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AULA 1 SEXUALIDADE HUMANA Profª Elizabeth Regina Streisky de Farias 02 CONVERSA INICIAL A sexualidade é um importante aspecto do ser humano, faz parte de cada um, além de não poder ser dissociada de outros aspectos da vida, também é compreendida como uma necessidade básica do ser humano. A sexualidade inclui sensualidade, sexo, identidade de gênero e reprodução. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS, 2002), a sexualidade é vivenciada por meio do pensamento, fantasias e comportamentos. Podemos compreender que sexualidade não é sinônimo de coito (relação sexual) e não se limita à ocorrência ou não de orgasmo. Sexualidade é muito mais que isso, é a energia que motiva a encontrar o amor, contato e intimidade e se expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas, e como estas tocam e são tocadas. A sexualidade influencia pensamentos, sentimentos, ações e interações e, portanto, consiste em saúde física e mental. Se saúde é um direito humano fundamental, a saúde sexual também deveria ser considerada um direito humano básico. (Who Technical Reports Series, 1975). Por meio dessa definição, pode-se perceber que a sexualidade é um conceito amplo e que abrange diferentes aspectos da vida humana, relacionados à ordem biológica, social e psicológica. Tão amplo quanto os aspectos que a envolvem é sua complexidade, pois somente em mencioná-la, percebe-se o desconforto gerado em razão das distorções e do reducionismo com o qual o tema vem sendo tratado (Silva, 1987). Ao se reduzir a sexualidade a somente um aspecto abre-se espaço para mitos e tabus. Salienta-se que embora sejam ambos prejudiciais no que diz respeito ao desenvolvimento de uma sexualidade saudável, os termos têm significados distintos, sendo o termo Mito utilizado para caracterizar o “conjunto de concepções errôneas e falácias criadas a partir de rumores, superstições, fanatismo ou educação sexual falha” (Goldenson & Anderson, 1989, p. 179), enquanto o termo Tabu designa o “sagrado, intocável, proibido” (Ferreira, 2004, p. 1.905). No que diz respeito às pessoas com deficiência, a sexualidade é vista como um desafio, já que para muitos pais e educadores a aceitação da sexualidade é algo difícil. Muitos pais tratam seus filhos como “anjos assexuados”, temendo pelo risco que correm, tanto física quanto emocionalmente (Trabbold, 2006). 03 Essa crença atrapalha a orientação que a criança ou jovem pode receber dos pais e professores, deixando-os vulneráveis e confusos. Após essa introdução e todas as explicações, vamos começar a aula? CONTEXTUALIZANDO Como constitutivo da dimensão humana, a sexualidade é uma construção histórica e social, que se desenvolve por meio da interação do indivíduo com aqueles que o cercam, e Para dar conta do entendimento desta dimensão humana que é a sexualidade, é preciso, contudo analisá-la como um processo relacional intenso que se fundamenta, basicamente em elementos discretos, mas complementares: o potencial biológico, as relações sociais de gênero e a capacidade psicoemocional dos indivíduos. Neste sentido, é possível admitir, para uma mais sólida compreensão, que a sexualidade tenha três grandes componentes: O biológico, o psicológico e o sociocultural. (Fagundes,2005, p.16). No convívio social é que o ser humano constrói suas vivências e direciona suas experiências de vida. Em virtude da sua importância para a essência e existência humana, e como elemento constitutivo de sua identidade, a sexualidade “[…] precisa ser compreendida em sua totalidade” (Fagundes, 2005, p. 14). Atualmente, a desvalorização da sexualidade tem dado vazão às situações de preconceito e exclusão social daqueles que não se encaixam nos padrões socialmente estipulados. O reducionismo do ser ao aspecto biológico e as transformações sociais têm deteriorado as relações e intensificado a tendência de uma sexualidade consumista e o uso do corpo como fator capitalista (Bonetto, 2007; Meihy, 2015). Quanto às pessoas com deficiência, a exclusão se faz presente ao negar o diálogo, a compreensão. Conforme apontado: O medo que se tem de lidar com a sexualidade dos deficientes e a falta de informação nesta área faz com que não os ensinemos a decodificar os sinais de perigo que possam antecipar este