Buscar

VIANNA, Luiz Wernek - Poder judiciário, positivação do direito natural e política

Prévia do material em texto

-
Poder Judiciário, (( Positivação" do 
Direito Natural e Política 
Luiz Werneck Vianna 
Neste meio século que nos distancia do último conflito mundial, os três 
Poderes da conceituação clássica de Montesquieu se têm sucedido, sintomati­
camente, na preferência da bibliogmfia e da opinião pública: à prevalência do 
tema do Executivo, instância da qual dependia a reconstrução de um mundo 
arrasado pela guerra, e que trouxe centralidade aos estudos sobre a burocracia, 
as elites políticas e a máquina governamental, seguiu-se a do Legislativo, quando 
uma sociedade civil transformada pelas novas condições de democracia política 
impôs a agenda de questões que diziam respeito à sua representação, para se 
inclinar, agora, para o chamado Terceiro Poder e a questão substantiva nele 
contida - Justiça. 
Nessa forte mudança de sinalização, que pode ser percebida na 
emergência de uma welfare society, 1 se faz presente um processo de internali­
zaçào do Estado por parte de uma sociedade civil- claros os ecos de Tocqueville 
de A democracia naAmérica- que se vem organizando em torno de postulações 
Nora: Este texto faz parte d1 introdução a Corpo (! 1I1mll tlll magistratura brasileira, ainda em prepar-dçào, 
com o que SC' dá forma final à pesquisa sohre o Perfil do magistrJdo brasileiro, reali7..ada nos Icnnos do 
convênio entre ri A.<;SQCinção dos l\lagislrados Brasileiros c o lUPERj. Agmdcço aos colegas Maria Alice 
Rezende de C:lrvalho, Manuel Palacios Cunha Melo c Marcdo Raumann Burgos a autori7,.<lÇào para a 
publicação deste fragmento do nosso trabalho comum. 
263 
• 
I 
264 
estudos históricos e 1996 - 18 
por novos direitos e de práticas igualitárias. Tal processo não somente aponta 
para um novo arranjo da clássica antinomia público/privado, como também, na 
medida em que tensiona a identificação entre Direito e Poder,2 reatualiza as 
rdações entre direito e justiça, como argumentam correntes contemporâneas do 
neojusnaturalismo e da filosofia do direito.3 A sociabilidade moderna, filha do 
processo da globalização, além de levar ao desgaste as bases particularistas do 
Estado-nação, ator por excelência, desde Hobbes, do direito positivo, bem longe 
de trazer consigo a superação do direito, parece designá-lo como o lugar da 
praxis por onde se pode ter acesso ao terreno da utopia.1 
O final do século XX, ao retomar a inquirição sobre a justiça, se encontra 
com o século XVIII de Rousseau e Kant,o; embora destituído da carga revolu­
cionária daquele contexto, que, sob o escrutínio da razão, denunciou o mundo 
efetivamente existente. Pragmático, este fim de século não se comprometeria 
com uma exploração metafísica da idéia de justiça, assim como evitaria a clássica 
contraposição entre o direito natural e o direito positivo, sendo marca contem­
porânea a "positivação" daquele direito nas cartas constitucionais6 Desse modo, 
a filosofia política contemporânea não precisa desafiar o mundo, porque, de 
alguma maneira, estaria encontrando nele a sua naturalização. 
J. Rawls, ao recusar as linhas de uma abordagem metafísica, sustenta 
que o ponto de partida efetivo para uma teoria da justiça deveria ser encontrado 
na "nossa própria cultura política pública, aí compreendidas as suas instituições 
principais e as tradições históricas que instituem as bases para a sua interpre­
tação, assim como o legado comum de idéias e princípios fundamentais 
implicitamente aceitos,,7 O legado dessa cultura política, cuja raiz histórica 
estaria na afinnação do princípio da tolerância, com o fim das guerras de religião 
que se seguiram à Reforma, e no progresso do governo constitucional e das 
instituições da economia de mercado,8 constituir-se-ia no terreno sedimentado 
das "idéias intuitivas comuns", que, coordenadas em uma concepção política 
da justiça, demonstrar-se-iam suficientes para garantir um regime constitucional 
justo. Seria, então, possível chegar-se a uma concepção da Justiça pela teoria 
política e não, como em Kant oU S. MiII, "por uma doutrina moral completa", 
permitindo-se que cada doutrina filosófica, religiosa ou moral viesse a reconhe­
cer a "justiça como eqüidade" a partir das suas próprias razões9 
De uma outra perspectiva - a do neojusnaturalismo -, a revitalização 
das correntes concernentes a esse campo se prenderia ao fato de o positivismo 
jurídico ter sido incapaz de levantar barreiras valorativas à emergência do 
nazi-fascismo na Europa dos anos 20 a 40 e, como C. Lafer lucidamente chama 
a atenção, ao domínio dos regimes burocrático-autoritários na América Ibérica 
nos anos 60 a 7010 Como reação ao positivismo jurídico, foram impostos, nos 
preâmbulos e nas declarações dos direitos fundamentais de muitas constituições 
"Positivação" do Direito Natural 
do pós-guerra, assim como daquelas que sucederam os regimes burocrático­
autoritários nos anos 70, tal como a do Brasil, princípios normativos de 
regitimidade absoluta como fonte obrigatória de limitação de todo o direito 
positivo e do Estado, com o que se generalizou a experiência do constitucio­
nalismo democrático. I I Assim é que, com o constitucionalismo moderno, o direi­
to público passaria a internalizar uma concepção do justo, em uma efetiva rup­
tura com a arquitetura do Estado de direito kelseniano.12 
Como é sabido, a incorporação dos ideais de justiça pelo constitucio­
nalismo moderno carece, em geral, de eficácia nOIJJlativa, podendo tal incor­
poração ser entendida como uma "legislação simbólica", visando a atender a 
"finalidades políticas de caráter não especificamente normativo-jurídico,,13 
Contudo, recusando-se a sugestão de que a ausência de eficácia dos textos legais 
dessa natureza os condenaria à irrelevância social, considera-se que eles podem 
cumprir efeitos sociais latentes, como sustenta Marcelo Neves, bem mais 
significativos "do que os efeitos manifestos que lhes faltaram"I4 Ainda segundo 
esse autor, o sentido positivo da legislação simbólica residiria em produzir 
infornJações para a orientação do sistema político, legitimando, pela própria 
explicitação dos fundamentos da ordem jurídica, valores, expectativas, compor­
tamentos e tipos de ação coletiva que estariam comprometidos com elaI5 
Assim, a dita legislação simbólica, quer referida a direitos fundacionais, 
quer aos direitos sociais, exprimiria, como anota T. Sampaio Ferraz, um "sentido 
promocional prospectivo" que supõe, para além da liberdade individual en­
quanto liberdade negativa, uma liberdade positiva, cujo exercício não está 
remetido a um tempo passado, e sim a um tempo futuro, na medida em que, 
no conteXlo do Estado social, ela não é "um princípio a ser defendido, mas a 
ser realizado".16 Pelo fato de serem prospectivos, e não disposições com eficácia 
normativa, os direitos fundacionais e sociais exigem uma implementação, salvo 
quando se inscrevem no teXlo constitucional apenas para cumprir a função de 
uma "legislação-álibi", isto é, quando, na caracterização de M. Neves, "o 
legislador, sob pressão direta, elabora diplomas normativos para satisfazer a 
expectativa dos cidadãos, sem que com isso haja o mínimo de condições da 
efetivação das respectivas normas,,]7 Mas, se a exigência de implementação é 
reconhecida no texto constitucional,18 legitima-se a desneutralização da função 
do Judiciário, ao qual "perante eles [os direitos sociais] ou perante a sua violação, 
nâo cumpre apenas julgar no sentido de estabelecer o certo e o errado com 
base na lei (responsabilidade condicional do juiz politicamente neutralizado), 
mas também e sobretudo examinar se o exercício discricionário do poder de 
legislar conduz à concretização dos resultados objetivados (responsabilidade 
finalística do juiz que, de certa forma, o repolitiza)"I9 
265 
• 
. estudos históricos e 1996 - 18 . . --------������������= 
I 
266 
A tendência à desneutralização do Judiciário, no entanto, ultrapassaas 
questões constitucionais, na medida em que se encontra associada às profundas 
transfonnações das relações entre o Estado e a sociedade civil no capitalismo 
contemporâneo. Daí deriva o seu caráter universal, irradiando-se inclusive em 
territórios culturais historicamente adversos à sua imposição, como a França.20 
Tais Irdnsfonnações se iniciam quando, uma vez conquistados os direitos 
políticos por parte dos setores subalternos da sociedade, os sindicatos e os 
partidos de extração popular passam a pressionar em favor da institucionalização 
dos direitos sociais,21 criando-se o que M. Cappelletti denominou um Weifare 
de "estado legislativo",22 convertido, a seguir, no Weifare S/a/e com seu formato 
administrativo-burocrático. É o weifare que introduz na legislação um sentido 
promocional prospectivo, deslocando temporalmente o direito do tempo pas­
sado - de onde se extrai a norma fonnalizada de caráter geral e abstrato, 
fundamento da chamada certeza jurídica - para o tempo futuro, quando a 
promoção social estipulada pela lei deverá ser realizada por meio da intervenção 
do Estado. 
