua no sistema parasita/parasitóide-hospedeiro. Hebivoria O conceito de herbivoria, em alguns momentos se confunde com o conceito de predação, e de certo modo funcionam de forma bastante semelhante. Quando um predador é um consumidor primário, ou seja, se alimenta de um organismo vegetal (ou produtor primário), ele é considerado um herbívoro. Um herbívoro pode agir tanto como um predador, ao ingerir plantas inteiras (matando a “presa”), quanto como um parasita, ao ingerir apenas partes das plantas sendo que esta continua viva, porém mais debilitada.A herbivoria, como a predação, também pode agir na comunidade como facilitadora da coexistência de um número maior de espécies, dado que alguns herbívoros controlam, de fato, populações de plantas. As plantas possuem mecanismos de defesa contra a herbivoria As defesas incluem desde o simples valor nutricional baixo, oferecido pelos tecidos vegetais, até o desenvolvimento de estruturas físicas e químicas de defesa. Entre as 52 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES estruturas físicas de defesa estão os espinhos, tricomas, pelos, resinas adesivas etc., já dentre as defesas químicas, estão a produção de taninos que inibem a digestão e produção de outros compostos tóxicos ao consumidor. As substâncias químicas nocivas aos herbívoros podem ficar constantemente sob altos níveis nos tecidos da planta, sendo consideradas defesas constitutivas ou podem ser produzidas em reposta à herbivoria de forma análoga a defesa imunológica dos organismos animais. Esta é uma defesa do tipo induzida. Vale mencionar aqui que, recentemente, estudos sobre inteligência vegetal apontaram para uma possibilidade interessante: algumas plantas, ao serem herbivoradas, são capazes de “avisar” as plantas vizinhas da mesma espécie, ao produzir substâncias químicas voláteis, sendo capazes de induzir essas outras plantas a produzirem substâncias de defesa antes que o herbívoro as ataquem. Embora eficazes contra vários herbívoros, as defesas químicas podem ser contra- atacadas por certas espécies besouros e lagartas que são capazes de se desintoxicarem. Detritivoria Os detritívoros e decompositores são organismos que se alimentam de matéria orgânica morta, seja de origem vegetal ou animal. Esses organismos não possuem qualquer efeito sobre as populações de seus recursos, mas são extremamente importantes nos ecossistemas, uma vez que participam do processo de reciclagem de nutrientes. Apesar dessa relação alimentar não representar uma relação tal qual às descritas acima, que possuem relação direta com a dinâmica de populações em comunidades, ela foi incluída aqui nesta seção para sinalizar sua existência e sua relevância ecológica em diversas escalas. Alelopatia A alelopatia é um tipo de interação química, que ocorre com certa frequência no mundo das plantas, pois os vegetais frequentemente liberam no ambiente compostos químicos provenientes do seu metabolismo. Muitos desses compostos possuem ação sobre outras plantas, que pode ser benéfica ou não. Geralmente a interação é negativa e a substância liberada limita a germinação de outras plantas no entorno da planta que a liberou, evitando assim a competição. A ação da substância aleloquímica sobre as plantas vizinhas pode ser dar via solo ou mesmo pelo ar, quando as substâncias produzidas são voláteis. Assim como o potencial 53 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I de ação dos organismos parasitoides, cujos hospedeiros podem ser pragas de plantações, o potencial das plantas que produzem aleloquímicos também pode se revelar como uma alternativa ao uso de defensivos agrícolas contra ervas daninhas e também para afastar insetos que são pragas. Mutualismo Nesse tipo de relação, as espécies envolvidas se beneficiam mutuamente e dependem uma da outra para sobrevivência. O principal exemplo desse tipo de associação é a relação entre algas e fungos que constituem os líquens. Outros exemplos são: protozoários e térmitas (cupins). Sem os protozoários os cupins são incapazes de digerir a celulose da qual se alimentam e; raízes ou outros órgãos subterrâneos de plantas e fungos, que constituem associações chamadas micorrizas. Os fungos auxiliam a planta a absorver nutrientes e água enquanto são beneficiados nutricionalmente a partir dos açúcares produzidos pela fotossíntese. Protocooperação ou mutualismo facultativo É um tipo de relação harmônica, na qual dois organismos/espécies, embora possam viver sozinhos, se associam em benefício mútuo. Um dos exemplos mais clássicos é a associação entre aves e crocodilos. As aves se alimentam de restos alimentares presos aos dentes de crocodilos e estes têm, em troca seus dentes limpos (Figura 16). Inúmeras associações deste tipo podem ser mencionadas. É comum, por exemplo, vermos capivaras ou mesmo outros animais sendo livrados de ectoparasitas pelo chopim (Molothrusbonariensis) ou pelo gavião-carrapateiro (Milvagochimachima). Figura 16. Representação de um crocodilo tendo seus dentes limpos por uma ave. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repository.. 54 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Comensalismo Nesse tipo de relação apenas uma espécie é beneficiada enquanto a outra não tem nenhum benefício, mas também não é prejudicada. O exemplo mais difundido de comensalismo é o do peixe-piloto que acompanha tubarões e se alimenta dos restos das presas destes. Outro exemplo que podemos ver com mais facilidade é a associação entre garças-vaqueiras (Bubulcus íbis) e animais pastadores, especialmente grandes herbívoros (Figura 17(a) e Figura 17(b)). Em documentários sobre a África, por exemplo, podemos ver essas garças acompanhando zebras, gnus, elefantes etc. Aqui no Brasil, podemos vê-las com certa frequência entre o gado, hábito do qual provém seu nome popular brasileiro. A garça-vaqueira segue esses animais porque enquanto eles se movimentam entre a vegetação, espantam insetos e outros invertebrados que são capturados mais facilmente por ela. Figura 17(a). Bubulcusibis acompanhando um cavalo. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repository Figura 17(b). Bubulcusibis acompanhando um búfalo. Fonte: Wikimedia Commons, the free media repository. Inquilinismo O inquilinismo, como o comensalismo, é uma relação que traz benefício para uma das espécies envolvidas, enquanto para a outra não há benefício nem malefício. As bromélias, algumas orquídeas, aráceas como a costela de adão, entre outras plantas que se estabelecem sobre árvores, são consideradas inquilinas. Elas não absorvem qualquer nutriente da planta que serve de substrato (apoio) e não causam qualquer prejuízo a ela. O benefício é obtido, principalmente pela quantidade de luz que elas podem acessar ao se sobressair em certas alturas. Cadeias, teias alimentares e cascatas tróficas As interações entre consumidores e recursos, predador-presa, parasita-hospedeiro, parasitóide-hospedeiro e herbívoro-planta, organizam as comunidades em cadeias 55 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I alimentares, que, por conseguinte se intrincam em teias alimentares complexas. Todas essas interações governam o fluxo de energia e ciclagem de nutrientes. As plantas, o fitoplâncton, enfim, todos os organismos autótrofos são classificados como organismos produtores e estão na base da cadeia alimentar, pois são os principais meios de entrada de energia na cadeia, uma vez que conseguem transformar a energia solar em matéria por meio da fotossíntese. Os animais que se alimentam desses organismos, os herbívoros, estão um nível trófico acima. Aqueles que se alimentam dos herbívoros, os predadores, estão em um nível ainda superior e ao final estão os organismos decompositores. Essa sequência de um produtor, um consumidor primário, um consumidor secundário, um decompositor é a descrição de uma cadeia alimentar que representa um fluxo de energia unidirecional, passando de um organismo produtor para os níveis tróficos acima (Figura 18(a)). As teias alimentares, por outro lado, representam o fluxo multidirecional da energia, mostra que a energia pode seguir vários caminhos, pois leva em conta o fato de que cada população presente na comunidade compartilha recursos entre si (Figura 18(b)). É importante notar que a cada nível trófico um pouco de energia é perdida, por isso, uma cadeia alimentar ou teia alimentar é representada como uma pirâmidealimentar, afunilando-se em direção ao topo, último nível trófico (Figura 19). Figura 18(a). Cadeia alimentar aquática. Adaptado da fonte: Wikimedia Commons, the free media repository. 56 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Figura 18(b). Representação simplificada de duas teias alimentares do Cerrado brasileiro. As setas tracejadas indicam que há uma possibilidade de predação, mas só ocorre de forma oportunística ou na fase de filhote. Fotografias: CZFieker e MGReis. Figura 19. Representação de uma pirâmide alimentar. Adaptado da Fonte: Wikimedia Commons, the free media repository. Um mesmo organismo pode assumir diferentes níveis tróficos. Uma ave, ao comer um fruto, se encaixa como consumidora primária, mas ao se alimentar do inseto herbívoro, assume o nível de consumidora secundária, e assim por diante. As cadeias alimentares podem ser do tipo: 1. cadeia de pastagem, a qual começa a partir de um organismo produtor, passa por um herbívoro e por carnívoros primários e secundários. 57 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I 2. cadeia de detritos, a qual se inicia a partir da matéria orgânica morta, passa pelos organismos detritívoros e em sequência aos predadores de tais organismos. A influência de cada nível trófico sobre os níveis que estão acima oua seguir geram cascatas tróficas. Os Ecólogos Nelson Hairston, Frederick Smith e Larry Slobodkin (1960) afirmaram que a Terra é verde porque os carnívoros deprimem as populações de herbívoros e, por conseguinte, permitem que os produtores se mantenham, pois de outro modo os herbívoros consumiriam a maior parte de vegetação. Esse é um exemplo de uma cascata trófica em que as populações de organismos dos níveis tróficos inferiores são controladas de cima para baixo pelos consumidores dos níveis tróficos superiores. Contudo, existem também situações em que o controle é inverso. Controles bottom-up e top-down nas teias alimentares Em uma cadeia trófica, as populações dos organismos envolvidos podem ser controladas de baixo para cima, pelos organismos “recursos” (bottomup); ou de cima para baixo (top-down) pelos organismos consumidores. Numa comunidade regulada por controle bottomup, a manutenção, crescimento ou decrescimento das populações de animais nos níveis tróficos mais altos de uma cadeia alimentar (predadores/herbívoros) é dependente da abundância de organismos dos níveis tróficos mais baixos dos quais eles se alimentam (organismos produtores e presas). Assim, em uma comunidade na qual os recursos são limitados, a população dos seus consumidores também é. Inversamente, em uma comunidade regulada por controle top-down, os organismos dos níveis mais baixos da cadeia alimentar é que são controlados pelos organismos consumidores. Interações positivas animal x planta Um destaque importante deve ser dado às relações entre plantas e animais que são extremamente necessárias para o funcionamento das comunidades e ecossistemas: a polinização e a dispersão. Elas garantem a produtividade vegetal, base de toda cadeia alimentar. 58 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Polinização A polinização é o mecanismo pelo qual as células reprodutivas masculinas (gametas) de uma planta são levadas até o órgão reprodutivo feminino para fecundar o óvulo. Embora a polinização possa ocorrer com auxílio do vento e da água, os invertebrados, em especial os insetos, e também algumas aves e morcegos, têm papel fundamental nessa transferência, e consequentemente têm grande importância na reprodução de diversas espécies vegetais sexuadas. Abelhas e a síndrome do colapso das colônias (collony colapse disorder) Dentre os insetos polinizadores, as abelhas, se destacam. São conhecidas atualmente mais de vinte mil espécies no mundo, que apresentam diferentes graus de sociabilidade. Várias espécies são solitárias, constroem seus ninhos e criam poucos filhotes, enquanto outras espécies formam colônias, caracterizadas pela divisão de funções/tarefas e que dependem da cooperação dos indivíduos como um todo. Social ou não, a maioria das espécies conhecidas desempenham um papel importante na reprodução de uma ou mais plantas. O problema é que recentemente começamos a nos deparar com o desaparecimento em massa das populações de abelhas no mundo todo, em especial das abelhas do gênero Apis, devido a uma patologia denominada síndrome do colapso da colônia, cuja causa ou as causas principais são ainda parcialmente desconhecidas, embora se aponte de imediato para o uso excessivo e contínuo de defensivos agrícolas. Ao procurarmos pela origem de grande parte dos alimentos que fazem parte da dieta humana, veremos que aqueles de origem vegetal predominam. Pense nos alimentos mais comuns que fazem parte do seu almoço. Estarão lá o arroz e o feijão, o milho e a soja (na forma de derivados, pelo menos)? E na sua sobremesa, estará presente a salada de frutas? Eis aí os reflexos graves e iminentes da perda de insetos tão importantes quanto às abelhas: nós dependemos de alimentos produzidos pelas plantas e as plantas dependem de seus principais polinizadores para produzirem. Os Estados Unidos são o país mais afetado pela síndrome e suas consequências já foram sentidas na agricultura. A queda na população das abelhas também resultou numa queda significativa da produção de alimentos. 59 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I Leia o seguinte artigo <http://revistapesquisa.fapesp.br/wp-content/ uploads/2007/07/50-51-colmeia-137.pdf e reflita sobre as questões a seguir>: 1. Qual será o futuro da agricultura? Ou mais profundamente, qual será o futuro da humanidade sem seus principais alimentos? 2. O que será do mundo natural sem esses preciosos insetos? 3. O que nós podemos fazer? “Bee or not to be?” Explore o seguinte site: <http://www.semabelhasemalimento.com.br/>. Acesso em: 1 jun. 2014. Dispersão Os mecanismos de dispersão das plantas são tão importantes quanto os mecanismos de polinização. A dispersão possibilita a colonização de novos ambientes e, salvo alguns casos, aumenta a probabilidade de sucesso dos propágulos (ou diásporos), pois quando levados para longe da planta-mãe, as chances de competição intraespecífica são menores. Além disso, quanto mais longe da aglomeração de indivíduos adultos e plântulas, menores são as chances de predação, herbivoria e parasitismo. Os animais desempenham uma função importante como agentes dispersores, além do vento (anemocoria), da água (hidrocoria) e dos mecanismos de autodispersão (autocoria) das plantas. Nas florestas tropicais, a síndrome de dispersão zoocórica (dispersão pelos animais) é a mais frequente. Estima-se que nesses ambientes, entre 50 e 90% das plantas sejam dispersas por animais tanto por invertebrados, as formigas, quanto por vertebrados: peixes, répteis, mamíferos e aves. A dispersão por formigas denominada mirmecocoria, por peixes ictiocoria, por répteis saurocoria, por mamíferos mamaliocoria e por aves ornitocoria. A população de arara-azul do pantanal e a dispersão do Manduvi Desde o início dos anos 1990, pesquisadores acompanham as populações naturais de arara-azul-grande (Anodorhynchushyacinthinus), principalmente no Pantanal. Logo no início das pesquisas se percebeu que a espécie estava 60 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES extremamente ameaçada e suas populações naturais eram muito pequenas. Para se ter ideia, estimou-se, em 1997, que o número de espécimes na natureza era de apenas 2500 indivíduos e destes, 1500 encontravam-se no pantanal. Foram iniciadas, então, atividades para tentar recuperar a população (estudos, instalação de ninhos artificiais, entre outras ações) e, em 2005 foi iniciado o estudo em campo com o Manduvi, uma espécie de planta escolhidapor muitas araras como abrigo para o ninho durante os eventos reprodutivos. Foi aí que uma relação intrigante foi descoberta: Para conservar as populações de araras-azuis são necessários os manduvis, mas só haverá manduvis se houver tucanos para dispersar suas sementes. Por outro lado, se houver explosão populacional de tucanos, as populações de araras seriam prejudicadas, pois os tucanos comem filhotes de aves em ninhos com grande frequência. Existe um balanço fino na natureza! Para mais informações, leia o artigo: PIZO, M.A.; DONATTI, C.I.; GUEDES, N.M.R.; GALETTI, M. Conservation puzzle: Endangered hyacinth macaw depends on its nest predator for reproduction. Biological Conservation, pp. 792–796. 