tipo de situação” (Ribeiro, 2011, p. 20). Esse medo gera a insegurança nos indivíduos e os torna alvos vulneráveis a abusos sexuais. TEMA 1 – A SEXUALIDADE COMO CONSTRUÇÃO SOCIAL Para Foucault, a sexualidade é uma construção social, sendo o principal interesse do Estado controlar o indivíduo, ou seja, seu corpo de acordo com os 04 interesses sociais.Dessa maneira “o conceito de sexualidade não é uma categoria natural, mas uma construção social que, como tal, só pode existir no contexto social” (Foucault, 1993, p. 21). De acordo com o autor, a repressão sexual iniciada no século XVIII, reduzindo a sexualidade às relações sexuais para a reprodução, sendo um assunto velado. O silêncio imposto pelo puritanismo, que o considerava pecado, e a repressão dos que ousavam desobedecer legaram ao sexo a clandestinidade, separando o lícito do ilícito e vivenciando-se o paradoxo da permissividade para os burgueses, aos quais se permitiam certas práticas em locais restritos a isso, explorando-se o corpo como objeto de lucro e intensificado a relação entre sexo e poder, assumindo a função técnica de poder e saber. Dizendo poder, não quero significar “o poder”, como um conjunto de instituições e aparelhos que garantem a sujeição dos cidadãos num determinado estado. Também não entendo poder como um modo de sujeição que, por oposição à violência, tenha a forma de regra. Enfim, não entendo o poder como um sistema geral de dominação exercida por um elemento ou grupo sobre o outro e cujos efeitos, por derivações sucessivas, atravessem o corpo social inteiro. A análise em termos de poder não deve postular, como dados iniciais, a soberania do Estado, a forma de lei ou a unidade global de uma dominação; estas são apenas e, antes de mais nada, suas formas terminais. Parece-me que se deve compreender o poder, primeiro, como a multiplicidade de correlações de forças imanentes ao domínio onde se exercem e constitutivas da sua organização; o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de força encontram umas nas outras, formando cadeias ou sistemas ou ao contrário, as defasagens e contradições que as isolam entre si; enfim, as estratégias em que se originam e cujo esboço geral ou cristalização institucional toma corpo nos aparelhos estatais, na formulação da lei, nas hegemonias sociais. (Foucault, 1993 p. 88-89). Em vez de conter o assunto, a repressão do XVIII gerou o interesse sobre ele, o silêncio originou diversos discursos, tornando a sexualidade um dispositivo, regulando-a por meio da família, da igreja, da escola, e de outras instâncias de convivência, utilizando-se para isso de discursos economicamente úteis, intentando potencializar o poder do Estado, fortalecendo-o. A ligação entre prazer e podertornou o sexo útil ao Estado. A mediação do poder ligadas à sexualidade do século XVIII faz emergirem no século XIX as perversões. O sexo legado ao casamento e valorizado com base na heterossexualidade, regido principalmente nas esferas da família e da igreja ganha espaço biológico, mas ainda assim obedecendo à moralidade, sob a égide da igreja, em confissão. Para Foucault, a intenção não era calar o discurso sobre a sexualidade, mas controlá-la para conseguir manipular o indivíduo, sendo a história da 05 sexualidadenada mais do que a história do discurso presente nas relações de poder. Tendo como pano de fundo as mudanças ocorridas nos Séculos I e II, no Império Romano, Foucault busca explicitar melhor a “cultura de si” , estudando os sonhos com os próprios prazeres, a cultura de si, os outros, o corpo, a mulher e os rapazes, busca explicar o processo de subjetivação por meio de textos clássicos, médicos e filósofos (Platão e Sócrates). Na análise do autor, os textos clássicos sobre as relações matrimoniais demonstram que muito mais do que um relacionamento íntimo, o contrato nupcial era um código ético e de conduta, que envolvia a família e sua aparência social, sendo também um compromisso com a concepção, atendendo aos interesses da comunidade. A mulher estava sujeita ao marido, que deveria demonstrar sua capacidade por meio da administração do lar. O tema-chave de interesse do autor nessa obra foi o cuidado de si, tendo como momento mais importante o momento em que o indivíduo deixa de ter a supervisão de outro, ou seja, neste