Como é de observação consensual na bibliografia, um dos impactos da 
legislação "welfareana" sobre a ordem jurídica foi fazê-la incorporar a vagueza 
e a imprecisão das normas de sentido promocional prospectivo, afetando a 
neutralidade do judiciário e ampliando a criatividade do juiz no ato da 
interpretação. No conhecido argumento de M. Cappelletti: "É manifesto o caráter 
acentuadamente criativo da atividade judiciária de interpretação e de atuação 
da legislação e dos direitos sociais. Deve reiterar-se, é certo, que a diferença em 
relação ao papel mais tradicional dos juízes é apenas de grau e não de conteúdo: 
mais uma vez impõe-se repetir que, em alguma medida, toda interpretação é 
criativa, e que sempre se mostra inevitável um mínimo de discricionariedade na 
atividade jurisdicional. Mas, obviamente, nessas novas áreas abertas à atividade 
dos juízes haverá, em regra, espaço para mais elevado grau de discricionariedade 
e, assim, de criatividade, pela simples razão de que quanto mais vaga a lei e 
mais imprecisos os elementos do direito, mais amplo se torna também o espaço 
deixado à discricionariedade nas decisões judiciárias".23 
A desneutralização do Judiciário seria, então, um dos efeitos do novo 
tipo de articulação, resultante da imposição do Weifare S/ate, entre a esfera do 
público e a do privado, repercutindo sobre a clássica fórmula da separação entre 
poderes nos países de civil /aw, caudatários da Revolução Francesa e da sua 
concepção daquele poder como a "boca inanimada da Lei". Mais recentemente, 
outros efeitos macroestruturais vieram reforçar as tendências à redefinição da 
fórmula canônica de separação entre os poderes, atribuindo-se crescentemente 
ao Executivo papéis legislativos, especialmente em matéria econômica, sob o 
imperativo das necessidades dos governos de agir com presteza e eficácia para 
"Positivação" do Direito Natural 
impedir ou contornar conjunturas adversas. Processo semelhante vem-se pro­
duzindo a partir da institucionalização do chamado neocorporativismo societal, 
que, ao mobilizar os conflitos de interesses das empresas e do sindicalismo para 
o interior de câmaras de negociação sob a arbitragem do Executivo - à margem, 
portanto, do Parlamento e dos partidos -, concede alcance "legislativo" às suas 
tomadas de decisão, as quais, freqüentemente, não só obrigam as partes 
diretamente envolvidas, como também a sociedade como um todo, em razão 
das repercussões abrangentes das suas resoluções.24 
A ação combinada desses processos tem levado a um enfraquecimento 
do Legislativo quanto à iniciativa das leis, cada vez mais dependente da ação 
do Executivo, Poder onde se radica o conhecimento, a perícia e os comandos 
tecnoburocráticos da regulação dos processos econômicos, essenciais à repro­
dução do capitalismo moderno. Tal regulação, animada por uma racionalidade 
instrumental que visa à realização de resultados na esfera econômica, opera no 
sentido de privilegiar o viés da governabilidade em detrimento da agenda da 
legitimidade racional-legal.25 Segue-se daí uma exacerbação do poder dis­
cricionário do Executivo, cuja ação está voltada parA intervir em uma realidade 
em permanente mutação, e que, por isso mesmo, requer um alto grau de 
indeterminação na regulamentação que a institucionaliza. É a indeterminação 
da nOIlna que autoriza a intervenção do Executivo, uma vez que é este quem 
lhe garante a eficácia, derivando disso a autonomia do corpus da tecnocracia 
para decidir que interesses devem ser sacrificados ou contemplados em nome 
da satisfação das exigências do sistema e da maximização da ralionale 
econômica 26 Na observação epigramática de J. E. Faria, quanto maior o poder 
decisório dos economistas, menor a certeza jurídica27 
O gigantismo do ramo administrativo28 esvazia o Parlamento como lugar 
da vontade geral e da expressão de uma racionalidade universal. Nesse novo 
contexto, o papel do Estado não se vê mais contido no modelo de nOIll1aS 
gerais, formais e universais, estando referido a regulamentações particulares, 
respostas contingentes às variaçôes conjunturais da imediata realidade 
econômico-social. Como observa N. Poulantzas, "a legitimação, encarnada pelo 
Parlamento e que tinha como quadro referencial uma racionalidade universal, 
transforma-se em uma legitimação da ordem a partir de uma racionalidade 
instrumental da eficácia, encarnada pelo executivo-administração" 29 
Se a regulação que importa para a cidadania e os interesses dos 
indivíduos provém do poder discricionário do Estado, com sua intrínseca 
necessidade de indeterminação, a fim de jurisdicionar o particular e o conjun­
tural, a preservação do cânon da lei geral, formal e abstrata pelo juiz, fixa-o no 
passado, dissociando, como diz M. R. Ferrarese, a jurisdição do tempo da 
política.30 Afmal, a "certeza do direito" depende, além de uma jurisdição pautada 
267 
I 
268 
estudos históricos e 1996 - 18 
por critérios técnico-profissionais, de a legislação estar enraizada em siruações 
pretéritas, estabilizadas ao longo do tempo,31 sendo esse o pressuposto do 
modelo de uma magistratura neutralizada, ao se limitar a aluar sobre o presente 
com leis elaboradas em um tempo passado. Tal modelo, segundo Ferrarese, 
reduziria o judiciário à passividade diante das decisões relevantes operadas no 
tempo da política e originárias da vontade do Estado e das grandes organizações 
nas câmaras corporativas, que interferem no cotidiano da cidadania e implicam 
alterações nos interesses constiruídos dos indivíduos.32 
A hipertrofia "legislativa" do Poder Executivo traria consigo, então, uma 
perda de distinção entre os temas e o tempo da política e os do direito, 
repercutindo sobre a própria noção de legaliebde, que, nessas novas condições, 
não poderia mais ser concebida classicamente, isto é, como o produto da 
separação característica do Estado de direito entre a decisão legislativa e o 
momento da sua aplicação. A confirmação do judiciário em seu papel neutrali- . 
zado faria dele um Poder anacrônico, voltado para o tempo passado em que a 
lei foi produzida e, como tal, limitado à função de arbitragem dos conflitos 
privados, sem exercer jurisdição sobre o novo tipo de contencioso social, cuja 
natureza é pública e se expressa na manifestação da vontade de sujeitos 
coletivos. 
À invasão do direito pela política, com a passagem do Estado de direito 
ao Welfare State, segue-se, com o constitucionalismo moderno, a invasão da 
política pelo direito, ampliando-se a esfera da legalidade: o judiciário, por meio 
do controle da constirucionalidade das leis, especialmente no que se refere à 
declaração dos direitos fundamentais, passa a fazer parte, ao lado do Legislativo, 
da sua formulação. De outra parte, a jurisdição passa a afetar os interessesde 
indivíduos e os conflitos de C'dfáter coletivo diretamente envolvidos com a 
dimensão da política, território naruralmente estranho à "certeza do direito", com 
o que o tempo da política passa a fazer parte do direito.33 
Assim, com o constitucionalismo moderno, o processo de adjudicação 
de direitos conheceria um novo ator - o Judiciário -, em clara contraposição ao 
contexto original do welfare, quando a luta por novos direitos foi travada no 
campo da política, levando à polarização entre os setores da sociedade civil que 
demandavam por direitos sociais e o Estado, até se resolver com o ato de 
incorporação desses setores a uma plena cidadania. Com a investidura consti­
rucional do judiciário nesse novo papel, o território da incorporação se 
requalificaria, não só porque ela inclui este novo lugar instirucional, como 
também porque passa a admitir a linguagem da justiça, e não apenas a do direito 
na sua caracterização como o resultado da supremacia de um direito sobre um 
outro de sentido antagônico ao seu, tal como o entendeu Marx em conhecida 
passagem de O capital. Pelo caminho da "positivação" dos ideais igualitários 
"Positivação" do Direito Natural 
nas constituições, a filosofia como que poderia se internalizar no próprio 
aparelho do Estado, encontrando no Poder judiciário o seu intérprete insti­
tucional.34 Assim é que, além de se poder chegar a uma concepção de justiça 
a partir de uma teoria política, haveria uma "sociologia política", inscrita nas 
mutações sofridas pelo capitalismo moderno e pelas suas principais instituições, 
que a tornaria realizável. 
