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Apostila Direito Administrativo

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PREPARATÓRIO PARA 
MAGISTRATURA E MINISTÉRIO 
PÚBLICO 
 
DIREITO ADMINISTRATIVO 
 
 
 
Professor: Gabriel Brum Teixeira 
 
 
2011-2 
 
 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 2 
 
SUMÁRIO 
 
DIREITO ADMINISTRATIVO ............................................................... 5 
1. BREVE INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 5 
2. CRITÉRIOS PARA DEFINIÇÃO (FORMAÇÃO) DO CONCEITO DO DIREITO 
ADMINISTRATIVO ................................................................................................................ 7 
3. CONCEITO E CONTEÚDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO ............................. 9 
4. NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO ADMINISTRATIVO .................................. 10 
5. RELAÇÕES DO DIREITO ADMINISTRATIVO COM OUTROS RAMOS 
JURÍDICOS (A INTERDISCIPLINARIDADE) .............................................................. 10 
6. FONTES ............................................................................................................................. 12 
7. CODIFICAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO ................................................ 15 
8. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO ........................................... 15 
9. SISTEMA ADMINISTRATIVO OU SISTEMA DE CONTROLE JURISDICIONAL 
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ..................................................................................... 15 
REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO ....................................................................... 23 
1. CONCEITO DE REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO ..................................... 23 
2. PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS ............................................................................. 24 
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ............................................................................................. 41 
ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA ............................................................................... 41 
1. ESTADO ............................................................................................................................. 41 
2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: CONCEITO E SENTIDOS ..................................... 42 
3. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNO ............................................................... 44 
4. ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA (CENTRALIZAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO 
E DESCONCENTRAÇÃO) ................................................................................................... 44 
5. ATIVIDADE ESTATAL – FORMAS DE DESEMPENHO (SERVIÇOS PÚBLICOS 
E EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE ECONÔMICA) ........................................................ 50 
6. OS PRINCIPAIS INTEGRANTES DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA ............... 51 
7. AGÊNCIAS EXECUTIVAS ............................................................................................. 72 
8. SETORES DA ECONOMIA NACIONAL .................................................................... 73 
9. TERCEIRO SETOR ......................................................................................................... 74 
10. CONTRATOS DE GESTÃO OU ACORDO-PROGRAMA ..................................... 79 
PODERES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA ................................................................. 80 
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 80 
2. PODER-DEVER ................................................................................................................ 80 
3. DEVERES (PODERES-DEVERES GENÉRICOS) DA ADMINISTRAÇÃO 
PÚBLICA ................................................................................................................................. 81 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 3 
 
4. PODERES (PODERES-DEVERES ESPECÍFICOS) DA ADMINISTRAÇÃO 
PÚBLICA ................................................................................................................................. 82 
ATOS ADMINISTRATIVOS ............................................................................................... 90 
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 90 
2. CONCEITO ........................................................................................................................ 91 
3. REQUISITOS (ELEMENTOS, PRESSUPOSTOS OU CONDIÇÕES DE 
VALIDADE) DOS ATOS ADMINISTRATIVOS ............................................................. 92 
4. ATRIBUTOS (OU CARACTERÍSTICAS) DO ATO ADMINISTRATIVO ............ 95 
5. CLASSIFICAÇÃO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS ............................................. 97 
6. NOÇÕES DE PERFEIÇÃO, VALIDADE, EFICÁCIA E EXEQUIBILIDADE .... 100 
7. ESPÉCIES DE ATOS ADMINISTRATIVOS............................................................ 101 
8. INVALIDAÇÃO OU DESFAZIMENTO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS ...... 104 
9. CONVALIDAÇÃO DE ATOS ADMINISTRATIVOS ............................................... 106 
SERVIDORES PÚBLICOS ................................................................................................ 107 
1. CONCEITO – NOÇÕES INICIAIS ........................................................................... 107 
2. CLASSIFICAÇÃO .......................................................................................................... 108 
3. ESTUDO DO REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS .. 112 
4. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA ................................................................................. 115 
5. ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA ....................................................................... 115 
6. NORMAS CONSTITUCIONAIS SOBRE O REGIME JURÍDICO DOS 
SERVIDORES PÚBLICO .................................................................................................. 116 
SERVIÇO PÚBLICO ........................................................................................................... 134 
1. FORMAÇÃO DO CONCEITO...................................................................................... 134 
2. PRINCÍPIOS DO SERVIÇO PÚBLICO .................................................................... 137 
3. ROL BÁSICO DE SERVIÇOS PÚBLICOS SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO DA 
REPÚBLICA REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS PARA A SUA PRESTAÇÃO .. 141 
4. CLASSIFICAÇÃO .......................................................................................................... 143 
5. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO ............................................................................... 145 
6. PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO – DELEGAÇÃO E OUTORGA ............ 146 
7. FORMAS DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO .......................................... 147 
8. MEIOS DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO .............................................. 148 
9. MODALIDADES DE DELEGAÇÃO ........................................................................... 148 
10. PERMISSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO .................................................................. 150 
11. AUTORIZAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO............................................................. 152 
12. CONVÊNIO ADMINISTRATIVO ............................................................................. 153 
13. ORGANIZAÇÕES SOCIAIS..................................................................................... 154 
14. OSCIP – ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO
................................................................................................................................................. 155 
15. PPP – PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA ................................................................ 156 
RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ................................................................ 157 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/Sandro de Abreu 4 
 
1. INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 157 
2. EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ............................ 158 
3. ANÁLISE DA REGRA INSCRITA NO ARTIGO 37, §6° DA CONSTITUIÇÃO 
FEDERAL .............................................................................................................................. 161 
4. PRESSUPOSTOS PARA RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA DO ESTADO . 164 
5. CAUSAS ATENUANTES E EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO 
ESTADO ................................................................................................................................ 168 
6. RESPONSABILIDADE CIVIL POR CONDUTAS OMISSIVAS .......................... 170 
7. RESPONSABILIDADE POR ATOS LEGISLATIVOS ............................................ 173 
8. RESPONSABILIDADE POR ATOS JUDICIAIS .................................................... 173 
9. REPARAÇÃO DO DANO ............................................................................................. 175 
10. A AÇÃO DE REGRESSO .......................................................................................... 180 
11. JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE DO STF E DO STJ .............................. 181 
CONTROLE ADMINISTRATIVO ..................................................................................... 187 
1. INTRODUÇÃO: ESTADO DE DIREITO E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO 
PÚBLICA ............................................................................................................................... 187 
2. CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL .............. 188 
BIBLIOGRAFIA ESPECÍFICA INDICADA ................................................................... 217 
BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................... 217 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 5 
 
 
PONTO 1 
DIREITO ADMINISTRATIVO 
Este capítulo foi originalmente elaborado pelo Prof. Frederico 
Telho. As atualizações seguintes foram realizadas pelos Profs. 
Frederico Telho e Sandro de Abreu. 
 
1. BREVE INTRODUÇÃO 
 
 
1.1. Evolução Histórica (Origem) do Direito 
Administrativo 
 
Muito embora a doutrina majoritária reconheça o surgimento do 
Direito Administrativo a partir do nascimento do Estado de Direito 
(período pós-revoluções burguesas), há quem constate a existência de 
normas administrativas ainda na Idade Média, mesmo que ainda não 
integrassem um ramo próprio e ainda se enquadrassem no direito civil. 
Com o fim da Idade Média, no período das monarquias absolutistas, 
as normas administrativas pouco evoluíram, já que os monarcas eram 
autoridades soberanas (representantes dos homens e de Deus) e, por 
isso, não se submetiam ao império das leis. Nesse período, inclusive, 
vigorou a Teoria da Irresponsabilidade do Estado, baseada nos postulados 
de que the king can do no wrong e le roi ne peut mal faire. 
Até então, o absolutismo reinante e o enfeixamento de todos os 
poderes governamentais nas mãos do soberano não permitiam o 
desenvolvimento de quaisquer teorias que visassem reconhecer direitos 
aos súditos. Vivia-se o domínio da vontade onipotente do monarca, 
cristalizada na máxima romana quod principi placuit legis habet vigorem 
e, subseqüentemente, na expressão egocentrista de Luiz XIV, para quem 
L’État c’est moi. 
É induvidoso, portanto, que o impulso decisivo para a formação do 
Direito Administrativo foi dado pela Teoria da Separação dos Poderes, 
desenvolvida por Montesquieu (L’Esprit des Lois, 1748) e acolhida 
universalmente por todos os países constituídos como Estado de Direito. 
Na França, após a Revolução (1789), foram tripartidas as funções 
do Estado em: executiva, legislativa e judicial. Nesse contexto, verificou-
se a especialização das atividades do governo e a independência dos 
órgãos incumbidos de realizá-las. Surgiu, portanto, a necessidade de 
julgamento dos atos da administração, o que, inicialmente, ficou a cargo 
do Parlamento, mas, posteriormente, foi reconhecida a conveniência de se 
desligar as atribuições políticas (do Parlamento) das judiciais. 
Ainda, em um estágio mais avançado, foram criados, a par dos 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 6 
 