2008. O relato deste estudo está presente no seguinte link: <http://agencia.fapesp. br/8831> Explore também o site: <http://www.projetoararaazul.org.br/>. Acesso em: 1 jun. 2014. Descrevendo comunidades As comunidades são descritas pelos ecólogos em termos de riqueza de espécies que a compõe, suas abundâncias relativas, sua organização em habitats e em teias alimentares. Já falamos, em capítulos anteriores, sobre a organização dos organismos e populações em diferentes habitats e há pouco falamos sobre as relações interespecíficas e teias alimentares. Resta nessa seção falarmos sobre as formas de amostragem da diversidade (riqueza versus abundância das espécies) de comunidades. A riqueza é expressa pelo número de espécies que ocorrem numa comunidade e a abundância é expressa pelo número de indivíduos de cada espécie. As espécies têm abundância variável dentro dos habitats de uma comunidade. Em uma comunidade, poucas espécies são dominantes e muitas são raras. Ao serem plotados em um gráfico 61 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I os dados de riqueza e abundância de espécies, o resultado obtido é uma curva do tipo “J invertido” (Figura 20). Esse é um padrão geral de organização das comunidades. Figura 20. Curva de distribuição das abundâncias relativas das espécies em uma comunidade. Fonte: adaptado de RICKLEFS (2003) Ao investigar a composição de determinada comunidade, o tamanho da área a ser amostrada deve ser levado em conta, pois como regra geral, o número de espécies aumenta com o tamanho da área. Tal relação espécie-área foi descrita pelo botânico Olaf Arrhenius em 1921, e é aplicada nos estudos ecológicos de comunidades até hoje. Estudos posteriores, feitos em ilhas, mostraram que essa relação espécie-área pode ser devida não somente ao tamanho da área por si só, mas também pela adição de diferentes habitats, isto é, pelo aumento na heterogeneidade do ambiente à medida que seu tamanho aumenta. De fato, a riqueza de algumas espécies responde mais à heterogeneidade do habitat do que ao tamanho da área. Em adição, os estudos mostraram que ilhas maiores, além de serem mais atraentes para migrantes, tendem a abrigar populações maiores, que têm maiores chances de persistirem ao longo do tempo, especialmente, porque mais indivíduos significam maior diversidade genética e, consequentemente, menor chance da população entrar em um “gargalo” genético. Mais indivíduos distribuídos pelos ambientes também diminui a chance da população de sucumbir a eventos estocásticos. 62 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES Ao amostrar comunidades em termos de riqueza e abundância, os ecólogos dispõem de diversas metodologias, de acordo com o grupo de organismos que é alvo do estudo. Para as comunidades vegetais, as metodologias envolvem, por exemplo, o uso de parcelas e transectos. Para aves e morcegos, são utilizadas redes de captura (redes de neblina). Para as aves, existem ainda métodos menos invasivos que a captura, como o uso de “pontos de escuta” e transectos. Para peixes, são utilizados os mais variados métodos de pesca, inclusive pesca elétrica. Para mamíferos, são utilizadas armadilhas de captura, armadilhamento fotográfico (câmeras trap) e busca por vestígios (fezes, pegadas, tocas). Para répteis e anfíbios, são utilizados métodos de captura como as armadilhas de interceptação e queda (pitfalltrap) e busca ativa nos micro-habitats preferenciais destes organismos etc. Para insetos, também existem diversas técnicas que envolvem captura. Enfim, para cada grupo existem técnicas apropriadas e que atendem a determinados objetivos. Comunidades x assembleias Muitos ecólogos, ao trabalhar todas as espécies de um táxon, por exemplo, com todas as aves de determinado local, se referem ao trabalho como um estudo da comunidade de aves. No entanto, se a definição do termo comunidade for levada ao “pé da letra”, é possível ver que tal ecólogo está trabalhando com apenas uma parte da comunidade. Por isso, é usual trocar a palavra comunidade por assembleia, de modo que esse “recorte” seja levado em consideração, uma vez que a “assembleia de aves” é apenas uma parte de uma “comunidade biológica” composta por aves, mamíferos, plantas, insetos, fungos, répteis, bactérias etc. Comparando comunidades Podemos comparar as comunidades utilizando métodos estatísticos. Os índices de diversidade, por exemplo, ponderam a riqueza pela abundância de cada espécie. Entre os mais usados estão o índice de Shannon-Wiener e o índice de Simpson. Apesar de vários índices permitirem a comparação entre comunidades, existem premissas que devem ser respeitadas: a principal delas é que o esforço amostral (tempo dedicado à coleta de dados) deve ser igual para todas as comunidades que serão comparadas. Alguns métodos estatísticos permitem a correção de tamanho amostral, como o procedimento de rarefação, que retiram ao acaso subamostras da amostra total, até que o tamanho seja equalizado. 63 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I Outros métodos de comparação entre comunidades serão apresentados por meio da indicação de textos no ambiente virtual. Fique atento ao ambiente virtual! O tutor irá passar uma atividade a ser desenvolvida sobre os índices de diversidade e outros métodos que permitem a comparação de comunidades. Porém, antes de iniciar a atividade, reflita sobre as considerações feitas adiante. - É possível averiguar quanta informação existe em um determinado local? O número total de títulos de livros, e a quantidade de exemplares disponíveis de cada um desses títulos, representam um conjunto de dados que caracterizam o porte de uma biblioteca a partir da quantidade de informações que ela tem para dispor. Da mesma forma, o número total de espécies, e a quantidade de indivíduos de cada uma, representam um grande conjunto de informações que caracterizam uma comunidade biológica de um determinado ecossistema. A averiguação da quantidade de informação de um ecossistema (ou localidade, ou ambiente) é uma forma de acessar o índice de diversidade biológica, ou “Biodiversidade”. O desenvolvimento das comunidades Em condições normais, as comunidades são mantidas em aparente estado constante, sem grandes mudanças: a energia e os nutrientes seguem seu fluxo natural e os seres que a habitam se autoperpetuam. Contudo, quando afetadas por uma perturbação (ex.: queimadas, desmatamento, a abertura de clareira em floresta densa pela queda de uma árvore, introdução de espécie exótica agressiva), passam por um processo lento de mudanças à medida que se reconstroem. Tal processo, iniciado por uma perturbação, é chamado de sucessão ecológica. Se a sucessão tem início a partir de uma perturbação interna, isto é, gerada pela própria comunidade, que pode modificar o ambiente físico, a sucessão é denominada sucessão autogênica (autogerada). Se a sucessão tem início a partir de perturbações externas (ex.: tempestades, vulcões em atividade), ela é denominada sucessão alogênica (gerada externamente). Se a sucessão ecológica se inicia a partir de um habitat recém-formado, desprovido de qualquer organismo vegetal(ex.: um ambiente após a passagem de lava de vulcão), ela é denominada sucessão primária. Caso seu início se dê a partir de uma comunidade pré- 64 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES existente (ex.: monocultura abandonada), ela é denominada sucessão secundária. A classificação de comunidades em sucessão, em primária ou secundária, no entanto, não é fácil, pois algumas perturbações que passam por comunidades podem não exterminá- las por completo, o solo pode ficar intacto com reservas de nutrientes, raízes capazes de rebrotar e banco de sementes viável. Enquanto outras perturbações podem destruí-las totalmente e a sucessão que se segue é realmente primária. O conjunto de séries sucessionais (do primeiro estágio ao último) de uma comunidade constitui uma sere. O primeiro estágio de uma comunidade em sucessão corresponde à ocupação do ambiente por plantas pioneiras, que resistem as condições de um habitat perturbado (ex.: resistem a insolação). Tais plantas, ao colonizarem o ambiente, criam novas condições (retêm mais nutrientes, sombreiam o substrato) que tornam o habitat favorável a colonização por novas espécies não tolerantes às condições recém criadas pela perturbação. Ao mesmo tempo que facilitam a colonização por outras espécies, as plantas pioneiras (e as que estão se estabelecendo) deixam o ambiente menos favorável a elas próprias, pois muitas vezes, por exemplo, não são capazes de sobreviver em locais sombreados como florestas mais bem estabelecidas. Vale lembrar que as espécies que se estabelecem durante a sucessão nem sempre facilitam a entrada de novas espécies. O inverso também ocorre: algumas espécies, por serem boas competidoras ou por produzirem substâncias com efeito alelopático negativo, inibem o estabelecimento de outras plantas sensíveis a estes fatores. As interações entre os organismos estabelecidos e aqueles que estão tentando se estabelecer acabam por guiar a formação ou reestruturação da comunidade. O estágio final de uma sere é denominado de clímax. O clímax é caracterizado pela estabilidade da comunidade, isto é, quando as condições criadas pelas espécies integrantes da comunidade não sofrem mais mudanças drásticas, somente variações pequenas e previsíveis, como as variações sazonais ao longo dos anos. Contudo, existem comunidades mantidas em um estágio anterior ao clímax, denominado disclímax (ou clímax de distúrbio), que são controladas pela ação contínua de distúrbios (ex.: sobrepastejo, incêndios criminosos) de origem, geralmente, antropogênica. Biodiversidade e seus padrões de distribuição no mundo Como vimos, um dos assuntos centrais da Ecologia de Comunidades é a riqueza de espécies e a forma como ela está distribuída, bem como os fatores que determinam tal distribuição. Muitas espécies já foram descritas pela ciência: mais de um milhão 65 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES│ UNIDADE I e meio! A maior parte são insetos. No entanto, isso representa muito pouco do que é estimado globalmente, cerca de 8,7 milhões de espécies segundo algumas estimativas, ou até 15 milhões, de acordo com outras. A forma como a diversidade está distribuída no mundo segue alguns padrões gerais. Há, por exemplo, gradiente latitudinal de riqueza, com um aumento gradativo no número de espécies (na riqueza) no sentido polos-trópicos. Uma maior riqueza de espécies é encontrada nos trópicos e uma menor riqueza é encontrada nos polos, tanto em habitats terrestres quanto aquáticos. Dentre as explicações para tal fato estão as questões climáticas, o padrão de incidência do sol (principal fonte de energia para a vida) no globo terrestre e as próprias relações entre as espécies dentro das comunidades e ecossistemas, já que relações como a predação, por exemplo, pode promover a coexistência de mais espécies, como veremos ainda neste capítulo. Outros padrões são: a distribuição da riqueza em gradientes altitudinais e em gradientes de profundidade. À medida que atingimos maiores altitudes ou maiores profundidades, há, geralmente, um decréscimo no número de espécies. A explicação para o gradiente altitudinal também está, principalmente relacionada com as condições climáticas. Já para o gradiente de profundidade, as condições de luminosidade, quantidade de oxigênio e temperatura é que são os fatores preponderantes. As zonas mais profundas são escuras, frias e têm menor quantidade de oxigênio, portanto, sustentam menos organismos que as zonas mais superficiais. Além desses padrões em macro-escala que definem o quanto podemos esperar em termos de número de espécies em determinadas comunidades, devemos mencionar que a estrutura e composição destas também é moldada em escala mais fina por inúmeros fatores, especialmente por fatores bióticos. Fatores bióticos influenciam na riqueza que um ambiente pode sustentar Uma maior quantidade de recursos, uma maior especialização dos organismos com relação aos recursos, uma maior sobreposição de nichos, uma exploração mais eficiente dos recursos, são todos fatores que permitem uma maior riqueza de espécies no ambiente. Outro fator é a heterogeneidade ambiental e complexidade estrutural desse ambiente, uma vez que, ambientes mais heterogêneos e mais complexos oferecem maior variedade de micro-habitats, mais abrigos ou refúgios contra predadores etc. A maior riqueza observada nas florestas tropicais com relação a outros tipos de vegetação evidencia este 66 UNIDADE I │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ORGANISMOS, AS POPULAÇÕES E AS COMUNIDADES fato. Veja na Figura 21 como mais espécies podem ser sustentadas por um ambiente de acordo com os fatores mencionados acima. Figura 21. Modelos de riqueza de espécie. Fonte: adaptado de TONWSEND et al. (2006) GIACOMINI, H.C. Os mecanismos de coexistência de espécies como vistos pela teoria ecológica. O ecologia Brasiliensis, pp. 521-543. 2007. Disponível em: <http://www.oecologiaaustralis.org/ojs/index.php/oa/article/viewFile/ oeco.2007.1104.05/140>. Acessado em: 18 maio 2014. MIRANDA, J.C. Sucessão ecológica: conceitos, modelos e perspectivas. Sábios: Revista de Saúde e Biologia, pp. 31-37. 2009. Disponível em: <http://revista. grupointegrado.br/revista/index.php/sabios2/article/viewFile/145/235>. Acessado em: 1 jun. 2014. ODUM, E.P. Ecologia. Editora Guanabara Koogan: Rio de Janeiro. 1988. 67 UNIDADE II FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA CAPÍTULO 1 Ecologia de ecossistemas Conceito Os ecossistemas ou sistemas ecológicos compreendem as comunidades e seus respectivos ambientes físicos. Nesse nível de organização ecológica, o foco de estudo está nas rotas percorridas pela energia e pela matéria, tanto entre os seres viventes quanto entre os elementos inanimados do meio. A água, o ar, os nutrientes e a energia necessários à manutenção da vida entram e saem dos ecossistemas assim como os organismos vivos emigram e imigram, por isso, dizemos que um sistema ecológico é um sistema aberto. A fonte de energia fundamental para a Terra é o sol. É a partir da energia da radiação solar que as plantas clorofiladas (organismos produtores) podem assimilar carbono, pelo processo que conhecemos como fotossíntese, e sustentar toda a cadeia de organismos vivos que se segue (consumidores primários, secundários, terciários e decompositores). Esse é o processo essencial para a vida nesse planeta. Além dele, há apenas mais um mecanismo primordial de assimilação de energia conhecido, a quimiossíntese, que se dá basicamente pela obtenção de energia da oxidação de elementos inorgânicos presentes no meio e está restrito a apenas algumas bactérias. Outras fontes de energia provêm da força do fluxo da água das marés e outros corpos d’água, do vento, da chuva, de forças geológicas e de combustíveis fósseis (os maiores responsáveis pelo funcionamento dos nossos sistemas urbanos modernos). 