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DISCIPLINA: HISTÓRIA DO DIREITO Autoria: Msc. Tatyana Léllis da Matta e Silva Vitória, 2015 Multivix-Vitória Rua José Alves, 301, Goiabeiras, Vitória-ES Cep 29075-080 – Telefone: (27) 3335-5666 Credenciada pela Portaria MEC nº 259 de 11 de fevereiro de 1999. Multivix-Nova Venécia Rua Jacobina, 165, Bairro São Francisco, Nova Venécia-ES Cep 29830-000 - Telefone: 27 3752-4500 Credenciada pela portaria MEC nº 1.299 de 26 de agosto de 1999 Multivix-São Mateus Rod. Othovarino Duarte Santos, 844, Resid. Parque Washington, São Mateus-ES Cep 29938-015 – Telefone (27) 3313.9700 Credenciada pela Portaria MEC nº 1.236 de 09 de outubro de 2008. Multivix-Serra R. Barão do Rio Branco, 120, Colina de Laranjeiras, Serra-ES Cep 29167-172 – Telefone: (27) 3041.7070 Credenciada pela Portaria MEC nº 248 de 07 de julho de 2011. Multivix- Cachoeiro de Itapemirim R. Moreira, 23 - Bairro Independência - Cachoeiro de Itapemirim/ES Cep 29306-320 – Telefone: (28) 3522-5253 Credenciada pela Portaria MEC nº 84 de 16 de Janeiro de 2002. Multivix-Castelo Av. Nicanor Marques, 245, Centro - Castelo – ES Cep 29360-000 – Telefone: (28) 3542-2253 Credenciada pela Portaria MEC nº 236 de 11 de Fevereiro de 1999. 1 História do Direito Diretor Executivo: Tadeu Antonio de Oliveira Penina Diretora Acadêmica: Eliene Maria Gava Ferrão Diretor Administrativo Financeiro: Fernando Bom Costalonga AD – Núcleo de Educação à Distância ESTÃO ACADÊMICA - Coord. Didático Pedagógico GESTÃO ACADÊMICA - Coord. Didático Semipresencial GESTÃO DE MATERIAIS PEDAGÓGICOS E METODOLOGIA Coord. Geral de EAD BIBLIOTECA MULTIVIX (Dados de publicação na fonte) S586h Silva, Tatyana Léllis da Matta e História do direito / Tatyana Léllis da Matta e Silva – Vitória : Multivix, 2015. 87 f. ; 30 cm Inclui referências. 1. História do direito I. Faculdade Multivix. II. Título. CDD: 340.9 2 História do Direito Disciplina: História do Direito Autoria: Msc. Tatyana Léllis da Matta e Silva Primeira edição: 2015 3 História do Direito SUMÁRIO 1 UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO DIREITO............ 7 1.1 PRÉ-HISTÓRIA DO DIREITO DOS POVOS ÁGRAFOS.............................. 8 1.1.1 AS FONTES DO DIREITO DOS POVOS ÁGRAFOS.................................................. 11 1.1.2 A TRANSMISSÃO DO DIREITO NOS POVOS ÁGRAFOS.......................................... 11 2 UNIDADE 2 – O DIREITO NA HISTÓRIA: ORDENAMENTOS ANTIGOS DO ORIENTE......................................................................... 13 2.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS DO DIREITO ANTIGO: A QUESTÃO DA VINGANÇA.................................................................................................... 13 2.1.1 A VINGANÇA PRIVADA...................................................................................... 14 2.1.2 A VINGANÇA DIVINA......................................................................................... 14 2.1.3 A VINGANÇA PÚBLICA...................................................................................... 15 2.2 O DIREITO NAS CIVILIZAÇÕES DO ORIENTE MÉDIO.............................. 15 2.2.1 O DIREITO EGÍPCIO.......................................................................................... 15 2.2.2 O DIREITO NA MESOPOTAMIA E A PRIMEIRA CODOFICAÇÃO................................ 18 2.3 O DIREITO NA GRÉCIA CLÁSSICA............................................................. 21 2.3.1 A PERCEPÇÃO DO FENÔMENO JURÍDICO ENTRE OS GREGOS.............................. 22 2.3.2 AS LEIS ESCRITAS GREGAS E OS LEGISLADORES.............................................. 23 2.3.3 A ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DE ATENAS............................................................. 25 2.3.4 AS CONTRIBUIÇÕES GREGAS PARA A FORMAÇÃO DO DIREITO MODERNO........... 26 3 UNIDADE 3 – O DIREITO ROMANO.................................................. 29 3.1 O DIREITO ROMANO NA REALEZA (753 a.C. A 510 a.C.).......................... 30 3.1.1 ORGANIZAÇÃO SOCIAL..................................................................................... 31 3.1.2 ORGANIZAÇÃO DA FAMÍLIA................................................................................ 32 3.1.3 ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E JURÍDICA................................................................. 32 3.1.4 FONTES DO DIREITO.......................................................................................... 33 3.2 O DIREITO ROMANO NA REPÚBLICA (510 a.C A 27 a.C.)......................... 34 3.2.1 ORGANIZAÇÃO SOCIAL..................................................................................... 35 3.2.2 ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E JURÍDICA................................................................. 36 4 História do Direito 3.2.3 FONTES DO DIREITO.......................................................................................... 37 3.3 O DIREITO ROMANO NO ALTO IMPÉRIO (27 a.C A 284 d.C.)................... 38 3.3.1 ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E JURÍDICA................................................................. 39 3.3.2 FONTES DO DIREITO.......................................................................................... 40 3.4 O DIREITO ROMANO NO BAIXO IMPÉRIO (284 d.C A 565 d.C.)............... 42 3.4.1 ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E JURÍDICA................................................................. 43 3.4.2 FONTES DO DIREITO.......................................................................................... 43 3.5 O DIREITO ROMANO NO IMPÉRIO BIZANTINO (565 d.C A 1453 d.C.)..... 44 3.5.1 ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E JURÍDICA................................................................. 45 3.5.2 FONTES DO DIREITO.......................................................................................... 46 4 UNIDADE 4 – A IDADE MÉDIA E OS GRANDES SISTEMAS JURÍDICOS: CIVIL LAW E COMMON LAW..................................... 48 4.1 A TRADIÇÃO ROMANO-GERMÂNICA DA CIVIL LAW................................. 49 4.1.1 O JUIZ E A APLICAÇÃO DA LEI........................................................................... 52 4.1.2 O FENÔMENO DA CODOFICÇÃO NA CIVIL LAW.................................................... 53 4.1.3 O SISTEMA CIVIL LAW NO DIREITO BRASILEIRO.................................................. 54 4.2 A TRADIÇÃO COMMON LAW...................................................................... 55 4.2.1 HISTÓRICO E FORMAÇÃO.................................................................................. 57 4.2.2 O SISTEMA DA EQUITY LAW.............................................................................. 58 4.2.3 STARE DECISIS E VINCULAÇÃO AOS PERCEDENTES............................................ 59 5 UNIDADE 5 – O DIREITO NO BRASIL: PERÍODO COLONIAL.. 62 5.1 OS TRATADOS ANTES DO BRASIL E LIMITES DE TERRAS..................... 62 5.2 O ANTIGO SISTEMA COLONIAL E OS PRIMEIROS DOCUMENTOS JURÍDICOS NA COLÔNIA............................................................................. 63 5.3 O MUNICÍPIO, O GOVERNO GERAL E A MONTAGEM DE UM APARATO JURÍDICO NA COLÔNIA............................................................................... 64 5.4 O DIRETO SOB O DOMÍNIOHOLÂNDES NO NORDESTE BRASILEIRO.. 64 5.5 A LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA DA REGIÃO DAS MINAS............................. 68 6 UNIDADE 6 – O DIREITO NO BRASIL IMPÉRIO............................ 66 6.1 A CONSTITUIÇÃO OUTORGADA DE 1824.................................................. 67 5 História do Direito 6.1.1 ALGUNS PONTOS DA CONSTITUIÇÃO.................................................................. 67 6.2 O CÓDIGO CRIMINAL DE 1830.................................................................... 68 6.2.1 ALGUNS PONTOS DO CÓDIGO CRIMINAL............................................................ 68 6.3 A ESCRAVIDÃO E A LEI: CONDIÇÕES E ABOLIÇÃO................................. 69 6.3.1 AS LEIS ABOLUCIONISTAS................................................................................ 69 6.3.1.1 A LEI EUSÉBIO DE QUEIROZ............................................................................... 69 6.3.1.2 A LEI DO VENTRE LIVRE.................................................................................... 70 6.3.1.3 A LEI DOS SEXAGENÁRIOS................................................................................. 70 6.3.1.4 A LEI ÁUREA..................................................................................................... 71 7 UNIDADE 7 – O DIREITO NO BRASIL REPUBLICANO............... 72 7.1 A PROCLAMÇÃO DA REPÚBLICA E A CONSTITUIÇÃO DE 1891............. 72 7.1.1 ALGUNS PONTOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1891.................................................... 72 7.1.1.1 A REPÚBLICA FEDERATIVA DOS ESTADOS UNIDOS DO BRASIL.............................. 73 7.1.1.2 O PODER EXECUTIVO........................................................................................ 73 7.1.1.3 O PODER JUDICIÁRIO........................................................................................ 73 7.1.1.4 O PODER LEGISLATIVO...................................................................................... 