tribunais judiciais, os tribunais administrativos. Surgiu, assim, a jurisdição 
administrativa (ou justiça administrativa) e, como corolário lógico, foi-se 
estruturando um conjunto de normas autônomas de Direito, que 
especificamente regulavam a Administração Pública e suas relações, 
inclusive com terceiros (administrados, particulares e/ou cidadãos). 
É preciso notar, entretanto, que o Direito Administrativo não se 
desenvolveu da mesma forma em todos os países. O contexto 
sóciopolítico-administrativo de cada Estado impôs, caso a caso, uma 
evolução peculiar. “A disciplina experimentou maior avanço nos Estados 
mais atuantes, aqueles que não se limitavam simplesmente à manutenção 
da ordem pública, desenvolvendo suas atividades nos mais diversos 
setores, como saúde, educação, cultura e previdência social e, até 
mesmo, atuando no domínio econômico. Desta maneira, é imperioso 
distinguir o direito administrativo aplicado no chamado Estado de Polícia, 
do Estado do Bem-estar e do Estado Providência, vez que cada um destes 
apresenta níveis diversos de interferência estatal nas relações com seus 
cidadãos.” (Romeu Felipe Bacellar Filho). 
 
1.2. O Direito Administrativo no Brasil 
 
O Direito Administrativo no Brasil não se atrasou, cronologicamente, 
em relação às demais nações. Em 1851, foi criada essa cadeira (Dec. 608, 
de 16.8.1851) nos cursos jurídicos existentes e, já em 1857, era editada 
a primeira obra sistematizada sobre o tema (Elementos de Direito 
Administrativo Brasileiro, de Vicente Pereira do Rego, que, à época, era 
professor da Academia de Direito do Recife na América Latina1). 
Durante o Império, sucederam àquela obra os seguintes livros: (a) 
Veiga Cabral, Direito Administrativo Brasileiro, Rio, 1859; (b) Visconde do 
Uruguai, Ensaio sobre o Direito Administrativo Brasileiro, 2 vols., Rio, 
1862; (c) A. J. Ribas, Direito Administrativo Brasileiro, Rio, 1866; (d) 
Rúbio de Oliveira, Epítome do Direito Administrativo Pátrio, São Paulo, 
1884. 
Com a República, os estudos sistematizados de Direito 
Administrativo continuaram a evoluir, já, agora, sob a influência do Direito 
Público Norte-Americano, que, inclusive, inspirou o modelo de federação 
adotado no Brasil. 
De lá para cá, inúmeras obras foram editadas, o que indica que a 
curva da evolução histórica do Direito Administrativo no Brasil foi 
extremamente profícua e se apresenta promissora. São contínuos e 
substanciosos os estudos sobre o tema, o que confirma a previsão de 
Goodnow, para quem “os grandes problemas de Direito Público Moderno 
são de caráter quase exclusivamente administrativo”. 
 
 
 
1 TÁCITO, Caio. O primeiro livro sobre Direito Administrativo na América Latina. RDA 27/428. 
 Direito Administrativo 
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2. CRITÉRIOS PARA DEFINIÇÃO (FORMAÇÃO) DO 
CONCEITO DO DIREITO ADMINISTRATIVO 
 
 Dentre os diversos critérios utilizados na definição do Direito 
Administrativo, chamamos a atenção para os seguintes: 
 
a) CRITÉRIO (OU ESCOLA) POSITIVISTA, LEGALISTA, EXEGÉTICA, 
EMPÍRICA, CAÓTICA OU FRANCESA: o Direito Administrativo é 
simplesmente o estudo das normas que regem a Administração Pública. 
CRÍTICA: o Direito não se esgota pelo estudo das “leis”; 
 
b) CRITÉRIO (OU ESCOLA) DO PODER EXECUTIVO (pensamento de 
autores italianos, como Raggi,Posada de Herrera e Ranelleti): o Direito 
Administrativo é o estudo dos atos do Poder Executivo. 
CRÍTICA: existem atos administrativos que provêm dos Poderes 
Legislativo e Judiciário; 
 
c) CRITÉRIO TELEOLÓGICO (pensamento do italiano Vittorio Emanuelle 
Orlando): o Direito Administrativo seria um sistema harmônico de normas 
e princípios jurídicos que regulam a atividade do Estado, no intuito de 
viabilizar o alcance dos seus fins. No Brasil, este critério é defendido por 
Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, para quem o Direito Administrativo é 
“o ordenamento jurídico da atividade do Estado-poder, enquanto tal, ou 
de quem faça as suas vezes, de criação de utilidade pública, de maneira 
direta e imediata”. 
CRÍTICA: outras disciplinas de direito público também seriam abrangidas 
por este critério; 
 
d) CRITÉRIO NEGATIVO OU RESIDUAL (adotado por Tito Prates da 
Fonseca): o conceito do Direito Administrativo é subsidiário, ou seja, é o 
estudo de todas as atividades estatais, salvo aquelas que envolvam o 
direito privado (patrimonial), a atividade legislativa e a atividade 
jurisdicional; 
 
e) CRITÉRIO DA DISTINÇÃO ENTRE ATIVIDADE JURÍDICA E SOCIAL DO 
ESTADO: distingue a atividade jurídica não contenciosa exercida pelo 
Estado e a atividade social por ele exercida supletivamente. Mário 
Masagão e José Cretella Júnior adotam este critério e, por isso, 
conceituam o Direito Administrativo, em sentido objetivo, como o 
conjunto de princípios que regulam a atividade jurídica não contenciosa 
do Estado e, em sentido subjetivo, como aquele que regula a constituição 
dos seus órgãos e respectivos meios de ação; 
 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 8 
 
f) CRITÉRIO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS (defendido pelo francês 
Laferrière): o Direito Administrativo é o estudo das relações travadas 
entre a Administração e os administrados (cidadãos e/ou particulares). 
CRÍTICA: em outras disciplinas também há relações entre Administração e 
administrados, como no Direito Tributário; 
 
g) CRITÉRIO DA HIERARQUIA (criado por René Foignet): o Direito 
Administrativo é o estudo da atuação dos órgãos inferiores do Estado, 
enquanto o Direito Constitucional estuda a atuação dos órgãos superiores. 
CRÍTICA: tanto o Direito Administrativo quanto o Constitucional estudam 
o Estado, independentemente da hierarquia de seus órgãos. O diferencial 
reside, respectivamente, no fato de que aquele cuida da dinâmica do 
Estado (o seu aparelhamento) e este se dedica a sua estrutura; 
 
h) CRITÉRIO (OU ESCOLA) DO SERVIÇO PÚBLICO: o Direito 
Administrativo é o estudo das atividades estatais (disciplina, organização 
e regência) da prestação de serviços públicos. 
CRÍTICA: limita, injustificadamente, o objeto de estudo do Direito 
Administrativo; 
 
i) CRITÉRIO PERSONATIVO: o Direito Administrativo é o estudo das 
pessoas jurídicas públicas (ou de direito público). 
CRÍTICA: incorre no equívoco da generalidade. As empresas públicas e as 
sociedades de economia mista têm personalidade jurídica de direito 
privado e são também estudadas pelo Direito Administrativo; 
 
j) CRITÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: vários autores adotam este 
critério, inclusive Hely Lopes Meirelles. Segundo este critério, leva-se em 
consideração, na conceituação do Direito Administrativo, a Administração 
Pública no seu sentido objetivo, subjetivo e formal; 
 
OBSERVAÇÃO: O professor Toshio Mukai apresenta as seguintes divisões 
doutrinárias acerca dos conceitos de Direito Administrativo: 
a) corrente dualista: o Direito Administrativo seria aplicado a uma parte 
restrita da atuação estatal, sendo a outra remanescente regida pelo 
direito privado; 
b) corrente intermediária: todo o direito aplicável à Administração deve 
ser denominado de Direito Administrativo, sendo ele de natureza pública 
ou privada; 
c) corrente unitária: existe um só direito aplicável à Administração, o 
Direito Administrativo. Rejeita-se a idéia de aplicação do direito privado às 
atividades do Estado. 
Toshio Mukai adota esta última corrente (unitária) e afirma que “o Estado 
poderá realizar muitas atividades similares à dos particulares, [...] mas 
jamais poderá identificar sua vontade ou processo aos de um sujeito 
privado e menos ainda atuar com fins privados”. 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 9 
 
3. CONCEITO E CONTEÚDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO 
 
3.1. Conceito 
 
O conceito e o conteúdo do Direito Administrativo variam conforme 
o critério teórico adotado pelo doutrinador/intérprete (conferir item “2”, 
acima). 
O Direito Administrativo brasileiro, em síntese, pode ser entendido 
como o conjunto de normas, especialmente princípios jurídicos, que 
regem a atividade administrativa, as entidades e órgãos da Administração 
Pública, bem como os agentes públicos, tudo com a finalidade cogente de 
satisfação das necessidades coletivas (interesse público). 
Apóia-se, portanto, no modelo denominado “europeu-continental”, 
originário do direito francês e adotado pela Itália, Espanha, Portugal, 
dentre outros países europeus. É também chamado de “direito 
administrativo descritivo”, que se opõe ao modelo “anglo-americano” (ou 
anglo-saxão), porque tem por objeto a descrição e delimitação dos órgãos 
e serviços públicos, sendo derrogatório do direito privado (o modelo 
inglês, por seu turno, se fundamenta na atuação administrativa, sem 
derrogação do direito privado, integrando a própria Ciência da 
Administração). 
 