Nos países de civillaw, a positivação do direito natural teria introduzido 
uma mudança de paradigma na ordem jurídica, levando o juiz a transcender as 
suas funções tradicionais de simplesmente adequar o fato à lei, uma vez que 
também lhe caberia a atribuição de inquirir a realidade à luz dos valores e dos 
princípios dispostos constitucionalmente. A filosofia política se faria exprimir, 
assim, nas ações do Poder judiciário, ator que manteria sob sua guarda os direitos 
fundamentais, de cuja observância dependeria a legitimidade das leis. 
Por tudo isso, a justiça não seria dependente da política, tal como ocorre 
no Estado Iiberal,3S pois o constitucionalismo democrático conduz a uma 
crescente expansão do âmbito de intervenção do Poder judiciário sobre as 
decisões dos demais poderes, pondo em evidência o novo papel daquele Poder 
na vida coletiva - o que já justificaria o uso da expressão "democracia 
jurisdicional" como designação política do Ocidente desenvolvido.36 A desneu­
tralização do judiciário, a emergência do seu ativismo e sobretudo a "judiciali­
zação da política" seriam processos afirmativos em escala universal, compreen­
dendo tanto os sistemas de common law como os de civil law, diagnóstico que, 
uma década atrás, levou M. Cappelletti à conhecida previsão de que ojudiciário 
se constituiria no "Terceiro Gigante", e que, agora, se reforça com o influente 
7be global e:>-pansioll of judicial Power, coletânea de textos organizada por C. 
N. Tate e T. Vallinder, que sinali7.a par-d a mesma direção.37 
A "judicialização da política", 38 processo por meio do qual se indica a 
capacidade do Poder judiciário de garantir os direitos fundamentais, estaria 
sendo favorecida por um conjunto de variáveis contextuais, cuja presença 
variaria, em alcance e em intensidade, segundo as características histórico-sociais 
de cada país, mas que tendencialmente deveriam encontrar expressão ho­
mogênea nisso que se poderia qualificar como o Ocidente político. Partindo-se 
da sistematização de C. N. Tate,39 tais variáveis poderiam ser agrupadas com 
base em dimensões institucionais, em aspectos referidos à prática social e em 
situações conjunturais, contando-se entre as primeiras: a institucionalização de 
uma ordem democrática - valendo notar, aliás, que não há registro de qualquer 
exemplo de "judicialização" em um contexto não-democrático, apesar dos 
diagnósticos sombrios de alguns que a interpretam como uma ameaça à cláusula 
da maioria e da soberania democrática; o princípio da separação dos Poderes 
e da independência do judiciário; c, por fim, a existência de uma Constituição 
269 
, 
I 
estudos históricos e 1 996 - 1 8 
._-----=="'-".='-'="----=---"-"-'=-� 
270 
que explicite direitos e valores, os quais possam ser invocados em defesa dos 
indivíduos e grupos que se sintam lesados pela vontade da maioria. 
Entre as variáveis referidas à prática social, estariam: um sistema de 
orientação vigente na opinião pública - quer na massa da população, quer em 
suas elites - que concedesse uma maior respeitabilidade e legitimação ao 
judiciário diante das demais esferas institucionais; e uma consciente delegação 
de responsabilidade do Poder Legislativo ao judiciário em matérias fortemente 
controversas e que envolvem pesados custos eleitorais e políticos, do que é 
exemplo a disciplinarização do aborto. Finalmente, uma maior afirmação da 
"judicialização" dependeria de conjunturas políticas particulares, principalmente 
naqueles casos em que, devido à fragilidade dos partidos ou das coalizões 
governamentais - a situação italiana é, decerto, paradigmática disso -, se 
vivenciasse uma ineficiência do governo das instituições de representação . . .. . maJontana. 
Como evidente, a "judicialização da política" exprime, ainda, profundas 
t .... lOsformações nos campos jurídico e político-institucional: quanto ao primeiro, 
na forma abundantemente registrada pela literatura cspccializada,40 constata-se 
a convergência dos sistemas de civillaw com os de common law, aproximando 
as tradições da Europa Continental com as da cultura anglo-saxã, secularmente 
distanciadas entre si; quanto ao segundo, em estrita associação com o anterior, 
observa-se o esvaziamento do cânon doutrinário da separação entre os Poderes, 
tal como compreendido pela cultura jurídico-política dos países de civillaw, 
passando o terna da limitação a prevalecer sobre o da separação, que supõe a 
neutralidade política do judiciário41 
Contudo, para além desses efeitos tangíveis nas relações entre as 
instituições e os Poderes, o fenômeno contemporâneo da "judicializaçào da 
política" tem dado partida a uma reinterpretação das condições de passagem 
para o mundo moderno, em tudo diversa do que parecia, até então, consolidado 
na bibliografia das ciências sociais. O primado que as correntes do humanismo 
jurídico concediam à flIosofia política em detrimento da política, ao judiciário 
em desfavor do Legislativo, e a uma "vontade geral" encarnada nas declarações 
fundamentais das constituições em detrimento da vontade da maioria, vem se 
tornando um novo ponto de partida para a inquirição da história recente do 
Ocidente. O tempo da prevalência da política teria sido o das revoluções, o da 
resolução dos conflitos pela força, o da imposição da tirania da vontade das 
maiorias sobre as minorias, o do monismo jurídico como representação da 
vontade estatal, o da dissociação entre direito e justiça. 
A própria dependência do judiciário em relação ao poder político seria 
flIha das revoluções, o que o teria levado à burocratização e à hierarquização 
dos seus quadros e das suas funçôes, tal como na obra de reconstrução do 
"Positivação" do Direito Natural 
Estado francês realizada por Napoleão - não por acaso uma das Mies noires da 
leitura revisionista da história empreendida pelo humanismo jurídico. Daí que 
nessa corrente não seja inusual o acento tocquevilleano, não só pelo pro­
tagonismo que em Democracia naAméricaé concedido ao papel do magistrado 
nas sociedades democráticas, como também pela percepção de que a mudança 
social deveria provir de sucessivas transformações moleculares e não das 
revoluções políticas,42 em particular porque, hoje, como na América de 
Tocqueville - um país que se ori�inou deuma revolução democrática "sem ter 
passado pela própria revolução" 3 -, a revolução estaria em curso no mundo, 
o acervo ideal da filosofia política incorporado nas instituições do constitucio­
nalismo democrático. 
Com efeito, a "revolução sem revolução" de que tratava Tocqueville 
consiste numa referência recorrente ao humanismo jurídico. S. Rodorã, ciranda 
o historiador do direito americano L. M. Friedman, menciona a "revolução dos 
direitos civis" ocorrida nos anos 50 e 60 nos EUA, como sendo inimaginável 
sem as cortes federais, uma vez que, sem elas, o caminho para a igualdade racial 
seria o das "formas brutais e violentas". Segundo Rodotà, a própria Itália, a partir 
de 1992, teria conhecido uma "revolução judiciária", sob o protagonismo da 
magistratura, quando dos inquéritos que apuraram a corrupção política naquele 
país.44 A revolução como que abandonaria a forma do especificamente político 
para se internalizar nas instituições, tendo encontrado nelas o seu portador, 
igualmente institucional - a magistratura. 
No mundo contemporâneo, a afirmação de uma nova "sociologia 
política" que estaria ensejando alterações nas relações entre o Estado e a 
sociedade civil e na tradicional disposição dos poderes Executivo, Legislativo e 
Judiciário, como que propiciaria uma reinterpretação dos processos de 
revolução passiva - no seu conceito clássico uma revolução sem revolução -, 
suprimindo o seu sentido negativo de fórmula política orientada para fazer de 
cada movimento de mudança um novo triunfo das forças da conservaçã04S Ao 
se inscrever a idéia de justiça no coração das constituições modernas, ela se 
tomaria o fiai da dialética como "tranqüila teoria",46 que se encaminharia, 
progressiva e molecularmente, para uma nova síntese por meio de um Poder 
de Estado - o Judiciário - investido da capacidade de interpretar o seu movi­
mento e erigido em seu funcionário. 