período histórico, na “idade crit́ica, quando se sai das mãos dos pedagogos”, principalmente se tem como interesse a “atividade polit́ica”. Ao cuidar de si, o indivíduo deixa de estar sujeito aos castigos e às exigência políticas, para isso era preciso a “insistência sobre a atenção que convém ter para consigo mesmo” (Foucalt, p. 2009, 46), sendo que: […] essa majoração da austeridade sexual na reflexão moral não toma a forma de um estreitamento do código que define os atos proibidos, mas a de uma intensificação da relação consigo pela qual o sujeito se constitui enquanto sujeito de seus atos (Foucalt, 2009, p. 47). Embora o cuidado de si fosse principal responsabilidade do indivíduo, havia médicos e filósofos para auxiliar nesse trabalho, mas para obter a cura, era preciso reconhecer a necessidade de auxílio, para “se fazer cuidar” (Foucalt, 2009, p. 51). Enquanto no reino animal, a atividade sexual faz parte do instinto da espécie, para os seres humanos ela vai se manifestar como uma construção histórica, com padrões determinados pautados na sociedade em determinado contexto histórico. Sendo assim, padrões outrora nem pensados, são hoje comuns e aceitáveis, bem como a organização social dos dias atuais, não aceita padrões ditados em contextos sociais de outros contextos históricos. 06 O corpo é o elemento integrador desse determinante social, influenciando maneiras diferentes de perceber e vivenciar a sexualidade. Para Kehls (2003, p. 254), tudo que hoje nos parece óbvio, regulado por sentimentos de pudor, nojo, vergonha, foi construído socialmente ao longo de séculos de um trabalho civilizatório. Assim, a forma como pais e educadores trabalham com a questão da sexualidade deve considerar o contexto social no qual estamos inseridos e compreender os diversos percursos trilhados. TEMA 2 – A INFÂNCIA E A SEXUALIDADE A construção da sexualidade tem início na vida intrauterina e continuará conosco na vida toda. Em grande parte, uma vida adulta satisfatória do ponto de vista da sexualidade vai depender do desenvolvimento psicológico e sexual ocorridos na infância e adolescência. Os medos, os mitos, a falta de informação no início de nossa vida, poderão significar traumas e preconceitos na idade adulta, que determinarão o modo como nos relacionamos com a sociedade. Dessa forma, é importante que a educação sexual ocorra tanto na escola quanto na família, uma não se sobrepondo a outra, mas coexistindo. É importante destacar que, quanto mais repressora for a educação e quanto menos informação trouxer, mais dificuldades na expressão da curiosidade natural da criança vai existir. Não é possível negar a curiosidade na infância, ela se manifesta em diferentes contextos sociais. As crianças querem saber sobre as diferenças entre meninos e meninas, como nascem as crianças, como se manifesta a sexualidade. Tais curiosidades devem ser respondidas pelos adultos, com clareza, porém, com palavras adequadas à idade da criança. É importante que a criança tenha confiança nos pais, para garantir uma relação equilibrada ente os pais e filhos. Embora se compreenda que é muito difícil para pais de crianças pequenas, reconhecerem a sexualidade de seus filhos, este é um fator importante, já que é ainda quando pequena que a criança vai adquirindo papéis sexuais e a identificar-se como homem ou mulher. Durante a infância as crianças experimentam seu corpo de formas diferentes e vão desenvolver suas próprias percepções acerca da sexualidade, ainda que nunca conversem sobre isso com os adultos. 07 Entre os três e quatro anos é relativamente normal a criança manipular seus próprios genitais, embora se considere importante a atenção dos adultos para que não se torne um hábito e atrapalhe seu desenvolvimento, porém não com atitudes repressoras, mas atenta. Sabe-se que no decorrer do desenvolvimento infantil, não só as informações recebidas são importantes, mas também o exemplo dos adultos: a forma como expressam carinho entre si, o diálogo que estabelecem quanto ao assunto. Entre os cinco e seis anos, a criança vai gradativamente entrando no mundo real, sendo assim, já estão familiarizados com as diferenças entre meninos e meninas. As formas como os adultos desempenham seus papéis feminino ou masculino terá muita influência em como a criança desenvolverá