3.2. Conteúdo (ou Objeto) 
 
Ao Direito Administrativo compete o estudo da atividade ou função 
administrativa exercida direta ou indiretamente, sua estrutura, seus bens, 
seu pessoal e sua finalidade. O seu estudo recai sobre os atos/contratos 
administrativos editados pelo Poder Executivo, bem como pelos Poderes 
Legislativo e Judiciário. 
A despeito da enorme controvérsia na doutrina, pode-se afirmar 
que, por função administrativa, entende-se o dever do Estado de atender 
o interesse público, com a satisfação do comando decorrente dos atos 
normativos. O cumprimento do dever legal, como se verá, poderá 
decorrer da função exercida por pessoa jurídica de direito público ou 
mesmo de direito privado (no caso da atividade descentralizada). O que 
não se discute, no caso, é a absoluta submissão da Administração Pública 
à lei (em sentido amplo), que sempre lhe impõe a conduta esperada. Ante 
tal submissão, os poderes instrumentais da Administração Pública hão de 
ser entendidos como deveres (daí a idéia de poder-dever ou dever-
poder). 
 
O estudo da Administração Pública, em face do conceito proposto, é, 
substancialmente, o objeto (conteúdo) do Direito Administrativo. 
 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 10 
 
4. NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO ADMINISTRATIVO 
 
O Direito Administrativo integra o ramo do direito público, pois em 
suas relações há sempre a presença, seja direta ou indireta, do Estado, 
que exerce suas atividades sob um regime de prerrogativas e sujeições, 
observados os limites impostos pelo manto protetor dos direitos 
fundamentais. 
As normas de Direito Administrativo são, portanto, 
predominantemente, de Direito Público (incidem, também, mesmo que 
em menor proporção, normas de Direito Privado nas relações regidas pelo 
Direito Administrativo). 
 
5. RELAÇÕES DO DIREITO ADMINISTRATIVO COM OUTROS 
RAMOS JURÍDICOS (A INTERDISCIPLINARIDADE) 
 
O estudo do Direito não mais comporta a análise isolada e estanque 
de um ramo jurídico. Na verdade, o Direito é um só. As relações jurídicas 
é que podem ter naturezas diferentes. Assim, mesmo que de forma 
sucinta, é cabível indicar alguns pontos comuns em que o Direito 
Administrativo se tangencia com outras disciplinas jurídicas. 
No entanto, antes de se adentrar no exame da interdisciplinaridade,vale a pena relembrar um assunto sempre comentado. Trata-se da antiga 
e dicotômica classificação romana, que admitia bipartir o Direito em dois 
grandes (e intocáveis) ramos jurídicos: (a) o Direito Público; e (b) o 
Direito Privado. 
Esta classificação, atualmente, encontra-se superada, tal como 
registram praticamente todos os estudiosos do assunto. É quase pacífico o 
raciocínio de que todo ramo jurídico contém, de algum modo, normas de 
ambos os campos (ou seja, normas de Direito Público e de Direito 
Privado). Nenhuma disciplina, portanto, se afigura inflexível quanto à 
natureza das normas que a integram. Se tal fundamento é verdadeiro, 
não menos o é o fundamento de que, em cada ramo do Direito, 
predominam as normas de Direito Público ou de Direito Privado, umas 
sobre as outras. O que não se admite é a idéia de que, em determinado 
ramo jurídico, as normas sejam exclusivamente de Direito Público ou de 
Direito Privado, sem qualquer interligação entre elas. 
Assim, pode-se afirmar, com certeza, que o Direito 
Administrativo se insere no ramo do Direito Público, tal como ocorre 
com o Direito Constitucional, o Direito Penal, o Direito Processual, o 
Direito Eleitoral, entre outros (isso não quer dizer, repita-se, que não haja 
normas de Direito Privado incidentes nas relações regidas pelo Direito 
Administrativo – a dicotomia absoluta não mais se sustenta). 
De outro turno, no campo do Direito Privado, ficam, em última 
instância, o Direito Civil e o Direito Comercial (ou Empresarial). Mais uma 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 11 
 
vez, nesse particular, vale anotar que há normas tipicamente de Direito 
Público incidentes nas relações regidas pelo Direito Civil e Comercial. 
Agora, fechando esse grande parêntese e retornando-se a 
interdisciplinaridade, pode-se afirmar que a relação de maior intimidade 
do Direito Administrativo é com o Direito Constitucional. E não poderia 
ser de outra maneira. É o Direito Constitucional que alinha as bases e os 
parâmetros do Direito Administrativo que, na verdade, revela-se como o 
lado dinâmico daquele. Na Constituição da República estão esculpidos os 
princípios da Administração Pública (art. 37), a matriz das normas sobre 
servidores públicos (arts. 39/41), além das competências atribuídas ao 
Poder Executivo (arts. 84/85). São mencionados, ainda, na Lei Maior, os 
institutos da desapropriação (arts. 5º, XXIV; 182, § 4º, III; 184 e 243), 
das concessões e permissões de serviços públicos (art. 175), dos 
contratos administrativos e licitações (arts. 37, XXI e 22, XXVII), da 
responsabilidade extracontratual do Estado (art. 37, § 6º), entre outros. 
O Direito Administrativo ainda se toca no Direito Processual, 
especialmente pela circunstância de que, em ambos os ramos, a figura do 
“processo” aparece. Apesar das peculiaridades no tratamento do assunto 
em um e noutro ramo do Direito (princípios próprios, procedimentos 
diferenciados, etc.), é certo que existem inevitáveis pontos de ligação 
entre as figuras do processo (ou procedimento) administrativo e do 
processo judicial. Apenas como exemplo, vale lembrar que o direito ao 
contraditório, à ampla defesa e à duração razoável do processo incide 
tanto em uma como noutra categoria (art. 5º, LV e LXXVIII da CF). Ainda, 
especificamente quanto ao processo administrativo de natureza 
disciplinar, são aplicáveis alguns postulados e normas do processo penal. 
Já no que diz respeito ao processo civil, é importante lembrar que, em 
suas normas, existem previsões de prerrogativas processuais aplicáveis à 
Administração Pública, quando em juízo (arts 188 e 475 do CPC). 
A relação com o Direito Penal se consuma por meio de vários elos 
de ligação. Um deles é a previsão, no Código Penal, dos crimes contra a 
Administração Pública (arts. 312/326) e a definição dos sujeitos passivos 
desses delitos (art. 327, caput e § 1º). A interseção se dá, também, no 
caso das normas penais em branco, aquelas cujo conteúdo pode se 
completar pelas normas de Direito Administrativo. 
Ainda, com relação ao Direito Tributário, há matérias conexas e 
relacionadas. Uma delas é a que outorga ao Poder Público o exercício do 
Poder de Polícia, atividade tipicamente administrativa, que é remunerada 
por taxas (arts. 145, II da CF; e arts. 77/78 do CTN). De outro ângulo, 
tem-se que as normas de arrecadação tributária se inserem dentro do 
contexto do Direito Administrativo. 
O Direito do Trabalho é outra disciplina que apresenta alguns 
pontos de contato com o Direito Administrativo. É inegável que as normas 
que regulam a função fiscalizadora das relações de trabalho estão 
integradas no Direito Administrativo. Ainda, é de se reconhecer que ao 
Estado-Administração é permitido o recrutamento de servidores pelo 
 Direito Administrativo 
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regime trabalhista, aplicando-se, preponderantemente, a essa relação 
jurídica as normas da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (com a EC 
19/98, houve a queda do regime jurídico único dos servidores públicos). 
Há, também, relações entre o Direito Administrativo e o Direito 
Civil e Comercial (ou Empresarial). Diga-se, aliás, que são intensas 
essas relações. A guisa de exemplo, vale anotar que a teoria civilista dos 
atos e negócios jurídicos e a teoria geral dos contratos se aplicam 
supletivamente aos atos e contratos administrativos (vide, por exemplo, o 
art. 54 da Lei nº 8.666/93). Em outra vertente, pode-se destacar que é 
lícito ao Estado criar empresas públicas e sociedades de economia mista 
para a exploração de atividade econômica (art. 173, § 1º da CF), cujos 
atos constitutivos serão regidos por normas de Direito Comercial. 
 Por derradeiro, é de se atentar para as relações que alguns novos 
ramos jurídicos mantêm com o Direito Administrativo. Como exemplo, 
cita-se o Direito Urbanístico, que, objetivando o estudo, a pesquisa e as 
ações de política urbana, contém normas tipicamente de Direito 
Administrativo. Poderia até mesmo dizer-se, sem receio de errar, que se 
trata de verdadeiro subsistema do Direito Administrativo (muito embora, 
para maioria da Doutrina, o Direito Urbanístico é ramo autônomo). O 
Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) dispõe sobre vários instrumentos 
típicos do Direito Administrativo, como as licenças, as obrigações 
urbanísticas, o estudo prévio de impacto de vizinhança, a desapropriação, 
etc. 
 