74 7.1.1.5 O SISTEMA ELEITORAL...................................................................................... 74 7.2 O CÓDIGO PENAL DE 1890......................................................................... 75 7.2.1 ALGUNS PONTOS DO CÓDIGO PENAL DE 1890................................................... 75 7.3 O CÓDICO CIVIL DE 1916............................................................................ 76 8 UNIDADE 8 – BREVE SÍNTESE DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS........................................................................................... 77 8.1 CONSTITUIÇÃO DE 1824............................................................................. 77 8.1.1 CONTEXTO....................................................................................................... 77 8.1.2 CARACTERÍSTICAS............................................................................................ 77 8.2 CONSTITUIÇÃO DE 1891............................................................................. 78 8.2.1 CONTEXTO....................................................................................................... 78 8.2.2 CARACTERÍSTICAS............................................................................................ 78 8.3 CONSTITUIÇÃO DE 1934............................................................................. 78 8.3.1 CONTEXTO....................................................................................................... 78 8.3.2 CARACTERÍSTICAS............................................................................................ 79 6 História do Direito 8.4 CONSTITUIÇÃO DE 1937............................................................................. 79 8.4.1 CONTEXTO....................................................................................................... 79 8.4.2 CARACTERÍSTICAS............................................................................................ 79 8.5 CONSTITUIÇÃO DE 1946............................................................................. 80 8.5.1 CONTEXTO....................................................................................................... 80 8.5.2 CARACTERÍSTICAS............................................................................................ 80 8.6 CONSTITUIÇÃO DE 1967............................................................................. 81 8.6.1 CONTEXTO....................................................................................................... 81 8.6.2 CARACTERÍSTICAS............................................................................................ 81 8.7 CONSTITUIÇÃO DE 1988............................................................................. 81 8.7.1 CONTEXTO....................................................................................................... 81 8.7.2 CARACTERÍSTICAS............................................................................................ 81 9 REFERÊNCIAS......................................................................................... 83 7 História do Direito 1. UNIDADE 1 – INTRODUÇÃO À HISTÓRIA DO DIREITO O Direito como produção humana é sobretudo um fenômeno histórico, ou seja, ele é concebido, acontece e gera efeitos nas sociedades humanas em determinado local e decurso de tempo, ou seja, nos sucessivos acontecimentos experimentados e registrados por cada sociedade. Apesar de cada grupo social possuir sua própria história e forma de registro da mesma ao longo de toda a existência da Humanidade, os conhecimentos hoje obtidos acerca de nosso passado indicam em sua maioria a existência de em praticamente todas as sociedades humanas algum tipo de normatividade apta a organizar a vida em comunidade. Em qualquer relação envolvendo dois ou mais sujeitos há regras – expressas ou tácitas – de interação, seja entre pessoas e mesmo entre pessoas e coisas. Algumas dessas regras, de acordo com cada cultura, ganham destaque e se generalizam por permitirem uma vida social mais ordenada, garantindo assim a permanência e o desenvolvimento de uma sociedade ao generalizarem valores, regras e comportamentos que passam ser compartilhados pelos membros do respectivo grupo. Quando esses membros passam a assimilar, compartilhar e praticar esse conjunto de regras gerais com ânimo de continuidade no tempo e no respectivo espaço, podemos falar de uma normatividade social. Segundo Immanuel Kant (1724-1804), essa normatividade pode ser de cunho moral ou jurídico. O fator diferencial entre esses dois conjuntos normativos se dá pela sua fonte, pelo seu alcance social e pela sua força (ou imperatividade). A norma moral, quanto à fonte, é autônoma, porque deriva da consciência e da reflexão do sujeito sobre seus próprios atos (sua vontade), de maneira que seu alcance é em relação à conduta individual e, por não depender de fatores externos para ser invocada, mas estar ligada ao juízo de valor eu o sujeito faz de si e dos outros, sua força e categórica: a atitude será moral ou não, sem possibilidade de meio termo ou de ponderações, o certo e o errado já estão definidos quando o sujeito age (KANT, 2004). A norma jurídica por sua vez, por visar regular as condutas dos sujeitos em relação a outros sujeitos e coisas, é externa à consciência humana (heterônoma) e deve ter sua 8 História do Direito fonte fora do sujeito de forma que possa ser generalizada a todos numa comunidade, com o maior alcance possível o que fará com que suas regras sejam menos categórica e mais hipotética: a fim de alcançar o maior número de casos possíveis, a lei jurídicalançara as hipóteses mais prováveis de um fato acontecer e os deixará previamente regulados para quando aconteça, a sociedade saiba como agir. Ora, por não ser algo que sai da consciência humana, é de se esperar que muitos talvez não queiram seguir a norma jurídica por questões de princípios e por isso ela ganha uma característica para reformar sua imperatividade hipotética: a sanção, ou seja a possibilidade de uma punição que atinja o sujeito que descumpra a norma jurídica imposta (KANT, 2004). Uma vez recordado que as normas jurídicas existem para regular as condutas dos sujeitos em relação a outros sujeitos ou coisas independentemente de sua vontade pessoal, pensando numa ordem para toda coexistência de toda a comunidade, é muito intensa e próxima sua relação com a própria existência e manutenção das sociedades humanas no tempo, desde os primórdios até os dias atuais e para o futuro, sendo possível assim se pensar assim, tal como existe uma História da Humanidade e das Sociedades Humanas, numa história das normas jurídicas que caminham ao lado e organizando essas respectivas sociedades e suas influencias na formação dos Sistemas Jurídicos de hoje. Esse é, em linhas gerais o objeto de estudo da História do Direito 1.1 PRÉ-HISTÓRIA DO DIREITO OU O DIREITO DOS POVOS ÁGRAFOS De acordo com o historiador Ciro Flamarion S. Cardoso (1993), o nomadismo foi caracterizado como sendo o modo de vida dos grupos humanos sem fixação territorial, mas detentores de referências de identidade comunitária e de características culturais comuns. Tais grupos, desde a Pré-História, eram constituídos por caçadores-coletores que vagavam de uma região para outra, em busca de água e de melhores condições de alimentação, pois desconheciam, de modo geral, a agricultura. 9 História do Direito Com o passar do tempo, por volta de 10.000 a.C., as necessidades alimentares forçaram as populações nômades a buscar alternativas agrícolas para a sua subsistência, resultando num longo processo de sedentarização, pois entre o plantio e a colheita de gêneros, tais grupos foram se fixando nas imediações de vales férteis, construindo casas, criando animais. Surgiam os primeiros aglomerados sedentários: os povoados, dependentes não mais da caça e da coleta, mas sim da agricultura e da criação de animais para corte e obtenção de leite. Como resultado do processo de sedentarização, as sociedades humanas se tornaram mais complexas. As relações sociais se definiam pelo parentesco e pela manutenção da ordem interna da comunidade. Por volta de 6.000 a.C. começaram a surgir as primeiras sociedades tribais organizadas em torno de referências culturais e de um antepassado comum, seja consanguíneo ou mitológico. A agricultura, a pecuária e a troca de produtos por produtos (escambo) eram as atividades mais desenvolvidas por tais comunidades. Segundo o historiador Pierre de Clastres, nas sociedades tribais, não há exploração do homem pelo homem, pois não existe divisão de classes sociais nem a ideia de lucrar com o trabalho alheio. Tampouco há dominação de uns poucos sobre os demais, pois ninguém detém o direito exclusivo de usar armas contra os outros. Em outras palavras, não há o Estado nem o poder privado do senhor, instituições que dividem a sociedade entre os que mandam e os que obedecem (CLASTRES, 2012). Como não há Estado, cada um detém a força para fazer justiça pelas próprias mãos quando for pessoalmente lesado ou tiver algum parente que tenha sido lesado por outrem. Mas esse acerto de contas segue regras sociais bem definidas. Igualmente, a produção de alimentos e de objetos é realizada por todos na base da cooperação familiar extensa. Hoje predomina a ideia de que aquelas pessoas trabalhavam e se relacionavam pela posição que ocupam na rede e no sistema de POVOS ÁGRAFOS Os povos sem escrita ou ágrafos ( a= negação + grafos= escrita) não têm um tempo determinado. Podem ser homens da caverna de 3.000 a.C. ou índios brasileiros até a chegada de Cabral, ou até mesmo tribos da floresta Amazônica que ainda hoje não entraram em contato com o homem branco. 