sua personalidade e percepção de mundo no que diz respeito à relação de gênero. Por exemplo: se uma família tem como valores claros que as meninas devem ser meigas, obedientes, mais organizadas e higiênicas que os meninos, é possível que no desenvolvimento de sua identidade a criança entenda que não é esperado que meninos sejam organizados, obedientes, etc. Dos sete aos nove anos, há uma certa disputa, entre os pais e os amigos e o meio no qual a criança convive. Os jogos sexuais entre amigos podem acontecer neste período. Nessa etapa de desenvolvimento, os pais buscam comportamentos de acordo com a identidade de gênero da criança. É comum, portanto, que pais de meninos insistam em brincadeiras masculinas com eles e fiquem frustrados se os meninos não correspondem a essa expectativa, por exemplo, não gostando de futebol ou de brincadeiras mais violentas. Muitas vezes, tais comportamentos são frutos do exemplo dos pais, da forma como eles entendem as relações humanas e do diálogo que eles estabelecem com os filhos. De acordo com Maldonado (1993), é importante o contato entre os pais e filhos na infância, com gestos físicos de carinho, com diálogo interessado. São questões essenciais na descoberta do mundo, possibilitando um desenvolvimento não só físico, mas também psicológico e social. Dos dez aos treze anos aproximadamente, inicia-se o desenvolvimento físico mais acentuado, abrindo caminho para a puberdade. Nesse período há extremo interesse sobre o próprio corpo. Há uma frequência das fantasias sexuais, porém com pouco contato físico. É um período que exige bastante 08 atenção, já que o desenvolvimento físico pode desencadear comportamentos que afetarão a vida sexual adulta. TEMA 3 – A SEXUALIDADE E A ADOLESCÊNCIA A adolescência é um construto da modernidade, assim como a infância, já que antigamente somente os adultos eram considerados importantes. De modo especial, a adolescência era vivida de forma silenciosa, visto que os canais de diálogo entre filhos e pais eram bastante restritos. Contudo, nos dias atuais, é uma etapa vivida pela maioria das famílias com as mais diversas configurações. É uma espécie de rito que a criança tem que passarpara chegar na vida adulta. A adolescência é uma época de crise, questionamentos, de criticidade, espera-se sempre uma certa dose de rebeldia e de contestação neste período, o que geralmente ocorre. Porém, por outro lado é uma fase de muita angústia e culpa, já que muitas vezes o adolescente tem comportamentos diferentes das perspectivas dos pais, em especial com relação à sexualidade. De acordo com Suplicy (2000), este conflito entre pais e filhos, dificulta o desenvolvimento da sexualidade. Para Zamberlan et al. (2003), quando tratamos da adolescência, precisamos compreender dois elementos básicos: o primeiro diz respeitos às diferentes experiências dos adolescentes, em um indicativo ao que lhe é peculiar, o segundo é que a adolescência tem diferentes formas de expressão. Sendo assim a adolescência vai adquirir significado com base em cada contexto e sendo um processo psicossocial, “regulará a forma que se expressara por suas diferentes peculiaridades, conforme o ambiente social, econômico e cultural em que se desenvolva” (Zamberlan et al., 2003, p. 30). Considerando que a crise se manifesta de modo especial na família, não é incomum que o adolescente busque apoio em seus pares, é a época que o grupo tem um valor muito grande. Ele é um indivíduo ainda sem definição de seu papel social, sem independência financeira, porém com desejo de viver a vida adulta. É, portanto, uma fase que acarreta uma carga muito grande ao indivíduo, que vive em crise pela busca de sua autonomia. Durante os anos da adolescência, segundo Quadros (2009), espera-se que algumas tarefas sejam cumpridas, como: a definição de seu papel social e sexual, “autodefinindo-se e reconhecendo-se sexual e socialmente”. Esse 09 processo tem pouca ou nenhuma ajuda, já que é o próprio adolescente quem busca suas respostas e se quando criança era claro o que se esperava dele, na adolescência, muitas vezes só tem clareza do que não ser. De acordo com Muller (1988), o adolescente vive uma série de lutos, que na maioria das vezes é bastante dolorido, como: a perda do corpo da infância, perda da identidade de criança