6. FONTES 
 
Não há entendimento pacífico, na doutrina, quanto às fontes do 
Direito Administrativo. Basicamente, diz-se que a principal fonte é a lei, 
entendida como norma escrita superior em relação às demais fontes, de 
caráter impessoal, o que engloba todos os atos normativos, com 
abrangência ampla, desde as normas constitucionais até as 
instruções/circulares e demais atos decorrentes do poder normativo 
estatal. 
Outras fontes, ao lado da lei, inspiram o Direito Administrativo, a 
saber: a jurisprudência, a doutrina, os princípios gerais do direito, o 
costume e a doutrina. 
 
 
 
6.1. A Lei 
 
É a regra escrita, geral, abstrata e impessoal, que tem por conteúdo 
um direito objetivo, no seu sentido material, e, no sentido formal, é 
 Direito Administrativo 
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considerada como todo e qualquer ato/disposição emanado do Poder 
Legislativo. 
De acordo com sua destinação, recebe o nome de lei constitucional, 
lei administrativa, lei civil, lei penal, lei processual, lei tributária, lei 
comercial, etc. O seu conteúdo é que lhe emprestará a natureza de norma 
de ordem pública ou de ordem privada (lex privata), o que não quer dizer 
que toda norma de ordem pública será de Direito Público. Tanto é assim 
que as normas aplicáveis ao casamento e sua dissolução, a despeito de 
tangenciarem o Direito Civil (ramo do Direito Privado),possuem o 
conteúdo de normas de ordem pública. 
A lei, como norma jurídica, deve ser entendida, em seu sentido 
material, como todo ato normativo imposto coativamente pelo Estado aos 
particulares, com a finalidade de regular as relações entre eles e, ainda, 
entre os próprios cidadãos/administrados. 
A lei, em acepção ampla, é fonte primária do Direito Administrativo 
e, assim, abrange todos os atos normativos resultantes do poder 
legiferante e do poder normativo estatal: lei constitucional (superior a 
todas); lei complementar; lei ordinária; lei delegada; medida provisória; 
decreto legislativo; resolução do Senado; decreto de execução; decreto 
autônomo; decreto autorizado/delegado; instrução ministerial; 
regulamento; regimento; circular; portaria; ordem de serviço, etc.. 
 
6.2. A Jurisprudência 
 
A jurisprudência é formada pelas decisões reiteradas sobre um 
mesmo assunto, em um mesmo sentido. As decisões isoladas dos 
tribunais são computadas como simples precedentes e não se equivalem à 
amplitude conceitual da jurisprudência. 
Para alguns doutrinadores, a jurisprudência não é fonte do Direito, 
mas mero indicativo de valor moral. Todavia, parece-nos acertado indicá-
la como fonte, posto que é marcante sua influência no delineamento de 
diversos institutos (especialmente de Direito Administrativo), tais como a 
responsabilidade civil do Estado, a intervenção do Estado na propriedade 
privada, os casos de apuração de ilícitos funcionais e, ainda, a dosimetria 
da sanção disciplinar. 
Atualmente, ante o advento da súmula vinculante (EC 45), a 
jurisprudência ganhou ainda mais contorno e força como fonte do Direito 
e, por assim ser, fonte do próprio Direito Administrativo. 
Todavia, cumpre ressaltar que, a despeito do que estabelece o 
artigo 103-A da CF/88 (após a EC nº 45/2004)2 e o artigo 28 da Lei nº 
 
2 Art. 103-A da CF/88: “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante 
decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, 
aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação 
aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, 
estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em 
lei.” 
 Direito Administrativo 
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9.868/993, não vige no nosso ordenamento jurídico o princípio norte-
americano do stare decises, segundo o qual a decisão de um órgão 
jurisdicional (não necessariamente da Suprema Corte) vincula as 
instâncias inferiores, para os casos idênticos. 
 
6.3. Os Princípios Gerais do Direito 
 
Os princípios gerais do direito são os postulados que dirigem toda a 
legislação e, por isso, apresentam-se como fonte do Direito 
Administrativo. Os princípios aplicáveis à Administração Pública, estejam 
previstos expressa ou implicitamente na Constituição, bem como aqueles 
que estejam estabelecidos em outros atos normativos, têm a natureza de 
princípios gerais do direito e são de observância obrigatória. 
 
6.4. O Costume 
 
Sempre que há deficiência legislativa no disciplinamento da 
Administração Pública objetiva (lacuna), é possível utilizar-se do costume 
como fonte do Direito Administrativo. Nesse sentido, a praxe burocrática 
serviria como parâmetro informativo ao Direito Administrativo, desde que 
não se mostre contrária à lei e à moral. Vale lembrar, ainda, por 
oportuno, que o costume exige a prática reiterada, uniforme, contínua e 
de acordo com a moralidade administrativa, para que, então, seja ele 
considerado fonte do Direito Administrativo. 
Hodiernamente, sua presença é objeto de muitos questionamentos, 
tendo em vista a evolução normativa experimentada com (e após) a 
Constituição da República de 1988. 
 
6.5. A Doutrina 
 
Segundo o magistério de Hely Lopes Meirelles, “a doutrina é 
elemento construtivo da Ciência Jurídica”, com reflexo direto na 
elaboração das leis, nas decisões proferidas pelo Poder Judiciário, na 
solução de conflitos e no âmbito da própria Administração Pública. É o que 
se costuma chamar de opinio iures doctorum, em alusão à percepção que 
se tem dos diversos ramos do saber jurídico, por parte dos estudiosos do 
direito. 
 
 
3 Art. 28, parágrafo único da Lei nº 9868/99: “A declaração de constitucionalidade ou de 
inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de 
inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação 
aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.” 
Lembre-se que o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do parágrafo único do 
artigo 28 da Lei 9868/99, por ocasião do julgamento da RCL nº 1880/SP (Informativo nº 289). 
 Direito Administrativo 
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7. CODIFICAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO 
 
 O Direito Administrativo não é um direito codificado, como é o 
Direito Civil, Penal, Processual, etc.. Na verdade, há uma infinidade de leis 
esparsas que definem, hoje, seus contornos dogmáticos, tais como a Lei 
de Licitações e Contratos Administrativos, Lei de Processo Administrativo, 
Estatutos de Servidores, etc. (isso, sem se falar, nas inúmeras normas 
administrativas sediadas, originariamente, na Constituição Federal). 
 Atualmente, há quem defenda a não codificação do Direito 
Administrativo, como há os que defendem a sua codificação parcial e 
outros que defendem a codificação total. Um exemplo de codificação do 
Direito Administrativo é encontrado no Código Administrativo de Portugal. 
 
8. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO 
 
Para a adequada interpretação do Direito Administrativo não se 
pode olvidar de seu aspecto constitucional. As decisões em matéria 
administrativa devem passar pelo filtro constitucional, por meio do 
processo denominado de filtragem constitucional. Com isso, impõe-se o 
respeito às regras e princípios, tanto expressos quanto implícitos, 
previstos na Constituição da República. 
De outro turno, como decorrência do regime jurídico-administrativo, 
o intérprete, ao lidar com o Direito Administrativo, deverá ainda se 
atentar para quatros fatores: 
a) a desigualdade jurídica entre o administrador e o cidadão: a 
administração goza de privilégios (ou prerrogativas) decorrentes do 
princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, o que gera 
relações preponderantemente verticais; 
b) a indisponibilidade do interesse público; 
c) a discricionariedade; 
d) a presunção de legitimidade dos atos da Administração Pública (art. 19, 
II da CF/88); 
OBSERVAÇÃO: a analogia é admitida no Direito Administrativo (o 
encaixe de situações semelhantes). Já a interpretação extensiva não é 
admitida, uma vez que envolve a criação de norma administrativa nova. 
 