68 UNIDADE II │FUNDAMENTOSEM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA A saída da energia dos sistemas biológicos se dá na forma de calor que é dissipado para a atmosfera, na forma de matéria orgânica morta ou contaminantes. Veremos o comportamento da energia com mais detalhes no decorrer deste tópico. A Figura 22 representa o fluxo de energia em um ecossistema. Figura 22. Modelo de entrada e saída de energia e matéria em um sistema aberto delimitado. O sistema delimitado, somado ao ambiente externo de onde provém a entrada de energia e matéria e para onde estes elementos são eliminados, corresponde ao ecossistema. Fonte: adaptado de Odum (1989) A energia que entra no ecossistema tem fluxo unidirecional, e não cíclico como a matéria, como veremos no próximo capítulo. A energia nos ecossistemas Simplificadamente, a energia é definida como a capacidade de um corpo em agir ou produzir trabalho, cujo comportamento é regido pelas seguintes leis naturais: » primeira lei da termodinâmica, ou lei da conservação da energia, segundo a qual, a energia não pode ser criada ou destruída, pode apenas ser transformada; e » segunda lei da termodinâmica, ou lei da entropia, segundo a qual, a transformação da energia somente ocorre espontaneamente quando há degradação da energia, isto é, quando a energia numa forma mais concentrada é transformada em uma forma mais dispersa. Nenhuma transformação espontânea de energia em energia potencial é 100% eficiente, uma fração é sempre perdida na forma de energia de baixa 69 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA │UNIDADE II utilidade. A entropia é a medida da energia mais dispersa (não-disponível ou de baixa utilidade) que resulta dessas transformações. Alfred J. Lotka foi o primeiro a considerar os ecossistemas como sistemas transformadores de energia, cujas taxas de transformação de energia e matéria obedeciam tais leis ou princípios termodinâmicos. De fato, todo elemento biótico é acompanhado por transformações energéticas e a essência da vida está na progressão dessas transformações que permitem, por exemplo, criar e aprimorar os recursos da natureza (ex.: transformação da energia luminosa em energia alimentar pela fotossíntese). No entanto, na época, as ideias de Lotka não despertaram grande apreciação, especialmente por envolverem representações matemáticas de difícil interpretação. No início dos anos 1940, a ideia ressurgiu com maior força sob a abordagem de Raymond LurelLindeman, que uniu o proposto por Lotka à visão de ecossistema de Tansley e de teias alimentares de Charles Elton. Lindeman visualizou na cadeia alimentar o meio pelo qual a energia flui em um ecossistema e vislumbrou a pirâmide alimentar, na qual os níveis tróficos superiores absorvem sempre menos energia em relação aos níveis inferiores, segundo ele, porque as transformações biológicas não são 100% eficientes e também porque parte da energia absorvida é usada para garantir a subsistência dos integrantes de tal nível, não estando disponível, por conseguinte, para o próximo nível (Figura 23). Essa abordagem permitiu aos ecólogos medir o fluxo de energia e ciclagem da matéria nos ecossistemas. Eugene P. Odum foi uma das figuras mais importantes nesse contexto e retratou os sistemas por meio de diagramas sob um modelo universal de fluxo de energia como o que se segue na Figura 24. Os organismos, os ecossistemas e a biosfera como um todo possuem uma característica termodinâmica essencial: conseguem manter uma condição de baixa entropia (ou alto grau de ordem interna), pois como sistemas termodinâmicos abertos possuem uma eficiente e contínua dissipação da energia de alto potencial (ex.: alimento, ATP*) para energia de baixa utilidade (ex.: calor). A troca constante de energia e matéria com o meio é a forma de expulsão da entropia interna. 70 UNIDADE II │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA Figura 23. Pirâmide ecológica representando a perda de energia entre os níveis em uma cadeia alimentar de um ecossistema aquático. A largura de cada barra representa a produtividade líquida de cada nível trófico. Adaptado da fonte: Wikimedia Commons, the free media repository Figura 24. Modelo universal que descreve o fluxo de energia dentro das cadeias alimentares com o log de transformação da energia representadoa seguir. I = ingestão de energia, NU = energia não utilizada, A = energia assimilada, R = respiração, P = produção, B = biomassa. Adaptado da fonte: Wikimedia Commons, the free media repository. 71 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA │UNIDADE II Tipos de pirâmides ecológicas Segundo Odum (1988), existem três tipos de pirâmide ecológica: 1. pirâmide ecológica de números que indica o número de indivíduos que ocupam cada nível trófico dentro de uma área delimitada. Tal pirâmide pouco representa os efeitos relativos à cadeia alimentar, é apenas descritiva; 2. pirâmide ecológica de biomassa que representa o peso seco, caloria ou outra medida que represente o total de material vivo em cada nível trófico e; 3. pirâmide ecológica de energia que representa o fluxo energético ou produtividade de um nível a outro. As pirâmides de números e de biomassa podem ser invertidas, isto é, a barra que representa a base pode ser menor que os níveis tróficos subsequentes. Isso pode ocorrer se, em média, os organismos produtores forem maiores que os consumidores. A pirâmide alimentar, porém, nunca poderá ser invertida, pois parte da energia é sempre perdida entre um nível trófico e outro (Figura 25). Figura 25. Exemplo de pirâmides ecológicas de números, biomassa e de energia. P = produtor, C1 = Consumidor primário, C2 = consumidor secundário, C3 = consumidor terciário e S = saprótrofo. Adaptado da fonte: Wikimedia Commons, the tree media repository. A produtividade nos ecossistemas: conceitos e fatores de influência As plantas, as algas, as bactérias fotossintetizantes, as cianobactérias e organismos quimiossintetizantes são os responsáveis pela produção primária dos ecossistemas. A 72 UNIDADE II │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA produtividade primária é expressa pela taxa de produção. A produção primária bruta é a taxa total de fotossíntese ou assimilação total. A produção primária líquida é a taxa de armazenamento da matéria orgânica produzida nos tecidos do organismo. Em uma comunidade, a produtividade líquida é taxa de produção primária líquida menos a taxa utilizada pelos organismos heterótrofos, em um dado período do tempo. É chamada de produtividade secundária a taxa de armazenamento/assimilação de energia nos tecidos dos animais consumidores. A eficiência fotossintética é uma medida útil das taxas de produção primária sob condições naturais. A eficiência é expressa pela percentagem de energia solar absorvida que foi convertida em produção primária durante uma estação de crescimento. A taxa de assimilação fotossintética é influenciada pela temperatura e pela luz. Até certo ponto, temperaturas mais altas aumentam a taxa, acima de um ponto ótimo, a taxa de respiração aumenta e a taxa de assimilação diminui. Segundo RICKLEFS (2003), a temperatura ótima para a fotossíntese varia de acordo com a temperatura que prevalece no ambiente onde o organismo fotossintético se encontra: espécies de ambientes temperados costumam ter maior eficiência sob temperaturas em torno de 16°C, enquanto espécies de ambientes tropicais têm maior eficiência sob temperaturas em torno de 38°C. Assim como a temperatura, até certo ponto, quanto maior a luminosidade, maior a taxa de fotossíntese. Até certo ponto, porque a fotossíntese se torna constante quando o ponto de saturação dos pigmentos fotossintetizadores é atingido. Plantas que vivem constantemente sob o sol, portanto, não são limitadas pela quantidade de luz, mas pela sua própria capacidade fotossintética. Já as plantas que vivem sob a sombra,têm a fotossíntese limitada pela baixa luminosidade. A produção primária em ambos os casos é dependente da taxa de respiração. O saldo de energia é positivo a partir do momento em que a taxa de assimilação pela fotossíntese excede a taxa de respiração, isto é, excede o ponto de compensação, no qual as taxas de assimilação e respiração estão em equilíbrio, momento em que tudo o que é assimilado é gasto na respiração. A disponibilidade de água e nutrientes no ambiente também limita a produção primária. Os estômatos, órgãos foliares pelos quais a planta realiza a troca CO2 por O2 com a atmosfera durante a fotossíntese, são também os órgãos pelos quais as plantas transpiram, perdem água. Quando a quantidade de água no solo é reduzida a ponto da planta murchar, os estômatos se fecham para evitar qualquer perda de água. Com isso a fotossíntese cessa. A fotossíntese é então limitada pela disponibilidade de água e pela 73 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA │UNIDADE II capacidade da planta em tolerar a falta de água, esta última expressa pela eficiência de transpiração ou eficiência no uso da água. As plantas podem contornar o estresse hídrico. As diferentes espécies apresentam tipos de fotossíntese adequados aos ambientes e sua limitação hídrica. As vias de fotossíntese existentes são: C3, C4 e CAM. Para entender tais vias, leia as referências indicadas ao final do capítulo. Quanto à disponibilidade de nutrientes, as respostas variam de acordo com os recursos limitantes do ambiente onde se encontram. As plantas geralmente respondem a fertilizante a base de nitrogênio e fósforo. Plantas com bactérias fixadoras associadas às raízes, por exemplo, podem responder à adição de fósforo e não ao nitrogênio, pois esse último não é o fator limitante ao seu crescimento. Outras podem responder ao nitrogênio e não ao fósforo ou podem ter sua taxa de produção reduzida em resposta ao fósforo. Em ecossistemas aquáticos, os nutrientes costumam ser mais limitantes para a produção primária, especialmente em mar aberto, que recebe pouco aporte de nutrientes. O fluxo de energia nas cadeias e nas teias tróficas Como vimos, a transferência energética ocorre de um nível trófico a outro por meio dos organismos que os compõem. Até 95% da energia potencial pode ser perdida em cada transferência. Isso porque cada organismo precisa utilizar parte da energia que obtém para sua própria manutenção, para realizar suas atividades, crescer e se reproduzir. A perda energética se dá (1) pela não digestão de determinados componentes, como a celulose em organismos vegetais, pelos, carapaça quitinosa, ossos etc. em organismos animais. Esses componentes são gestados pelos consumidores; (2) pela perda de energia assimilada via calor (respiração), e (3) perda de energia assimilada por meio de excretas. Segundo Ricklefs (2003), o balanço de energia de um organismo pode ser expressado da seguinte forma: Energia ingerida – energia egestada – energia assimilada Energia assimilada – respiração – excreção – produção A percentagem de energia que é transferida de um nível a outro revela a eficiência ecológica da cadeia alimentar. 74 UNIDADE II │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA Classificação de ecossistemas baseada na energia Os ecossistemas podem ser divididos em quatro classes básicas de acordo com a fonte de energia, o nível e a quantidade. Uma primeira classificação separa os sistemas em sistemas de energia solar e sistemas de energia combustível. A seguir os ecossistemas podem ser classificados como: 1. Ecossistemas naturais que dependem da energia solar, sem outros subsídios, isto é, sem outras fontes de energia auxiliar. O oceano aberto é um exemplo deste tipo de ecossistema. Toda sua produção (que é baixa) depende da luz do sol. 2. Ecossistemas naturais que dependem da energia solar, com subsídios naturais, isto é, com auxílio de outras fontes de energia. Os estuários são exemplos deste tipo de ecossistema que recebe como subsidio a energia das marés: o fluxo da água neste caso auxilia na reciclagem de nutrientes e transporta os dejetos, assim os organismos ficam livres dessa “tarefa” e podem “se dedicar” a converter mais eficientemente a energia solar em matéria, isto é, aumentar a produtividade do ecossistema. 3. Ecossistemas que dependem da energia solar, com subsídios antropogênicos, isto é, com subsidio de energia fornecido pelo homem. São exemplos deste tipo de ecossistema, as culturas de alimento (agricultura), que produzem a partir da energia solar e do combustível humano (trabalho/esforço humano) e/ou fornecido pelo homem (fertilização, irrigação, controle de pragas). 4. Sistemas urbano-industriais, movidos a combustível aí estão as nossas cidades e centro industriais. ODUM, E.P. Ecologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1988. 75 CAPÍTULO 2 O meio físico e a biosfera Introdução O meio ou ambiente físico é o palco da existência das diversas formas de vida. É caracterizado pelos fatores abióticos, como o clima, o movimento da água, do ar etc., que controlam a presença/ausência e abundância das espécies e, por consequência, a composição das comunidades e distribuição dos ecossistemas. A vida é dependente do mundo físico, é este que provê os elementos necessários a existência e ao mesmo tempo limita/regula sua expressão. Condições As condições são as características físicas, químicas e também bióticas de um ambiente, que diferente dos recursos, não são consumidas ou esgotadas pelos organismos. Mas que, assim como os recursos, exercem influência sobre os organismos, suas populações e, consequentemente sobre a estrutura e composição das comunidades, limitando ou facilitando o estabelecimento das espécies. Falamos até o capítulo anterior sobre as condições biológicas (ex.: interações intra e interespecíficas) que permitem ou não a presença das espécies e dirigem a estruturação das comunidades. O clima Podemos dizer que, num primeiro momento, as condições abióticas é que são responsáveis pelos limites de distribuição das espécies. As condições climáticas, por exemplo, são os principais determinantes da distribuição dos biomas ou ecossistemas na Terra, como veremos com mais detalhes no próximo capítulo. O clima é definido pelas condições médias (ex.: temperatura média, precipitação média) dos elementos que o compõe em cada região ou zona durante determinados períodos de tempo. Os principais elementos do clima são a pressão, a temperatura, a umidade, a precipitação e os ventos. Os fatores que os influenciam, desde a macroescala até a microescala, são: em maior escala a latitude, a altitude e o relevo, a continentalidade e a oceanidade, e as correntes oceânicas; em menor escala (topoescala), a configuração 76 UNIDADE II │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA e exposição do terreno; e em microescala, a cobertura do terreno (o tipo de cobertura vegetal, por exemplo, influencia diretamente o microclima local e regional). O estudo de todos os elementos que compõe e influenciam o clima gerou inúmeras classificações ou definições de zonas climáticas, nas quais o clima é homogêneo. A mais famosa classificação conhecida é a de Köppen (KÖPPEN, 1948), adotada por uma grande quantidade de ecólogos, pelo menos para caracterizar suas áreas de estudo em termos climáticos, por ser sistematizada, de amplo uso e fácil reconhecimento das categorias de clima. Procure, por meio de pesquisas online, como os seguintes fatores influenciam o clima: 1. latitude; 2. altitude; 3. relevo; 4. continentalidade; 5. oceanidade; 6. correntes oceânicas; 7. configuração, exposição e cobertura do terreno. A movimentação do ar A entrada de energia solar nos ambientes aquáticos e terrestres além de permitir a sustentação de vida pelo processo de fotossíntese gera outros processos importantes para a vida como a movimentação do ar. A luz que chegaa Terra é absorvida pela superfície terrestre e aquática e transformada em energia térmica. Como a luz não é absorvida de modo homogêneo por toda superfície do planeta, pois também não incide de forma igual por todo o planeta (seu padrão de incidência muda à medida que a Terra se movimenta ao longo do ano, por exemplo), áreas quentes e áreas frias são criadas. As regiões tropicais, que recebem os raios de sol durante todo o ano, de forma praticamente perpendicular, são as regiões mais aquecidas, enquanto as regiões polares são mais frias. O ar mais aquecido (e mais leve) tende a subir das baixas altitudes e é substituído pelas massas de ar mais frias (e pesadas) que descem de altitudes mais altas. Essa movimentação de massas de ar determina a formação dos ventos, que variam de acordo com o local e com as características inerentes à região onde são formados. 