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Vol. 11 | N. 02 | 2012 ISSN 2237-6291 Revista Litterarius – Faculdade Palotina www.fapas.edu.br/revistas/litterarius litterarius@fapas.edu.br KARL POPPER: O PROBLEMA DA INDUÇÃO E A FALSEABILIDADE COMO CRITÉRIO DE DEMARCAÇÃO1 Douglas João Orben * Resumo: O presente artigo pretende abordar o problema da indução e a falseabilidade como critério de demarcação em Karl Popper. Inicialmente, de acordo com análise popperiana apresentada, sobretudo, na obra A lógica da Pesquisa Científica, examina-se o método indutivo utilizado pelas ciências empíricas. Neste trecho, a referência incide, principalmente, sobre o Círculo de Viena, pois, segundo Popper, o modelo científico do grupo expressa muito bem as pretensões do método indutivo. Na sequência, analisa-se a crítica popperiana à indução, bem como às ciências empíricas que usam a indução como método científico, estabelecendo sobre a base empírica (indutivamente verificada) o seu critério científico de demarcação. Considerando o fracasso lógico e balizador do método indutivo, por fim, apresenta-se a proposta popperiana da falseabilidade como critério de demarcação, articulando-a com o método dedutivo de investigação científica. Palavras-chave: Popper. Indução. Ciência. Falseabilidade. KARL POPPER: THE PROBLEM OF INDUCTION AND FALSIFIABILITY AS THE CRITERION OF DEMARCATION Abstrac: This article seeks to address the problem of induction and falsifiability criterion of demarcation in Karl Popper. First of all, according to Popperian analysis presented, especially in the work The logic of Scientific Discovery, examines the inductive method used by the empirical sciences. In this section, the reference focuses mainly on the Vienna Circle, because, according to Popper, the scientific model of this group expresses very well the claims of the inductive method. Next we analyze the Popperian critical to induction, as well as the empirical sciences that use induction as a scientific method, setting about the empirical basis (inductively verified) its scientific criterion of demarcation. Considering the logical failure of the inductive method, in conclusion is introduced Popper’s falsifiability proposal, as a criterion of demarcation, linking it with the deductive method of scientific research. Keywords: Popper. Induction. Science. Falsifiability. 1 O presente trabalho foi realizado com o apoio da CAPES, entidade do Governo Brasileiro voltada para a formação de recursos humanos. * Mestrando do Programa de Pós-graduação em Filosofia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUC/RS (Porto Alegre) e professor do Curso de Filosofia da Faculdade Palotina – FAPAS (Santa Maria). douglasorben@hotmail.com Karl Popper: o problema da indução e a falseabilidade como critério de demarcação Douglas João Orben Revista Litterarius – Faculdade Palotina Vol.11 | N. 02 | 2012 – ISSN 2237-6291 www.fapas.edu.br/revistas/litterarius litterarius@fapas.edu.br 1 Considerações Iniciais Karl Popper (1902 – 1994), no início da obra A Lógica da Pesquisa Científica, deixa claro que seu objetivo é analisar a lógica do conhecimento científico, mais precisamente, o método das ciências empíricas2. O método, utilizado pelas ciências empíricas, caracteriza-se pela lógica indutiva. Com feito, a análise do conhecimento científico segue o problema da lógica da indução. O problema da indução (enquanto método científico) é apresentado por Popper da seguinte forma: em que condições e de que modo se justificam as inferências indutivas? Ou ainda, considerando que a ciência pretende firmar leis pretensamente verdadeiras, articuladas em enunciados universais e, não obstante, fundamentadas em base empírica, como então justificar esta inferência indutiva? Existe, por ventura, um princípio da indução que assegure a validade da lógica indutiva?3 São, pois, questões desta natureza que exigem, segundo Popper, uma análise do método das ciências empíricas, sobretudo, o método indutivo defendido pelo Círculo de Viena. Para Popper, o método da indução não justifica suas inferências num ato lógico, pois a certeza inferencial (necessidade lógica) só é possível numa lógica dedutiva. Ora, se não existe um princípio lógico da indução, como salvaguardar a legitimidade da pesquisa científica? A resposta popperiana é a seguinte: basta mudar o método. Assim, a proposta de Popper baseia- se numa lógica de inferências dedutivas (modus tollens) que permite verificar a falsidade de enunciados universais a partir dos dados da base empírica4. 