e a perda da relação infantil com os pais. Isso pode ser especialmente doloroso se os pais deixarem de demonstrar afeto (porque já está crescido) e criticarem o novo indivíduo que se apresenta. Essa situação pode gerar uma angústia que trará como consequência, um sentimento de falta de pertença, de despersonalização. Em contrapartida, pode gerar fantasias de onipotência e imortalidade, o que pode ser bastante danoso do ponto de vista da integridade física. De certa forma, os pais vivem os mesmos lutos, já que despedem-se do corpo infantil do filho e veem-se obrigados a aceitar a nova identidade que se apresenta. Por outro lado, as relações também se modificam, sendo mais horizontais, à medida que a liderança diminui. Nesse período, a sexualidade é percebida e as primeiras experiências físicas acontecem, como um rito de iniciação. Os relacionamentos amorosos começam a acontecer, embora tenham caráter efêmero, já que é uma fase anterior à fase de namoro. Por outro lado, uma emergência de relacionamentos amorosos impõe a busca pela primeira experiência sexual e a perda da virgindade. Sendo que, segundo Altemann (2007), a busca é por uma experiência sexual em um relacionamento escolhido, o que confirmaria a capacidade do indivíduo de relacionar-se. A vulnerabilidade dessa fase de desenvolvimento pode ser mais fortemente sentida quanto menos se estabelecer o diálogo e a informação, o que pode acarretar outras crises na adolescência, como: a gravidez precoce e o uso de drogas. Sendo assim, é relevante o acompanhamento de pais e professores, garantindo que a adolescência seja uma fase de mudanças, porém, que não acarrete marcas expressivas e impagáveis na vida adulta. Quanto à gravidez precoce, é possível dizer que pode ocorrer por falta de informação e pelo turbulento desenvolvimento dos aspectos emocionais, mas sejam quais fatores estejam envolvidos, é inegável que ela trará consequências irreversíveis para os adolescentes que sentirão a necessidade de tornarem-se adultos repentinamente, para tomar decisões e cuidar de uma outra pessoa. 010 Nesse sentido, as pessoas com deficiência tornam-se ainda mais vulneráveis, muitas vezes, por falta de informação adequada. Os adolescentes com deficiência são muitas vezes categorizados entre a assexualidade e a hiperssexualidade, porém, é preciso compreender que não podemos rotulá-los dessa forma, já que tais comportamentos são na verdade a falta de informação e orientação desses indivíduos. TEMA 4 – A SEXUALIDADE E A EDUCAÇÃO Considerando que a sexualidade é uma construção social, é preciso perceber também que é um processo que se dá ao longo da vida, devendo ser acompanhado desde os primeiros anos da infância. Inicialmente, as manifestações da sexualidade se manifestam pelas curiosidades infantis. A forma como os adultos dão respostas a essas curiosidades vão constituindo nossa concepção acerca da sexualidade. Importante notar que não só os adultos darão respostas à curiosidade infantil, mas também os companheiros de escola e amigos do meio no qual vive a criança. Não é incomum na nossa cultura, que nossa representação da sexualidade seja formada com base em medos, culpas, falta de esclarecimentos, gerando desconforto quanto à discussão do tema, o que faz muitos adultos evitarem a discussão da sexualidade com as crianças. Dessa forma, a escola desempenha um importante papel na formação de conceitos sobre a sexualidade humana. Para Gambale et al (2007), o desenvolvimento do trabalho sobre sexualidade deve ser planejado com base na realidade do aluno e sistematizado de acordo com o Projeto Político Pedagógico, nesse caso envolvendo professores, gestores e pais em uma forma de ensino que não seja carregado de tabus e medos. É importante ter claro que não se trata de discutir questões íntimas, mas sim oferecer informações adequadas que possam levar ao conhecimento sobre a temática, sendo fundamental uma condução correta na organização desse ensino para o desenvolvimento integral do aluno. De modo especial, quanto aos alunos da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, o educador precisa estar despido de preconceitos e aberto às curiosidades dos alunos, respondendo aos questionamentos adequadamente (Silva, 2007). 