A revolução como momento "explosivo", conduzida no plano político 
e ético-moral por um portador da antítese, como na França de 1789 e na Rússia 
de 1917, teria produzido, no primeiro caso, o resultado de umJudiciário como 
"boca inanimada da lei", prisioneiro das concepções formalistas do positivismo 
jurídico, e, no segundo, como mera expressão oracular do que deveria ser 
entendido como a vontade do povo russo. Subjaz uma forte sugestão de que a 
271 
• 
estudos históricos e 1996 - 18 �.-' --------������������ 
I 
272 
transição para o moderno deveria ter prescindido da via revolucionária, como 
no Tocqueville de O Antigo Regime e a Revolução, em franca dissidência com a 
bibliografia das ciências sociais, que vincula as raízes históricas das democracias 
às rupturas revolucionárias no momento da transição da ordem tradicional para 
a moderna, a falta delas tendo importado nas soluções de tipo totalitário, como 
na Alemanha, Itália e Japão, na fOllna do consagrado argumento de B. Moore 
em As origens sociais da ditadura e da democracia. A reviravolta na perspectiva 
se manifesta na mudança das referências intelectuais: Montesquieu, Rousseau, 
Marx e Hegel cedem lugar a Burke, Kant e Tocqueville, a eticidade à moralidade, 
a política ao direito. 
Em congresso sobre a magistratura européia e o papel de suas 
associações, realizado em 1991 na cidade italiana de Trieste, promovido pelo 
Movimento de Magistrados Europeus pela Democracia e as Liberdades, A. 
Pizzorusso, ao defender a independência e a autonomia do Judiciário diante do 
Executivo nos países de civil /aw, desenvolve uma interpretação sobre as 
condições de imposição da ordem moderna no Ocidente, na qual, ao levar em 
conta apenas os seus sistemas legais, favorece a via transforrnista inglesa em 
detrimento da solução "explosiva", à francesa: 
A distinção entre os dois domínios [o da civillaw e o da 
common /aw J derivou principalmente da transformação redutiva do 
direito em direito legislativo, levada a cabo pela Revolução Francesa e 
preservada no essencial durante o período da Restauração. A isto se 
seguiu a tentativa de transformar o juiz em um simples executor dos 
comandos contidos na lei, a tal ponto que se proibiu a ele qualquer papel 
em sua interpretação. Ao contrário, nos setores que não tinham sido 
afetados pelas idéias da Revolução, o papel do juiz baseado em sua 
qualidade como jurista foi conservado. Na Inglaterra, tal papel ainda foi 
acrescido em razão da afirmação de uma série de princípios, entre os 
quais o do que atribuía ao precedente, em certos casos, um valor a ser 
considerado; nos Estados Unidos, o papel do juiz foi expandido pelo 
reconhecimento fOllnal, no plano constitucional, do princípio da 
separação dos poderes e, em seqüência, pela criação da Corte Suprema47 
Nos países de common law, o direito não seria apenas a emanação da 
atividade do poder soberano, na medida em que constaria igualmente do direito 
precedente, acumulado em fases históricas anteriores - as "leis comuns" à 
Europa de que trata Tocqueville -, e que teria nascido do interior da feudalidade 
e das antigas cidades burguesas que floresceram a partir dela48 Tal direito 
demandava a figura do jurista, personagem intelectual treinado na pesquisa e 
na técrlica jurídica, figura da tradição que, assim, encontrava o seu lugar no 
"Positivação" do Direito Natural 
mundo moderno, como intérprete de leis que deitavam suas raízes em uma 
história remota, preservado em sua dignidade profissional e no antigo estatuto 
político da sua atividade.ó9 
Contrariamente, nos países de civil law, como observa A. Pizzorusso 
em uma passagem cujo sentido é recorrente na bibliografia de juristas sobre 
juristas, ter-se-ia despojado o juiz de um papel político em nome da soberania 
do povo. A Revolução Francesa, em seus primeiros momentos, instituiu a função 
de juiz por eleição popular, cancelando o estatuto de profissão do ato de julgar, 
"uma vez que qualquer cidadão honesto podia se tornar juiz, já que lhe cabia 
simplesmente aplicar as leis aprovadas pelos representantes do povo sobe­
rano".50 Mais tarde, institucionalizada a revolução, como na lei napoleônica de 
1810, criou-se a figurd do magistrado como membro da burocrdcia do Estado, 
concebendo-se o judiciário como personagem sem rosto tia ordem racional-le­
gaI do Estado de tlireito, capaz de garantir previsibilidade à reprodução do 
mundo mercantil e certeza jurídica na administração do direito. 
Essa seria a herança de um judiciário desencantado, atrelado às nOIlllas 
ger.lÍs e abstratas produzidas pelo Legislativo, dissociado, pela revolução que 
rompeu com o Antigo Regime e a sua ordem legal, do j1ls commU/'le, com os 
seus profissionais destituídos da antiga aura que lhes vinha da função de 
intérpretes especializados da tradição e convertidos em prisioneiros dos códigos 
legais. Contra essa história de subortlinação e de burocratização, caberia instituir 
umjutliciário autônomo, supremo guardião das leis fundamentais -estoque dos 
melhores valores acumulados na história do Ocidente -, obra dos juízes e das 
suas associações, e que deveria resultar no autogoverno da magistratura. A partir 
dessa visão prescritiva, a leitura revisionista empreendida por tal bibliografia 
registra de modo negativo, em nome das exigências de mudança social e da 
perseguição de ideais de justiça, a Revolução Francesa e a teoria de soberania 
popular dela emanada, para valorizar, como na tradiçào da commOIt law, o 
direito como uma narrativa continuada no tempo - "a legislação dos anteceden­
tes" da análise de Tocqueville51 - produzida por juízes.'í2 
Tem-se, então, a sugestão de que o Poder judiciário, a fim de assumir 
um formato institucional compatível com as exigências contemporâneas, se 
desprenda do ideário e dos processos que conduzirdm, pela via da revolução, 
a passagem do mundo trddicional ao moderno, e que teriam dado o resultado 
da imobilização política daquele Poder. O tipo inglêsde passagem ao moderno, 
no qual as formas da tradição foram preservadas, concedendo-se a elas, em um 
processo molecular, uma nova substãncia -e que encontrou seu prolongamento 
na experiência americana -corresponderia melhor às necessidades institucionais 
das modernas democracias e dos ideais igualitários nelas emergentes, com suas 
273 
• 
estudos históricos e 1 996 - 1 8 . . _._-----.!::!=""-"="-="'---=--��� 
I 
274 
práticas de criação jurisprudencial do direito c de influência política do juiz, em 
razão do seu papel no controle de constitucionalidade das leis.53 
Daí que, nos países de civil law, a crescente valorização dos institutos 
da common law se faça associar - como inevitável - ao abandono da concepção 
da teoria de separação entre Poderes segundo a tradição Montesquieu-Rousseau, 
visando-se a uma aproximação com o modelo de checks and balances dos 
federalistas americanos, terreno de onde se originaria a figura do juiz-herói -
em oposição ao juiz-funcionário da civil law-, guardião dos direitos fundamen­
tais e não simples operador da doutrina da certeza jurídica. Esse processo de 
convergência entre os sistemas de civil law e de common law teria a sua mais 
forte indicação na irreversível tendência à decodificação e à constitucionalização 
da ordem legal entre os países daquele primeiro sistema, mutação institucional 
que estaria na base das postulações por autonomia dos judiciários formados em 
sua tradição. 
Convergência, porém, não implica abdicação quanto aos pressupostos 
históricos da matriz de origem: ao se abrirem às práticas da common law, como 
o judicial review e o slare decisis da experiência americana, os países de sistema 
de civil law preservam a constituição da magistratura como uma burocracia 
especial do Estado, o sistema de concurso público para o recrutamento dos seus 
quadros e a socialização interna corporis, à margem, portanto, do ambiente 
político, realizando uma experiência institucional inteiramente diversa daquela 
dos países de common law, cujos magistrados são recrutados politicamente e 
cuja socialização no campo jurídico inclui um prévio e longo treinamento em 
outras profissões legais, como a dos advogados.)4 
Assim é que, nos países de sistema de civil law onde se aprofunda a 
convergência com o de common law, especialmente nos contextos nacionais 
em que, de jure e de fato, o judiciário se autonomiza do controle do sistema 
político, ele tende a se manifestar como um "poder difuso", sem que conheça 
a ação de mecanismos institucionais que Ule sirvam como contrapeso. Tal 
"excentricidade", segundo a lúcida análise de C. Guarnieri sobre a magistratura 
italiana,55 apresenta esse Poder como um novo protagonista no sistema político 
do mundo moderno, paradoxalmente mais ativo e intervencionista nos países 
de civil law - como nQ caso da Itália - do que nos de CQmmon law, em que a 
sua ação é dependente de um juiz singular, na medida em que a institucionali­
zação dos conselhos nacionais de magistratura tende a lhe conceder um caráter 
de ator coletivo vocacionado para o exercício de um papel ético-moral na 
pedagogia da sociedade e de animador da difusão do justo. 