10 História do Direito parentesco, segundo diferentes regras, e não por serem "trabalhadores". De modo geral, o que marca essas relações é a reciprocidade: para cada benefício, malefício ou dom recebido, existe a obrigação de retribuir, mesmo que a retribuição não seja imediata (Mauss, 2003; Sahlins, 1974). Essas características, como dito não são exclusivas de um tempo e espaço, mas reflete um modo de vida específico, no qual a linguagem não se manifesta por caracteres grafados repetitivos e arranjados entre si com uma lógica própria (grafia), de modo que não se pode limitar a existência desses povos ao que se chama tempo “antes da História” (Pré-História), sendo perfeitamente possível em pleno Século XXI encontrar em algum ponto do país ou do planeta povos sem escrita. Diante dessa multiplicidade de povos e tempos, Flávia Lages (CASTRO, 2008) sugere agruparmos algumas características gerais comuns ao direito praticado nos povos sem escrita já estudados, a saber: Limitação da abstração na interpretação da norma: como são direitos não escritos, a possibilidade de abstração fica limitada. As regras devem ser decoradas e passadas de pessoa para pessoa de forma mais clara possível. Forte normatividade interna e pouca influência de outras sociedades: cada comunidade tem seu próprio costume e vive isolada no espaço e, muitas vezes, no tempo. Os raros contatos entre grupos vizinhos têm como objetivo a guerra ou o comércio sem, contudo, alterar de maneira substantiva a normatividade interna daquela civilização. Diversificação dos valores de cada sistema jurídico: a esta distância no tempo e no espaço faz também com que cada comunidade produza mais dissemelhanças do que semelhanças em seus direitos. Forte influência religiosa: como a maior parte dos fenômenos são explicados, por estes povos, através da religião, a regra jurídica não foge a este contexto. Na maior parte das vezes a distinção entre regra religiosa e regra jurídica torna-se impossível. Direitos incipientes e pouco separados das normas morais: a diferença entre o que é jurídico e o que não é muito difícil. Esta distinção só se torna possível 11 História do Direito quando o direito passa do comportamento inconsciente, derivado de puro reflexo, ao comportamento consciente, fruto de reflexão. 1.2.1 AS FONTES DO DIREITO DOS POVOS ÁGRAFOS Como fontes de suas normas jurídicas, Castro (2008) aponta principalmente basicamente os costumes, ou seja, práticas reiteradas cujo sentido é compartilhado por uma comunidade de valores e se perpetua de geração para geração. Assim, o que é tradicional no viver e conviver de sua comunidade torna-se a regra a ser seguida. Contudo, nos grupos sociais onde se pode distinguir pessoas que detêm algum tipo de poder, estes impor regras de comportamento, dando ordens que acabam tendo caráter geral e permanente. O precedente também já era utilizado como fonte de direito para os povos sem escrita. As pessoas que julgam – pensando num modelo de Poder Judiciário proporcional à essas culturas - seria exercido pelos chefes ou anciãos) e tendiam a voluntariamente ou involuntariamente aplicarem soluções já utilizadas anteriormente. (CASTRO, 2008) 1.2.2 A TRANSMISSÃO DO DIREITO NOS POVOS ÁGRAFOS Segundo Emanuel Bouzon (2003), podemos definir povos ágrafos como as sociedades que não possuíam escrita, tanto fonética como ideográfica. Tais povos mantinham sua cultura,seus costumes, suas regras e preceitos comportamentais através da oralidade, dos provérbios, das narrativas mitológicas, das rapsódias e dos aconselhamentos entre gerações. Considerando o Direito como o conjunto de normas inseridas num contexto histórico- cultural para a regulamentação da vida nas sociedades humanas, podemos ressaltar que tais regras foram transmitidas, durante milênios, pela oralidade, pois os primeiros registros escritos de que temos notícias surgiram por volta de 4.000 a.C. Assim sendo, os costumes e tradições que informavam as regulamentações existentes no contexto das sociedades sem escrita, eram imortalizados através das narrativas de anciãos e/ ou sacerdotes, detentores do saber e dos preceitos de um Direito ainda em fase incipiente de formação. 12 História do Direito 2. UNIDADE 2 – O DIREITO NA HISTÓRIA: ORDENAMENTOS ANTIGOS DO ORIENTE 13 História do Direito Adotou-se na historiografia ocidental moderna o marco de que a História da Humanidade começa para fins de estudo com o advento da escrita uma vez que essa disciplina necessita dos requisitos do passado para criar e recriar as informações sobre os tempos idos de nossa espécie. Embora haja estudos comprovando que já havia em lugares como a Romênia (Tábuas Tartaras) e a China (ideogramas) foram encontradas tábuas grafadas com linguagens próprias, ainda se tem por consenso que são os povos que habitavam a região da Mesopotâmia, no chamado Crescente Fértil, o vale fluvial entre os rios Tigres e Eufrates (atual região do Irã e do Iraque) que desenvolveram uma organização social baseada na escrita. Foi nessa região que surgiram as civilizações urbanas responsáveis pela invenção da primeira escrita da humanidade, a escrita cuneiforme. Na Antiguidade, essa região foi palco de importantes culturas, como a suméria, a babilônica e a assíria, ao longo de três milênios. Sua estrutura política básica foi a da cidade-estado, marcada pela pulverização do poder, em que cada cidade-estado disputava a hegemonia política sobre uma dada região. Segundo Pozzer (2015), A descoberta e a difusão da agricultura e da pecuária, durante o período neolítico (7000-4000 a.C.), favoreceram o processo de sedentarização das comunidades nômades e de formação de novas organizações da sociedade. O desenvolvimento da agricultura gerou uma elevação das reservas alimentares, possibilitando uma maior especialização das atividades artesanais e técnicas e uma maior complexidade na divisão social do trabalho. Esse fenômeno econômico acompanhou-se de uma aceleração do processo de descobertas e invenções decisivas, que marcaram essa época. Coincide ainda com a idade da descoberta e manuseio do bronze. 2.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS DO DIREITO ANTIGO: A QUESTÃO DA VINGANÇA Dentre os costumes mais antigos, existentes no âmbito da administração da justiça, no contexto das sociedades tribais e/ou da Antiguidade, podemos destacar a vingança como sendo um dos principais. Trata-se do princípio elementar do direito de retaliação, de revidar, na mesma proporção, a ofensa recebida, a lesão sofrida, a 14 História do Direito humilhação imposta por terceiros. A rigor, existiam três modalidades de vingança entre os povos antigos, a saber: 2.1.1 A VINGANÇA PRIVADA A vingança privada constituía uma reação natural e instintiva da vítima, de seus parentes ou até mesmo de toda a tribo, contra uma pessoa ou grupo, pelo crime cometido, revidando a agressão. A vingança privada era uma prática socialmente aceita, não sendo uma instituição jurídica, ocorrendo sem limites previamente estabelecidos, resultando em violência descontrolada. “ Olho por olho, dente por dente.” Tal forma de vingança, com o passar do tempo, já durante o desenvolvimento das civilizações na Mesopotâmia e no Egito, por volta de 3.500 a 4.000 a.C, sofreu dois tipos de regulamentação, a saber: a) A pena de Talião: Tradição fundamentada no direito a retaliação por um ato lesivo, individual ou coletivo, onde a pena para o delito é equivalente ao dano causado, devendo ser aplicada na mesma proporção, sem excessos. “ Quem com o ferro fere, com o ferro será ferido”. Por este princípio, o criminoso deveria sofrer da mesma forma que a vítima sofreu. O Código de Hammurabi ( 1792 a.C. - 1750 a.C ), visto mais adiante, incorporou a pena de talião em sua compilação legal. b) A composição: Tradição pela qual o criminoso entrava em acordo com a parte lesada e comprava a sua liberdade, através da transferência de parte de seu patrimônio para a vítima, como forma de compensação. Tal prática originou, posteriormente, as multas penais e as indenizações cíveis. 2.1.2 A VINGANÇA DIVINA Nas sociedades da Antiguidade, a vingança divina era uma prática comum, visto que a religiosidade estava presente na estrutura da aplicação da justiça. O infrator cometia um crime não apenas contra uma pessoa ou grupo, mas também ofendia aos deuses. Os sacerdotes, com o objetivo de aplacar a cólera divina, atuavam como juízes e aplicavam penas severas. As sanções penais eram cruéis ( esfolamento, lapidação, 15 História do Direito mutilação, açoites, afogamento, etc. ) sendo a pena de morte aplicada com muita frequência. Preceitos religiosos eram convertidos em leis, não havendo distinção entre o sagrado e o profano. 