9. SISTEMA ADMINISTRATIVO OU SISTEMA DE CONTROLE 
JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 
 
Por sistema administrativo (ou sistema de controle jurisdicional da 
Administração Pública, como se diz modernamente), entende-se o regime 
adotado pelo Estado para a correção (verificação/controle) dos 
atos/contratos administrativos supostamente ilegais/ilegítimos praticados 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 16 
 
pelo Poder Público, por quaisquer de seus “departamentos” de governo. 
 Vigem, presentemente, dois sistemas bem diferençados: (a) o 
sistema do contencioso administrativo ou de jurisdição administrativa, 
jurisdição dupla ou dúplice, também chamado de sistema francês; (b) e o 
sistema judiciário ou de jurisdição única ou comum, conhecidotambém 
por sistema inglês. 
Não se admite a existência do chamado sistema misto. Esta 
nomenclatura, muito além de imprópria, não serve para definir um 
sistema administrativo em si (autônomo). Na verdade, como bem pondera 
Miguel de Seabra Fagundes, hoje em dia, “nenhum país aplica um sistema 
de controle puro, seja através do Poder Judiciário, seja através de 
tribunais administrativos”4. O que caracteriza o sistema administrativo é a 
predominância da jurisdição comum ou da jurisdição especial, e não a 
exclusividade de uma ou de outra. Na prática, como visto, todos os 
sistemas seriam mistos, o que desnatura esta equivocada classificação. 
 
9.1. Sistema do Contencioso Administrativo (ou Sistema 
Francês) 
 
O sistema do contencioso administrativo foi originariamente adotado 
na França, de onde se propagou para outras nações. É resultante da 
acirrada luta que se travou entre a Monarquia e o Parlamento, que então 
exerciam funções jurisdicionais, e os Intendentes, que representavam as 
administrações locais. 
A Revolução (1789), imbuída de liberalismo e ciosa da 
independência dos Poderes, pregada por Montesquieu, encontrou 
ambiente propício para separar a “Justiça Comum” da “Justiça da 
Administração”. Com isso, atendeu-se não apenas ao desejo de seus 
doutrinadores, mas também aos anseios do povo, já descrente da 
ingerência judiciária nos negócios do Estado. Separaram-se os Poderes. E, 
ao extremar os rigores dessa separação, a Lei 16, de 24.08.1790, dispôs: 
“As funções judiciárias são distintas e permanecerão separadas das 
funções administrativas. Não poderão os juízes, sob pena de prevaricação, 
perturbar, de qualquer maneira, as atividades dos corpos 
administrativos”. 
A Constituição de 3.8.1791 consignou: “Os tribunais não podem 
invadir as funções administrativas ou mandar citar, para perante eles 
comparecerem, os administradores, por atos funcionais”. 
Firmou-se, assim, na França, o sistema do administrador-juiz, 
vedando-se à Justiça Comum conhecer de atos da Administração, os quais 
se sujeitam unicamente à jurisdição especial do contencioso 
administrativo, que gravita em torno da autoridade suprema do Conselho 
de Estado, pedra fundamental do sistema francês. Essa orientação, aliás, 
 
4 FAGUNDES, Miguel de Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, 1957, p. 
133, nota 1. 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 17 
 
foi conservada na reforma administrativa de 1953 e, mais tarde, mantida 
pela vigente Constituição francesa de 4.10.58. 
No sistema francês, todos os tribunais administrativos sujeitam-se, 
direta ou indiretamente, ao controle do Conselho de Estado, que funciona 
como juízo de apelação (juge d´appel), como juízo de cassação (juge de 
cassation) e, excepcionalmente, como juízo originário e único de 
determinados litígios administrativos (juge de premier et dernier 
ressorte), uam vez que dispõe de plena jurisdição em matéria 
administrativa. 
“Como no passado – explica Vedel, em face da reforma 
administrativa de 1953 -, o Conselho de Estado é, conforme o caso, juízo 
de primeira e última instâncias, corte de apelação ou corte de cassação. A 
esses títulos ele conhece ou pode conhecer de todo litígio 
administrativo”.5 
Na organização atual do contencioso administrativo francês, o 
Conselho de Estado, no ápice da pirâmide da jurisdição especial, revê o 
mérito das decisões, como corte de apelação dos Tribunais 
Administrativos (denominação atual dos antigos Conselhos de Prefeitura) 
e dos Conselhos do Contencioso Administrativo das Colônias. E, ainda, 
como instância de cassação, o Conselho de Estado controla a legalidade 
das decisões do Tribunal de Contas, do Conselho Superior da Educação 
Nacional e da Corte de Disciplina Orçamentária (Lei de 25/09/48). 
Embora caiba à jurisdição administrativa o julgamento do 
contencioso administrativo (“ensemble de litiges que peut faire naitre 
l´activité de l´Administration”), certas demandas de interesse da 
Administração ficam sujeitas à Justiça Comum, desde que se enquadrem 
numa destas quatro ordens: (a) litígios decorrentes de atividades públicas 
com caráter privado; (b) litígios que envolvam questões de estado e 
capacidade das pessoas; (c) litígios de repressão penal; (d) litígios que se 
refiram à propriedade privada. 
Como a delimitação da competência das “duas Justiças” está a 
cargo da jurisprudência, são freqüentes os conflitos de jurisdição, os quais 
são solucionados pelo Tribunal de Conflitos, integrado por dois ministros 
de Estado (Garde des Sceaux e Ministre de la Justice), por três 
conselheiros do Conselho de Estado e por três membros da Corte de 
Cassação. 
As atribuições do Conselho de Estado são, portanto, de ordem 
administrativa e contenciosa. O governo dele se serve na expedição de 
avisos e no pronunciamento sobre matéria de sua competência consultiva, 
além de que atua como órgão jurisdicional nos litígios em que é 
interessada a Administração ou seus agentes. 
A composição e funcionamento do Conselho de Estado são 
complexos, bastando recordar que, atualmente, é integrado por cerca de 
 
5 BONNARD, Roger. Le Contróle Jurisdictionnel de l´Administration, 1934, p. 152. 
 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 18 
 
duzentos membros, recrutados entre funcionários de carreira (indicados 
pela Escola Nacional de Administração), auditores, juristas e conselheiros. 
Suas atividades se distribuem entre duas seções (a administrativa e a 
contenciosa), subdividindo-se esta última (a contenciosa) em nove 
subseções. 
A jurisdição deste órgão supremo da Administração francesa é 
manifestada por meio de um desses quatro recursos: (a) contencioso de 
plena jurisdição (ou contencioso de mérito ou, ainda, contencioso de 
indenização), pelo qual o litigante pleiteia o restabelecimento de seus 
direitos feridos pela Administração; (b) contencioso de anulação, pelo qual 
se pleiteia a invalidação de atos administrativos ilegais, que são aqueles 
contrários à lei e/ou à moral ou, ainda, desviados de seus fins 
(détournement de pouvoir), que, por isso, é também chamado de recurso 
por excesso de poder (recours d´excés de pouvoir); (c) contencioso de 
interpretação, pelo qual se pleiteia a declaração do sentido do ato e de 
seus efeitos em relação ao litigante; (d) contencioso de repressão, pelo 
qual se obtém a condenação do infrator à pena administrativa prevista em 
lei, como nos casos de infração de trânsito ou de atentado ao domínio 
público. 
O sistema do contencioso administrativo francês, como se vê, é 
complicado na sua organização e atuação. Por isso mesmo, ele recebe 
adaptações e simplificações nos diversos países que o adotam, tais como 
a Suíça, a Finlândia, a Grécia, a Turquia, a lugoslávia, a Polônia e a antiga 
Tcheco-Eslováquia, embora sempre guarde, em linhas gerais, a estrutura 
francesa. 
Não abonamos a excelência desse regime. Entre outros 
inconvenientes sobressai o do estabelecimento de dois critérios de 
Justiça: um, a jurisdição administrativa; o outro, a jurisdição comum. 
Além disso, como bem observa Ranelletti, o Estado moderno, por ser 
Estado de Direito, deve reconhecer e garantir ao indivíduo e à 
Administração, por via da mesma Justiça, os seus direitos fundamentais, 
sem privilégios de uma jurisdição especial constituída por funcionários da 
própria Administração e sem as garantias de independência que se 
reconhecem necessárias à magistratura. 
Na França, o contencioso administrativo se explica pela instituição 
tradicional do Conselho de Estado, que integra o regime daquele país 
como uma peculiaridade indissociável de sua organização constitucional, 
mas não nos parece que, em outras nações, esse sistemapossa 
apresentar vantagens sobre o sistema judiciário (ou de jurisdição única). 
 