Parte do Estado, encravado em suas estruturas, o judiciário como ator 
não está destinado a irromper como portador de rupturas a partir de um 
constructo racional, que denuncie o mundo como injusto. Ele já está no mundo, 
"Positivação " do Direito Natural 
instalado no coração das suas instituições e na própria história delas. A idéia de 
justiça não lhe chega como obra da razão, meta fisicamente, uma vez que estaria 
contida nas concepções que materializaram a democracia constitucional, entra­
nhando-se, assim, no tecido dos falos. 56 Neste sentido, a este ator não cabe o 
papel derniúrgico - ele é o intérprete que desvela a noção de bem e os princípios 
de justiça já presentes nas institu ições. Daí que a realização do ideal de justiça 
não reclame um ator posto em relação de externalidade quanto àquelas últimas, 
dado que ele é o intelectual especializado em indagar sobre O seu sentido e 
garantir continuidade, no seu papel de julgador de casos concretos, aos 
princípios de justiça e de eqüidade. 
Como observa P. Bouretz, em seus comentários sobre a obra de]. Rawls 
e R. Dworkin, seria a partir de procedimentos de interpretação, com base nas 
categorias de justiça e de eqüidade, que "a democracia inventa um entendimento 
sobre o seu passado, o seu presente e o seu futuro".')] Do passado ela interpelaria 
positivamente a proclamação dos direitos do homem, em uma história de 
revisitações sucessivas que a institui como um princípio fundador do sistema 
das liberdades, momento inaugural da narrativa que a sociedade faz sobre si 
mesma. No presente, a contínua atualização dessa herança poria sob penna­
nente escrutínio as normas jurídicas vigentes, "como se o texto das leis positivas 
sofresse um déficit de significação em relação à idéia de dircito",óB denúncia da 
incompletude da regulação jurídica efetivamente existente quando confrontada 
com o ideal de justiça. Mas seria na invenção do futuro que a idéia do direito 
associado ao ideal de justiça demandaria um novo ator, nesta hora de "der­
ruimento das utopias messiânicas, quando as grandes teleogias se esgotaram". 
O novo ator nasce com papel substitutivo ao das utopias que até recentemente 
estariam a animar o mundo - somente um direito que venha a subsumir a idéia 
de justiça poderia consistir na "última defesa contra a petrificação das relações 
sociais em um mundo desencantado". ';9 
De esfera especializada na regulação social e na arbitragem entre 
conflitos, o direito deveria, então, convocar para si o estatuto de uma filosofia 
em ato, expressiva de um programa de refoll1l3 social, as interpretações dos 
juízes, narrativa que se desdobra inventivamente ao longo do tempo, na forte 
metáfora de R. Dworkin, consistindo em momentos moleculares de afirmação 
da justiça e da eqüidade em cada fragmento da realidade submetido ao seu 
julgamento. O Judiciário, quer como ator coletivo, quer por meio da ação heróica 
e compadecida do juiz individual, abandona seu canto neutro e se identifica 
com a preservação dos valores universais em uma sociedade que cada vez 
menos se reconhece no seu Estado, em seus partidos e no seu sistema de 
representação. Assim, em um mundo destituído de transcendência, que não 
mais conhece a cultura heróica das utopias, sob um processo universal de 
275 
estudos históricos e 1 996 - 18 
. ,._---==:...:===----=----"'-"-"-'''--� 
, 
J 
276 
asscmelhamento e de afIrmação do "direito de ter direitos", o futuro deixaria de 
ser concebido em ruptura com o presente. Ele passa a ser a projeção cumulativa 
de valores e direitos já conquistados, narrativa em permanente progressão, a 
exprimir a aventura do homem em busca de autonomia, de uma vida em comum 
plena de sentido e orientada pela razão. 
Os intelectuais do Judiciário seriam a consciência dessa revolução 
silenciosa que se desenrolaria a partir do interior do núcleo do Estado, 
"narradores" do texto que fala da escalada do ideal de igualdade e da expansão 
dos direitos, em um processo perene de renovação das antigas instituições. De 
Poder "mudo" a Terceiro Gigante, os "séculos democráticos", previstos por 
Tocqueville, seriam aqueles em que "os juristas talvez sejam chamados a 
desempenhar o principal papel na sociedade política que procura nascer".60 
Notas 
1. Uma tentativa de conceituar a welfare 
sociely está em J. Cohen, J. lIogers, 
"Secondary associations ano democratic 
governance", in E. O. Wright (org.), 
ASSOCiatiOllS Qlld democracy, 
LonuresINova York, Verso, 1995, p. 39. 
2. Ver C. Lafcr, A recolls/lllçào dos 
direitos bumallos- 11m diálogu com o 
j;e'lStlme1ll0 de Hannab Amlld/, 
São Paulo, Companhia das LcLras, 1991, 
p. 39. 
3. Ver especialmente de P. Ricoeur,1e 
jl/sle, Paris, Esprit, 1995, e ue P. l3ouretz, 
"l<J force uu uroit', in P. Bourctz (org.), 
IA force dll droi/, Paris, Esprit, 1991; e 
também, de A. Renaut e L. Sosoe, 
Pbi/osopbie du droi/, Paris, PUF, 1991, 
particularmente os três capítulos da 
Introdução Geral. 
4. Como é bem conhecido, Marx 
sustentava que "o direito não pode estar - . . nunca em um estagio supenor ao 
contexto econômico da sociedade e ao 
grau de civilização a ele 
correspondente" - Crítica ao programa 
de GOlba, Paris, Éditions Sociales, 1966, 
p. 32. O horizonte limitado do direito 
burguês - "um direito fundado sobre a 
desigualdade, como todo direito", op. 
cit., p. 31 - seria superado em uma fase 
superior da sociedade comunista, 
quando as fontes da riqueza social 
jorrassem com abundância e quando o 
lrabalho deixasse de ser apenas um 
meio de vida par:1 ser a primeira 
necessidade vital, tomando obsoleta a 
forma de medida que o direito 
representaria. Sobre esse texto de Marx 
ver de E. Pasukanis, A teoria geral do 
direito e o marxismo, Coimbra, Ed. 
Perspectiva Jurídica, 1972. 
5. Ver ue A. Renaut c L. Sosoe, 
Philosophíe du droil, op. cil., 
particulam1cnte os capítulos dedicados à 
relação entre Kant c o direito natural e 
ao tema do retorno a Kant, p. 367 e s. 
6. É clássica a análise uesse processo 
por M. Cappelleni, 7be judicial process 
ill cmnparative perspective, Oxford, 
Clarendon Press, 1989. 
7. J. Rawls. "La lhéorie de la juslice 
comme équité: une théorie politique ft 
)lon pas mélaphysique", in C. Audard el 
alii (orgs.), I"divida et justice soc ia/e­
au/ouI" dejabll Rawls, Paris, Ed. <.lu 
Seuil, 1988, p. 285. Uma importante 
análise brasileira da obra de Rawls é a 
de Álvaro de Vila, justiça liberal, Rio de 
janeiro, Paz e Terra, 1993. Ressalte-se 
também, do mesmo aUlor, "Direito e 
moralidade na polílica liberal", 
Seminário Ibero-Americano de Direito 
Comparado, mimeo, Rio, 1995. Ver, 
ainda, de P. Bourcrz, "Prendre Ic droit 
au sérieux: De Rawls à Dworkin'\ in P. 
Bourelz (org.1, La force du dl'Oit, op. cit. 
Por fim, de C. Lafer, A recollstrução dos 
direitos humanos, op. CiL, p. 234. 
8. j. Rawls, op. cit., p. 281. 
9. Idem, ib., p. 304-305. 
10. C. Lafer, op. cit., p. 78. 
11. Para uma visão histórica do 
constitucionalismo em seus vínculos 
com o direito natural, ver o excelente As 
!l.IndClçôes do pel1samel1to polrtico 
mudemo, de Q. Skinner, São Paulo, 
Companhia das Letras, p. 393 e s. 