011 A escola precisa estar alicerçada sobre uma abordagem plural acerca da sexualidade, ou seja, compreender que diferentes concepções podem coexistir, bem como a sexualidade das pessoas com deficiência. Nessa perspectiva, a educação oferecida pela família não pode ser desconsiderada ou combatida, mas respeitada. A construção do conhecimento se dará também pela informação de diferentes formas de pensamento. Assim, a sexualidade deixa de ser apenas um conteúdo a mais para ser trabalhado, mas um tema de reflexão de todos, compreendendo então que a escola esteja organizada para garantir contato com material cientificamente elaborado, bem como para a promoção de debates sobre a temática. É importante ter claro que, para que o professor realize tal trabalho, importa estar alicerçado em sólidas bases de formação, para que ele próprio seja formado como sujeito integral. De acordo com Freire (1997), o professor precisa ter permanentemente uma atitude de reflexão crítica, não apenas sobre sua prática cotidiana, mas também sobre o mundo que o cerca. O autor aponta a necessidade de o professor assumir-se como produtor de sua prática, por meio do conhecimento que acumulaao longo de sua formação. Nesse sentido, a formação continuada possibilitará constante reavaliação de seus conceitos elaborados, bem como das necessidades do contexto social em que vive. Concorda-se com Tardif (2010, p.16), quando o mesmo afirma que: Os saberes do professor são uma realidade social materializada através de uma formação, de programas, práticas coletivas, disciplinas escolares, de uma pedagogia institucionalizada, etc., e são também, ao mesmo tempo, os saberes dele. Assim, o professor não pode perder de vista a realidade social na qual está inserido, que deve estar expressa no Projeto Político Pedagógico, bem como não pode deixar de refletir sempre sobre a sua prática, reelaborando seu conhecimento. TEMA 5 – SEXO, SEXUALIDADE E IDENTIDADE Compreende-se que a sexualidade humana não pode ser pensada isoladamente, mas como parte de um processo contínuo que tem início na concepção e percorre toda a vida. Nesse percurso, o indivíduo recebe influência de vários fatores, como: biológico, psicológico, social e cultural. 012 Enquanto o sexo do indivíduo é determinado biologicamente no momento da fecundação, a sexualidade é construída com base no contexto social e cultural no qual o indivíduo está inserido. Nesse sentido, o significado que cada indivíduo irá atribuir as suas interações vai enfatizar aquilo que a pessoa compreende por masculinidade e feminilidade e suas expressões. Do ponto de vista biológico, pode-se dizer que os cromossomos organizam a atividade celular e determinam as características hereditárias do indivíduo. Dessa forma, as características biológicas definem o sexo do indivíduo, mas não a sua sexualidade, que é construída firmada no contexto cultural e social no qual o indivíduo vive. O corpo e o movimento que ele realiza dizem respeito a quem somos. É possível afirmar que no contexto dos aspectos biológicos, as pessoas realizam movimentos muito parecidos (correr, andar, dançar), porém, somente os movimentos que têm significado social para o indivíduo serão realizados de forma particular. Ou seja, expressamos quem somos e qual o domínio exercemos na sociedade em que vivemos. De acordo com Ravagni (1988, p. 29), [...] o corpo na sociedade de consumo é o meio através do qual a própria sociedade olha-se, experimenta-se, atua, criando laços de domínio ou de dependência na apresentação sistemática de normas. Dessa forma, a sexualidade organiza-se pelos mesmos padrões que se organizam os corpos, identificando o indivíduo e construindo suas identidades. Para Freud (1948), o corpo é um lugar de manifestações sexuais, ordenados em torno de orifícios do corpo, sejam eles, anal, oral e genital. Dessa forma, o indivíduo reafirma sua identidade, de acordo com a sensibilidade e imagem de seu corpo. As interações com as outras pessoas, por meio do corpo, reafirma o ser humano sexuado, de acordo com seus próprios interesses e identidade. Assim, a sexualidade humana e a identidade são partes de um todo que não é possível dividir, e a experiência do corpo é o elemento articulador nesse processo, sem o qual a vivência da masculinidade e da feminilidade não poderia ocorrer. Há que se reconhecer, porém, que construir a identidade e assumir a sexualidade não é tarefa fácil para o indivíduo, ao contrário, representa um dos pontos nevrálgicos, especialmente na fase da adolescência. 