77 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA │UNIDADE II A ação dos ventos é importante para os ecossistemas, pois carrega a umidade, distribui o calor, renova o ar, dispersa sementes e pólen, ajuda na dispersão de diversos insetos importantes para os ecossistemas, dentre outros fatores. A dispersão de “poeira” do deserto do Saara para a Floresta Amazônica é um exemplo da importância da ação dos ventos em macroescala. Estudos recentes mostraram que a floresta depende de minerais e nutrientes presentes nas toneladas poeira trazidas anualmente pelos ventos, para a fertilização do solo. Outro estudo apontou também para um efeito importante da poeira do Saara sobre o regime de chuvas na Bacia Amazônica. LOPES, R.J. A chuva que vem do Saara. Disponível em: <http://revistapesquisa. fapesp.br/wp-content/uploads/2009/07/A-chuva-que-vem-do-Saara.pdf>. Acesso em: 1 jun. 2014 KOREN, I. et al. The Bodélé depression: a single spot in the Sahara that provides most of the mineral dust to the Amazon forest. Environmental ResearchLetters, 1(1): 014005. 2006. Disponível em: <http://iopscience.iop. org/1748-9326/1/1/014005/pdf/1748-9326_1_1_014005.pdf>. Acesso em: 1 jun. 2014 BRISTOW, C.S. et al. Fertilizing the Amazon and equatorial Atlantic with West African dust.Geophysical Research Letters, 37(14):1-5. 2010. Disponível em: <http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1029/2010GL043486/pdf>. Acesso em: 1 jun. 2014. Os ciclos biogeoquímicos Poderíamos ter tratado dos ciclos biogeoquímicos no capítulo anterior, na Ecologia de ecossistemas, afinal as transformações da energia estão intimamente ligadas à reciclagem dos elementos e todas elas envolvem os diversos seres vivos. No entanto, a água e os nutrientes minerais são componentes do meio físico, por isso trataremos dos ciclos biogeoquímicos aqui. Os elementos químicos essenciais à vida circulam pela biosfera via ambiente-organismos- ambiente. Diferente da energia que se perde ao longo seu fluxo nos ecossistemas, os nutrientes são reciclados, sendo constantemente liberados e reabsorvidos pelos organismos. A entrada de energia nos ecossistemas depende da irradiação diária de luz solar no planeta, pois ao ser assimilada, e sofrer subsequentes transformações, é perdida e não pode mais ser aproveitada. Os elementos químicos, no entanto, podem passar por diversas transformações e depois de expelidos no ambiente podem ser absorvidos novamente para uso. 78 UNIDADE II │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA A água A água é essencial para a vida, sendo parte constituinte das células de todos os organismos viventes. É abundante nesse planeta e possui muitas características ou propriedades que favorecem a manutenção da vida: ela é, por exemplo, um ótimo solvente, essencial para a maioria dos processos bioquímicos e porque tornam acessível aos organismos as diversas substâncias que nela se dissolvem facilmente (ex.: nutrientes minerais). As suas propriedades térmicas ou coligativas, o seu empuxo e sua viscosidade também são características que favorecem a vida. A água permanece no estado liquido dentro de um amplo intervalo de temperatura e resiste à mudança de estado. É necessária muita energia para fazê-la congelar ou evaporar. Além disso, a água se torna menos densa em temperaturas mais baixas (diferente da maioria das substâncias), à medida que é resfriada a seguir de 4°C até o congelamento. Essas propriedades térmicas são importantes, por exemplo, para que corpos d’água grandes não congelem e para que a parte que congele (menos densa) flutue. A camada superficial de gelo flutuante também impede que o fundo do corpo d’água se congele e mate os animais e as plantas que o habitam. A viscosidade e o empuxo da água, apesar de impor algumas dificuldades para o desenvolvimento da vida são extremamente essenciais a ela. A baixa viscosidade da água facilita as trocas hídricas dos organismos e o empuxo ou força de flutuação (força exercida pela água que empurra um corpo submerso de baixo para cima) permite que os organismos se sustentem na coluna d’água. Os limites ou dificuldades impostos por essas propriedades são muito bem contornados pelos organismos aquáticos. Ao tempo que a viscosidade da água oferece resistência ao movimento de um peixe, este “responde” com um formato corporal hidrodinâmico que lhe facilita o movimento e, o empuxo, apesar de poder restringir a movimentação vertical de um organismo este, em contrapartida, tem mecanismos para contornar o problema. Muitas espécies de peixes, por exemplo, podem afundar ou subir na coluna d’água utilizando a bexiga natatória, órgão pelo qual armazenam ar para subir ou do qual expelem o ar para afundar. Os maiores reservatórios ou pools de água no planeta são os oceanos e os menores são os rios e lagos (TOWNSEND et al., 2006). O ciclo hidrológico pode ser observado na Figura 26. 79 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA │UNIDADE II Figura 26. Ciclo hidrológico Fonte: Wikimedia Commons, the free media repository. Os nutrientes Uma série de nutrientes ou elementos químicos são necessários à manutenção da vida. O nitrogênio, o fósforo e o potássio, por exemplo, são essenciais para o crescimento e desenvolvimento das plantas. Tais elementos são retirados, por elas, do solo e da atmosfera, como é o caso do nitrogênio, capturado e fixado pelos microrganismos associados às raízes de uma variedade de plantas. Os ciclos biogeoquímicos podem se enquadrar em dois grupos de acordo com a origem do elemento envolvido: 1. tipo gasoso, quando seu maior reservatório se encontra na atmosfera e; 2. tipo sedimentar, quando seu reservatório se encontra nos solos e os sedimentos da crosta terrestre. O fósforo e o potássio são exemplos de elementos cujo ciclo é do tipo sedimentar, uma vez que eles provêm do desgaste mineral (ex.: intemperismo de rochas). 80 UNIDADE II │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA Não iremos tratar com detalhes aprofundados aqui os ciclos biogeoquímicos dos quais alguns dos principais nutrientes fazem parte, portanto, procure fazer a leitura das referências sugeridas no quadro a seguir. Sobre os ciclos biogeoquímicos: ROSA, R.S. et al. Importância da compreensão dos ciclos biogeoquímicos para o desenvolvimento sustentável. Monografia: USP. 2003. Disponível em: <http://www.iqsc.usp.br/iqsc/servidores/docentes/pessoal/mrezende/ arquivos/EDUC-AMB-Ciclos-Biogeoquimicos.pdf>. Acesso em: 1 jun. 2014. TOWNSEND, C.R.; BEGON, M.; HARPER, J.L. Fundamentos em Ecologia. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. A Biosfera A “bio” (do grego bios=vida) “sfera” (também do grego sfaira=esfera), ou esfera da vida, também chamada de ecosfera, é o conjunto de todos os ecossistemas do globo terrestre e envolve, consequentemente, três tipos de ambientes primordiais: a atmosfera (camada gasosa), a litosfera (camada formada pelas rochas, solo, manto e núcleo terrestre) e a hidrosfera (camada ocupada pela água superficial e subterrânea). A hipótese de Gaia(ou hipótese biogeoquímica) Criada pelo cientista inglês, James Lovelock (1979), a hipótese sustenta que a Terra é um grande organismo vivo capaz de se autorregular. Seu nome provém da mitologia grega, em homenagem a deusa Gaia, deusa da Terra, mãe de todos os seres viventes. A hipótese sugere que Gaia (a Terra) é capaz de obter energia, regular “seu meio” (clima, temperatura, características químicas), eliminar seus resíduos e combater suas enfermidades, assim como o faz qualquer organismo vivo. Segundo Lovelock, a regulação se daria pelas diversas interações entre os elementos bióticos e abióticos, especialmente pela capacidade dos seres vivos em controlar os elementos abióticos, isto é, a capacidade dos organismos de modificar o ambiente em que vivem para torná-lo mais adequado a sua sobrevivência. Uma forte justificativa para tal afirmação está no fato de que, há milhões de anos, nossa atmosfera foi moldada por organismos vivos e até hoje sua composição parece depender deles, sobretudo dos seres fotossintetizantes. Em sua forma mais simplificada, a hipótese é aceita por muitos cientistas, no entanto, o aprofundamento dessa questão por Lovelock tem sido alvo de muitas críticas. 81 CAPÍTULO 3 Biomas terrestres, domínios fitogeográficos e regiões biogeográficas O conceito de Bioma Bioma é um termo usado para denominar um grande biossistema, caracterizado pela presença predominante de um tipo fisionômico de vegetação. Além dessa, existem outras diferentes definições para o termo, mas todas têm pontos em comum que se sobressaem. Segundo BATALHA (2011), esses pontos são os seguintes: “(1) o conceito de bioma é fisionômico, isto é, leva-se em conta a aparência geral da vegetação, resultante do predomínio de certas formas de vida; (2) o conceito de bioma é funcional, isto é, levam-se em conta aspectos como os ritmos de crescimento e reprodução; (3) o conceito de bioma não é florístico, isto é, a afinidade taxonômica das espécies que aparecem em várias unidades de um mesmo bioma é irrelevante; (4) o conceito de bioma é delimitado pela vegetação, mas engloba além dela, toda a demais biota; e (5) o conceito de bioma é aplicável à Terra como um todo e não a esta ou àquela região.” De acordo com a definição presente no Dicionário de Ecologia de Oxford (2004), o termo bioma se refere a: “uma subdivisão biológica que reflete o caráter fisionômico e ecológico da vegetação. Biomas são as maiores comunidades bióticas e geográficas que são convenientes de serem reconhecidas. Eles correspondem, grosso modo, às regiões climáticas, ainda que outros controles ambientais sejam algumas vezes importantes. Eles são equivalentes ao conceito de principais formações vegetais na Ecologia Vegetal, mas são definidos em termos de todos os organismos vivos e de suas interações com o meio (e não apenas com o tipo de vegetação dominante). Tipicamente, biomas distintos são reconhecidos para todas as principais regiões climáticas no mundo, enfatizando as adaptações dos organismos aos seus ambientes, ex.:, bioma das florestas tropicais pluviais, bioma dos desertos, bioma das tundras”. (OXFORD, 2004; apud BATALHA, 2011). O clima é o principal fator que define as fronteiras dos biomas terrestres. Regiões da Terra que possuem condições climáticas semelhantes normalmente apresentam também 82 UNIDADE II │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA biomas similares, assim, ao olharmos para regiões em uma mesma latitude como, por exemplo, a linha do Equador no globo terrestre encontramos predominantemente as Florestas Tropicais como a Floresta Amazônica na América do Sul, a Floresta do Congo na África e as Florestas tropicais do sudeste asiático e de ilhas na Oceania. A topografia e fatores edáficos também têm influência sobre a distribuição da vegetação, ainda que somente na distribuição local ou regional. O clima pode variar de acordo com a topografia: regiões montanhosas, por exemplo, tendem a ter condições climáticas diferenciadas. Por isso, é possível encontrar nas cadeias montanhosas tipos muito distintos de vegetação, de florestas até campos abertos, de acordo com a variação na altitude. O mesmo acontece para solos com diferentes capacidades de reter água e disponibilizar nutrientes, que permitem o estabelecimento de determinada flora e limitam de outras, de modo que possa haver a constituição de diferentes tipos de vegetação de acordo com a saturação de água no solo. A classificação dos Biomas pode variar de acordo com a abordagem de alguns autores, mas em geral, os principais biomas mundiais são reconhecidos de forma bastante similar na literatura científica. Seguem adiante os biomas mais citados por autores da Ecologia e uma breve descrição de cada: Tundra Este bioma ocupa as regiões mais frias do planeta. Uma vez que o Hemisfério Norte possui maior extensão de terras emersas do globo, as maiores áreas de vegetação do tipo Tundra se encontram lá. O Canadá, o extremo norte da Europa e o norte da Ásia, que compreende basicamente a Rússia e algumas ilhas pertencentes ao Japão, são as principais regiões por onde a Tundra se distribui. Também é possível encontrar este bioma em uma pequena porção da Antártica, onde existe rochas expostas ou solo raso, correspondente a algumas ilhas e à península Antártica somente. Por fim, é possível encontrar o bioma Tundra no topo das montanhas das cadeias mais altas ao redor do mundo, sempre acima do limite de altitude que define condições similares ao clima polar. A Tundra é caracterizada por uma vegetação baixa ou rasteira, sem árvores. A ausência de árvores é devido às baixas temperaturas e curtos períodos de crescimento (verão). É composta principalmente por musgos, líquens, plantas herbáceas como as gramíneas, e por alguns exemplares de arbustos de pequeno porte. Durante um período do ano, costuma ficar inteiramente coberta por neve. 83 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA │UNIDADE II Taiga ou Floresta Boreal de Coníferas É o maior bioma do mundo. Cobre boa parte do Canadá e um pouco dos Estados Unidos (América do Norte), a Islândia e a península escandinava (norte da Europa) e em boa parte da Rússia na região conhecida como Sibéria, no norte da Mongólia e em ilhas do norte do Japão (norte da Ásia). A Taiga é caracterizada por extensas florestas de árvores coníferas, com o predomínio de poucas espécies de árvores, sendo os Pinheiros as mais comuns. Apesar de ser a maior floresta do mundo, a baixa diversidade biológica de plantas e de animais ocorre devido ao clima muito frio e sazonalidade acentuada. Florestas Temperadas A zona temperada do globo, onde as estações do ano são bem definidas, abrigam o bioma das Florestas Temperadas. No Hemisfério Norte ocorrem em boa parte da América do Norte (Estados Unidos e Canadá), é o tipo florestal predominante na Europa e na Ásia, ocorre na Turquia, na China, no Japão e em outros países. No Hemisfério Sul são encontradas no Chile e Argentina, em partes da Austrália e Nova Zelândia. A Floresta Temperada é um bioma com temperatura maior do que os citados anteriormente, fazendo dele mais biodiversificado do que a Tundra e a Taiga. Geralmente se distribui por áreas de clima úmido, porém, algumas florestas apresentam estação seca bem definida. Estão presentes árvores coníferas e outras gimnospermas, contudo, não são espécies dominantes. Árvores decíduas (que perdem as folhas no inverno) e semi-decíduas estão presentes nas florestas temperadas. Florestas pluviosas tropical e equatorial As florestas mais produtivas e biodiversificadas ocorrem entre os trópicos de Câncer (Hemisfério Norte) e de Capricórnio (Hemisfério Sul) até a latitude 0°, ou seja, a linha do Equador. Sua distribuição abrange países da América Latina, incluindo o Brasil com dois representantes: a Mata Atlântica (tropical) e a Floresta Amazônica (equatorial). Na África, citamos as florestas da porção oeste e a grande Florestado Congo no centro do continente. Ocorre ainda em partes da Índia, na Indonésia e sudeste asiático, e na porção norte da Oceania. São caracterizadas por receberem um maior fluxo de energia devido à constante entrada de raios solares ao longo de todo o ano, e também por sofrerem forte influência 84 UNIDADE II │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA das chuvas. Isso faz com que os ecossistemas que representam as florestas pluviosas sejam altamente produtivos. Na verdade, essas são as florestas com a maior diversidade de seres vivos de todo o mundo, sendo que dentre elas, as da América do Sul (Mata Atlântica e Floresta Amazônica) são as campeãs. Savanas As savanas se distribuem pela zona temperada, subtropical e tropical, especialmente em regiões onde há grande sazonalidade entre dois períodos bem distintos, a época chuvosa e o período de baixa pluviosidade (ou totalmente