12. Nas palavras de M. Cappellelli, 
"o constitucionalismo moderno, com 
seus elementos básicos - uma carta de 
direitos civis Iibenária com um 
judiciário domdo da capacidade de 
. . , � . Impor o seu cumpnmento - e a unira 
tentativa realista de implementar os 
valores da lei natural em nosso mundo 
real. Nesse sentido, nossa época. é a d1 
lei natural I .. ,], As constituições 
modernas, suas cartas de direitos c o 
controle constitucional das leis por pane 
do Poder Judiciário, são OS 
componentcs de uma 'Iei positiva 
superior' rornada vinculante e 
obrigatória: elas representam uma 
síntese de uma cspécie de positivismo 
legal e lei natural." Op. cit., p. 210. 
"Positivação " do Direito Natllral 
13. Marcelo Neves, A 
cOlzstiluciollalização simbólica, São 
Paulo, Ed. Acadêmica, 1994, p. 32 e 34. 
14. Idem, ib., p. �2. 
15. Idem, ib., p. 51. 
16. T. S. Ferraz, "O Judiciário freme à 
divisão dos poderes: Um princípio em 
decadência?", Revista USP, Dossiê 
Judiciário, Universidade de São Paulo, 
nO 2 1 , março/abriVmaio 199�, p. 18. 
17. Marcelo Neves, op. cit., p. 37. 
18. Sobre o mandado de injunção na 
experiência brasileira, ver de O. Vilhena 
Vieira, Supremo Tribunal federal, 
jurisprudêHcia poliLica, São Paulo, 
Ed. ReviSIa dos Tribunais, Im, p. 120. 
19. T. S. Ferraz, op. cit., p. 18. 
20. Ver de M. Cappellelli, juízes 
legisladores?, Porto Alegre, Sergio 
Anlonio Fabris Editor, 1993, p. 42. 
21. Sobre a conquisL,1 da cidadania em 
ondas sucessivas de afim1ação de 
direitos ver o clássico de T. 1-1. Marshall, 
Cidadania, classe social e SUI/US, Rio de 
janeiro, lahar, 1967. 
22. M. Cappelleni, jllízes legisladores?, 
op. cit., p. 39. 
23. Idem, ib., p. 12. 
24. Ver de C. Offe, "A atribuição de 
status público aos grupos de inLeresse", 
in Capitalismo desorgallizado, São 
Paulo, Brasiliense, 1985; e de M. L. 
Teixeira \Verneck Vianna, At1icu/açào de 
illteresses, estratégias de bem-estar e 
políticas públicas: CI amen'callizaçâo 
penx!rsa da seguridade social tiO Brasil, 
lesc de douloramento, IUPERj, 1995, 
mimeo, especialmente a inlroduçào. 
25. Sobre a questão da governabilidade, 
ver Luciano Manins, "Instabilidade 
política e governabilidade na construção 
democrática", in J. P. dos Reis Velloso 
(coord'), GouemabilidClde, sistema 
político e violência urbana, Rio de 
277 
estudos históricos e 1 996 - 1 8 ----�- ------===.::...=�""'-----=-�'-"-"'---"-'" 
• 
I 
278 
Janeiro, José Olympio, 199'1 ; e F.li Diniz, 
"Governabilidade, democracia e reforma 
do Estado: os desafios da construção de 
uma nova ordem no Brasil dos anos 
90", Dados, vol. 38, nO 3, 1995. 
26. Ver J. E. Faria, Direito e economia 
lIa de1nocralização brasileira, São 
Paulo, Malheiros Edilores, 1993, p. 139. 
27. Idem, ib., p. 10. 
28. M. Cappellelti, Juízes legisladores', 
op. cit., p. 46. 
29. N . Poulantzas, O Estado, o poder, o 
socialismo, Rio de Janeiro, Graal, 1980, 
p. 252. O aUlor ainda observa: "o 
Parlamento perdeu praticamente a 
iniciativa de propor leis, cabendo isso 
ao Executivo. Os projetos de leis são 
revisados diretamente pela 
Administração. Essas leis não se 
inscrevem mais na lógica fonnal do 
sistema jurídico, fundamentacL1 na 
universalidade da norma e na 
racionalidade da vontade geral 
representada por seu editor, mas num 
registro diferente, o da política 
econômica concreta e rotineira, 
encarnada pelo aparelho 
adminisl!d{ivo." Idem, ib., p. 252-53. 
30. M. R. Ferrarese, L'Istilllzlolle d!ffícile 
- la magistratura tra professione e 
sistema poli/leD, Bari, Edizioni 
Scientifiche Italiana, Publicazione clella 
Facohà Giuridica dcll'Università di Bari, 
1984, p. 97. 
31. Idem, ib., p. 96. 
32. Idem, ib., p. 97; ver também de 
C. Guamieri, Afagistra/ura e pali/ica in 
Ital ia: pesi setlZa cOlllrapesi, Bologna, 11 
Mulino, 1992, p. 26. 
33. M. R. Ferrarese, op. cit., p. 100 e s. 
34. Sobre o juiz como guardião das leis 
fundamentais, ver de A. Garapon, Le 
gardien des promesses.justiee e/ 
dêmocratie, Paris, Ed. Odile Jacob, 1996. 
35. P. A, lbanes, nestas palavras, é 
bastante representativo da corrente do 
constitucionalismo democrático 
europeu: "A introduçào em 
Constituições rígidas [de uma) nova 
tábua de valores introduziu na ordem 
jurídica uma mudança de paradigma: do 
jurista e do juiz se espera confrontar a 
realidade com OS princípios 1...1. O juiz 
se toma ator de uma 'outra política', 
aquela dos direitos fundamentais e das 
garantias [da liberdade), que agora 
encontra lima sólida base normativa. 
Avaliar a obra do legislador ordinário 
em relação à C..onstituição, trazendo para 
si a questão da legitimidade da lei, 
exercitar, em última instância, o controle 
da legalidade do exercício do poder, 
contribuir para reforçar a precária 
garantia dos 'débeis' direitos sociais, 
tudo isso é, hoje, função do juiz imposta 
pela Constituição", E. adiante: "Esse 
processo pcmlitiu à Justiça sair de uma 
situação de uma simples dependência 
d'l política, característica do modelo de 
Estado liberal". "Corruzione de lia 
politica e giurisdizione, 11 caso 
spagnolo" . in E. B. Liberati, A. Ceretti, A. 
Giasauti (orgs.), Gove,.no dei giudlce­
La magistratura Ira dirilto e poli/lea, 
Milano, G. FeltrineJli Editore, 1996, 
p. 171-2. 
36. E. B. Liberali, "Postfazionc. Potere e 
giustizia", in GouerrlO dei gilldiee, op.cit., p. 190. 
37. C. N. Tale, T. Vallinder Corgs.l, 7be 
global expal/siol/ o/JudiCial Power, Ncw 
York, New York Press, 1995. 
38. B. de S. Santos, M. M. L. Marques, 
J. Pedroso t! P. L. Ferreira não 
reconhecem na judicializaçào da política 
um fenômeno atual, começando por 
assinalar que "em quase todas as 
situaçõcs do passado, os tribunais 
destacaram-se pelo seu 
conselVadorismo ! . . .I, pela sua 
incapacidade para acompanhar os 
processos mais inovadores de 
transformação social c política, muitas 
vezes sufragados pela maioria da 
população", para. depois, concluírem 
no sentido de que "o novo 
protagonisrno judiciário partilha com o 
anterior [como no caso da tentativa de 
anulação do New Deal de Hoosevelt por 
parte da Suprema Corte americana) uma 
característica fundamental: uaduz-se 
num conrramo com a classe política e 
com outros órgãos de poder sobera no, 
nomeadamente com o poder executivo. 
E, é por isso, que. tal como 
anteriormente, se fala agora da 
judicialização dos conflitos políticos" 
(grifos nossos). Os tribullais 'Ias 
sociedades conlemporôl1ea5: o caso 
portugllês, Centro de Estudos do 
Judiciário e Edições Afrontamento, 1996, 
p. 19-20. A construção do argumento, 
que parece se orientar para uma 
desqualificação dos papéis latentes e 
manifestos da judicialização da política 
como indicadores da mudança social -
associados como estão, no mundo 
contemporâneo, a um Poder Judiciário 
como guardião das leis fundamentais -
é, contudo, contraditória com a 
afirmação dos próprios autores de que 
"o protagonisl11o dos tribunais nos 
lCmpos mais rccemes 1...1, parece 
assenlar num entendimento mais amplo 
e mais profundo tio controle da 
legalidade, que inclui, por vezes, a 
reconstitucionalização do direito 
ordinário como meio de fundamentar 
um garanlismo mais ousado dos direitos 
dos cidadãos." Idem, ib., p. 20. 