2 O problema da indução O problema da indução, denominado por Kant como o “problema de Hume”5, é investigado por Popper como sendo o problema fundamental das ciências empíricas. Para 2 POPPER, Karl R. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 27. 3 POPPER, Karl R. Op.cit. p. 28. 4 POPPER, Karl R. Op.cit. p. 43. 5 Foi David Hume (1711 – 1776) o primeiro filósofo a perguntar-se sobre a questão da validade universal e necessária da indução. Para Hume, não existe nenhum fundamento lógico ou a priori que justifique necessariamente a indução, pelo que todo e qualquer conhecimento possível nada mais é do que simples relações de percepções, oriundas da experiência. Neste sentido, o princípio epistemológico da causalidade (relação entre causa e efeito) é posto em xeque, pois nada justifica, necessariamente, a ligação entre uma causa e seu efeito. Segundo Hume, a aparente relação causal é tão somente uma crença, fundamentada no mero hábito Karl Popper: o problema da indução e a falseabilidade como critério de demarcação Douglas João Orben Revista Litterarius – Faculdade Palotina Vol.11 | N. 02 | 2012 – ISSN 2237-6291 www.fapas.edu.br/revistas/litterarius litterarius@fapas.edu.br Popper, uma ciência pode ser qualificada como indutiva, “caso ela conduza de enunciados singulares (por vezes denominados também enunciados “particulares”), tais como descrições dos resultados de observações ou experimentos, para enunciados universais, tais como hipóteses ou teorias” 6. As ciências empíricas, operando por meio do método indutivo, buscavam na experiência, por meio de observações e testes empíricos, validação para suas hipóteses e leis pretensamente universais. Esta postura científica é comum entre os membros do Círculo de Viena. Influenciados pelas ideias 7 do Tractatus Logico-Phylosophicus de Wittgenstein (1889- 1951), os membros do Círculo de Viena assumem uma postura radicalmente empirista. Para Schlick, por exemplo, toda a ciência deveria limitar-se à descrição empírica, valendo-se das ferramentas da lógica tão somente para analisar e esclarecer estas descrições. Os sistemas metafísicos, neste caso, perderiam todo sentido e significado, pois, por situarem-se além dos limites da experiência possível, não podem ser conhecidos, não possuindo assim significado algum. É logicamente impossível, portanto, falar sobre mundos metafísicos. Nas palavras de Schlick, “não pode haver discussão sobre outro mundo, pois uma existência não verificável não pode entrar como sentido em nenhuma proposição possível” (SCHLICK, 1973, p. 68). O princípio da verificabilidade, formulado pelo Círculo de Viena como pretenso fundamento basilar para a ciência empírica, expressa muito bem o que o grupo entendia por ciência: “o significado de uma proposição reduz-se ao conjunto de dados empíricos imediatos, cuja ocorrência confere veracidade à proposição e cuja não-ocorrência a falsidade; o significadode uma proposição são suas condições empíricas de verdade” 8. Neste sentido, toda ciência deve operar segundo o modelo sintético/indutivo9, buscando assim na experiência o fundamento para as teorias científicas. experimental. “A associação de idéias é fortalecida pela repetição, sendo a força que guia todos os nossos pensamentos e ações. As idéias são associadas por princípios de conexão que unem os diferentes pensamentos do espírito humano e os introduzem com certo método e regularidade na memória” (HUME, 1972, p. 20). 6 POPPER, Karl R. Op. cit. p. 27 7 Toda proposição significativa, para Wittgenstein (Tractatus), pode ser compreendida a partir de suas proposições atômicas, as quais devem descrever o mundo ou figurar a realidade. Cf. Tractatus: 2.161, 2.17. 8 SCHLICK, Moritz; CARNAP, Rudolf. Coletânea de textos. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Os pensadores) p. X. 9 O Círculo de Viena não admite uma ciência sintética e a priori, como Kant acreditava ser a matemática e a geometria. Para os filósofos vienenses, as proposições poderiam ser sintéticas e, portanto, passíveis de comprovação empírica ou, então, analíticas, verdades lógicas/matemáticas e totalmente a priori (Cf. CARNAP, 1965, p.82). Karl Popper: o problema da indução e a falseabilidade como critério de demarcação Douglas João Orben Revista Litterarius – Faculdade Palotina Vol.11 | N. 02 | 2012 – ISSN 2237-6291 www.fapas.edu.br/revistas/litterarius litterarius@fapas.edu.br Os enunciados protocolares, de Carnap, pretendiam abarcar todas as proposições científicas, produzindo uma ciência estritamente empírica. O critério de demarcação, neste caso, segue os limites da experiência possível: o conjunto dos enunciados protocolares, empiricamente verificáveis, determinava os domínios do conhecimento científico (proposições com significado); a metafísica, por sua vez, por não possuir condições empíricas de verificação, tornar-se-ia não significativa. Neste sentido, Carnap distingue três classes de proposições: 1ª) proposições tautológicas, verdades formais que nada dizem sobre a realidade, são meramente analíticas; 2ª) proposições formalmente falsas, portanto, contraditórias; 3ª) proposições empiricamente verificáveis. São estas últimas, sobretudo, que despertam o interesse do autor. Nas proposições verificáveis, segundo Carnap, “la decisión sobre su verdad o falsedad reside en las proposiciones protocolares, por lo que son “proposiciones empíricas” (verdaderas o falsas) y pertenecen al dominio de la ciencia empírica. Cualquier proposición que se descara construir y que no encajara en ninguna de estas clases devendría automáticamente en sinsentido” (CARNAP, 1965, p.82). A ciência radicalmente empírica e sintética, proclamada pelo Círculo de Viena, serve- se, fundamentalmente, do método indutivo. A lógica vienense enquadra-se na definição popperiana de “indução”. A ciência proposta pelo Círculo de Viena tinha a pretensão de conduzir, indutivamente, de observações e experimentos particulares, cuidadosamente analisadas, para enunciados universais, tais como teorias e leis. Ora, se as ciências empíricas utilizam, em seu proceder científico, o método da indução, deve-se, portanto, buscar uma justificativa para este método ou, como Popper assevera, deve-se buscar um possível princípio da indução 10. Este fundamento lógico validaria, por assim dizer, o método das ciências empíricas. 2.1 A crítica de Popper à indução Segundo Popper, a indução não possui fundamento lógico, puramente racional. Nada pode assegurar a validade lógica do proceder indutivo, pois é perfeitamente possível, seguindo rigorosamente o método indutivo, atingir conclusões inválidas. Por mais numerosa e 10 POPPER, Karl R. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1972. p. 28. Karl Popper: o problema da indução e a falseabilidade como critério de demarcação Douglas João Orben Revista Litterarius – Faculdade Palotina Vol.11 | N. 02 | 2012 – ISSN 2237-6291 www.fapas.edu.br/revistas/litterarius litterarius@fapas.edu.br exaustiva que a confirmação empírica possa ser, a inferência indutiva, ao pretender justificar um enunciado universal, não possui legitimidade lógica. Neste sentido, escreve Popper: Ora, está longe de ser óbvio, de um ponto de vista lógico, haver justificativas no inferir enunciados universais de enunciados singulares, independente de quão numerosos sejam estes; com efeito, qualquer conclusão colhida desse modo sempre pode revelar-se falsa: independentemente de quantos casos de cisnes brancos possamos observar, isso não justifica a conclusão de que todos os cisnes são brancos 11 . Portanto, se o método da indução não permite justificar enunciados universais, então as hipóteses e teorias científicas não podem ser empiricamente comprovadas, já que nenhum enunciado universal pode ser empiricamente verificado. Neste caso, com efeito, o próprio princípio da verificabilidade, que demarca como científico tão somente o que pode ser empiricamente verificado, ele próprio, enquanto pretenso princípio científico, não pode ser empiricamente confirmado. O que é, evidentemente, uma contradição. Para Popper, este modo de pensar pode ser aplicado a toda e qualquer teoria que pretenda ser científica e, não obstante, empiricamente verificável. Ao tentar encontrar um princípio da indução, a lógica, segundo Popper, conduz o raciocínio a uma regressão infinita: o próprio princípio da indução