sem chuva, em algumas savanas). Ocupam várias regiões da América do Sul e do Norte, da África e da Austrália, e em pontos da Índia E podem ocorrer em mosaico com outro grande bioma, os campos. Sofrem influência do fogo, um elemento natural provocado pelos raios das primeiras tempestades do período chuvoso, enquanto a vegetação ainda está seca. As árvores típicas bastantes esparsas, os arbustos distantes uns dos outros e o estrato herbáceo predominante são as principais características das savanas. A biodiversidade encontrada nas savanas é alta, mas não tanto quanto nas florestas pluviosas. O que mais chama a atenção é o fato desses ambientes serem adequados à megafauna, animais com porte avantajado em um mundo em que a esmagadora maioria dos animais existentes pesa menos do que alguns gramas. Não é à toa que os documentários sobre as savanas da África costumam fascinar e cativar muitas pessoas. Foi nesse ambiente savânico que uma importante linhagem primatas de grande porte, representante da megafauna de mamíferos do Pleistoceno, prosperou, de modo que muito tempo depois algumas espécies desse ramo evolutivo dominaram boa parte do mundo. Hoje, restam apenas nós, seres humanos (Homo sapiens sapiens), sobreviventes de um processo evolutivo que ocorreu majoritariamente em savanas, seguido de áreas úmidas. Campos e pradarias Nas regiões temperadas, subtropicais e tropicais, também ocorrem os campos (em inglês, Grasslands) e as pradarias. Estes estão distribuídos por todo o mundo em todos os continentes, com exceção da Antártica. Em cada região de ocorrência recebe diferentes nomes (assim como as savanas e florestas), como pampas, estepes, pradarias etc. O bioma pode apresentar uma grande variedade de tipos de campos, como por exemplo: campos secos, campos alagáveis, campos rupestres e de altitude etc. São caracterizados pelo domínio do estrato herbáceo, especialmente por gramíneas e ciperáceas. Alguns campos também podem apresentar arbustos pequenos e bastante 85 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA │UNIDADE II esparsos, em baixa densidade. Existe uma estação seca e outra chuvosa bem definida na maior parte da distribuição mundial desse bioma. A maioria dos seus ecossistemas sofre influência do fogo, sendo que adaptações a este fator natural que altera o ambiente são comumente encontradas em representantes da fauna e flora dos campos. Dentre os biomas terrestres, é o mais ameaçado e o mais alterado pelo homem, principalmente devido à facilidade de ocupação por serem áreas muito abertas e geralmente aplainadas ou com colinas suaves. Pastagens para o gado são consideradas “campos antrópicos”, ou seja, campos criados pelo homem, da mesma forma que algumas monoculturas. Esses são ecossistemas extremamente pobres em número de espécies que conseguem habitá-los. Os desertos e regiões áridas Os desertos e regiões áridas cobrem quase 20% de toda a superfície terrestre continental, sendo considerado o maior bioma terrestre. Existem desertos na América do Sul e do Norte, África, Ásia e na Austrália. Apesar de apresentarem similaridades, as regiões áridas e semi-áridas são distintas dos verdadeiros desertos. Regiões áridas e semi-áridas que favorecem a vegetação xerofítica (ou xerofílica) existem em todos os continentes, mas onde há regiões desérticas o clima árido tende a ocorrer em sua borda, circundando desertos, seguido do semi-árido. Ou seja, o bioma dos Desertos e os biomas Xerofíticos (uma referência às plantas adaptadas à escassez de água) podem estar associados. Ou não, por exemplo: existem regiões áridas na Europa, que estão sob influência do deserto do Saara, assim como regiões semi-áridas na América do Sul que são totalmente desconectadas de desertos, como a Caatinga brasileira. Dessa forma, os desertos e as regiões áridas podem se constituir em dois tipos distintos de biomas mundiais para uma boa parte dos ecólogos, mas tratado como um único bioma por outra parcela significativa das pessoas. Esses biomas são caracterizados por escassez de água, sendo que a evaporação sempre é maior do que a precipitação nos desertos, sendo que nas regiões áridas e semi-áridas, isso ocorre no período de seca, mas pode não ocorrer durante o curto período chuvoso. Nas regiões áridas, a precipitação anual é geralmente inferior a 250mm, e nas semi-áridas, podem variar de 300mm a 800mm (como na Caatinga, considerada uma das regiões de clima sermi-árido mais biodiversas do mundo). Entretanto, em alguns desertos podem passar anos sem chuva, ao passo que em outros a chuva pode acontecer em intervalos irregulares de 1-3 anos, ou alguns desertos em que há chuva anualmente, porém, em quantidade inferior a 50mm. A vegetação xerófita destas regiões é adaptada a essas condições. Quanto menor a quantidade de água disponível, menor é a biodiversidade. 86 UNIDADE II │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA Portanto, os desertos apresentam a menor diversidade biológica dentre os biomas, entretanto, as espécies que neles vivem tendem a ser extraordinariamente adaptadas. Já as regiões semi-áridas, por exemplo, podem apresentar uma biodiversidade considerável, uma vez que existe pluviosidade suficiente para ultrapassar a evaporação em pelo menos uma época do ano. As comunidades tendem a apresentar recursos biológicos para a manutenção e armazenamento dessa água para enfrentar a estação seca, ou comportamentais, no caso de animais que “hibernam” em desertos e outros que buscam fontes alternativas. Há ainda outros biomas mundiais de menor expressividade ou que não foram citados por estarem compreendidos dentro de algum dos biomas apresentados, uma vez que a separação e agrupamento de tipos de vegetação associadas ao clima depende do referencial teórico escolhido para ser seguido. Além disso, há os biomas aquáticos, cuja definição e categorização é mais recente. Domínios fitogeográficos brasileiros: os “biomas” do Brasil Como foi visto no item anterior, “Bioma” é um termo cunhado por ecólogos para que fossem caracterizados e definidos limites para conjuntos de tipos ecossistêmicos associados que apresentam uma determinada estrutura da vegetação (Florestas, Campos, Savanas, Desertos), distribuídos pelo mundo de acordo com o clima e a latitude. Entretanto, no Brasil o termo foi apropriado por pesquisadores vinculados ou financiados por iniciativas governamentais nas últimas décadas. Uma grande quantidade de estudos foi desenvolvida e seus resultados publicados utilizando o termo “Bioma” para se referir aos grandes tipos ecossistêmicos que se constituem, tecnicamente, em Domínios Morfoclimáticos e Fitogeográficos. O governo brasileiro, e hoje, em especial, o Ministério do Meio Ambiente, adotaram o termo “Bioma”, assim como o IBGE, como termo único que descreve os domínios de paisagens brasileiras. Esse impasse quanto ao uso do termo gera, com frequência, tentativas de esclarecimento por meio de publicações de artigos, discussões, debates etc. O importante é saber qual é osignificado original do termo Bioma e qual é o uso oficial (pelo Governo brasileiro) do termo. Afinal, na hora de se trabalhar com Ecologia, com Conservação da Biodiversidade e em áreas afins, é preciso adaptar o discurso para que seja bem compreendido. Ou seja, se for submeter um projeto de conservação em busca de financiamento aqui no Brasil, é melhor utilizar o termo Bioma em seu uso mais restrito, adotado pelas instituições governamentais. 87 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA │UNIDADE II Visão da ecologia geral De acordo com ecólogos pesquisadores de outros países, o Brasil possui grandes conjuntos ecossistêmicos que são representantes dos seguintes biomas mundiais: Florestas pluviosas tropical e equatorial, Savanas, Campos e um Bioma Xerofítico. Cada domínio fitogeográfico representante de um bioma mundial recebe um nome local, como acontece em todo o mundo. A Floresta Amazônica, por exemplo, é o domínio fitogeográfico brasileiro representante do bioma mundial conhecido por Floresta pluviosa equatorial, da mesma forma que a Floresta do Congo (outro nome local) é representante africana deste mesmo bioma. Parte do Cerrado apresenta vegetação savânica, e nós o conhecemos por Cerrado ou Cerrado ralo. Na África, uma de suas savanas mais famosas chama-se Serengueti. E assim por diante... Visão adotada no Brasil De acordo com o padrão mais difundido aqui no Brasil, nosso país possui um conjunto de Biomas, os quais correspondem a domínios morfoclimáticos e fitogeográficos ou a “complexoecossistêmico” (ou conjunto ecossistêmico). De acordo com o IBGE e o MMA, são sete os principais biomas brasileiros: Amazônia, Mata Atlântica, Cerrado, Caatinga, Pampas (campos sulinos), Pantanal e “Zona Costeira”. Entende-se que a zona costeira é uma região com múltiplos ecossistemas muito próximos, difíceis de serem categorizados separadamente. Veja o mapa apresentado na Figura 27. 88 UNIDADE II │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA Figura 27. Biomas brasileiros, de acordo com a padronização oficial adotada por órgãos governamentais. A região costeira não foi delimitada nesta versão. Mapa obtido, adaptado e editado no software livre de geoprocessamento i3Geo (vers.4.6 SP12), Ministério do Meio Ambiente. Busque informações sobre os biomas brasileiros representados na Figura 27. Descreva, para cada um deles: 1. caracterização do clima predominante; 2. tipos de vegetação mais comuns; 3. principais ameaças à biodiversidade. É necessário ressaltar uma questão importante relacionada à essa categorização: com ela, conservar um determinado ecossistema torna-se, teoricamente, mais fácil. Afinal, ao falar “Cerrado”, você faz-se entendido com maior facilidade do que se especificasse um tipo ecossistêmico que existe dentro do Cerrado ou se o chamasse de Savana. No caso do Cerrado, existem artigos que discutem a questão. Veja o próximo quadro com sugestões de leitura. BATALHA, Marco Antônio. O cerrado não é um bioma. Biota Neotropica, v. 11, n. 1, pp. 1-4, 2011. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/bn/v11n1/01.pdf>. Acesso em: 18 maio 2014. COUTINHO, Leopoldo M. O conceito de cerrado. Revista brasileira de Botânica, pp. 17-23. 1978. Disponível em: <http://www.fcfar.unesp.br/arquivos/ link/20110627131804532020.pdf>. Acesso em: 18 maio 2014. 89 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA │UNIDADE II A figura a seguir corresponde a um gradiente estrutural da vegetação característico do Cerrado. Ou seja, no que chamamos de bioma Cerrado, existem esses e inúmeros outros tipos de vegetação com estruturas distintas entre si. Questão 1. Indique quais tipos de “biomas globais” podem ser encontrados no Cerrado, de modo a fazer a correspondência de um ou mais números da imagem com os tipos de bioma que mais se assemelham. Questão 2. Os fatores que contribuem para a manutenção e ocorrência de um bioma podem ir além do clima, como já foi dito. Para que uma vegetação campestre (campo ou savana aberta) continue existindo, alguns fatores ecológicos contribuem ativamente para que esses ambientes não fiquem densos ou sejam tomados por arbustos e árvores, transformando-se em matas e até florestas densas. a. Cite pelo menos 3 fatores que contribuem para a persistência de vegetação campestre e das savanas abertas. b. No Cerrado, os cupins e outros insetos são os principais animais que se alimentam de plantas e contribuem com uma poda contínua, limitando o crescimento e estruturando a vegetação. Quais são os seus “equivalentes” ecológicos nos campos, estepes e savanas abertas do continente Africano? Veado-campeiro (Ozotocerosbezoarticus) em frente a um Cupinzeiro de grande porte, nos campos limpos de altitude do Parque Nacional da Serra da Canastra, logo após uma queimada proveniente de um fogo natural (provocado por raios no início de tempestades). Foto: MGReis. 90 UNIDADE II │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA Assim como o Cerrado, o Pantanal também exibe uma grande quantidade de tipos ecossistêmicos muito distintos. Na verdade, tecnicamente não é um bioma. O Pantanal é um complexo ecossistêmico, e dentro de tal complexo, podem ser encontrados representantes dos diferentes biomas mundiais: Florestas Equatoriais (na região sob influência da Amazônia), Florestas Tropicais, Savanas densas, Savanas abertas, Campos, áreas alagáveis muito extensas, e até pequenos pontos de vegetação xerofítica. Regiões biogeográficas no mundo Depois de estudarmos os níveis ecológicos que vão desde o indivíduo, passando pela espécie, pelas populações de cada espécie, pelo conjunto das populações que formam as comunidades, nós chegamos aos ecossistemas e depois, os Biomas. Agora, vamos abordar brevemente um nível ecológico acima de bioma: as regiões biogeográficas do mundo. As regiões biogeográficas foram identificadas originalmente pelo ornitólogo inglês Phillip Sclater (1829-1913) e pelo botânico alemão H.G.A. Engler (1844-1930) como sendo áreas imensas com uma fauna e flora particulares devido ao isolamento geográfico durante a deriva continental em larga escala que proporcionou a configuração dos continentes que vemos hoje. Ecozonas ou regiões zoogeográficas Falamos até o momento apenas sobre a definição de regiões a partir de suas características relacionadas à cobertura vegetal, no entanto, também temos regiões divididas de acordo com a distribuição de espécies animais. O naturalista Alfred Russel Wallace (1823-1913), um dos responsáveis pela consolidação científica do processo evolutivo como um fato, contribuiu de forma expressiva com a ciência conhecida como Biogeografia em seu livro “A distribuição geográfica dos animais”, em 1876. Ele, assim como outros pesquisadores, percebeu a similaridade e padrões que emergiam em diferentes ecossistemas durante suas viagens pelo mundo. Um grande exemplo, além do fato de que próximo do Equador (latitude 0°) existe maior quantidade de espécies, foi o reconhecimento da América do Sul e Central como uma das regiões mais ricas do mundo. Atualmente, sabe-se que essa região, conhecida como região Neotropical, é a mais biodiversificada para a maioria dos grandes grupos faunísticos e também florísticos. 91 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA │UNIDADE II ,Originalmente, seis macrorregiões distintas em todo o mundo foram identificadas, mas atualmente são reconhecidas oito regiões Zoogeográficas: » Paleártico: corresponde à Europa, a região mediterrânea, Saara e boa parte da Ásia. » Neártico: toda a América do Norte e a porção norte do México. » Paleotrópico ou Afrotrópico: África subsaariana, Madagascar e península arábica. » Neotrópico: América do Sul, América Central e Caribe. » Indomalaya: corresponde ao subcontinente Indiano e ao sudeste asiático. » Australasia: agrupa a Nova guiné, Austrália, Tasmânia e Nova Zelândia.» Oceania: região insular, que abrange a Polinésia, Micronésia, ilhas Fiji, » Antártica: engloba apenas a Antártica continental e suas ilhas mais próximas. Províncias fitogeográficas ou Fitocório Os termos foram cunhados para indicar uma grande região na qual a flora possui relações evolutivas com maior tendência a serem próximas entre si, um maior número de espécies taxonomicamente aparentadas e maior número de espécies e famílias endêmicas (que somente existem naquela região). Seis regiões fitogeográficas ou fitocórios podem ser encontradas no mundo: » Reino Holártico: engloba boa parte do Hemisfério Norte (América do Norte, Europa, norte da África e Ásia). » Reino Paleotropical: toda a África subsaariana, todo o sul da Ásia (Índia, Indochina), até as ilhas da Malásia, Polinésia e adiante. » Reino Capense: também conhecida como Província Florística do Cabo, é o menor Fitocório e o mais intrigante, por ocupar somente o extremo sul da África do Sul e ser consideravelmente distinto dos demais. » Reino Australiano: a Austrália. 