39. C. N. Tate, "Why the expansion of 
Judicial power", in 71Je global expallsioll 
o/judicial Power, op. cit., p. 28 e s. 
40. Entre tantos outros, J. H. Menyman, 
7be civillaw Iradilioll, 2J 00. Stanford, 
Stanford Univcrsity Press, 1985; 
M. Cappelleui, juízes legisladores>, 
op. cit., e 71Je judicial process iH 
cOlnparalive perspeclive, op. cito 
"Positivação" do Direito Natural 
41. Em L. Allhusser - A1onlesquieu, a 
política e a história, Lisboa, Ed. 
Presença, 1972 - se encontra uma 
persuasiva c convincente demonstração 
de que em Momesquieu haveria "um 
problema político de relações de forças 
e não um problema jurídico relativo à 
definição da legalidade e das suas 
esferas" (p. 134). Mario Machado, em 
um interessante e pequeno artigo, 
rClornando às lições dos Feder.llistas, 
não deixa de se aproximar da leirura de 
Althusser sobre o tema - embora com 
intençào analítica inteiramente diversa -, 
ao sustentar que os "poderes devem 
est..'lr 'conectados e reunidos' !cita 
Madison), de tal forma a dar-se a cada 
um o controle constitucional dos 
outros". "Raízes do controle externo do 
Judiciário", Monitor Ptíblico, nU 8, ano 3, 
jan./fev./mar. 1996, p. 7. Para Althusser, 
igualmente, em Montesquieu "'nào se 
tratava de separação, mas de 
combinaçào, de fusão e de ligação dos 
poderes" (op. cit., p. 132), com o que se 
preservaria um papel eSl�tlégico para a 
aristocracia na consLrUção do sistema 
institucional que viesse a garantir as 
liberdades. 
42. "Se se chama revolução a toda 
transrormação capital produzida nas leis, 
a toda l11ud1nça social, a toda 
substituição de um princípio regulador 
por um ourro, cenamente que a 
Inglaterra vive em estado de revolução, 
pois o princípio que era o princípio vital 
da sua constiruição perde força a cada 
dia; c c! provável que, com o tempo, o 
princípio democrático tomará seu lugar. 
Mas, se se compreende por revolução 
uma altet:tçã.o violenl.:1 e brusca, a 
Inglaterra nào me parece madura para 
um acontecimento desse tipo, e tenho 
razões para pensar que ele jamais 
ocorrerá." A. de Tocqueville, "Dcrniercs 
impressions sur I'Angleterre", VC!.voge5 ell 
AlIg/elerre el ell lrlande, Paris, 
Gallimard, 1957, 1958 c 1967, p. 107. 
Sobre o transformismo em Tocqueville, 
279 
, 
estudos históricos e 1 996 - 18 
,,�. ---�=������� 
I 
280 
ver L. Werneck Viann...'1, "Lições d1 
América: o problema do americanismo 
em Tocqueville" I Lua Nova, São Paulo, 
CEDEC, nU 30, 1993. 
43. A. de Tocqueville, A democraci" tia 
Amén'ca, Belo Horizonte/São Paulo, 
Editora I�"iaia/Edusp, 1977, Livro I, 
Introdução, p. 19. 
44. S. Rodorã, "Magistratura e política in 
Itália", in E. B. Liberati, A. Ceretti, 
A. Giasanti (orgs.), Governo dei gil/d/ci, 
ap. cit., p. 17. O lema do direito como 
revolução contínua e molecular no 
contexto do sistema da commoll. low 
nos EUA esL.'i de algum modo contido 
em S. C. Stimson, 71Je American 
Revo/aliou in ibe law, Allglo-Amen'carI 
jl//'ispnldellce beforejobll Mal'Sba/l, 
Princeton, N. ]crscy, Princeton 
Universiry Press, 1990, especialmente 
p. 86 e s. 
45. O conceito de revolução sem 
revolução - uma revolução passiva - foi 
desenvolvido nos textos de Gramsci 
dedicados ao Risorgim.enlo, in 
V. Gerratana (org.), Antonio Gramsci -
Quaderni deI carcere, Torino, Einaudi 
Ed., 1975, Livro !li, p. 1959 e s. Ver de 
L. \Verneck Vianna, "O ator e oos 'falOS': 
a revolução passiva e o americanismo 
em Gramscilt , Dados, Rio de Janeiro, 
IUPERJ, vol. 38, nU 2, 1995. 
46. Esta a crítica dirigida por A. Gramsci 
a fi. Croce, que, em sua interpretação 
da dialética hegeliana, teria suprimido o 
elemento da negação; ver V. Gerratana 
(org.), Antonio Gramsci - Quadenlj deI 
carce/'e, op. cit., p. 1 . 160-1.473. 
47. A. Pizzorusso, "Associationnismc 
des magistrats et modeles europeéns de 
systemes judiciaires", in iLI fonnali011 
des magist/'als ell F.lIrape et /e rã/e des 
�yl1dicats el des associations 
professionllelles, Trieste, Casa Editrice 
Dou. Antonio Milani, 1992, p. 30. 
48. A. de Tocqueville, O Auligo Regime 
e a Rem/lição, Brasília, Ed. da 
Universidade de Brnsma, 1979, Livro I, 
capo IV. 
49. A. Pizzorusso, op. cit., p. 30. 
Sintomático corno a literatura do 
humanismo jurídico retoma os temas 
tocquevillianos, como o do juiz do jus 
commune, que em A democracia na 
América, op. cit., Livro I, p. 205·5, 
merece do autor este bizarro elogio: "As 
nossas leis escritas, muitas vezes, são 
difíceis de compreender, mas qualquer 
um as pode ler; pelo contrário, nada há 
de mais obscuro para o vulgo, nada está 
menos ao alcance da sua compreensão 
que uma legislação fundada em 
precedentes. Essa necessidade que se 
tem do jurista, na Inglaterra e nos 
Estados Unidos, essa idéia elevada que 
se fonna de seus conhecimentos, 
separam·no cada vez mais do povo e 
acabam por colocá-lo numa classe à 
parte. O jurista francês nào passa de um 
sábio; Illas o homem de lei inglês ou 
americano parece, de certo modo, com 
os sacerdotes do Egito; como eles, é o 
único intérprete de uma ciência oculta". 
50. A. Pizzorusso, op. cit., p. 31. 
51. A. de Tocqueville, A democracia na 
América, op. cie., Livro I, p. 205, assim a 
descreve, comparando-a com o direito 
originário do racionalismo da Revolução 
de 1789: "os ingleses e os americanos 
conservaram a tradição dos 
antecedentes, isto é, continuaram a 
aproveitar-se dela, [buscando] nas 
opiniões e decisões legais de seus 
antepassados, as opiniões que devem 
ler em matéria de lei, e as decisões que 
devem tomar 1. .. 1. O jurista inglês ou 
americano procura O que foi feito, o 
francês, o que se devia fazer [ .. .I. 
Quando ouvimos um jurista inglês ou 
americano, surpreende-nos vê-lo citar 
tão freqüentemente a opinião dos outros 
e ouvi-lo falar tão pouco da sua própria, 
ao passo que se dá o contrário entre 
nós" . 
52. R. Dworkin, com a metáfora do 
direito como um romance escrito a 
várias màos eem tempos sucessivos, raz 
da tradição - a legislação dos 
antecedentes - o ponto de partida para 
uma pem1anenle e contínua evolução 
das concepções de justiça, segundo os 
valores do tempo do "juiz-narrador". 
l..aw� empire, Cambridge, Mass., 
!.ondon, The Belknap Press of Harvard 
University Press, 1986, p. 22;. Sobre 
essa passagem em Dworkin, ver os 
excelentes comemários de P. Bouretz, 
"Prcndre le droit au sérieux: de Rawls à 
Dworkin", in P. Bouretz (org.l, La/orce 
du droil, op. cit., p. 83 e s. 
53. J. H. Merryman, op. cit., p. 151 e s. 
54. Idem, ib., p. 34. 
55. C. Guarnieri, op. cit., p. n, 11;, 119 
e s. 
"Positivação " do Direito Natural 
56. "Falos", aí, como uma categoria da 
revolução passiva gramsciana, quando 
eles, por assim dizer, são os 
protagonistas e nào "os homens 
individuais" I expressando, "com pressão 
lenta e incoercível" I um processo de 
mudança social. V. Gerratana, op. cit, p. 
1.818-9. 
57. "Prendre le droit au sérieux: de 
Rawls à Dworkin", in P. Bouretz (org.), 
op. cit., p. 87. 