2.1.3 A VINGANÇA PÚBLICA Com a maior complexidade das organizações tribais, ocorreu o desenvolvimento do poder político, encarnado na figura do patriarca ou da assembleia cidadãos. As penalidades vão perdendo sua aura de sacralidade e passam a ser impostas por uma autoridade constituída, em nome da coletividade, com o objetivo de preservar os interesses da comunidade. A vítima perdia o seu direito à vingança, os sacerdotes deixam de ser agentes responsáveis pela aplicação das penas e o rei, em nome dos deuses, passava a exercer sua autoridade, impondo penas de morte, confisco de bens e multas, muitas vezes extensivas aos familiares do infrator. Numa palavra, crimes contra uma pessoa eram crimes contra a sociedade como um todo e o Estado, guardião da ordem, pairando sobre a sociedade, era um vingador implacável. 2.2 O DIREITO NAS CIVILIZAÇÕES DO ORIENTE MÉDIO 2.2.1 O DIREITO EGÍPCIO Segundo análise de LIMA & LIMA (2011), no Egito Antigo a manifestação do dever ser estava umbilicalmente ligado à moral, à religião e à magia. Os princípios morais orientavam tanto o elaborador quanto o aplicador da norma. Esta era legitimada pela crença de que emanava da divindade, e a conduta contrária à prevista era considerada não só antijurídica, mas também herética, pois assim descumpria-se a vontade dos deuses. Assim tanto a produção, como a interpretação e aplicação da norma jurídica revestiam-se de um caráter ritualístico, para não dizer místico ou até mágico, o que também pode ser visto em menor grau na cultura jurídica dos povos mesopotâmicos 16 História do Direito O Direito entre os egípcios seguia sob o símbolo de Maet (ou Maat). Esta, conforme explica Antônio Brancaglion Junior, é uma "ordem moral e cósmica que abrangia as noções de ‘verdade’, ‘justiça’, ‘equilíbrio’ e ‘ordem’, personificada como uma deusa, filha do deus-sol [Rá ou Ré]". Este princípio divino de ordem protegia a sociedade do caos e da destruição. Seu controle onipresente era tido como a razão para o Egito ter- se constituído como o mais duradouro império da antiguidade oriental, quando porvolta de 3.000 a.C. constituiu-se como Estado soberano e unificado por Menés. (LIMA & LIMA, 2011). Esta simbologia, também compreendida como um princípio jurídico e filosófico, atuava não só entre os vivos como também na vida post mortem. Ela "é protagonista da maior importância no julgamento dos mortos, no Tribunal de Osíris; [era] colocada na balança para equilibrar o coração do julgado" (CUNHA: (s.d.), p.13). No Egito a experiência pós-túmulo também pretendia o controle da ordem, pois na cultura egípcia acreditava-se que o mundo dos vivos e o mundo dos mortos mantinham estreita relação. Se porventura a desordem reinasse numa dessas dispensações, a outra parte poderia ser afetada. Daí porque Maat está tanto num quanto noutro mundo para manter o equilíbrio na relação entre ambos. A normatividade pré-jurídica da Civilização do Nilo, além de ser indissociável do mito e da religião, também se mostra sintonizada com o poder. A cultura jurídica desse povo favorecia o domínio do Estado sobre o indivíduo e, por consequência, do social, pois, como esclareceu Weber, a sociedade é feita de indivíduos portadores da unidade compreensível da ação que mantém referência à conduta de outrem (WEBER: 1991 p. 3). A sacralidade do Direito egípcio garantiu aos faraós longos anos de reinado com raros períodos de turbulência. A organização político-religiosa do Império consagrava o rei como uma espécie de divindade, pois ele era a principal fonte do Direito e da religião. Desobedecê-lo era conduzir-se contra os deuses e ignorar a ordem, a justiça e a verdade (Maet). A promulgação de uma sentença não carecia de apelação haja vista 17 História do Direito ter-se definido em cooperação com os deuses, onipresentes e oniscientes. Eles vêem tudo e igualmente sabem de tudo; logo, suas decisões são verdadeiras e justas. Mas esta constatação não pode ocultar o fato de que possivelmente em algumas situações uma decisão jurídica tenha sido questionada e o réu tenha solicitado o veredicto do próprio Faraó. O poder divino dessa figura podia ser considerado a "Constituição" do Egito Antigo. Daí porque para uma segurança jurídica ele deveria ser evocado. O Vizir era o principal encarregado de aplicar a lei. Esse era o título dado ao bem- aventurado que era concomitante sacerdote da deusa Maat e funcionário real, incumbido de ser juiz na solução das lides. Como esclareceu Cristiano Pinto, "a jurisdição era titularizada pelo Faraó que poderia, a seu critério, delegar funcionários especializados para a tarefa de decidir questões concretas" (2002, p.52). Como não havia um código sistematizado de leis escritas, tal qual o Código de Hamurábi, o guia para orientar o aplicador do direito consistia basicamente nas prescrições do rei para o plano do sollen (dever ser) e nas instruções para o campo do sein (ser). Muito mais que isso, o corpo das decisões dos especialistas (chamados não só a aplicar a norma, mas também a pensar sobre o próprio fenômeno jurídico) contava no momento do julgamento e constituída conteúdo de novas normas. Ou seja, dado um fato novo seria submetido a uma valoração subjetiva, no que resultava em proposições normativas objetivadas. É a dialética da polaridade do tridimensionalismo de Miguel Reale: Fato, Valor e Norma numa relação dinâmica. Ademais, também se desenvolveu no Egito, como produto cultural, um sistema de leis baseadas no costume. Desde o período pré-dinástico (5.500-3.050 a.C) o direito costumeiro teve sua importância a ponto de posteriormente se impor até mesmo ao Faraó. "No Egito, então, havia um direito consuetudinário (a permanência do "ontem eterno", como diria Weber [01]) e corpos de leis, orientados de acordo com a determinação do soberano" (NASCIMENTO, 2002, p. 21). O Rei era o juiz supremo e poderia julgar qualquer questão. Mas também havia "juízes singulares, que julgavam as causas menores, e um tribunal composto de 31 membros, que julgava as causas mais importantes" (ibidem, p.122). O povo egípcio concebeu essa forma jurídica que foi o retrato de sua época, espaço e cultura. Não só isso, mas 18 História do Direito a própria forma daquela civilização enxergar o mundo circundante. Nesse sentido, pode-se inferir que "O direito será sempre uma manifestação cultural. Inserido invariavelmente no mundo da cultura, ele implica, nessa vocação para a ordem, a cosmisação do mundo" (POLETTI,1996, p.85) 2.2.2 O DIREITO NA MESOPOTAMIA E A PRIMERIA CODIFICAÇÃO Apesar da proximidade com o Egito, segundo Lima & Lima (20111), na Mesopotâmia o campo jurídico restringia-se à experiência em vida, até porque os mesopotâmicos não acreditavam na vida pós-morte. Cabe ressaltar que que naquela região banhada pelos rios Tigres e Eufrates desenvolveu-se não uma civilização, mas civilizações das quais as mais importantes foram os sumérios e acádios (2.800-2.000 a.C), paleobabilônio (amoritas; 2000-1600 a.C), assírios (1300-612 a.C) e neobabilônios (caldeus; 612-539 a.C). Caracterizada por um território frequentemente invadido e de uma instabilidade política, Ciro, em 539 antes de nossa era, comandou os persas na invasão e domínio definitivo sobre a região. Apesar disso, Lima & Lima (20111) afirmam que pode ser encontrado nessa região um direito menos fragmentário e uma ideologia normativa mais consolidada que no direito do Egito Antigo. No que tange à cultura (na qual está inserido o direito) sua essência não foi destruída pelos invasores, sendo estes incorporado às suas próprias expressões culturais. O sistema jurídico mesopotâmico, por exemplo, apresentou uma influência para muito além de sua época e espaço. Para se ter ideia, muitas das questões normativizadas no nosso atual Código Penal estabelecem uma equivalência comparativa com o Código de Hamurabi: o papel da testemunha; o furto; a difamação; o estupro; a vingança etc. Este código jurídico antigo, promulgado aproximadamente em 1750 a.C, compõe-se de três partes: introdução, texto propriamente dito e conclusão. 19 História do Direito Há nos 282 artigos determinações respeitantes aos delitos, à família, à propriedade, à herança, às obrigações, muitos artigos de direito comunitário e outros relativos à escravatura. Essas leis defendiam, especialmente, os direitos e interesses de cúpula da sociedade babilônica. Esta, à época de Hamurábi, estava dividida em três classes sociais: Awilum (homens livres, cidadãos); Muskênum (funcionários públicos); Wardum (escravos, prisioneiros de guerra). No topo da pirâmide social estava o Imperador e sua família, seguidos pelos nobres, sacerdotes, militares e comerciantes. Artesãos, camponeses e escravos compunham as camadas não privilegiadas. O direito, nesse contexto, objetivava manter a ordem estabelecida e garantir a permanência da estrutura sócio-política das Cidades-Estado. Haja vista a divisão da sociedade em classes e o desejo de poder dos líderes políticos, não seria difícil constatar o princípio da desigualdade perante a lei. Mas não podemos esquecer que este conjunto de leis sistematizadas apresentou algumas tentativas primeiras de garantias dos direitos humanos. Vale aqui a anotação de Walter Viera do Nascimento de que no sistema babilônico a posição da mulher na sociedade já lhe concedia direitos equiparados aos do homem (2002, p.23). "O legislador babilônico consolidou a tradição jurídica, harmonizou os costumes e estendeu o direito e a lei a todos os súditos". Outros estudiosos preferem afirmar que o referido rei foi não o legislador, mas o compilador: Tudo indica, na verdade, que se trata de uma grandecompilação de normas anteriormente dispostas em outros documentos e de decisões tomadas em casos concretos, que serviram de base para a elaboração dos artigos (PINTO, 2002, p.48). De uma ou de outra forma o certo é que esse sistema jurídico serviu de orientação aos aplicadores do direito e manteve por um considerável período a coesão social. Como destacou Jayme de Altavila (2001, p.59), o rei jurista deixou em seu código muita punição, muita justeza e muito rigor. Dada a inexistência da gradação da pena, crimes das mais diversas espécies (uns menos outros mais graves) eram punidos com a pena de morte, e a lei de talião ("olho por olho e dente por dente") era o princípio básico que regia a aplicação das leis. Mas em tudo a finalidade é fazer justiça, ou nas palavras do próprio Hamurábi, registradas no preâmbulo de seu código, "trazer justiça à Terra" (GAVAZZONI, 2005, p.34). 