9.2. Sistema Judiciário (ou Sistema de Jurisdição 
Única/Sistema Inglês) 
 
O sistema judiciário (ou sistema de jurisdição única/sistema inglês 
ou, ainda, modernamente denominado de sistema de controle judicial) é 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 19 
 
aquele em que todos os litígios – de natureza administrativa ou de 
interesses exclusivamente privados – são resolvidos judicialmente pela 
Justiça Comum, ou seja, pelos juízes e tribunais do Poder Judiciário. Tal 
sistema é originário da Inglaterra, de onde se transplantou para os 
Estados Unidos da América do Norte, Bélgica, Romênia, México, Brasil, 
entre outros países. 
A evolução desse sistema está intimamente relacionada com as 
conquistas do povo contra os privilégios e desmandos da Corte inglesa. 
Primitivamente, o poder de administrar (no qual se inseria o poder 
de legislar), bem como o poder de julgar concentravam-se na Coroa. Com 
o tempo, o poder de legislar (Parlamento) foi diferenciado do poder de 
administrar (Rei), muito embora ainda permanecesse com a Coroa o 
poder de julgar. O Rei, portanto, era o único destinatário de todos os 
recursos dos súditos que, inseguros, como se direitos não possuíssem, 
viam na figura do monarca a personificação da injustiça. O povo era 
dependente da graça real na apreciação de suas reclamações e, apenas 
depois de muitas reivindicações populares, foi criado o chamado Tribunal 
do Rei (King Bench). Esse órgão, por delegação da Coroa, passou a 
decidir as reclamações contra os funcionários do Reino. 
Tal sistema, porém, ainda era insatisfatório, uma vez que os 
julgadores dependiam do Rei, que podia afastá-los do cargo ou, ainda, 
ditar-lhes ou reformar-lhes as decisões (dependia-se, ainda, da chancela 
real nos julgamentos). 
Algum tempo depois, o Tribunal do Rei passou a emitir, em nome 
próprio, ordens aos funcionários contra quem os recursos eram 
apresentados, além de expedir mandados de interdição que coibiam atos 
ilegais e/ou arbitrários. Tornaram-se usuais, portanto, o writ of certiorari, 
para remediar os casos de incompetência e ilegalidades graves; o writ of 
injunction, remédio preventivo destinado a impedir que a Administração 
modificasse determinada situação; o writ of mandamus, destinado a 
suspender certos procedimentos administrativos arbitrários; sem se falar 
no writ of habeas corpus, já considerado garantia individual desde a 
Magna Carta (1215). 
Do Tribunal do Rei, que só conhecia e decidia matéria de direito, 
passou-se para a Câmara Estrela (Star Chamber), com competência em 
matéria de direito e de fato, além de jurisdição superior sobre a Justiça de 
Paz dos Condados. 
Todavia, ainda restava a última etapa da independência da Justiça 
Inglesa. Em 1701, por meio do Act of Seulement, os juízes foram 
desligados do Poder Real, além de que se tornaram estáveis em seus 
cargos, com competência para julgar questões comuns e administrativas. 
Era, portanto, a instituição do Poder Judicial, independente do Poder 
Legislativo (Parlamento) e do Poder Administrativo (Rei), com jurisdição 
única e plena para conhecer e julgar todos os atos e procedimentos da 
Administração, bem como para solucionar os eventuais problemas 
decorrentes do direito privado. 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 20 
 
O sistema de jurisdição única trasladou-se para as colônias norte-
americanas e nelas se arraigou tão profundamente que, proclamada a 
Independência (1775) e fundada a Federação (1787), tornou-se cânone 
constitucional (Constituição dos EUA, art. III seção 2ª). 
Pode-se afirmar, sem risco de erro, que a Federação Norte-
Americana é a que conserva, na sua maior pureza, o sistema de jurisdição 
única (ou do judicial control), que se afirma no rule of law, ou seja, na 
supremacia da lei. 
Ao definir esse regime, Dicey informa que ele se resume na 
submissão de todos à jurisdição ordinária, cujo campo de ação coincide 
com o da legislação, sendo co-extensivo e equivalente ao poder de 
legislar. Nem por isso, porém, os Estados Unidos deixaram de criar 
tribunais administrativos (como são exemplos a Court of Claims, Court of 
Custom Appeals, Court of Record e Comissões de Controle Administrativo 
de certos serviços ou atividades públicas de interesse público), com 
funções regulamentadoras e decisórias (Interstate Commerce 
Commission, Federal Trade Commission, Tariff Commission, Public Service 
Commission, etc.). Essas comissões e tribunais, porém, não proferem 
decisões definitivas e conclusivas para a Justiça Comum, cabendo ao 
Poder Judiciário torná-las efetivas (enforced), quando resistidas, além de 
poder rever a matéria de fato e de direito já apreciada 
administrativamente. 
A prática administrativa norte-americana levou a doutrina a afirmar, 
com inteiro acerto, que a existência desse duplo freio (do processo judicial 
e das Comissões/Tribunais Administrativos) visa a enfrentar e neutralizar 
os abusos do poder burocrático ou, pelo menos, reduzir o procedimento 
da Administração à condição de simples inquérito preliminar. 
Não existe, pois, no sistema anglo-saxônico, que é o da jurisdição 
única (da Justiça Comum), o contencioso administrativo do regime 
francês. Toda controvérsia, litígio ou questão entre particular e a 
Administração (ou entre seus agentes e a própria Administração) resolve-
se perante o Poder Judiciário, que é o único competente para proferir 
decisões com autoridade final e conclusiva (o chamado final enforcing, o 
que equivale à coisa julgada judicial). 
 
 
9.3. O Sistema Administrativo adotado no Brasil 
 
No Brasil-Império, houve uma tentativa, por meio do artigo 142 da 
Constituição de 1824, de criação do contencioso administrativo. Diz-se 
tentativa, pois a justiça administrativa não era independente. Suas 
decisões poderiam ser revistas pela administração ativa, ou seja, pelo 
Imperador. 
Em seguida, com a instauração da primeira República (1891), o 
Brasil adotou o sistema da jurisdição única, ou seja, o sistema do controle 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 21 
 
administrativo pela Justiça Comum. Por isso mesmo, Ruy Barbosa, em 
interpretação autêntica de nossa primeira Constituição Republicana, 
afirmou, peremptoriamente, que "ante os arts. 59 e 60 da nova Carta 
Política, é impossível achar-se acomodação no Direito brasileiro para o 
contencioso administrativo”. 
As Constituições posteriores (1934, 1937, 1946 e 1967/1969) 
afastaram a idéia da jurisdição administrativa coexistente com a justiça 
ordinária (comum). Trilhava-se uma tendência já manifestada pelos mais 
avançados estadistas do Império, que se insurgiam contra aquele 
incipiente contencioso administrativo da época. Vale lembrar, porém, que 
a Emenda Constitucional n. 7/77 estabeleceu a possibilidade de criação de 
dois contenciosos administrativos (arts. 11 e 203), que não chegaram a 
ser instalados e que, agora, com a Constituição de 1988, ficaram 
definitivamente afastados. 
A orientação brasileira foi haurida no Direito Público Norte-
Americano, que nos forneceu o modelo para a nossa primeira Constituição 
Republicana, pautada no rule of law e no judicial control. Essa filiação 
histórica é de suma importância para se compreender o Direito Público 
brasileiro, especialmente o Direito Administrativo, e não se invocar, 
inadequadamente, princípios do sistema francês como informadores de 
nosso regime político-administrativo e de nossa organização judiciária. 
Nesta seara, especificamente, mantivemo-nos vinculados ao sistema 
anglo-saxônico. 
O sistema da jurisdição única, adotado pelo Brasil, já foi definido no 
tópico precedente, porém, convém repetir. É o sistema da separação de 
funções entre oPoder Executivo e o Poder Judiciário, vale dizer, 
separação de funções entre o administrador e o juiz. Com essa idéia, 
torna-se inconciliável o contencioso administrativo, já que todos os 
interesses (de particulares ou do próprio Poder Público) sujeitam-se a 
uma única e mesma jurisdição conclusiva: a jurisdição do Poder Judiciário. 
No entanto, é preciso dizer que não se nega à Administração o 
direito de decidir. Absolutamente não. O que se lhe nega é a possibilidade 
de exercer funções materialmente judiciais (ou judiciais por natureza) e 
de emprestar às suas decisões força e definição próprias dos julgamentos 
judiciários (res judicata). 
Entre nós, como nos Estados Unidos da América do Norte, vicejam 
órgãos e comissões com “jurisdição administrativa” (parajudiciais), mas 
suas decisões não têm caráter conclusivo para o Poder Judiciário e, por 
isso, sempre estão sujeitas à revisão judicial (conferir, abaixo, a 
observação anotada). 
Para a correção judicial dos atos/contratos administrativos ou para 
remover a resistência dos particulares às atividades públicas, a 
Administração e os administrados dispõem dos mesmos meios 
processuais admitidos pelo Direito Comum e, se necessário, recorrerão ao 
mesmo Poder Judiciário, uno e único, que decide os litígios de Direito 
Público e de Direito Privado (art. 5, XXXV da CF). Esse é o sentido da 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 22 
 
jurisdição única adotada no Brasil. 
 