92 UNIDADE II │FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA » Reino Neotropical: centro-sul do México, América Central, do Sul e Caribe. » Reino Antártico: toda a Antártica e suas ilhas mais próximas, parte da Terra do Fogo (sul do Chile e Argentina) e também parte do sul da Nova Zelândia. Os sistemas urbanos como (Ecos)sistemas? Se pensarmos no termo como denominação de um sistema no qual seres vivos interagem entre si e com o meio do qual fazem parte, os sistemas urbanos certamente se encaixam na definição de ecossistema. Apesar da origem antrópica, não natural, nossos sistemas funcionam sob princípios gerais bastante similares aos dos sistemas naturais: a necessidade de entrada de energia e outros elementos necessários à vida (ex.: água), o processamento e transformação da energia em recursos, a saída e a necessidade de assimilação de resíduos. Contudo, há uma diferença marcante. Nossos sistemas não são independentes nem autossustentáveis: consomem muita energia e criam resíduos (calor, lixo e outros poluentes) muito além da sua capacidade de assimilação, que é quase nula. Desde a obtenção de energia (solar, eólica, hidráulica, fóssil) até matéria prima, o sistema urbano é dependente do sistema natural ou semi-natural (rural ou domesticado), não por não ter mecanismos para importar a energia para seu interior, mas porque todas as fontes são de origem natural. Também durante o processo de transformação da energia (ex.: não é capaz de produzir alimento por si só) e na assimilação dos resíduos que produz, o sistema urbano é dependente de mecanismos naturais. Sob este ponto de vista, Odum (1988) se refere às nossas cidades de modo interessante: como parasitas dos sistemas naturais e domesticados (rurais). Eugene P. Odum em seu livro Ecology and ourendageredlife-support systems, de 1988, faz um paralelo entre a relação de dependência dos sistemas urbanos de sistemas naturais e a relação biológica entre parasitas e hospedeiros. Nesse contexto, ele aponta para o fato de que é impossível um parasita viver por muito tempo se suas ações destroem ou danificam o sistema de seu hospedeiro. A sobrevivência de tal parasita depende de uma relação harmônica: parasitas bem-adaptados não apenas não destroem seu hospedeiro, mas desenvolvem mecanismos de troca ou feedbacks que beneficiam a si mesmo e seuhospedeiro, e possibilita a prosperidade de ambos. 93 FUNDAMENTOS EM ECOLOGIA: OS ECOSSISTEMAS, O MEIO FÍSICO E A BIOSFERA │UNIDADE II Essa deveria ser a lógica de relação entre uma cidade e o sistema natural no qual está inserida, todavia essa realidade nunca foi e talvez nunca seja nossa. Desde as primeiras cidades de grandes civilizações do passado, podemos encontrar exemplos de superexploração de recursos naturais e consequente colapso. Nesse rol, estão a Ilha de Pascoa e seu povo Rapanui; e as grandes cidades ou pueblos do povo anasazi, indígenas norte americanos, que habitaram a região de Chaco Canyon. Faça uma breve pesquisa no google sobre o histórico desses povos antigos e/ou leia a seguinte referência: DIAMOND, J. Colapso: como as sociedades escolhem o fracasso ou o sucesso. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2007. » Será que nossa sociedade moderna com suas grandes cidades está seguindo os mesmos passos? » Como estamos tratando nossos recursos hídricos? » Como estamos tratando o nosso planeta, ou melhor, nosso “life- support system”? Reflita e deixe aqui sua opinião. FERNANDEZ, F. O poema imperfeito: crônicas de biologia, conservação da natureza e seus heróis. 2. ed. Curitiba: UFPR, 2005. HANAZAKI, N. Resenha: Colapso - como as sociedades escolhem o sucesso ou o fracasso. (Jared Diamond) Rio de Janeiro: Record, 2005. Ambiente e Sociedade, pp. 199-201. 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/asoc/v9n2/ v9n2a10.pdf>. Acesso em: 1 jun. 2014. ODUM, E.P. Ecology and our endagered life-support systems. Sinauer: Massachusetts. 1993. 94 UNIDADE IIITEMAS DA ECOLOGIA CAPÍTULO 1 Conservação da biodiversidade Biodiversidade Podemos encontrar como sinônimo de biodiversidade várias coisas, dentre elas, a riqueza de espécies que podem ser encontradas no mundo, em uma determinada região ou local. Essa é a visão mais difundida do termo, especialmente pela mídia. Além da quantidade de espécies, é possível citar uma explicação bastante holística, presente na educação básica, de que a Biodiversidade é o conjunto de seres vivos e das relações entre eles. Às vezes, essa definição abrange ainda a relação com o meio físico abiótico. Diversidade biológica, ou biodiversidade, pode representar muitas coisas diferentes, de acordo com o autor ou a área de atuação (ex.:, Ecologia, Educação, Ciências ambientais etc.). Aqui, utilizaremos o conceito clássico, mais técnico, de que a diversidade biológica de uma área é composta por todas as espécies de seres vivos que ali vivem (riqueza de espécies), considerando também quantidade de indivíduos de cada uma dessas espécies. Portanto, conservar a biodiversidade significa manter a riqueza de espécies e, se possível, que a abundância delas possa ser considerada próxima do normal para as condições e recursos existentes. Ao buscar a conservação efetiva da biodiversidade, outros elementos são preservados: as relações entre as diferentes espécies e as intraespecíficas, as relações das espécies com o meio abiótico, a área onde esses processos ecológicos ocorrem etc. Dessa maneira, é possível ainda que a Conservação da Biodiversidade possa ter um significado mais abrangente do que a interpretação literal destas duas palavras, justamente pelo fato de que para conservar uma parte de um contexto, é necessário preservar o contexto todo. Um grande exemplo é a conservação de grandes mamíferos. Para garantir a um felino a conservação de sua espécie, é necessário disponibilizar a ele 95 TEMAS DA ECOLOGIA│ UNIDADE III uma área mínima que ofereça caça em quantidade suficiente para a sobrevivência. Ao se criar unidades de conservação para prover essas áreas, consequentemente inúmeras outras espécies serão beneficiadas, bem como as relações ecológicas naturais que existem entre elas e com o meio abiótico. Como vimos anteriormente, as regiões tropicais são os locais com maior biodiversidade. O Brasil está na lista de países mais biodiversos. Com relação à riqueza de aves, por exemplo, nosso país ocupa o segundo lugar no ranking mundial com 1872 espécies registradas (CBRO, 2014). A Colômbia ocupa o primeiro lugar com 1889 espécies registradas, de acordo com “El Sistema de Información sobre Biodiversidad de Colombia SIBC”. O terceiro lugar também corresponde a um país da América do Sul, o Peru. Estes países e outros da América do Sul estão dentro da região Neotropical. São chamados de “países megadiversos” ou “megadiversificados”, pois sustentam porcentagens expressivas de todos os seres vivos existentes.Independente da forma como é usado, o termo Biodiversidade é muito bem compreendido no sentido prático. Em linhas gerais, é possível perceber, neste caso, que a existência de várias interpretações beneficiou o termo na medida em que passou a incluir novos elementos ecológicos, ou mesmo quando restringe seu significado (riqueza de espécies) para que os números fiquem mais fáceis de serem comparados. Extinção A extinção é um processo natural, mas sua taxa atual não (RICKLEFS, 2003). Estamos vivenciando uma perda incrivelmente acelerada de espécies da nossa flora e fauna, a maior parte de espécies de invertebrados terrestres, cuja diversidade mundial é estimada em até 15 milhões de espécies, a grande maioria ainda não está descrita ou mesmo não é conhecida pela ciência. A taxa de extinção média dos invertebrados foi calculada por Wilson (1999) com base em uma riqueza mundial de 13.620.000 espécies. A média de perda obtida foi de 81.720 espécies por ano. Apesar de algumas listas de fauna ameaçada apresentarem taxas de ameaça de vertebrados superiores as de invertebrados, essa contradição se deve a dificuldade em definir como ameaçados táxons ainda pouco estudados. Os vertebrados normalmente recebem maior atenção em estudos, ao passo que os animais pequenos e inconspícuos geralmente ficam relegados ao total desconhecimento. 96 UNIDADE III │TEMAS DA ECOLOGIA A situação de diversas espécies no mundo é alarmante e pouco está sendo feito para evitar desastres. A maior parte das ameaçadas é de origem antrópica como abordaremos a seguir. Fatores que guiam o processo de extinção São inúmeros os fatores que ameaçam a persistência das espécies na natureza, a maioria (se não todos dos dias de hoje) provenientes da ação humana. Estamos substituindo de forma acelerada e agressiva a vegetação natural por cidades e principalmente por culturas e pastagens. Nossas cidades e indústrias produzem toneladas de lixo e poluentes que são continuamente descarregados no ambiente; poluímos a água que bebemos e o solo no qual cultivamos nosso alimento; inescrupulosamente construímos uma grande quantidade de usinas hidrelétricas que afetam a dinâmica dos rios e, consequentemente, toda a fauna os habitam; consumimos os recursos naturais irracionalmente; introduzimos espécies exóticas (não nativas) que deterioram e desequilibram diversos ecossistemas; enfim, estamos guiando muitas espécies à extinção, o que provavelmente inclui nós mesmos. Estamos “desfaunando” nossas florestas e campos. Vejamos adiante as principais ações humanas que têm ameaçado a biodiversidade. REDFORD, K.H. The empty forest. Bioscience, 42:412-422. 1992. Disponível em: <http://www.biology.ufl.edu/courses/pcb5356/2011fall/kitajima/ Redford1992Biosci.pdf>. SAVEBRASIL - O fenômeno das florestas vazias: <http://savebrasil.org.br/wp/o- fenomeno-das-florestas-vazias/>. Arquivos acessados em: 2/8/2014. Principais ações humanas que provocam a perda da biodiversidade e levam à extinção de espécies Fragmentação e redução de habitats A perda de habitat é uma das principais ameaças para a biodiversidade. Ao consultar qualquer lista vermelha (lista de fauna ameaçada) estadual, nacional ou internacional (IUCN) pode-se observar que o rápido declínio das populações de diversas espécies tem como principal causa a redução dos seus habitats. De fato, muitas espécies são sensíveis a alterações no meio em que está apta a sobreviver. 97 TEMAS DA ECOLOGIA│ UNIDADE III A fragmentação, além de reduzir a disponibilidade e o tamanho dos habitats, traz outras consequências graves para a biodiversidade, como por exemplo, altera as condições do ambiente afetando a sobrevivência e reprodução de diversas espécies, isola populações, facilita a entrada de espécies não nativas, dentre outros efeitos que se seguem em cascata. A perda e fragmentação de habitats é um assunto tão importante para a ecologia da conservação que um campo relativamente novo de pesquisa vem ganhando atenção cada vez maior de cientistas, a Ecologia da Paisagem. METZGER, J.P. O que é ecologia de paisagens? Biota Neotropica, pp. 1-9. 2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/bn/v1n1-2/a06v1n1-2.pdf.> RAMBALDI, D.M.; OLIVEIRA, D.A.S. (orgs.) Fragmentação de ecossistemas: causas, efeitos sobre a biodiversidade e recomendações de políticas Públicas. Brasília: MMA/SBF, 2003. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/estruturas/chm/_ arquivos/fragment.pdf.> Arquivos acessados em: 1 jun. 2014. Introdução de espécies exóticas A introdução de espécies não nativas (ou não indígenas) em ambientes naturais pode ter consequências desastrosas para a biota local. Algumas espécies introduzidas podem se dar tão bem em seu novo ambiente que podem, mesmo dentro de pouco tempo, predominar sobre as espécies nativas ou até mesmo dizimá-las. Temos inúmeros exemplos pelo mundo de tragédias causadas pela introdução espécies não nativas. Na década de 1930, por exemplo, alguns indivíduos de sapo-cururu (Rhinella marina) foram levados da América do Sul para a Austrália com o objetivo de combater besouros que danificavam das plantações de cana-de-açúcar, no entanto, o objetivo não foi atingido e em pouco tempo os sapos, sob um clima agradável e sem predadores naturais, se tornaram numerosos. Até hoje representam grande ameaça para os animais nativos da Austrália, pois produzem toxinas de defesa que podem causar a morte dos animais que o ingerem. Já foram documentados declínios nas populações de serpentes, lagartos e crocodilos nativos como consequência da explosão populacional e expansão do sapo-cururu sul americano. Além desse caso, a Austrália tem um histórico catastrófico de introduções de animais exóticos. Como uma ilha, o país tem um alto número de espécies endêmicas, isto é, 98 UNIDADE III │TEMAS DA ECOLOGIA que só existem por lá, e a introdução acidental ou proposital de espécies não nativas (gatos, ratos, raposas, coelhos e também invertebrados como alguns tipos de formigas e de besouros) dizimou as populações de muitas dessas espécies. Os gatos se tornaram um problema tão grande na Austrália que são, atualmente, foco de campanhas governamentais para seu extermínio. Também temos casos de problemas ambientais desse tipo no Brasil. O mexilhão-dourado, por exemplo, tem ganhado espaço nos noticiários. Trazido da Ásia acidentalmente, na água de lastro de navios cargueiros, foi solto na Argentina e, a partir daí se alastrou para os países vizinhos. O mexilhão-dourado tem poucos predadores em seu novo ambiente e possui uma alta capacidade de reprodução, podendo se alastrar rapidamente pelos corpos d’água. Para a natureza, as consequências dessa invasão são: 1. a competição com espécies nativas, que leva a um declínio nas populações destas e, consequentemente, dos peixes que delas se alimentam; 2. o declínio das populações de espécies de plantas aquáticas. O mexilhão também causa danos diretos ao homem: 3. ao se fixar em tubulações de esgoto, irrigação etc., as entopem; 4. encrustam sobre as instalações e equipamentos de usinas hidrelétricas e prejudicam a produção de energia e; 5. causam prejuízos à navegação, piscicultura e à pesca, já que causam indiretamente o declínio das populações de peixes. Outro exemplo em território brasileiro é a introdução de lagartos teiús em ambiente insular, Fernando de Noronha, os quais prejudicam gravemente as populações de aves marinhas que nidificam na ilha ao se alimentarem de seus ovos. Em todos os exemplos de tragédia ambiental causada por introdução indevida de espécies que se tornam invasoras podemos reunir características comuns: as espécies não nativas encontram habitats favoráveis ao seu estabelecimento e proliferação (ex.: alimento abundante), geralmente tem poucos ou não têm predadores que controlem suas populações, e exibem diversas vantagens competitivas em relação às espécies nativas. 