20 História do Direito A importância atribuída ao direito e ao estabelecimento da justiça foi uma das principais características da civilização mesopotâmica. Ao longo dos seus três milênios de história, os mesopotâmicos criaram os mais antigos códigos de leis conhecidos: Ur-Nammu (2100 a.C.); Lipit-Ištar (1930 a.C.); Leis de Ešnunna (1800 a.C.); e o Código de Hammu-rabi (1750 a.C.), sendo os dois primeiros escritos em sumério e os dois últimos, em acádio. Agrega-se a esses, um grande número de tabletes cuneiformes contendo o registro de processos, contratos, protocolos, etc., que são o testemunho inequívoco da capacidade de sistematização de um corpus documental de caráter jurídico. Nesse sentido, afirma Hammu-rabi, no epílogo de seu Código, ao justificar a existência do direito: “Para que o forte não oprima o fraco, para fazer justiça ao órfão e à viúva, para proclamar o direito do país em Babel (...), para proclamar as leis do país, para fazer direito aos oprimidos, escrevi minhas preciosas palavras em minha estela e coloquei-a diante de minha estátua de rei da justiça.” (Bouzon, 2000: p.222) Segundo Pozzer (2015), as jurisdições de julgamento eram laicas, e não há indícios da existência de tribunais eclesiásticos. As frequentes menções aos templos e aos seus funcionários nos processos mesopotâmicos explicam-se pela exigência do juramento ou pela colaboração do clero na instrução de casos que versavam sobre os interesses da instituição religiosa. O direito, nesse contexto, objetivava manter a ordem estabelecida e garantir a permanência da estrutura sócio-política das Cidades-Estado. Haja vista a divisão da sociedade em classes e o desejo de poder dos líderes políticos, não seria difícil constatar o princípio da desigualdade perante a lei. Mas não podemos esquecer que este conjunto de leis sistematizadas apresentou algumas tentativas primeiras de garantias dos direitos humanos. Vale aqui a anotação de Walter Viera do Nascimento de que no sistema babilônico a posição da mulher na sociedade já lhe concedia direitos equiparados aos do homem (2002, p.23). "O legislador babilônico consolidou a tradição jurídica, harmonizou os costumes e estendeu o direito e a lei a todos os súditos". Outros estudiosos preferem afirmar que o referido rei foi não o legislador, mas o compilador: 21 História do Direito Tudo indica, na verdade que o Código de Hamurabi se trata de uma grande compilação de normas anteriormente dispostas em outros documentos e de decisões tomadas em casos concretos, que serviram de base para a elaboração dos artigos (PINTO, 2002, p.48). 2.3 O DIREITO NA GRÉCIA CLÁSSICA Embora seja considerada o berço da civilização ocidental, geograficamente a Grécia se localiza na parte oriental da Europa e, pois, questões didáticas será estuda junto com a Antiguidade Clássica oriental. O Direito grego, como várias sociedades antigas, percorreu três etapas evolutivas, posto que, no início o direito era apenas falado, e só depois houve o advento das escritas legais: Sociedade pré-legal: Onde não há critérios estabelecidos sobre os litígios; Sociedade proto-legal: O avanço chega com procedimentos para dirimir as disputas, porém não existem regras definidas ainda; Sociedade legal: Estágio mais avançado de uma sociedade em crescimento. O Estado intervém nas querelas, através de normas e sanções. Há também a construção embrionária de um Direito positivado em códices. Na gênese do corpo jurídico, o grego preferia falar do que escrever, portanto, pouco se escreveu. A escrita se desenvolveu juntamente com o direito, porém quando ambos alcançaram o zênite da maturidade, a Grécia já não era o poderio de antes e encontrava-se em decadência. Se a escrita, as formas de escritas e a produção de livros estivessem em acelerado estágio quando a civilização grega alcançou o ápice, como ocorreu em Roma, com certeza a história do direito grego seria bem diferente. O direito grego só conseguiu ser soberano quando o povo atentou para a necessidade de escrever as normas que estavam respeitando. Destarte, era mais fácil aplicá-las e assegurar a justiça de quem as respeita. Neste ínterim, Teseu proclamou “Quando as leis são escritas, o pobre e o rico tem justiça igual”. Tais palavras viraram o lema da luta para escriturar o direito vigente da época. 22 História do Direito Outro fator que atrapalhou muito a chegada do direito grego até nós, foi o fato de o especialista que estuda a Grécia em geral dá mais atenção a História do que ao Direito, também porque os estudos eram feitos a maioria por filósofos e, estes não primam pela verdade jurídica, até mesmo porque não é o objeto de estudo e de trabalho deles. 2.3.1 A PERCEPÇÃO DO FENÔMENO JURÍDICO ENTRE OS GREGOS São também exíguas as informações sobre o Direito Grego em períodos distantes. Fustel de Coulanges (2002), porém, realizou um feito digno de nota ao estudar as percepções jurídicas de romanos e gregos em tempos imemoriais. A princípio, trata- se de um direito essencialmente consuetudinário, ritualístico, fundado no culto aos antepassados e desenvolvido no seio da própria família. Na literatura, bem como nos escritos filosóficos, a palavra grega que se aproxima à idéia de "direito" é dikáion, que está etimologicamente associada à diakaiosúne, que pode ser traduzida como "justiça". Os gregos desenvolveram também a consciência da existência de uma lei eterna, imutável, a reger o homem indistintamente. Ora, trata-se de uma ideia embrionária do que convencionamos chamar hoje de direito natural. Igualmente, é creditado aos gregos o mérito de terem contribuído para o florescimento de uma noção preliminar de constitucionalismo, especialmente em Atenas, onde os cidadãos, por serem mais politizados, acabavam possuindo uma experiência mais apurada da condução da vida pública. Deste modo, quando se trata de estudar o "direito grego", não se pode jamais perder de vista o fato de que inúmeras Cidades-estado helênicas eram regidas por um ordenamento jurídico próprio, uma vez que as mesmas gozavam de plena soberania. O "universo grego", pois contava com unidades políticas completamente independentes umas das outras. As Cidades-Estado, nesta conjuntura, só se prestavam a estreitar suas relações em função da formação de alguma aliança estratégica. Nesta perspectiva, por exemplo, o direito costumeiro da belicosa Esparta 23 História do Direito é muito diferente da sofisticação das leis escritas de Atenas, cidade-estado de efervescência cultural ímpar (COULANGES, 2002). Ademais, o direito era tão-somente parte do regime de governo da cidade e, na visão grega, tão-somentenisso residia sua utilidade. Isso não quer dizer que os gregos vivessem alheios às questões legais como um todo. José Reinaldo de Lima Lopes (2002), por exemplo, chama a atenção para "...o costume de aprender de cor (recitando em forma poética) alguns textos jurídicos, assim como os poemas de Homero. As leis de Sólon eram ensinadas como poemas, de modo que o ateniense bem-educado terminava por conhecer sua tradição político-jurídica comum. A literatura "jurídica " era fonte de instrução e prazer. Em geral no tempo da filosofia socrática sabia-se ler. As técnicas propriamente jurídicas eram próprias do logógrafo, o redator de discursos forenses: pedidos, defesas, entre outras. O direito, presumia- se, devia ser aprendido vivenciando-o. As leis deveriam fazer parte da educação do cidadão. As discussões sobre justiça na cidade, entre os cidadãos e iguais. As leis menores não importavam para discussão pública"(LOPES, 2002). 2.3.2 AS LEIS ESCRITAS GREGAS E OS LEGISLADORES As principais fontes das leis gregas eram literárias: discursos, monografias, filósofos e também epigrágicas (gravadas) em pedra, metal, argila. A lei ateniense era essencialmente retórica. Assim como não havia advogados, não havia juízes e promotores, apenas dois litigantes. Atribui-se aos gregos ainda a criação do Júri popular, vez que havia o tribunal de Heliaia, um tribunal popular que julgava todas as causas, exceto os crimes de sangue, que ficava sobe a alçada do Aerópago, uma assembleia de magistrados, compondo um tribunal criminal. Havia ainda os logógrafos, escritores de defesas, que podem ser considerados os advogados embrionários. 