OBSERVAÇÃO: Prevalece, no nosso ordenamento jurídico, o sistema de 
jurisdição única. Entretanto, considerando que o ordenamento jurídico-
administrativo brasileiro convive com órgãos administrativos que possuem 
competência para julgar matérias específicas, torna-se relevante as 
seguintes observações inerentes à polêmica figura da “jurisdição não-
judicial” em comparação com a “jurisdição judicial”. 
Segundo Humberto Theodoro Jr., jurisdição “é o poder que toca ao 
Estado, entre as suas atividades soberanas, de formular e fazer atuar 
praticamente a regra jurídica concreta que, por força do direito vigente, 
disciplina determinada situação jurídica”. Em outras palavras, é o poder-
dever do Estado de dizer o direito aplicável ao caso concreto. 
Considerando que a tônica do “processo” é a solução de uma controvérsia 
(lide), o que presume a aplicação concreta da norma legal (direito), diante 
de um caso específico, resta a dúvida quanto à possibilidade, ou não, de 
que a Administração (concebida, aqui, sob o critério residual) exerça 
“jurisdição não-judicial”. 
Hely Lopes Meirelles foi categórico ao afirmar que existe jurisdição 
administrativa, já que se trata de um poder estatal, com manifestação 
tanto no Judiciário, como no Executivo e até mesmo no Legislativo.6 
O professor José dos Santos Carvalho Filho, por sua vez, afirma que, “na 
via administrativa, as autoridades não desempenham função 
jurisdicional”. Nesse mesmo sentido, Marçal Justen Filho afirma que, 
“supor a existência de processo com cunho de jurisdicionalidade, fora do 
âmbito do Poder Judiciário, é contrário à Constituição”. Este último autor, 
no entanto, admite que o artigo 52, I e II, da CF/88, veicula uma exceção 
à proibição de que a jurisdição seja exercida fora do Poder Judiciário7. 
O problema, portanto, parece ser de ordem terminológica, notadamente 
quando se agrega, genericamente, ao termo “jurisdição”, o final enforcing 
power. Independentemente da posição que se queira adotar, um fator não 
pode ser desconsiderado: a prerrogativa de dizer o direito em caráter final 
e conclusivo (o final enforcing power) é inerente à jurisdição judicial, 
exercida pelo Poder Judiciário (art. 5º, XXV da CF/88). 
 
 
6 “Afaste-se a errônea idéia de que decisão jurisdicional ou ato de jurisdição é privativo do Judiciário. 
Não é assim. Todos os órgãos e Poderes têm e exercem jurisdição nos limites de sua competência 
institucional, quando aplicam o Direito e decidem controvérsia sujeita à sua apreciação. Privativa do 
Judiciário é somente a decisão judicial, que faz coisa julgada em sentido formal e material, erga 
omnes. Mas a decisão judicial é espécie do gênero jurisdicional, que abrange toda decisão de 
controvérsia no âmbito judiciário ou administrativo.” (Hely Lopes Meirelles) 
7 Esses dispositivos constitucionais tratam da competência privativa do Senado Federal para processar 
e julgar, nos crimes de responsabilidade, o Presidente e o Vice-Presidente da República, os Ministros 
de Estado, os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica (nos crimes de mesma natureza 
e conexos com os do Presidente e do Vice-Presidente da República), os Ministros do STF, os membros 
do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, Advogado-Geral da 
União, bem como o Procurador-Geral da República. 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 23 
 
PONTO 2 
REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO 
 
Este capítulo foi originalmente elaborado pelos Profs. Frederico 
Telho e Leonardo Buissa Freitas. As atualizações seguintes foram 
realizadas pelos Profs. Ronie Crisóstomo França e Frederico Telho. 
 
1. CONCEITO DE REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO 
 
O regime jurídico-administrativo é o “conjunto harmônico de 
princípios e normas que regem os bens, os órgãos, os agentes e a 
atividade administrativa, a qual visa a realizar concreta, direta e 
imediatamente, os fins desejados pelo Estado” (Wander Garcia). 
É, pois, o responsável por atribuir ao Direito Administrativo o 
contorno e a racionalidade que o caracteriza, proporcionando autonomia 
científica à referida disciplina. Possui importância nitidamente 
metodológica. 
Celso Antônio Bandeira de Mello caracteriza o regime jurídico-
administrativo por dois princípios basilares, dos quais se originam os 
demais. São eles: (a) a supremacia do interesse público sobre o privado; 
e (b) a indisponibilidade do interesse público. 
Segundo o renomado doutrinador, o entrosamento (a conciliação) 
entre as prerrogativas da Administração Pública e os direitos dos 
particulares/cidadãos (“binômio prerrogativas e sujeições” – Maria Sylvia 
Zanella Di Pietro) se constrói pela noção de supremacia do interesse 
público sobre o privado e indisponibilidade do interesse público. 
Verifica-se, ademais, a importância da noção de interesse público 
para o Direito Administrativo. Vale lembrar, porém, que, atualmente, há 
autores que criticam a doutrina de Celso Antônio e afirmam que o 
verdadeiro princípio-base do Direito Administrativo seria o próprio 
princípio do interesse público (ou o princípio da dignidade da pessoa 
humana). Esta corrente dissidente não vinga e se escora em vozes 
isoladas, como a dos Professores Carlos Ari Sundfeld, Marçal Justen Filho, 
Paulo Ricardo Schier, dentre outros poucos doutrinadores. 
O interesse público, portanto, continua a ser a mola-mestra do 
Direito Administrativo, que, em sua concepção clássica, impõe a busca do 
bem comum, o atendimento dos interesses de uma determinada 
sociedade, levando-se em consideração os indivíduos que a formam e o 
primado dos direitos fundamentais. Essa é a obrigação (objetivo) do 
Estado. 
A doutrina italiana (Renato Alessi) cunhou a segmentação entre 
interesse público primário e secundário, sendo o primeiro o verdadeiro 
interesse da coletividade (o bem comum) e o segundo, o interesse da 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 24 
 
própria Administração Pública, que, muitas vezes, não coincide com o 
interesse da sociedade. Assim, é notório que o dever do Estado sempre 
será realizar o interesse público primário e não o secundário. 
O atendimento do interesse público pelo Estado nos traz a noção de 
função administrativa, ou seja, o Estado titulariza o poder outorgado pelopovo, o qual, no exercício da função administrativa, transforma-se no 
dever de atendimento do interesse público. Daí a designação poder-dever 
da Administração Pública. 
De seu turno, Celso Antônio chega a inverter aquelas palavras, pois, 
para ele, o exercício da função administrativa denota a atividade de um 
dever, do qual decorre um poder limitado por aquele. Daí defender o 
multicitado doutrinador a existência de um dever-poder e não poder-
dever (ou meramente poder). 
Com essas breves considerações a respeito do regime jurídico-
administrativo, cumpre-nos, agora, explicitar alguns dos demais princípios 
administrativos que informam esse sistema, sejam eles expressos ou 
implícitos. 
 
2. PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS 
 
Princípios administrativos são os postulados fundamentais que 
inspiram todo o modo de agir da Administração Pública. Representam 
cânones pré-normativos, que norteiam a conduta do Estado quando no 
exercício de atividades administrativas. Cretella Junior bem observa que 
não se pode encontrar qualquer instituto do Direito Administrativo que 
não seja informado pelos respectivos princípios. 
A doutrina moderna tem-se detido, para a obtenção do melhor 
processo de interpretação, no estudo da configuração das normas 
jurídicas. Segundo tal doutrina (destacam-se, nela, os ensinamentos de 
Robert Alexy e Ronald Dworkin), as normas jurídicas admitem 
classificação em duas categorias básicas: os princípios e as regras. 
As regras são operadas de modo disjuntivo, vale dizer, o conflito 
entre elas é dirimido no plano da validade: aplicáveis ambas a uma 
mesma situação, uma delas apenas a regulará, atribuindo-se à outra o 
caráter de nulidade. Os princípios, ao revés, não se excluem do 
ordenamento jurídico na hipótese de conflito: dotados que são de 
determinado valor ou razão, o conflito entre eles admite a adoção do 
critério da ponderação de valores (ou ponderação de interesses), vale 
dizer, deverá o intérprete averiguar a qual deles, na hipótese sub 
examinen, será atribuído grau de preponderância. Não há, porém, 
nulificação do princípio postergado. Este, em outra hipótese e mediante 
nova ponderação de valores, poderá ser o preponderante, afastando-se o 
outro princípio em conflito. 
Adotando-se essa nova análise, poderá ocorrer, também no Direito 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 25 
 
Administrativo, a colisão entre princípios, sobretudo os de índole 
constitucional, sendo necessário verificar, após o devido processo de 
ponderação de seus valores, qual o princípio preponderante, que será 
então aplicável à hipótese concreta. 
Os autores não são unânimes quanto a tais princípios, muitos deles 
originários de enfoques peculiares da Administração Pública e, por isso, 
entendidos pelos estudiosos como de maior relevância. 
A Constituição Federal enuncia alguns princípios básicos que regem 
a Administração, que serão considerados princípios expressos e, ainda, 
outros serão destacados, haja vista que são aceitos pelos publicistas (e 
são igualmente aplicáveis à Administração), que serão denominados de 
princípios reconhecidos. 
 