99 TEMAS DA ECOLOGIA│ UNIDADE III Darwin’ snightmare ou, em português, “O pesadelode Darwin”, é um documentário produzido em 2004, a partir de uma parceria entre diversos países. O documentário retrata o cenário aterrorizante, tanto sob o viés ambiental, quanto social, da introdução da perca-do-Nilo (um peixe) no lago Vitória e nos faz refletir sobre o problema da introdução e espécies não nativas em ambientes naturais. Você poderá obter mais informações sobre o mexilhão-dourado pelo site institucional do IBAMA: <http://www.ibama.gov.br/areas-tematicas/mexilhao- dourado> ou pelo site da Itaipu Binacional: <https://www.itaipu.gov.br/ meioambiente/mexilhao-dourado>. Caça indiscriminada Retrocedendo um pouco no tempo, há cerca de pouco menos de mil anos atrás, que para o tempo geológico é um estalar de dedos, nossa espécie conviveu com criaturas fantásticas em diversas partes do mundo. Na Nova Zelândia, por exemplo, existiam até pouco tempo atrás, aves endêmicas gigantes que podiam medir aproximadamente quatro metros de altura e pesar até 400kg: as moas (as maiores espécies: Dinornis giganteus e Dinornis maximus). Acredita-se que o principal motivo de sua extinção, no século XVI, tenha sido a caça predatória pelo povo Maori que colonizou a ilha nesta época. Historiadores e antropólogos, dentre outros estudiosos da cultura Maori sugerem que os guerreiros desse povo tinham a crença de que o consumo da carne das moas podia dar-lhes força e que, por consequência disso, eles teriam caçado essas aves até o seu desaparecimento. Como consequência da extinção das moas, extinguiu-se também o seu principal predador, a águia-de-haast (Harpagornis moorei), uma ave de rapina, também de grande porte, com cerca de 3 metros de envergadura (da ponta de uma asa até a outra) que pesava entre 10 e 15 kg. Ironicamente, a águia-de-haast era venerada pelo povo Maori, que se tornou seu algoz ao dizimar as suas populações de presas (ver Figura 28) 100 UNIDADE III │TEMAS DA ECOLOGIA Figura 28. Esquerda: ilustração de um guerreiro Maori caçando moas; direita: ilustração da águia-de-haast predando moas. Fonte: Wikimedia commons, the free media repository Por volta de um século depois da extinção das moas, os dodôs (Raphus cucullatus), aves interessantes que viviam nas Ilhas Maurício, também foram extintas por colonizadores e exploradores. Os dodôs eram aves terrícolas que não possuíam capacidade de voar e pesavam cerca 20 kg. Por incrível que pareça, eram parentes das pombas, de um grupo que evoluiu para ocupar o solo e perdeu as adaptações para o voo. Sua carne era farta e suas populações foram dizimadas por exploradores portugueses e holandeses que aportavam na ilha e as matavam para se alimentar. Além da caça, essas aves também sofreram com a introdução de espécies exóticas como, por exemplo, ratos que se alimentavam de seus ovos. A ave foi declarada extinta em 1681. Acredita-se que o declínio extremo das populações de uma espécie de planta da ilha, conhecida como a árvore-do-dodô, calvária ou tambalacoque (Sideroxylongrandiflorum), está ligada à extinção dos dodôs. Segundo alguns pesquisadores, o dodô se alimentava dos frutos da calvária e a germinação das sementes dependia da passagem pelo trato digestivo da ave. (ver Figuras 29 a, b e c) 101 TEMAS DA ECOLOGIA│ UNIDADE III Figuras 29 (a) e 29(b). Ilustrações do Dodô, aves da ordem Columbiformes que viveram nas Ilhas Maurícias há pouco tempo atrás. Figura 29(c). Esqueleto de um Dodo Fonte: Wikimedia commons Até os dias atuais, o homem vem ameaçando e extinguindo espécies pela caça excessiva tanto para fins relacionados à alimentação quanto para fins meramente esportivos ou 102 UNIDADE III │TEMAS DA ECOLOGIA por status (em algumas culturas). Recentemente, tivemos a confirmação da extinção da subespécie de rinoceronte-negro, o Dicerosbicornislongipes, que habitava a África ocidental. Segundo União Internacional de Conservação da Natureza (IUCN, 2014), o animal foi vítima da caça para comércio ilegal de chifres. Tal comércio é baseado, principalmente, na crença (não comprovada) de que os chifres de rinocerontes têm propriedades terapêuticas. Populações de outras espécies e subespécies de rinocerontes continuam sendo dizimadas para este fim. Comércio ilegal A retirada de animais da natureza para o comércio ilegal também tem ameaçado diversas espécies em todo o mundo. No Brasil, as aves estão entre as principais vítimas. Embora existam criadouros legais para aves nativas, muitos indivíduos de muitas espécies são perdidos anualmente para o tráfico. Ainda são comuns grandes apreensões de psitacídeos (ex.: papagaios e maritacas) e de aves canoras como o canário-da- terra, o azulão, o pintassilgo, aves do gênero Sporophila (ex.: patativas, coleirinhos e caboclinhos), dentre outras. Em algumas localidades do Brasil, essas espécies tiveram suas populações extremamente reduzidas, inclusive até o desaparecimento. Infelizmente depois de retirados da natureza, as aves e outros animais, dificilmente se adaptam novamente ao natural, principalmente quando retirados ainda filhotes. Muitos morrem ou são acometidos por doenças, pois são transportados sem nenhum cuidado, amontoados em gaiolas e caixas e se sobreviverem, seu destino é, na maioria das vezes, o cativeiro. Este tipo de comércio é tão prejudicial para a biodiversidade que é o foco de campanhas nacionais (Figura 30) e internacionais. RENCTAS – Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres <http:// www.renctas.org.br/trafico-de-animais/>. 103 TEMAS DA ECOLOGIA│ UNIDADE III Figura 30. Exemplo de campanha brasileira contra o comércio de animais silvestres: Bicho legal é bicho solto. Fonte: IBAMA Poluição A produção excessiva de poluentes pelos sistemas humanos tem colocado os ecossistemas em risco. Poluímos o ambiente de diversas formas, não apenas com lixo e produtos ou substâncias contaminantes que são lançados na água, ar e solo. Também poluímos os ambientes com luz e barulho, por exemplo. 104 UNIDADE III │TEMAS DA ECOLOGIA Talvez a primeira imagem de poluição que nos vem à cabeça é a de um corpo d’água contaminado e repleto de lixo; ou de uma chaminé exalando fumaça preta para o ambiente. Esse cenário é, infelizmente, muito comum nos dias atuais. Até hoje, em diversas localidades do mundo, o esgoto é lançado diretamente em corpos d’água que atravessam o meio urbano. Não precisamos entrar em detalhes para saber que a poluição acaba com a diversidade dos sistemas naturais aos quais assola. Temos inúmeros rios praticamente mortos em seus trechos que entremeiam ou rodeiam cidades. Nossos oceanos também têm sofrido com a poluição, proveniente de esgoto, substâncias químicas de embarcações (óleo, metais pesados etc.) e lixo, especialmente plástico! A quantidade de plástico fragmentado em alguns pontos do Oceano Pacífico é assustadora e temos perdido muita diversidade marinha em decorrência disto. A poluição atmosférica é também grave e tem várias consequências, especialmente para o clima de algumas localidades ou regiões. Em algumas cidades do Brasil, principalmente nas mais industrializadas (ex.: São Paulo) é comum, por exemplo, observarmos com maior frequência e com efeitos mais nocivos ao ambiente e para nossa própria saúde, o fenômeno de inversão térmica, fenômeno natural no qual a movimentação de ar na atmosfera fica impedida. Como o ar não é renovado, as partículas de poluição são mantidas na atmosfera. Agrotóxicos, pesticidas, fungicidas A aplicação cada vez mais intensa de defensivos químicos na agricultura resulta na contaminação do solo e da água com um potencial devastador: uma cadeia trófica inteira ou até mesmo toda a dinâmica natural de um ecossistema, podem ser comprometidos pela presença de toxinas no meio natural. Além do solo e água, o ar pode ser um meio de dispersão de diversos tipos de agrotóxicos e pesticidas. A influência negativa em todo o planeta por esses compostos químicos pode ser tão complexa que determinadas moléculas tóxicas lançadas nasplanícies centrais da América do Norte, como nos cinturões do milho ou da soja nos Estados Unidos entram em certas cadeias tróficas e/ou ciclos biogeoquímicos e podem ser encontrados meses ou anos depois presentes em células de tecidos de aves marinhas no Oceano Pacífico. Dentre consequências diretas imediatas, citamos a mortandade de aves, répteis, mamíferos, anfíbios e peixes. Igualmente pernicioso ao meio ambiente, porém menos perceptível aos nossos olhos, está à mortandade de insetos, vermes (como minhocas, muito importantes na natureza), de fungos e bactérias essenciais para o equilíbrio, e 105 TEMAS DA ECOLOGIA│ UNIDADE III as plantas. Como consequências em longo prazo, algumas moléculas tóxicas podem causar enfraquecimento da casca de ovos de uma população inteira de aves marinhas, fazendo com que toda uma geração seja perdida em determinado ano; podem causar efeitos comportamentais prejudiciais; podem gerar magnificação trófica, fazendo com que animais topo de cadeia alimentar sofram com doenças e outras injúrias advindas da situação; e também incontáveis outros tipos de danos. Mudanças climáticas O aquecimento global é a principal mudança climática que está, nos dias atuais, afetando diretamente a fauna, a flora e a relação entre as espécies e destas com o meio em quase todo o planeta. Apesar de haver certa desconfiança de algumas projeções, principalmente por apresentarem cenários muito cruéis para um futuro próximo (quem quer acreditar nisso?), os dados e as análises são consistentes com o que há de mais moderno em pesquisas espaciais e climatológicas. Contudo, existem inúmeras predições em que há um consenso geral, sendo que a principal é o fato de que existem fenômenos climáticos de ampla abrangência que estão modificando o padrão de clima já conhecido. Em outras palavras, o clima está mudando sim. Sabe-se, portanto, que estamos vivenciando mudanças climáticas em diversos pontos do planeta. O que não há consenso entre todos os cientistas (e também entre os políticos, muitas vezes leigos no assunto) são os seguintes pontos: I. a intensidade com que as mudanças vão ocorrer nos próximos anos; II. as consequências exatas de cada mudança ou os efeitos sinérgicos de todas; III. e a extensões dos danos para os ecossistemas e para as populações humanas. O crescimento populacional humano Não há como pensar em melhoras para o meio ambiente sem olharmos para o crescimento populacional desenfreado que se coloca quase acima da capacidade de carga do planeta. Como vimos até o momento, as espécies nativas em seus habitats naturais vivem em um equilíbrio dinâmico, mantido por uma série de fatores ecológicos, como a quantidade de recursos disponíveis, habitats com condições favoráveis, presença de competidores, de predadores e de parasitas, dentre outros. Suas populações são controladas por 106 UNIDADE III │TEMAS DA ECOLOGIA processos naturais que impõe aos indivíduos a “luta pela sobrevivência”. A população humana, no entanto, trilha um caminho diferente. O sucesso das espécies de grandes primatas hominídeos ocorreu devido ao fato de conseguir, como nenhum outro grupo de animais no planeta, alterar os habitats de uma maneira tão profunda a ponto de alterar também os aspectos ecológicos responsáveis pelo equilíbrio dinâmico. Dentre essas espécies, a que mais prosperou e que se encontra viva até hoje, é o Homo sapiens, subespécie H. sapiens sapiens (somos nós!). Somos uma espécie que consegue alterar a disponibilidade de recursos (sabemos armazenar água, cultivar alimento etc.), conseguimos fazer até mesmo que uma região semiárida passe a produzir alimento. Conseguimos também alterar as condições do habitat, como temperatura. Até os polos já foram dominados por nós. Desde os nossos primórdios exterminamos animais que nos oferecem riscos (predadores) e desenvolvemos mecanismos eficientes que nos garantem a sobrevivência no ambiente natural (Ironicamente, hoje alguns de nós nos preocupamos com a preservação dos possíveis predadores, como tigres e ursos). Quanto aos parasitas e às doenças, a ciência médica desenvolvida por nós está tão avançada que nunca se verificou uma taxa de natalidade tão alta e uma expectativa de vida tão grande em um ser vivo no planeta Terra, como vemos hoje. Por fim, a questão dos competidores: não existe espécie conhecida que consegue eliminar (extinguir) seus competidores de forma tão eficiente quanto o ser humano. No passado não muito distante, provavelmente os homens modernos foram os responsáveis por eliminar seu parente mais próximo e maior competidor direto, o homem-de-Neanderthal (Homo sapiens neanderthalensis). Hoje sabemos que parte de nossas populações cruzaram com neandertais na Europa. Essas duas subespécies de humanos conviveram até que os humanos neandertais fossem abatidos ou absorvidos pelos novos humanos. Como exemplo mais atual, podemos citar o hábito de um criador de galinhas em matar raposas, cachorros-do-mato e até o lobo-guará, ameaçado de extinção, por acreditar que são os responsáveis por comerem sua criação. Os homens tendem a eliminar qualquer outra espécie competidora, ou seja, que utiliza o mesmo recurso alimentar que ele. Afinal, inseticidas e raticidas são armas inventadas para que os insetos e os ratos não comam o que “é nosso”! Todas essas habilidades nos criaram condições sem precedentes de reproduzir e ocupar indefinidamente o planeta Terra. Hoje somos em 7,2 bilhões, segundo dados mais atuais da Organização das Nações Unidas (ONU). Estamos literalmente destruindo nosso “sistema de suporte da vida”. 107 CAPÍTULO 2 Ações e sustentabilidade Como reduzir o consumo em uma sociedade moderna essencialmente capitalista? Essa é uma pergunta de difícil resposta. O modelo de desenvolvimento econômico predominante no mundo é desanimador, para não dizer aterrorizante, àqueles que verdadeiramente se preocupam com a questão ambiental. Estamos em um momento no qual o consumo exagerado é a força motriz do desenvolvimento e demanda a exploração cada vez mais acelerada e insustentável dos recursos naturais. Aqueles que compreendem um pouco de ecologia têm maiores condições para perceberem que, caso a humanidade continue a praticar ações contra o meio ambiente, o planeta está condenado a ser modificado de forma drástica. Estamos imersos num sistema cujo consumismo é liderado pela sedução. Somos metralhados por propagandas a todo o momento ao assistir televisão, ouvir rádio, andar pelas ruas e navegar pela internet. É uma tarefa difícil resistir, pois a influência para esse tipo de comportamento está arraigada culturalmente. Entretanto, vários campos do conhecimento humano, várias ciências diferentes, têm apresentado alternativas para a melhoria da convivência entre o ser humano e o meio natural. Além disso, existem diferentes maneiras de se viver bem, com grande qualidade de vida e longevidade, mas que agridem menos a natureza. São inúmeras as propostas para mudança de hábitos, dos mais simples aos mais arraigados, de modo que a tendência à sustentabilidade passe a ser algo comum. É possível que não seja o suficiente para garantir um planeta Terra com recursos naturais suficientes para manter a humanidade para sempre, mas pelo menos, existem chances de prolongar um pouco mais a nossa estadia neste mundo. A Ecologia e outras ciências do ambiente estão na liderança no que diz respeito a trabalhar em prol de um futuro que visa garantir aos nossos descendentes que eles tenham ainda alguns dos recursos que utilizamos (indiscriminadamente e irracionalmente) hoje, como a água e os serviços ambientais diversos. É bem possível que os nossos netos ou bisnetos não tenham a oportunidade de ver um pato-mergulhão na natureza, ou então uma grande quantidade de áreas verdes intocadas pelo homem. Mas, mesmo assim, a Ecologia enquanto ciência busca garantir o melhor possível de modo a preservar o que este planeta único tem a nos oferecer. 