24 História do Direito Foram encontradas leis sobre: casamento, sucessão, adoção, legitimidade de filhos, escravos, cidadania. Os gregos tinham um direito processual bastante evoluído, como foi encontrado no estudo de árbitros públicos e privados (mediação). Os legisladores atenienses surgiram após reivindicações de reformas sociais, principalmente devido à restrita participação política que os cidadãos atenienses enfrentavam. O primeiro legislador foi Drácon, que transformou leis que até então eram orais em leis escritas. O código legal de Drácon proibia as vendetas – a guerra entre famílias por vingança. Além de muito severo, esse código não resolvia os problemas sociais existentes na época, conservando as desigualdades sociais e aumentando o descontentamento popular. Em 594 a.C., os comerciantes conseguiram a nomeação de Sólon, um eupátrida (nobre) por nascimento e comerciante por profissão. As reformas de Sólon abriram caminho para a democracia ateniense. Sólon conseguiu abolir a escravidão por dívidas e também dividiu a sociedade de acordo com a renda, ou seja, censitariamente. O princípio censitário adotado por Sólon abriu caminho para que os ricos comerciantes atenienses obtivessem participação política, uma vez que o critério para participar das decisões políticas era a renda. Sólon também criou a Bulé ou Conselho dos Quatrocentos, que abria a participação política para as três primeiras classes sociais. O último elo da cadeia das reformas iniciadas por Drácon e Sólon foram as reformas realizadas por Clístenes. Clístenes transformou fundamentalmente a estrutura social e política de Atenas. Em termos políticos, a sua reforma reduziu o poder dos eupátridas, aumentou o poder das instituições populares e reduziu o número de classes para três: cidadãos, metecos e escravos. Os cidadãos compreendiam todos os atenienses homens e adultos, ou seja, homens e adultos maiores de 18 anos, filhos de pais e mães atenienses. Os cidadãos menos qualificados maior liberdade e garantia de vários direitos. Um pobre camponês é um cidadão, assim como um rico comerciante ou aristocrata de terras. A transformação 25 História do Direito empreendida por Clístenes garantiu a Atenas anos de prosperidade econômica e de paz. 2.3.3 A ORGANIZAÇÃO JURÍDICA DE ATENAS O estudo do direito se deve à polis (Atenas), onde melhor se desenvolveu o direito e a democracia, atingindo sua perfeita forma quanto à Legislação, ao processo. No período arcaico (século XIII ao VI a.C.) em Atenas, apresentam-se as seguintes inovações: armamento naval, terrestre, as moedas e o alfabeto. A escrita surge como nova tecnologia, permitindo codificações de leis e sua divulgação através de inscrições nos muros da cidade. Dessa forma, junto com as instituições democráticas que passavam a contar com a participação do povo, os aristocratas perdem também o monopólio da Justiça. Dois legisladores atenienses merecem destaque: Drácon e Sólon. Drácon (620 a. C.) fornece a Atenas o seu primeiro código de leis, que ficou conhecido pela severidade e cuja lei foi mantida por Sólon, a relativa à distinção de homicídios: voluntário, involuntário e legítima defesa. Sólon faz uma reforma institucional, social e econômica (estimula a agricultura, exportação de Oliva e vinho). A escrita grega surgiu e se desenvolveu ao longo da história dessa civilização, estando intimamente ligada ao direito grego. Entretanto, apesar de ser o berço da filosofia, da democracia, do teatro e da escrita alfabética, a civilização grega preferia falar a escrever e, por outro lado, se recusava em aceitar a proliferação do direito e da figura do advogado que, quando existia, não podia ser pago. Os escritores do século IV eram, na maioria, oradores e professores, cujas razões eram a dificuldade e o custo do material (o que não acontecia em Roma). Por estas e outras razões, os gregos não foram grandes juristas, não souberam construir uma ciência do direito, nem sequer desenvolver uma maneira sistemática às suas instituições de Direito privado. Por outro lado, cada pólis tinha seu próprio direito. Por isso, o direito grego tratava-se de uma noção mais ou menos vaga de Justiça, que estava difusa na consciência coletiva. 26 História do Direito 2.3.4 AS CONTRIBUIÇÕES GREGAS PARA A FORMAÇÃO DO DIREITO MODERNO O que se destaca da análise do Direito Grego é que a maior parte de suas fontes acabou por se perder; e se assim foi, a precariedade de informações dificulta uma reconstituição completa e precisa a respeito de suas Leis e Instituições, principalmente no que tange a Grécia Antiga. Ademais, importante dizer que, o Direito nas cidades-estados da Grécia foi muito pouco estudado, apesar de sua inquestionável importância neste ramo do direito. Ademias, mesmo que, se os diplomas estivessem reunidos, de modo a perfazer um corpo legal, nada disso chegaria ao nosso tempo, da maneira como sucedeu em Roma, onde a doutrina e constituições imperiais viram-se coligadas e compiladas a mando de Justiniano. Em razão disto, torna-se praticamente impossível descartar obras de extrema importância, como: A Política, de Aristóteles; e a descoberta das leis da cidade de Gortina em Greta, além das povoações existentes na Magna Grécia, embora se refira a período anterior ao apogeu helênico, também serviu para instruir o conjunto das fontes do direito grego, o mesmo se dando com a papirologia levantada a posteriori, que trata da época mais tardia, conexa ao período egípcio-ptolemaico. Todavia, mesmo diante de toda esta problemática atinente as fontes do Direito na Grécia Antiga, ou seja, a sua exiguidade, ainda podemos realizar uma investigação a respeito do assunto, graças as estas descobertas. Em relação ao fenômeno jurídico desta Leis na cidade de Gortina em Greta, a princípio, tratou-se de um direito essencialmente consuetudinário, ritualístico, fundado nos cultos aosantepassados e desenvolvido no seio da própria família, e com a implantação da democracia, surgiram outros ramos naturalistas, inclusive a sua formalização ou escrituração. Certamente Atenas foi, por certo, uma das mais importantes cidades da Antiguidade, o berço da erudição e do conhecimento ocidental; este centro cosmopolita alcançou notável desenvolvimento na Grécia Antiga. Seu modelo, a que serviu de base para o conceito de Democracia se apoiou na soberania popular, expressada pela viva voz dos cidadãos, no exercício de suas funções públicas, no direito de haver assento e 27 História do Direito voto nos tribunais, na participação cotidiana de que desfrutavam nas assembleias e conselhos. A Assembleia do povo era formada por cidadãos acima de 20 anos e de posse dos direitos seus políticos e tinha atribuições legislativas, executivas e judiciárias, ou seja, deliberava, elegia e julgava. Por sua vez, o Conselho (Boulê) era composto 500 cidadãos acima de 30 anos, escolhidos por sorteio entre os cidadãos de reputação ilibada; examina, prepara e controla as leis. Daí vieram as Cortes de Julgamento, inclusive com divisões nas áreas do Direito Público e Privado; Direito Civil e Penal, além das atribuições relacionadas também ao Direito de Família. Com a invasão de um povo de origem germânica, os dórios, onde estes dominavam os aqueus e seus vizinhos, em razão do sentimento aforado pela democracia, iniciaram-se a saga de uma das mais belicosas e militaristas que o mundo já conheceu. Já o homem espartano, na juventude já era um exímio e perigoso guerreiro. As leis da cidade autorizavam o rechaço paterno às crianças portadoras de deficiências. O pai poderia também lançar o bebê de qualquer penhasco se imaginasse que a compleição física do mesmo fosse um eventual empecilho à carreira militar. Com isto, a Grécia Antiga conheceu largamente o desenvolvimento de uma espécie embrionária de Direito Internacional. É certo, pois, que o fato de cada cidade-estado ser completamente soberano contribuiu favoravelmente para a gradual construção de um efeito ideal internacionalista entre os gregos. Por conseguinte, diversas instituições próprias ao Direito vieram sendo progressivamente delimitadas, uma vez que a constância da beligerância entre as cidades-estados acabava por exigir novas formas de cooperação entre os envolvidos nos conflitos. Desta feita, o estado de guerra quase que sempre permanente entre os gregos (principalmente a partir do século IV), a qual viabilizou a celebração de tratados internacionais que tinham os mais diferentes objetos. Insta mencionar que um fenômeno típico do universo helênico consistiu na formação de ligas políticas entre as cidades-estados lideradas por alguma potência hegemônica 28 História do Direito como Atenas ou Esparta e que eram chamadas de anfictionias. Estas ligas eram entidades confederadas norteadas por interesses políticos comuns, notadamente, a defesa mútua e a religião. 