58. Idem, ib., p. 88. 
59. Idem, ib., p. 89. 
60. A. de Tocqueville, A democracia /la 
América, Livro I, op. cit., p. 203. 
(Recebido para publicação 
em oUlubro de 1996) 
281 
, 
estudos históricos e 1 996 - 1 8 
. �.--------���������� -
I 
280 
ver L. Werneck Vianna, "Lições da 
América: o problema do americanismo 
em Tocqueville", Lua Nova, São Paulo, 
CEDEC, n" 30, 1993. 
43. A. de Tocqueville, A democracia na 
América, Belo Horizonte/São Paulo, 
Editora ltatiaia/Edusp, 1977, Livro I, 
Introdução, p. 19. 
44. S. Rodotà, "Magistratura e política in 
Itália", in E. B. LiberaLi, A. Cereui, 
A. GiasanLi (orgs.), Gove1"1lO dei giudici, 
op. cit, p. 17. O [ema cJo direito como 
revolução contínua e molecular no 
contexto do sistema da commoll /aw 
nos EUA está de algum modo contido 
em S. C. Stimson, 71Je Americart 
RevolutioH in lbe law, Auglo-Ame17.'ca1l 
jurisprudellce beforejoh" Marshall, 
Princeton, N. Jersey, Princc(on 
Universiry Press, 1990, especialmente 
p. 86 e s. 
45. O conceito de revolução sem 
revolução - uma revolução passiva - foi 
desenvolvido nos textos de Gramsci 
dedicados ao Risorgimelllo, in 
V. Gerratana (org.), Antonio Gramsci ­
Quaderní dei carcem, Torino, Einaudi 
Ed., 1975, Livro 111, p. 1 9)9 e s. Ver de 
L \Verneck Vianna, "O ator c os 'fatos': 
a revolução passiva e o americanismo 
em Gramsci", Dados, Rio de Janeiro, 
IUPERJ, vaI. 38, nO 2, 1995. 
46. Esta a crítica dirigida por A. Gramsci 
a B. Croce, que, em sua interpretação 
da dialética hcgeliana, teria suprimido o 
elemento da negação; ver V. Gerratana 
(org.), Antonio Gramsci - QuadenJi dei 
carcere, op. cit., p. 1.160-1.473. 
4 7. A. Pizzorusso, "Associationnismc 
des magistrats et modeles europeéns de 
sysrêmes judiciaires", in Lafonnati01l 
eles magislrals eu Europe el le rôle des 
�yndícafs el des associalíons 
professiorlnelles, Trieste, Cas.:1 Editrice 
Dou. Antonio Milani, 1992, p. 30. 
48. A. de TocqueviJlc, O Amigo Regime 
e a Revu/uçâo, Brasília, Ed. da 
Universidade de Brasília, 1979, Livro I, 
cap. IV. 
49. A. Pizzorusso, op. cit., p. 30. 
Sintomático como a literatura do 
humanismo jurídico retoma os temas 
tocquevillianos, como o do juiz do jus 
commUrle, que em A democracia na 
Amén'ca, op. dt., Livro I, p. 205-5, 
merece do autor este bizarro elogio: "As 
nossas leis escritas, muitas vezes, são 
difíceis de compreender, mas qualquer 
um as pode ler; pelo contrário, nada há 
de mais obscuro para o vulgo, nada está 
menos ao alcance da sua compreensão 
que uma legislação fundada em 
precedentes. Essa necessidade que se 
tem do jurista, na Inglaterra e nos 
Estados Unidos, essa idéia elevada que 
se forma de seus conhecimentos, 
separam-no cada vez mais do povo e 
acabam por colocá-lo numa classe à 
parte. O jurista francês não passa de um 
5..'\bio; mas o homem de lei inglês ou 
americano parece, de certo modo, com 
os sacerdotes do Egito; como eles, é o 
único imérprete de uma ciência ocuha". 
50. A. Pizzorusso, op. cit., p. 31. 
51. A. de Tocqueville, A democracia na 
Amén'ca, op. cit., Livro 1, p. 205, assim a 
descreve, comparando-a com o direito 
originário do racionalismo da Revolução 
de 1789: "os ingleses e os americanos 
conservaram a tradição dos 
antecedentes, isto é, continuaram a 
aproveitar-se dela, [buscando] nas 
opiniões e decisões legais de seus 
antepassados, as opiniõcs que devem 
ter em matéria de lei, e as decisões que 
devem tomar 1. . .1. O jurista inglês ou 
americano procura O que foi feito, o 
francês, o que se devia fazer [ .. .1. 
Quando ouvimos um jurista inglês ou 
americano, surpreende-nos vê-lo citar 
tão freqüentemente a opinião dos outros 
e ouvi-lo falar tão pouco da sua própria, 
ao passo que se dá o contrário entre 
nós'. 
52. R. Dworkin. com a metáfora do 
direito como um romance escrito a 
várias mãos e em tempos sucessivos, Faz 
da l!'3wção - a legislação dos 
antecedentes - o ponto de partida para 
uma pennanente e contínua evolução 
das concepções de justiça, segundo os 
valores do tempo do "juiz-narrador". 
IAw's empire, Cambridge, Mass., 
London. The Belknap Press of Harvard 
Universiry Press. 1986. p. 225. Sobre 
essa passagem em Dworkin, ver os 
excelentes comentários de P. Bouretz, 
uPrendrc le droir au sérieux: de Rawls à 
Dworkin". in P. Bouretz (org.l. Ú'Jfol'ce 
dll droil. op. cit.. p. 83 e s. 
53. J. H. Merryman. op. cit., p. 1 5 1 e s. 
54. Idem, ib., p. 34. 
55. C. Guarnieri, op. cit., p. TI, 1 1 5, 119 
e s. 
"Positivação " do Direito Natural 
56. "Fatos", aí, como uma categoria da 
revolução passiva gramsciana, quando 
eles, por assim dizer, são os 
protagonistas e não "os homens 
individuais", expressando. "com pressão 
lenta e incoercível", um processo de 
mudança social. V. Gerralana, op. cit., p. 
1.818-9. 
57. "Prendre le droit au sérieux, de 
Rawls à Dworkin", in P. Bouretz (org.), 
op. cit., p. 87. 
58. Idem, ib., p. 88. 
59. Idem, ib., p. 89. 
60. A. de Tocqueville, A democracia na 
América. Livro I, op. cit., p. 203. 
(Recebido para publicação 
em olllllbm de 1996) 
281 
. 
-' • 
• 
• 
I 
I 
, 
I 
I 
CI) 
c 
... 
CI) 
. -
c: 
(J) 
� 
CI) 
O 
"O 
j 
... 
CI) 
(J) 
C 
... 
CI) 
• 
> 
(J) 
... 
revista estudos feministas 
é uma revista acadêmica, de caróter 
plundlsclplinar, que tem par obJet"'o am­
pliar o campo dos estudos de gênero 
no Brasil. 
revista estudos feministas 
é um projeto coletiva da comunidade 
acadêmica e um canal de expressão 
do movimento feminista. Necessnamos 
de apolo. As doações beneflclam·se 
da Lei Rouanet. Infarme-se! 
revista estudos feministas 
é semestral Ounho e novembro) e estó 
aberta a colaborações na forma de 
artigos, resenhas, ensaios e dossiês. In-
formações de Interesse geral sabre o 
temo serão divulgadas na rubrica agen-
da. 
tomo I voJ.O n.0/92 (esgotado) 
tomo 2 voU n.I /93 (esgotado) 
tomo 3 vol.1 n.2/93 (esgotado) 
tomo 4 vol.2 n. I /94 
tomo 5 n° especlal/94(esgotado) 
lemo 6 vol.2 n. 2/94 
lemo 7 vol.3 n, 1 /95 
lemo 8 vol.3 n.2/95 
tomo 9 vol.4 n.I /96 Oulho) 
lemo 1 0 vol.4 n.2/96 (novembro) 
A S S I N A T U R A (AN U AL) 
2 números 
N . aCionai . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . R$ 
U$ 
U$ 
R$ 
40,00 
40,00 
60,00 
22,00 
I nl . I ernaclona . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
Internacional (Institucional) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . 
Avulsos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
Envie o cupom abaixo com cheque nominal à Fundaçao Universitária José 
Bonifácio, endereçado para revista estudos feministas IFCS/UFRJ 
Largo de São Francisco, 1 sala 427 Centro 20051 070 · Rio de Janeiro - RJ Brasil 
Tel.: 221 -0341 r.403/252·5457 FAX: (5521 )221-1 470 
Endereço: 
Bairro: 
Cidade Estado: CEP: 
Telefone DDI: Fax:

Continue navegando