deve ser um enunciado universal, pois é um princípio; “assim, se tentarmos considerar sua verdade como decorrência da experiência, surgirão de novo os mesmos problemas que levaram à sua formulação” 12. Com efeito, “para justificá-los, teremos de recorrer a inferências indutivas e, para justificar estas, teremos de admitir um princípio indutivo de ordem mais elevada, e assim por diante” 13. Ora, se não existe um princípio lógico para a indução, como salvaguardar a legitimidade da pesquisa científica? Como assegurar a validade científica das teorias e, ao mesmo tempo, estabelecer um critério legítimo de demarcação? Para tanto, a ciência deveria demarcar seu domínio, distinguindo-se assim das posturas puramente analíticas, bem como de especulações metafísicas, e, ao mesmo tempo, validar suas teorias. 11 POPPER, Karl R. Op.cit. p. 27-28. 12 POPPER, Karl R. Op.cit. p. 29. 13 POPPER, Karl R. Op.cit. p.29. Karl Popper: o problema da indução e a falseabilidade como critério de demarcação Douglas João Orben Revista Litterarius – Faculdade Palotina Vol.11 | N. 02 | 2012 – ISSN 2237-6291 www.fapas.edu.br/revistas/litterarius litterarius@fapas.edu.br 3 O problema da demarcação Se o problema da indução foi caracterizado, por Kant, como o “problema de Hume”, o problema da demarcação, para Popper, pode ser denominado de “o problema de Kant” 14. A demarcação caracteriza-se como sendo “o problema de estabelecer um critério que nos habilite a distinguir entre as ciências empíricas, de uma parte, e a Matemática, e a lógica, bem como os sistemas “metafísicos”, de outra” 15. Opondo-se ao que acreditavam os epistemologistas empiristas, que só o método indutivo poderia oferecer um critério evidente de demarcação, Popper afirma que as ciências indutivas, sobretudo o positivismo, não têm um critério claro de demarcação.Na verdade, o empirismo lógico, de orientação positivista, não pretende estabelecer uma legítima demarcação: a sua proposta aproxima-se mais de uma eliminação da metafísica, e consequente afirmação da ciência empírica, do que uma verdadeira demarcação entre domínios distintos. Ao caracterizar a metafísica como “sem sentido”, negando assim veementemente a sua validade, o empirismo lógico pretende expressar algo sobre questões que fogem a sua alçada de possibilidades. Neste caso, segundo Popper, o objetivo do positivismo não é estabelecer uma demarcação, senão que promover uma extinção: “as expressões “sem sentido” ou “absurdo” traduzem e pretendem traduzir uma posição depreciativa; e não há dúvida de que o que os positivistas realmente desejam não é tanto uma bem sucedida demarcação, mas a derrubada total e a aniquilação da Metafísica” 16. Como se não bastasse, o suposto critério de demarcação das ciências indutivas, ao tentar eliminar a metafísica, acaba eliminando, igualmente, toda e qualquer lei científica. Ora, se a metafísica não tem sentido, por não ser empiricamente verificável, então todo enunciado universal, bem como as leis naturais, deixam, inevitavelmente, de ter sentido. “De fato, as leis científicas também não podem ser logicamente reduzidas a enunciados elementares de experiência” 17, portanto elas estariam na “mesma situação” inverificável dos sistemas 14 POPPER, Karl R. Op.cit. p. 35. Ao determinar os limites entre o domínio do conhecimento possível (experiência fenomênica) e ideias metafísicas (objetos do puro pensamento, númeno), determinando, igualmente, modos específicos de se operar em cada um destes domínios, Kant estaria, segundo Popper, demarcando os limites entre ciências empíricas e sistemas metafísicos. Acerca da “demarcação” kantiana, o Capítulo III da Analítica dos Princípios da Crítica da Razão Pura é esclarecedor: Cf. Kant, 1985, p. 257-294. 15 POPPER, Karl R. Op.cit. p. 35. 16 POPPER, Karl R. Op.cit. p. 36. 