3. UNIDADE 3 – O DIREITO ROMANO 29 História do Direito Direito Romano é o nome que se dá ao conjunto de princípios, preceitos e leis utilizados na antiguidade pela sociedade de Roma e seus domínios. Sua influência e aplicação vai desde a fundação da cidade de Roma em 753 a.C. até a morte do imperador do Oriente Justiniano, em 565 da nossa era. Neste longo período, o corpo jurídico romano constituiu-se em um dos mais importantes sistemas jurídicos criados desde sempre, influenciando diversas culturas em tempos diferentes. Em sua longa história, podemos assinalar as seguintes fases como capitais no desenvolvimento e aperfeiçoamento do Direito Romano (de acordo com sua organização estatal): a) Período Régio: desde a fundação da cidade de Roma (753 a.C.) até a República (510 a.C.), onde predominava um direito baseado no costume (mores), tendo o Direito Sagrado ligado ao humano. b) Período Republicano: desde 510 a.C. até o período imperial com Augusto, em 27 a.C; c) Período Imperial: a partir do governo do primeiro monarca, Augusto, onde prevalecia o jus gentium sobressaindo sobre o jus fas (Direito Sagrado, religioso), direito comum a todos os povos do Mediterrâneo, bem como o conceito do bonum et aequum, e o conceito da boa fé; d) Período do Principado: período do Direito clássico, época áurea da jurisprudência, que vai do reinado de Augusto até o imperador Diocleciano. Há uma participação maior dos jurisconsultos, os conhecedores do Direito à época, além da substituição do direito magistratural (jus honorarium) que auxiliava, e supria o cerne originário do Direito Quiritário; no lugar deste surge o cognitio extra ordinem, administração da justiça de aplicação particular do imperador. e) Período da Monarquia Absoluta: período após o imperador Diocleciano (século IV d.C.), até a morte do imperador Justiniano. É neste período que surge o direito pós- clássico, havendo a ausência de grandes jurisconsultos, ocorrendo uma adaptação das leis em face à nova religião predominante, o Cristianismo. É neste período que ocorre a formação do direito moderno, que começa a ser codificado a partir do século VI d.C. pelo imperador Justiniano. 30 História do Direito Conforme enfatizado por César Fiúza, o “Direito Romano é a mais importante fonte histórica do Direito nos países ocidentais, e, ainda, a maioria dos institutos e princípios do Direito Civil nos foi legada pelo gênio jurídico dos romanos” (FIUZA, 2006, p. 160). Nosso direito deriva do Romano. Dessa forma, ao estudá-lo, buscam-se as origens do nosso próprio direito vigente. Além disso, “A perenidade do direito romano é fato evidente. Sua atualidade não pode ser negada, pela presença constante em inúmeros institutos jurídicos de nossa época. Além disso, qualquer estudo profundo de direito privado principia sempre por introdução histórica que investiga as raízes romanas do assunto tratado” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 57). Então, de extrema relevância este artigo, o qual com certeza será responsável para aprofundar o conhecimento das bases do nosso próprio Sistema Jurídico. 3.1 O DIREITO ROMANO NA REALEZA (753 a.C. A 510 a.C.) Rômulo foi o primeiro rei, sendo considerado fundador lendário de Roma. Com relação à época da fundação, considera-se ter sido “a cidade romana constituída, no início, pelos componentes das tribos conhecidas pelos nomes de ramnenses, tirienses e luceres” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 25), razão pela qual Rômulo, conforme narra César Fiuza, “dividiu a cidade em três tribos: Tities, Ramnes e Luceres” (FIUZA, 2007, p. 37). Tendo em vista que nessas tribos havia apenas homens, Rômulo convidou os sabinos, povo vizinho, constituído de indivíduos de ambos os sexos, para festividades. Nessa ocasião, os romanos teriam raptado as pessoas do sexo feminino, razão pela qual se iniciou uma guerra entre esses povos. Antes do término da batalha, por influência das mulheres, os sabinos resolveram se integrar aos romanos, junto à tribo dos Tities. O DIREITO ROMANO 31 História do Direito Sérvio Túlio, penúltimo rei dessa fase, ordenou o primeiro censo na história. Ele “mandou fazer cadastro de todos, sendo que os censores vasculhavam todos os cantos da cidade à procura de riqueza, para que se pudesse pagar impostos e ampliar as receitas” (TAVARES, 2003, p. 8). Vale ressaltar que o fim da realeza (510 a.C.) teve como marco a expulsão do “último rex, Tarqüínio, o Soberbo, usurpadorde poderes realmente imperiais” (ENGELS, 2006, p. 143). 3.1.1 ORGANIZAÇÃO SOCIAL Dentre os habitantes de Roma havia quatro classes bem distintas: os patrícios, os clientes, os escravos e os plebeus. Os primeiros, homens livres, fundadores da cidade e seus descendentes, agrupados em clãs familiares patriarcais, denominados gentes, formavam a classe detentora do poder e privilegiada. Os clientes, de origem diversa, “eram pessoas que se submetiam ao poder de um chefe de família patrício, oferecendo seus préstimos e seu patrimônio em troca de proteção” (FIUZA, 2007, p. 39). Geralmente eram estrangeiros e escravos alforriados. Já os escravos eram a mão-de-obra responsável por praticamente toda a economia romana da época. Viviam sob as ordens do senhor, ou pater. Por último, os plebeus, que não faziam parte das gentes, estavam em posição de inferioridade, mas estavam sob a proteção do rei. Até o reinado de Sérvio Túlio, a plebe não fazia parte da organização política de Roma. Somente após essa ocasião - com as mudanças introduzidas por esse rei - é que os plebeus ganham cidadania e “entram nos comícios centuriatos, que se reúnem no Campo de Marte; pagam impostos e prestam serviço militar” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 26). 3.1.2 ORGANIZAÇÃO DA FAMÍLIA A família patrícia era uma estrutura organizada, como se fosse uma pequena sociedade com seu governo, chefiado unicamente pelo pai. Este, que exercia as 32 História do Direito funções mais elevadas, sendo todos os demais membros submissos a ele. Essa submissão se dava em todos os sentidos eis que o pater detinha, dentro do lar, poderes ilimitados de pai, esposo, administrador, sacerdote e, até mesmo, de um juiz cujas decisões nenhuma autoridade tinha o direito de reforma. Sendo assim, “no pai repousa o culto doméstico; quase pode dizer como o hindu: “Eu sou o deus”. Quando a morte chegar, o pai será um ser divino que os descendentes invocarão” (COULANGES, 2007, p. 93). Em caso de morte, o lugar do pai “era ocupado pelo filho primogênito. Se não tivesse, adotava um. O que não podia ocorrer era a vacância de seu lugar, sob pena de não se dar continuidade ao culto familiar” (FIUZA, 2007, p. 40). E, “cada gens transmitia, de geração em geração, o nome do antepassado e perpetuava-o com o mesmo cuidado com que continuava o seu culto” (COULANGES, 2007, p. 119). Com relação ao conceito de gens, expressão comumente trazida nos manuais de direito romano, pode-se, resumidamente, considerar que trata-se do “conjunto de pessoas que pela linha masculina descendem de um antepassado comum” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 26). Acredita-se que essa organização familiar foi um empecilho para o desenvolvimento das regras comerciais em Roma, uma vez que, em decorrência da predominância da indústria doméstica, somente foram desenvolvidas relações contábeis e não-jurídicas entre pai e filhos. Relação cujas decisões, conforme já mencionado, eram tomadas arbitrariamente pelo detentor do poder patriarcal. 3.1.3 ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E JUDICIÁRIA Os poderes públicos eram exercidos pelo rei, pelo senado e pelo povo. O rei era o supremo sacerdote, chefe do exército, juiz soberano e protetor da plebe. Seu cargo, que era “indicado por seu antecessor ou por um senador” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 27), era vitalício, mas não hereditário. Apesar disso tudo, podia ser deposto, conforme a já mencionada expulsão ocorrida com Tarqüínio, o Soberbo. 33 História do Direito Já a instituição do senado era como um conselho, que tinha competência para gerir e opinar nos negócios de interesse público. “O Senado detinha a auctoritas para aconselhar o rei, quando convocado, e para confirmar as decisões dos comícios” (FIUZA, 2007, p. 41). Nomeados dentre os chefes das gentes pelo rei, os “senadores, por serem os mais velhos em suas gens, chamavam-se patres, pais. O conjunto deles acabou formando o Senado (de senex, velho, ancião – conselho dos anciãos)” (ENGELS, 2006, p. 139/140). E, o “poder, de fato, estava nas mãos dos patres-familias, sendo o Senado sua representação máxima” (FIUZA, 2007, p. 41). O último dos três elementos que integram a organização política e judiciária na fase da realeza era o povo. Este era, no início, “Integrado pelos patrícios, na idade de serviço militar. Reúne-se em assembléias – os comícios curiatos – (“comitia curiata”) -, num recanto do fórum denominado mesmo comitium. A lei, proposta pelo rex, é votada pelo populus, que vota por cúrias. As leis, assim votadas, recebem o nome de leges curiatae” (CRETELLA JÚNIOR: 2007, p. 27). Então, o povo era a sociedade romana, constituída, no início, apenas de patrícios. Após Sérvio Túlio, que deu à plebe a cidadania, também passaram a compor a populus romanus. O povo exercia seus direitos em assembleias, denominadas comícios, onde votavam para decidir sobre propostas específicas de casos concretos. 3.1.4 FONTES DO DIREITO As fontes do direito na fase da realeza são apenas duas: o costume (fonte principal) e a lei (secundária). E, tendo em vista o amplo domínio dos deuses sobre o homem, essas fontes são extremamente influenciadas pela religião. Costume pode ser entendido como o “uso repetido e prolongado de norma jurídica tradicional, jamais proclamada solenemente pelo Poder Legislativo” (CRETELLA 34 História do Direito JÚNIOR, 2007, p. 28). Sua autoridade resulta de um acordo tácito entre todos os componentes da cidade. Já a lei decorre de uma iniciativa do rex, tendo em vista um caso concreto em que alguém deseja agir contrariando algum costume. Essa proposta do rei pode ou não ser aceita pelo povo. Se for aceita, a lex é analisada pelo senado. Caso ratificada torna-se obrigatória perante todos. Aqui, a autoridade da lei resulta, ao contrário do costume, de um acordo formal entre todos os cidadãos. Então, o Direito na realeza é: “Casuístico, porque era criado para cada caso concreto. Empírico, porque se baseava na observação prática, nada possuindo de científico. A posteriori, porque nascia depois do fato concreto. Finalmente, concreto, uma vez que nada tinha de abstrato, vinculando-se exclusivamente ao caso concreto” (FIUZA, 2007, p. 42). Então, a lei na fase da realeza teria surgido de forma gradativa e “como parte da religião. As normas sobre direito de propriedade e de sucessão estavam dispersas entre as regras relativas aos sacrifícios, à sepultura e ao culto dos antepassados” (COULANGES, 2007, p. 206). 