108 UNIDADE III│TEMAS DA ECOLOGIA - O que você entende por Desenvolvimento Sustentável? - Os objetivos do desenvolvimento sustentável podem ser atingidos? - Quais fatores dificultam esse tipo de desenvolvimento? O que fazer para conservar? São incontáveis as estratégias de conservação desenvolvidas ao redor do mundo ao longo dos anos. Ainda mais se considerarmos que cada ecossistema exibe suas especificidades, o que torna a conservação algo complexo e com necessidade de se adaptar ao contexto que se quer preservar. Outro fato é que em cada ambiente existem ameaças distintas, tornando ainda mais numerosas as estratégias que já foram estudadas, implantadas ou apenas cogitadas. Contudo, algumas das formas de se preservar a natureza não dependem da cultura da pessoa, da região onde vive ou até mesmo do conhecimento/formação que ela possui. Essas são estratégias de conservação da biodiversidade (ou de apenas uma parte da biodiversidade, por exemplo, a espécie onça-pintada) que podem ser aplicadas com chances de sucesso em qualquer local do mundo. A mídia se encarrega de divulgar algumas ações pessoais, cotidianas, simples e com grande impacto positivo (se muitas pessoas fizerem) para o meio ambiente. Podemos citar: economizar água (várias maneiras, algumas muito criativas); evitar o desperdício de comida e de matéria prima; reciclar ou se possível, reutilizar; evitar o consumo excessivo e desnecessário; dar preferência para alimentos orgânicos; evitar a emissão de poluentes, por exemplo, evitando o consumo desnecessário de combustível, utilizando transporte público ou individual não poluente (bicicleta) etc. Ecólogos e profissionais de áreas afins podem fazer ainda mais pelo meio ambiente: desenvolver pesquisas na área da Ecologia da Conservação; realizar palestras, seminários e outras atividades educativas que esclareçam as pessoas sobre os problemas que o mundo enfrenta; divulgar resultados científicos tanto para que as pessoas saibam o que realmente está ocorrendo com o planeta Terra quanto para oferecer a elas alternativas possíveis para mudança desse quadro etc. Tomadores de decisão (políticos, órgãos governamentais, proprietários de terras, e outros) podem contribuir: tomando as decisões corretas, bem fundamentadas e racionais acerca de qualquer atividade que influencie diretamente no meio ambiente (o que é muito difícil, pois exige dos tomadores de decisão maior esclarecimento, 109 TEMAS DA ECOLOGIA│ UNIDADE III maior formação, melhor educação etc.); consultando os verdadeiros profissionais da área; aplicando técnicas de manejo de ecossistema modernas, visando à recuperação ambiental e regeneração de áreas nativas; refazendo o código florestal atual de modo que se torne um documento justo com todas as partes igualmente (homem e natureza) e que garanta um futuro melhor; criando novas unidades de conservação; refazendo leis ambientais antiquadas e ineficientes para que se tornem eficazes etc. As unidades de conservação Áreas protegidas são porções de terra (ou de água em ambiente aquático) que são contempladas por leis que garantem a preservação de seus recursos naturais, paisagens e demais elementos existentes na área em questão. São diversos os tipos de áreas protegidas, perante a lei e conforme o seu tipo de uso pelo homem. Visando categorizar os tipos de áreas protegidas e oferecer um conjunto de definições que garantam o reconhecimento delas em todas as esferas, órgãos governamentais criaram o SNUC – Sistema Nacional de Unidades de Conservação. Com este sistema, cada tipo de Unidade de Conservação (UC) tem seus objetivos específicos e dessa forma, as UCs tanto Federais, Estaduais, quanto as Municipais e Particulares, foram contempladas com definições de suas finalidades de modo a permitir que sejam corretamente administradas/geridas e utilizas segundo um conjunto de definições objetivas. De maneira geral, espera-se que, com o SNUC, seja possível viabilizar o processo de conservação biológica e preservação da biodiversidade. Criar uma UC é uma maneira altamente eficiente de se proteger a natureza, uma vez que a área a isso destinada passa a ser regida por leis e regras que visam principalmente à conservação da natureza. O Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC foi sancionado pela Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000. O texto da lei está disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/ l9985.htm>. Adicionalmente, sugerimos a leitura do seguinte artigo: MYERS, N. et al. Biodiversity hotspots for conservation priorities. Nature, 403(6772), pp. 853-858. 2000. Disponível em: <http://www.nature.com/nature/journal/v403/n6772/ full/403853a0.html> 110 UNIDADE III │TEMAS DA ECOLOGIA Este artigo trata da questão da conservação com foco nas principais áreas do mundo que estão sob ameaça. Seus autores, incluindo um brasileiro, definiram com base em seus estudos que algumas regiões do mundo deveriam ter prioridade de conservação. Em outras palavras: não existem recursos financeiros suficientes (ou vontade política) para conservar tudo o que se encontra ameaçado, portanto, quando surge uma possibilidade de seconservar, é preciso escolher dentre uma imensa gama de ecossistemas ou biomas em vias de extinção. Qual área deve ter prioridade para ser conservada? Esse trabalho de grande repercussão no mundo aponta tais áreas. Acessados em: 1 jun. 2014. A partir da leitura das referências sugeridas no quadro anterior, responda as seguintes perguntas: - Qual é a diferença entre as UCs categorizadas como “Parque Nacional” e as “Estações Ecológicas”? - O que é um Hotspot global de diversidade? - Existe algum Hotspot no Brasil? Se sim, aponte e descreva o porquê foram considerados Hotspots com prioridade de conservação. O novo código florestal brasileiro As mudanças aprovadas no código florestal brasileiro representaram um retrocesso muito grande para as questões ambientais e deixaram “brechas” perigosas que podem aumentar a taxa de desmatamento. Pesquisadores e órgãos ambientais de alguns estados já relatam a redução de áreas verdes particulares, em especial de grandes proprietários de terras e latifundiários. O tema é tão polêmico que até entre os produtores rurais houve fortes conflitos, principalmente entre os que representam a agricultura familiar e os proprietários de grandes extensões. Com relação aos ambientalistas, foi praticamente unânime a constatação do fato de que este novo código foi construído de maneira a desconsiderar totalmente o contexto ambiental global, as tendências de melhoria do meio ambiente, beirando o desrespeito com a natureza e seus recursos naturais, dos quais o homem depende. 111 TEMAS DA ECOLOGIA│ UNIDADE III Em um contexto global de esforços nunca antes vistos para que o planeta terra continue sendo um ambiente (o único) de qualidade para todos os seres vivos e para o ser humano (o ser vivo que mais consome os recursos deste planeta único e limitado), o código florestal brasileiro foi anunciado como o modelo contrário às diretrizes gerais de conservação da biodiversidade, em desarmonia com diversos pactos e protocolos internacionais (incluindo a Eco 92; Rio+20; até mesmo o protocolo de Kyoto ou a convenção de Estocolmo). Sugerimos fortemente a leitura do novo código florestal, e também de artigos que são a favor (geralmente de políticos e latifundiários) ou que são contra esse código (geralmente de pessoas esclarecidas, profissionais em áreas do conhecimento voltadas para o meio ambiente e ciências ambientais). Educação ambiental A Educação Ambiental (EA) vem despontando, desde poucas décadas atrás até hoje, como uma eficiente estratégia de conservação. Afinal, o foco da EA são as pessoas, ou seja, ela atua diretamente com os responsáveis pelas mazelas e alterações prejudiciais que o mundo e sua biodiversidade vêm sofrendo. A EA busca educar o cidadão para o ambiente, especialmente o ‘meio ambiente’. Com a EA, espera-se que comportamentosprejudiciais sejam mudados, que formas mais racionais de convivência com todos os seres vivos e o ambiente sejam pensadas, adotadas e difundidas, e que a experiência junto aos elementos naturais sejam mais bem aproveitadas. Com a EA, é possível fazer com que uma população humana inteira reduza a pressão, por exemplo, sobre canários-da-terra, curiós, sabiás e outras aves que a cultura local incentivava a prender em gaiolas. Este é um exemplo real que, aliado ao fato de um maior conhecimento das pessoas sobre as leis (e sobre as punições!) que regem a criação de animais silvestres, fez com que as populações nativas de canários-da-terra, por exemplo, voltassem a crescer. Em muitas cidades pequenas, pessoas mais velhas relatam que esse passarinho ficou desaparecido da natureza por anos, sendo visto somente em gaiolas. Nos últimos anos, principalmente na última década, os canários- da-terra têm se tornado muito comum em diversas cidades de pequeno porte. Agora, as pessoas têm a oportunidade de ver todos os dias vários canários livres, ao invés de apenas ter um único indivíduo ilegal preso em uma gaiola. Também a partir da EA, as pessoas perceberam que é possível atrair canários-da-terra oferecendo alimento e local para nidificação (caixinhas de madeira, cabaças ocas com um furo etc.), de modo que no quintal ou jardim de uma casa, a pessoa poderá conviver com grupos sociais de 112 UNIDADE III │TEMAS DA ECOLOGIA canários praticamente todo dia! É como “ter os seus próprios” passarinhos, mas todos silvestres de vida livre! Acompanhe o Ambiente Virtual de Aprendizagem, pois o tema Educação Ambiental será abordado em várias oportunidades. Alternativas para minimização de impactos sobre o meio ambiente Como citado anteriormente, são várias as alternativas para a melhoria da relação entre o homem e o meio ambiente. Citamos algumas açõesa seguir que tornam isso possível: Reciclagem A reciclagem promove não apenas a redução de material descartado (lixo), mas evita que novos recursos naturais sejam extraídos da natureza para se fazer novamente determinado produto. Lembrem-se: tudo o que vocês estão vendo e tocando, todos os objetos materiais ao seu redor, vem da natureza! Retirar indiscriminadamente a matéria prima e outros recursos da natureza sem que ela os reponha na mesma proporção, prática mais comum atualmente significa prejudicar a própria casa em que vive. Afinal, só existe um planeta. A reciclagem deve ser praticada como alternativa para garantir a sobrevivência da espécie humana a longo prazo em um mundo limitado. É importante lembrar que a reciclagem deve ser acompanhada pela redução do consumo e reutilização dos produtos para surtir os efeitos desejados, são os três R’s do consumo consciente: Reduzir, Reutilizar e Reciclar. Queima de lixo para produção de energia Desde que realizada com uso de tecnologias modernas de redução de emissão de gases poluentes, a queima de resíduos (lixo) é uma solução para vários problemas ambientais causados por “lixões” e aterros sanitários (ex.: liberação de metano, gás prejudicial para a camada de ozônio), é uma forma racional de aproveitamento de matéria considerada “inútil” para as pessoas (lembrem-se da questão da reciclagem), além de prover energia elétrica. Com isso, reduz-se a necessidade de construção de represas e hidrelétricas, responsáveis pela supressão de grandes áreas de vegetação, de mortandade dos animais que ali viviam, e principalmente de alterar o sistema hídrico de modo a interferir em recursos pesqueiros e na dinâmica dos grandes corpos d´água. 113 TEMAS DA ECOLOGIA│ UNIDADE III Tomando-se todos os cuidados, seguindo-se todos os protocolos de purificação da fumaça liberada pela queima de lixo, os impactos sobre o meio ambiente tendem a ser mínimos quando comparados aos impactos dos lixões e aterros sanitários. Biorremediação A biorremediação é uma técnica interessante que consiste na aplicação de organismos vivos, como algas, plantas, bactérias e fungos capazes de recuperar/regenerar ambientes contaminados, por acelerarem o processo natural de degradação de resíduos poluentes. É um processo ainda pouco utilizado no Brasil, apesar de eficiente, barato se comparado a outros métodos de despoluição, e bastante promissor! Necessita de muito investimento para realização de pesquisas e estudos consistentes, garantindo assim segurança no uso dessas tecnologias inovadoras. Controle biológico O controle biológico é uma alternativa para se evitar ou pelo menos diminuir o uso de defensivos na agricultura. Estudos nessa área são cada vez mais comuns dentro das universidades e centros de pesquisa como a Embrapa e têm produzido resultados animadores. A redução na quantidade de compostos químicos emitidos no meio ambiente, quer seja para eliminar insetos ou impedir o crescimento de plantas daninhas na agricultura, é um ponto positivo para o produtor rural que atende um público cada vez mais abundante: pessoas que tentam garantir uma alimentação mais saudável e dão preferência a alimentos orgânicos. Em outros continentes, como a Europa, o hábito já pode ser considerado parte da cultura de diversos povos e fica ainda mais evidente em suas rígidas leis de importação de produtos alimentícios. Também é um ponto positivo o uso de controle biológico (adequado e sob controle) para a biodiversidade local, que passa a não ser afetada por toxinas e outros compostos. Outras alternativas possíveis Os exemplos de alternativas para se contornar ou minimizar os impactos ambientais de nossa ação sobre o nosso “sistema de suporte da vida” mencionados anteriomente, são apenas alguns dentre as várias soluções que se tem buscado até os dias atuais. Infelizmente ainda enfrentamos o desinteresse político para essas questões e a falta de investimento e valorização da pesquisa nessas linhas. 114 UNIDADE III │TEMAS DA ECOLOGIA Poderíamos tratar ainda, nesse último capítulo, sobre diversos assuntos que afetam a conservação da natureza. Falamos de tópicos mais óbvios, mas não tratamos, por exemplo, de assuntos que trazem à tona cenários extremamente enraizados em nossas sociedades e que dificultam as ações em prol da conservação, como a condição social da maior parte da população mundial. Para não ficarmos na utopia, precisamos ter uma visão holística ao procurar por uma relação mais harmônica entre homem e natureza. Melhorias nas condições social, de saúde e de educação são essenciais para trilharmos um caminho de maior sucesso na preservação da natureza. 115 Para (não) Finalizar Cem questões fundamentais da Ecologia Uma recente iniciativa da British EcologicalSociety reuniu Ecólogos de diversas áreas e promoveu a listagem de cem questões básicas da Ecologia que, no entanto, ainda não haviam sido respondidas ou que necessitam de respostas mais consistentes (demandam mais esforço para que as respostas sejam mais consistentes). Esse trabalho foi publicado no reconhecido periódico Journal of Ecology, em seu volume de número 101, no aniversário de 100 anos da British Ecological Society. A referência é: SUTHERLAND, W.J.; FRECKLETON, R.P.; GODFRAY, H.C.J.; BEISSINGER, S.R.; BENTON, T.; CAMERON, D.D.; CARMEL, Y.; COOMES, D.A.; COULSON, T.; EMMERSON, M.C.; HAILS, R.S.; HAYS, G.C.; HODGSON, D.J.; HUTCHINGS, M.J.; JOHNSON, D.; JONES, J.P.G.;KEELING, M.J.; KOKKO, H.; KUNIN, W.E.; LAMBIN, X.; LEWIS, O.T.; MALHI, Y.; MIESZKOWSKA, N.; MILNER-GULLAND, E.J.; NORRIS, K.; PHILLIMORE, A.B.; PURVE, D.W.; REID, J.M.; REUMAN, D.C.; THOMPSON, K.; TRAVIS, J.M.J.; TURNBULL, L.A.; WARDLE, D.A. & WIEGAND, T. Identificationof 100 fundamental ecological questions, Journal of Ecology, 101: 58–67. 2013. Note que é um artigo com um grande número de autores, todos eles reconhecidos em suas respectivas áreas de atuação dentro da Ecologia. De forma resumida, eles fazem uma síntese do artigo: Synthesis: These 100 questions identified reflect the state of ecology today. Using them as an agendafor further research would lead to a substantial enhancement in understanding of the discipline, with practical relevance for the conservation of biodiversity and ecosystem function. (SUTHERLAND et al., 2013) Uma tradução possível para o português é: Síntese: Estas 100 questões identificadas refletem o estado da Ecologia hoje em dia. Utilizá-las como uma agenda para futuras pesquisas levaria 116 PARA (NÃO) FINALIZAR a uma substancial ampliação da compreensão desta disciplina, com relevância prática para a conservação da biodiversidade e das funções ecossistêmicas. Para não finalizar, vocês podem solicitar à tutora deste curso o artigo. Haverá um espaço para a discussão dessas questões para àqueles que se interessarem sobre o estudo da Ecologia, e que quiserem atuar / continuar atuando em diversas áreas que trabalham direta e indiretamente com o meio ambiente. 117 Referências ALEIXO, A. Conceitos de espécie e o eterno conflito entre continuidade e operacionalidade: uma proposta de normatização de critérios para o reconhecimento de espécies pelo Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos. Revista Brasileira de Ornitologia, pp. 297-310. 2007. Disponível em: <http://www.ararajuba.org.br/sbo/ ararajuba/artigos/Volume152/ara152com1.pdf.> Acesso em: 18 maio 2014. BATALHA, M.A. O cerrado não é um bioma. Biota Neotropica, pp. 21-24. 2011 . Disponível em: <http://www.biotaneotropica.org.br/v11n1/pt/ fullpaper?bn00111012011+pt.> Acesso em: 18 maio 2014. BEGON, M.; TOWNSEND, C. R.; HARPER, J. L. Ecology: from individuals to ecosystems, 4. Ed. Oxford: Blackwell Publishing, 2006. BUNCE, M. et al. Ancient DNA tells story of giant eagle evolution. PLoS Biology, p. 20. 2005. CBRO – Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos. Listas das aves do Brasil. 11. ed. Disponível em <http://www.cbro.org.br>. Acesso em: 18 maio 2014. COLLEY, E.; FISCHER, M.L. 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