013 Saiba mais Para saber mais sobre esse assunto, seguem referências de leituras básicas dessa disciplina: ALTMANN, H. Educação sexual e primeira relação sexual: entre expectativas e prescrições. Estudos feministas – Unicamp. Campinas, 2007. CARVALHO, M. P. de. Avaliação escolar, gênero e raça [livro eletrônico]. Campinas: Papirus, 2013. LIPP, M. E. N. (Org.). O adolescente e seus dilemas: orientação para pais e educadores. Campinas: Papirus, 2014. SILVA, M. C. P. da (Org.). Sexualidade começa na infância. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2010. Indicações de leituras complementares: ALVES, R. E aí?: Cartas dos adolescentes a seus pais. Campinas: Papirus, 2013. FACION, J. R. Inclusão escolar e suas implicações [livro eletrônico]. Curitiba: InterSaberes, 2012. MEIHY, J. C. S. B. Prostituição à brasileira: cinco histórias. São Paulo: Contexto, 2015. FINALIZANDO Compreende-se que, embora o sexo seja determinado no momento da fecundação, a sexualidade é um construto histórico e social, que se desenvolve com base no contexto vivenciado e pelas interações sociais que o indivíduo estabelece. Dessa forma, pais e professores exercem um relevante papel, na medida em que medeiam o desenvolvimento da criança e do adolescente, ao mesmo tempo em que servem de espelho para eles. Se a sexualidade humana não estiver alicerçada em bases consistentes na infância e adolescência, o adulto não terá uma vida saudável, do ponto de vista da sexualidade, o que acarretará problemas em toda sua constituição de sujeito. É preciso que pais e professores estejam despidos de preconceitos, mitos e medos, para que o diálogo seja estabelecido e a sexualidade possa ser vivida na sua plenitude. 014 Importa destacar que o corpo exerce um papel articulador, na medida em que reforça a identidade do indivíduo, bem como demonstra o poder e a liderança que a pessoa exerce sobre o meio no qual está inserida. 015 REFERÊNCIAS BONETTO, D. V. S. Sexualidade – programa agrinho 2007. Respeitar é ser... Disponiv́el em: <respeitareserhumano.wordpress.com/>. Acesso em: 15 set. 2017. FERREIRA, A. B. H. Novo Dicionário Aurélio. 3. ed. Curitiba: Positivo, 2004. FOUCAULT, M. História da sexualidade I: A vontade de saber. 11. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1993. _____. História da sexualidade II: O uso dos prazeres. 8. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1984. _____. História da Sexualidade III: o cuidado de si. São Paulo: Graal, 2009. FREIRE, P. Política e educação. São Paulo: Cortez, 1997. FREUD, S. Obras completas. Madrid: Biblioteca Nueva, v. 2, 1948. GAMBALE, C. A., VERGUEIRO, F. V. & SILVA, M. C. P. O trabalho de sexualidade na escola e os pais. In: Silva, M. C. P. (Org.) Sexualidade começa na infância. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2007. GOLDENSON R. M.; ANDERSON, K. N. Dicionário de Sexo. São Paulo: Ática, 1989. KEHL, M. R. As máquinas falantes. In: NOVAES, A. (Org.). O homem máquina. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. MEIHY, J. C. S. B. Prostituição à brasileira: cinco histórias. São Paulo: Contexto, 2015. MULLER, M. Orientação vocacional: contribuição clínica e educacional. Porto Alegre: Artes Médicas, 1988. QUADROS, E.A. Psicologia e desenvolvimento humano. Curitiba: SERGRAF, 2009. RAVAGNI, E. O que é a sexualidade humana? Tese (Doutorado). Universidade de Brasília, Faculdade de Ciência da Saúde. 91 p. Brasília, 2007. RIBEIRO, B. N. Avaliação de um programa de atividades físicas sistematizadas para adultos com deficiência intelectual. Dissertação (Mestrado em Educação Especial) – Universidade Federal de São Carlos. São Carlos, 2011. 016 SILVA B, MIRANDA, A. G. N. et al (Ed.). Dicionário de ciências sociais. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1987. SUPLICY, M. Conversando sobre sexo. 21. ed. atualizada. Vozes: Petrópolis/Rio de Janeiro, 2000. TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2010. TRABBOLD, A. O sexo dos anjos. disponível em: <www.entreamigos.com.br/textos/sexualidad/sexanjo.html>. Acesso em: 15 set. 2017.
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