3.2 O DIREITO ROMANO NA REPÚBLICA (510 a.C. A 27 a.C.) No início da fase da república, logo após a expulsão de Tarqüínio, o Soberbo, houve a “substituição do rex por dois comandantes militares (cônsules) dotados de iguais poderes” (ENGELS, 2006, p. 143). Esses sucessores do rei eram eleitos anualmente, em número de dois, para que governassem de forma alternada, cada mês um deles controlavam o imperium, enquanto o outro fazia uma fiscalização, com direito de veto ou intercessio. E, “se perigos gravíssimos ameaçam a república, o cônsul em exercício enfeixa o poder dos dois, tornando-se ditador, com opoderes absolutos, perdendo o colega o recurso da intercessio (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 30). 35 História do Direito Foi nessa época que a diferença entre patrícios e plebeus já não se justificava. Inclusive, por volta dos séculos IV e III a.C., “a plebe já ocupava todos os cargos da magistratura, antes reservados só aos patrícios” (FIUZA, 2007, p. 54). 3.2.1 ORGANIZAÇÃO SOCIAL Na República, a organização socialse modifica um pouco. As classes sociais eram bem distintas: classe baixa (ou plebs urbana), escravos, Cavaleiros da Ordem Eqüestre e a nobreza. A economia, assim como na realeza, se baseava na mão-de-obra escrava. Os escravos, parcela significativa da população, “eram considerados bens semoventes, despidos de personalidade” Já a classe baixa, ou plebs urbana, era a casta composta por plebeus pobres, “com profissões menos prestigiosas: barbeiros, sapateiros, padeiros, açougueiros, pastores, agricultores etc” (FIUZA, 2007, p. 53). A classe dos Cavaleiros da Ordem Equestre era composta, na verdade, por homens de negócio. Atuavam, até mesmo, em nome de nobres, que não queriam ou não podiam exercer atividades mercantis. Eram os homens que não integravam a nobreza e que possuíam patrimônio superior a 400.000 sestércios. Esse nível patrimonial era o mesmo exigido “para se tornar um juiz eqüestre, a quem competia julgar as questões envolvendo corrupção” (FIUZA, 2007, p. 54). A última classe era a nobreza, também chamada de nobilitas, composta de descendentes de magistrados. Nesta classe, tinha destaque a Ordem Senatorial. Ao final da República, não era preciso ser descendente de homem público para integrar essa Ordem. No que tange à religião, na fase anterior, o rei era o supremo sacerdote. Já na República, conforme ensina César Fiuza: “Os poderes sacerdotais do rei passaram ao rex sacrorum (rei das coisas sacras) na República. Além dele, havia o Colégio de Pontífices, encabeçado pelo pontifex maximus (sumo pontífice). Com o passar dos tempos, a pessoa 36 História do Direito do rex sacrorum se tornou figurativa e quem exercia o poder sacerdotal era o sumo pontífice” (FIUZA, 2007, p.48/49). A nobilitas era considerada a classe administradora e constituía, juntamente com os Cavaleiros, a classe dominante da época. Posto isso, as demais classes (plebe urbana e os escravos) eram dominados na fase do direito romano na República. 3.2.2 ORGANIZAÇÃO POLÍTICA E JUDICIÁRIA Na República, a organização política era composta por cônsules, pelo senado e pelo povo, que se reúne em comícios populares. Tendo em vista que os cônsules eram apenas dois e que enquanto um governava, o outro fiscalizava, o desenvolvimento da população de Roma exigiu a repartição das funções antes concentradas no rex. Por isso, foram criados vários cargos, dentre eles: questores, censores, edis curuis, pretores, praefecti jure dicundo e governadores das províncias. Já o Senado, que exercia funções consultivas, como por exemplo, ratificar leis e decisões dos Comícios, “compõe-se de 300 patres, nomeados pelos cônsules” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 31). “A partir de 312 a.C., os censores passaram a nomear os senadores, normalmente, dentre antigos cônsules. Até essa data eram indicados pelos cônsules” (FIUZA, 2007, p. 47). O povo, composto por patrícios e plebeus, exercia seus direitos reunidos em comícios: “Os comícios curiatos e os comícios centuriatos, como na realeza. Além disso, há uma nova espécie de comícios, os comícios tributos. A plebe, sozinha, reúne-se nos concilia plebis. Nestes concílios, votam-se os plebiscitos. Os comícios tributos (comitia tributa) são assembléias do povo, cuja unidade de voto é a tribo.” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 32). Nesses comícios populares, o populus romanus exercia funções legislativas e judiciárias (Comícios Centuriatos); eram responsáveis pelos testamentos e pelas ad- rogações (Comícios Curiatos); e exerciam funções eletivas e legislativas (Comícios Tributos e Conselhos da Plebe). 37 História do Direito 3.2.3 FONTES DO DIREITO As fontes do direito na fase da República são cinco: os costumes, as leis escritas, o senatusconsultos, a jurisprudência e os editos dos magistrados. Em se tratando de um povo conservador, os costumes continuam desempenhando um papel importante como fonte do direito em Roma. Para César Fiúza, um costume só será fonte de Direito, só será verdadeiramente costume se nele estiverem presentes o uso (repetição constante de uma prática) e a opinio necessitatis (convicção de que aquele uso tem força de norma jurídica). (FIUZA, 2007, p. 49). Para José Cretella Júnior, a autoridade de um costume resulta de um acordo tácito entre os componentes da cidade. Para esse autor, costume pode ser entendido como o “uso repetido e prolongado de norma jurídica tradicional, jamais proclamada solenemente pelo Poder Legislativo” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 28). Pela incerteza oriunda de um ordenamento baseado em costumes, a plebe luta por uma lei escrita, pública, conhecida e que possa ser invocada contra qualquer um. Havia duas espécies de leis escritas, as leges rogatae e as leges datae. As primeiras eram propostas por iniciativa de um magistrado, votadas pelo povo e homologadas pelo Senado. Já as leges datae eram medidas unilaterais tomadas diretamente pelos cônsules, em nome do povo, sem votação e nem homologação do Senado. Das leis escritas, fundamental mencionar sobre a Lei das XII Tábuas, considerada até mesmo como sendo fonte de todo o direito privado. Elas “foram escritas em meio a uma evolução social; foram os patrícios que as fizeram, mas a pedido e para uso da plebe” (COULANGES, 2007, p. 334). Esse pedido foi feito através de protestos e revoltas populares. Diante do caráter tipicamente romano da Lei das XII Tábuas, ocorreu imediata aceitação e, assim que publicadas, passaram a regular as relações do povo de Roma.Há autores que afirmam de modo diferente, que essa Lei teria sido fruto de compilação dos costumes da época. 38 História do Direito O senatusconsultos era a consulta que o Senado fazia após convocação por um magistrado. Era “uma espécie de parecer senatorial” (FIUZA, 2007, p. 51). Não tinha força de lei. A jurisprudência, que também pode ser chamada de interpretação dos prudentes, seria como se fosse nossa atual doutrina jurídica, contendo interpretações e adaptações à lei. Como a lei na época tinha muitas lacunas, de extrema importância o trabalho dos jurisprudentes, que eram “jurisconsultos encarregados de preencher as lacunas deixadas pelas leis” (CRETELLA JÚNIOR, 2007, p. 34). Os editos dos magistrados tinham grande relevância na fase da república. Eram um conjunto de cláusulas, que funcionavam como normas, expondo a plataforma que seria aplicada para os casos que fossem apresentados. Eram divulgados assim que os magistrados assumiam o cargo. 3.3 O DIREITO ROMANO NO ALTO IMPÉRIO (27 a.C. A 284 d.C.) Segundo Cretella Junior “chama-se alto império (27 a.C. a 284 d.C.) ou principado (de princeps) o período histórico que vai do reinado de Augusto até a morte de Diocleciano” (2007, p. 38). Nessa fase ocorreram revoltas de escravos e vários conflitos entre as classes sociais. Esses acontecimentos levaram a uma alteração política em Roma. Dentre os acontecimentos importantes, destaca-se a reforma no início da fase que deu poder aos generais de livremente recrutarem soldados, que se tornaram fiéis à eles, e não a Roma. Diante disso Silas, com o apoio de suas tropas, tornou-se ditador, em 82 a.C, permanecendo até 79 a.C. Em 66 a.C., formou-se, com a associação política entre Júlio César, Pompeu e Crasso, o primeiro triunvirato. Por volta de 43 a.C., “formou-se um segundo triunvirato, formado por Otávio (sobrinho e filho adotivo de Júlio César), Marco Antônio e Lépido”. (FIUZA, 2007, p. 55). Considera-se triunvirato uma associação política entre três 39 História do Direito homens
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