17 POPPER, Karl R. Op.cit. p. 37. Karl Popper: o problema da indução e a falseabilidade como critério de demarcação Douglas João Orben Revista Litterarius – Faculdade Palotina Vol.11 | N. 02 | 2012 – ISSN 2237-6291 www.fapas.edu.br/revistas/litterarius litterarius@fapas.edu.br metafísicos. “Os positivistas, em sua ânsia de aniquilar a Metafísica, aniquilam, com ela, a Ciência Natural” 18. Para Popper, Isso mostra que o critério indutivista de demarcação falha no traçar uma linha divisória entre sistemas científicos e metafísicos e porque este critério deve atribuir a ambos status igual; com efeito, o veredito decorrente do dogma positivista relativo ao significado é o de que ambos são sistemas de pseudo-enunciados, destituídos de sentido. Assim, em vez de afastar a Metafísica das ciências empíricas, os positivistas levam à invasão do reino científico, pela Metafísica 19 . Considerando o fato inegável de que as ciências indutivas não estabelecem um critério legítimo de demarcação, o objetivo popperiano torna-se, portanto, elaborar um conceito logicamente aceitável de ciência empírica, traçando assim uma linha de demarcação entre sistemas científicos e elucubrações metafísicas 20. 3.1 A falseabilidade como critério de demarcação A avaliação popperiana, acerca do critério indutivista de demarcação, encontra, como fundamento basilar da lógica indutiva, a pretensão de uma verificação (empírica) cabal dos enunciados científicos. Em outras palavras, o empirismo lógico pretendia decidir a verdade e falsidade dos enunciados, de modo a selar definitivamente o destino das teorias, por meio do método da verificação empírica. Este é (como já evidenciado) um erro lógico e metódico. Apesar do uso indevido da base empírica, manifesto no método positivista, Popper não descarta a experiência e seu inegável valor científico. Muito pelo contrário, ao propor um novo critério de demarcação, acentua a experiência como aspecto determinante. Como, então, resolve ele a questão? A resposta exige uma guinada lógica, quanto ao método científico. A proposta de Popper fundamenta-se numa estrutura lógica dedutiva, portanto, válida: a partir da forma lógica do modus tollens (se p, então q; não q; logo não p) é possível falsear, empiricamente, enunciados ou teorias universais. O método da falseabilidade permite deduzir 18 POPPER, Karl R. Op.cit. p. 37. 19 POPPER, Karl R. Op.cit. p. 38. 20 POPPER, Karl R. Op.cit. p. 40. Karl Popper: o problema da indução e a falseabilidade como critério de demarcação Douglas João Orben Revista Litterarius – Faculdade Palotina Vol.11 | N. 02 | 2012 – ISSN 2237-6291 www.fapas.edu.br/revistas/litterarius litterarius@fapas.edu.br a falsidade dos enunciados universais (se p, então q) a partir dos enunciados singulares (não q), encontrados na base empírica. Dentro desta nova estrutura de raciocínio, o critério de demarcação deixa de ser a verificabilidade e passa a ser a falseabilidade das teorias. Deste modo, as teorias científicas nunca serão cabalmente (certeza absoluta) verificadas, mas elas podem permanecer, temporariamente, não falseadas pela experiência: “Importa acentuar que uma decisão positiva só pode proporcionar alicerce temporário à teoria, pois subsequentes decisões negativas sempre poderão constituir-se em motivo para rejeitá-la” 21. A condição elementar para que uma teoria possa ser considerada científica, segundo Popper, é a possibilidade de a mesma poder ser empiricamente falseada. O critério que determina o domínio científico, portanto, segue os limites da experiência possível, enquanto possibilidade de falsear teorias. Neste sentido, Popper esclarece: Só reconhecerei um sistema como empírico ou científico se ele for passível de comprovação pela experiência. Essas considerações sugerem que deve ser tomado com critério de demarcação, não a verificabilidade, mas a falseabilidade de um sistema. Em outras palavras, não exigirei que um sistema científico seja suscetível de ser dado como válido, de uma vez por todas, em sentido positivo; exigirei, porém, que sua forma lógica seja tal que se torne possível validá-lo através de recurso a provas empíricas, em sentido negativo: deve ser possível refutar, pela experiência, um sistema científico empírico 22 . Assim, teorias que não podem ser empiricamente falseadas não são teorias científicas. São, pois, verdades incondicionais, não dependentes de condições específicas, mas confirmadas em toda e qualquer condição, portanto impossíveis de serem falseadas. Teorias do tipo: “choverá ou não choverá aqui, amanhã”, não tem, segundo Popper, nenhuma informação científica, já que em qualquer caso ela será confirmada. Ao passo que, o enunciado, “choverá aqui, amanhã”, é cientificamente válido, pois é uma teoria que poderá ser falseada pela experiência 23. Por fim, vale mencionar que a teoria popperiana da falseabilidade, como critério de demarcação, não pretende ser um critério semântico. Para Popper, tanto os enunciados falseáveis quanto os enunciados não falseáveis são, igualmente, significativos24. A demarcação distingue duas classes de enunciados perfeitamente significativos: por um lado, 21 POPPER, Karl R. Op.cit. p. 34. 22 POPPER, Karl R. Op.cit. p. 42. 23 POPPER, Karl R. Op.cit. p.42. 24 POPPER, Karl R. Op.cit. p.42. Karl Popper: o problema da indução e a falseabilidade como critério de demarcaçãoDouglas João Orben Revista Litterarius – Faculdade Palotina Vol.11 | N. 02 | 2012 – ISSN 2237-6291 www.fapas.edu.br/revistas/litterarius litterarius@fapas.edu.br os enunciados metafísicos ou puramente analíticos, que por não possuírem conteúdo empírico não são científicos; por outro, as teorias científicas, que, por sua vez, podem ser falseadas, não possuindo assim certeza absoluta, mas tão somente uma verdade provisória. 4 Considerações finais As críticas de Popper à ciência empírica, bem como a sua inovadora proposta metodológica, são, certamente, importantíssimas para a filosofia da ciência. Popper coloca em xeque a ideia de que a observação empírica é neutra, totalmente livre de pressupostos e desinteressada. Ao negar esta ideia, ele abala os fundamentos das ciências verificacionais, pois, não sendo neutras, as observações poderiam, em todo caso, confirmar as hipóteses sugeridas (considerando que confirmar as hipóteses é o que interessa ao pesquisador). O golpe final, todavia, é operado pelo problema da indução: nada justifica o salto indutivo do “alguns” para o “todos”. As ciências indutivas, portanto, não teriam um fundamento lógico. Por outro lado, ao propor uma ciência hipotética e dedutiva, Popper conjuga a capacidade inventiva com o rigor lógico dedutivo. A imaginação, as elucubrações especulativas, o engenho criativo, todos estes aspectos que eram reprovados na ciência verificacional, agora, surgem com dimensões primordiais na formulação das hipóteses científicas. Entretanto, o método de avaliação destas hipóteses segue os limites da experiência possível, enquanto passíveis de serem empiricamente falseadas. Neste contexto, nada assegura a certeza absoluta de uma teoria científica, nenhuma experiência pode confirmá-la cabalmente. Teorias são conjecturas circunstanciais e temporárias, são aceitáveis enquanto não falseadas por novas experiências. Por mais que as circunstâncias presentes não as refutem, elas não estão definitivamente confirmadas, pois novas experiências poderão contradizer antigas teorias. REFERÊNCIAS CARNAP, Rudolf. La Superacion de la Metafisica Mediante el Analisis Logico del Lenguaje. In: AYER, A. J. (org). El Positivismo Lógico. Trad. L. Aldama, U. Frisch, C. N. Molina, F. M. Torner y R. Ruiz Harrel. Mexico: Fondo de Cultura Economica, 1965. p. 66-87. HUME, David. Del conocimiento. 4. ed. Buenos Aires, Argentina: Aguilar, 1965. 180 p. Karl Popper: o problema da indução e a falseabilidade como critério de demarcação Douglas João Orben Revista Litterarius – Faculdade Palotina Vol.11 | N. 02 | 2012 – ISSN 2237-6291 www.fapas.edu.br/revistas/litterarius litterarius@fapas.edu.br ______. Investigação acerca do entendimento humano. São Paulo-SP: Nacional, 1972. KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. Tradução Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa: Editora Fundação Calouste Gulbenkian, 1985. O'HEAR, Anthony (org.). Karl Popper: filosofia e problemas. São Paulo: Editora da UNESP, 1997. PELUSO, Luis Alberto. A filosofia de Karl Popper: epistemologia e racionalismo crítico. Campinas: Papirus, 1995. POPPER, Karl R. A lógica da pesquisa científica. São Paulo: Cultrix, 1972. _____. Conjecturas e refutações. Brasília: Ed. UNB, 1982. _____. O realismo e o objectivo da ciência. Lisboa: D. Quixote, 1987. SCHLICK, Moritz; CARNAP, Rudolf. Coletânea de textos. 3. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988. (Os pensadores) _____. Positivismo e realismo. São Paulo: Abril Cultural, 1973. (Coleção Os Pensadores). WITTGENSTEIN, Ludwig. Tractatus logico-philosophicus. São Paulo: Nacional, 1968. Recebido: 02/08/2012 Received: 08/02/2012 Aprovado: 18/09/2012 Approved: 09/18/2012
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