2.1. Princípios Expressos 
 
A Constituição vigente, ao contrário das anteriores, dedicou um 
capítulo à Administração Pública (Capítulo VII do Título III) e, no seu 
artigo 37, deixou expressos os princípios a serem observados por todas as 
pessoas administrativas de qualquer dos entes federativos. 
Convencionamos denominá-los de princípios expressos, exatamente pela 
menção constitucional. 
Esses princípios revelam diretrizes fundamentais da Administração, 
de modo que só se poderá considerar válida a conduta administrativa se 
ela guardar plena compatibilidade com os referidos princípios. 
 
2.1.1. Princípio da Legalidade 
 
O princípio da legalidade é, certamente, a diretriz básica da conduta 
dos agentes da Administração. Por ele, entende-se que toda e qualquer 
atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Se não foi, diz-se que 
a atividade é ilícita. 
Tal postulado, consagrado após séculos de evolução política, tem 
por origem mais próxima a criação do Estado de Direito, ou seja, o Estado 
que deve respeitar as suas próprias leis (art. 5º, II; e art. 37, ambos da 
CF). 
O princípio "implica subordinação completa do administrador à lei. 
Todos os agentes públicos, desde o que lhe ocupe a cúspide até o mais 
modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das 
finalidades normativas". Na clássica e feliz comparação de Hely Lopes 
Meirelles, “na administração pública não há liberdade nem vontade 
pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei 
não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei 
autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o 
administrador público significa ‘deve fazer assim’”. 
É extremamente importante verificar qual o efeito que o princípio da 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 26 
 
legalidade revela aos direitos dos indivíduos. Na verdade, para a garantia 
de seus direitos, os indivíduos se escoram na própria existência do 
princípio da legalidade. Quer dizer, aos cidadãos é autorizada a verificação 
de lisura da conduta administrativa, ante o confronto do ato/contrato com 
a lei. Conclui-se, pois, inarredavelmente, que, havendo dissonância entre 
a conduta e a lei, deverá aquela ser corrigida para se eliminar a ilicitude. 
Não custa lembrar, ainda, que, na teoria do Estado moderno, há 
duas funções estatais básicas: a de criar a lei (legislação) e a de executar 
a lei (administração e jurisdição). Esta última pressupõe o exercício da 
primeira, de modo que só se pode conceber a atividade administrativa 
diante dos parâmetros já instituídos pela atividade legiferante. Por isso, 
diz-se que administrar é função subjacente à de legislar. O princípio da 
legalidade denota exatamente essa relação: só é legítima a atividade do 
administrador público se estiver condizente com o disposto na lei. 
Por derradeiro, é importante ressaltar que, em função do 
agigantamento das atividades estatais e da “criação” de uma sociedade 
complexa, além da falibilidade da lei em sentido estrito (que não mais 
supre todos os reclamos da sociedade), o princípio da legalidade passa 
a ter um sentido mais amplo, a abarcar não somente a lei em sentido 
estrito, mas também a todo o Direito, tendo como paradigma a própria 
Constituição. 
O Administrador Público, portanto, deve obediência não somente à 
lei em sentido estrito, mas também aos princípios e valores albergados 
pelo sistema administrativo-constitucional. Do princípio da legalidade 
caminhamos para o princípio da legitimidade (Diogo de Figueiredo Moreira 
Neto), para o princípio da juridicidade (Eduardo Soto Kloss e Ministra 
Cármen Lúcia Antunes Rocha), para o princípio da constitucionalidade 
(Juarez Freitas) ou para o princípio da supremacia constitucional. 
De certa forma, pode-se dizer que essa nova visualização do 
princípio da legalidade foi sufragada pela Lei de Processo Administrativo 
(Lei 9.784/99), que, no parágrafo único de seu art. 2º, estatui, depois de 
arrolar os princípios aos quais deve a Administração Pública obediência, 
que, no processo administrativo, será observado o critério da atuação 
conforme a lei e o direito (inciso I). 
 
2.1.2. Princípio da Impessoalidade ou Imparcialidade 
 
A referência a este princípio no texto constitucional, no que toca ao 
termo impessoalidade, constituiu uma surpresa para os estudiosos, que 
não o empregavam em seus trabalhos (Juarez Freitas informa, inclusive, 
que o constituinte de 1988 errou ao designar o princípio da imparcialidade 
de princípio da impessoalidade. A doutrina estrangeira consagra a 
designação princípio da imparcialidade e não impessoalidade).Impessoal é "o que não pertence a uma pessoa em especial", ou 
seja, aquilo que não pode ser voltado especialmente a determinadas 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 27 
 
pessoas. O princípio da impessoalidade, portanto, previsto no caput do 
artigo 37 da CF/88, indica que a Administração Pública deve agir sem 
estabelecer privilégios, sem regalias, sem perseguições e em obediência 
ao dever de eqüidade. 
O princípio, de certa forma, objetiva a igualdade de tratamento que 
a Administração deve dispensar aos administrados que estejam em 
idêntica situação jurídica (eqüidade). Neste ponto específico, o 
princípio da impessoalidade representa uma das facetas do 
princípio da isonomia. 
Por outro lado, para que seja realmente impessoal, a Administração 
deve voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não para o 
privado. Com isso, deve-se analisar o princípio da impessoalidade 
sob três (principais) vertentes: (a) o dever de o agente agir em 
conformidade com o interesse público, sem o estabelecimento de 
privilégios/prejuízos; (b) a atuação do agente público é imputada ao 
órgão público ao qual pertence; (c) não se admite o uso indiscriminado 
das experiências pessoais do agente público, quando em desacordo com o 
Direito e a moral administrativa. 
Quanto ao item (a) acima (uma das vertentes do princípio da 
impessoalidade), vale dizer que, neste ponto específico, o princípio da 
imparcialidade toca no princípio da finalidade (ou seja, o alvo a ser 
alcançado pela Administração é somente o interesse público; e não se 
alcança o interesse público se for perseguido o interesse particular). 
Ainda, não se pode deixar de falar da relação que a finalidade da 
conduta administrativa mantém com a lei. "Uma atividade e um fim 
supõem uma norma que lhes estabeleça, entre ambos, o nexo 
necessário", na feliz síntese de Ruy Cirne Lima. Como a lei, em si mesma, 
deve respeitar a isonomia, já que isso é imposto pela Constituição da 
República (art. 5º, caput e inc. I), a função administrativa, nela baseada, 
também deverá fazê-lo, sob pena de desvio de finalidade (este desvio 
ocorre sempre que o administrador se afasta do escopo que lhe deve 
nortear o comportamento – o interesse público). 
Embora sob a expressão desvio de finalidade, o princípio da 
impessoalidade tem proteção no direito positivo infraconstitucional: o art. 
2º, alínea "e", da Lei nº 4.717/65 (ação popular) considera nulos os atos 
lesivos ao patrimônio, causados por desvio de finalidade. 
 
2.1.3. Princípio da Moralidade 
 
O princípio da moralidade impõe que o administrador público não 
dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. 
Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça 
em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é 
desonesto. Vale acrescentar, ainda, que tal forma de conduta deve existir 
não somente nas relações entre a Administração e os particulares em 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 28 
 
geral, como também internamente, ou seja, na relação entre a 
Administração e os agentes públicos que a integram. 
O artigo 37, caput, da Constituição Federal refere-se, 
expressamente, ao princípio da moralidade e pode-se dizer, sem receio de 
errar, que foi bem aceito no seio da coletividade, já sufocada por assistir, 
na história, aos desmandos de maus administradores, freqüentemente na 
busca de seus próprios interesses ou de interesses inconfessáveis, 
relegando para último plano os preceitos morais de que não deveriam se 
afastar. 
Com isso, o constituinte pretendeu coibir a imoralidade no âmbito 
da Administração Pública. Pensamos, todavia, que somente quando os 
administradores estiverem realmente imbuídos de espírito público (na 
consciência pessoal de cada um dos gestores), é que o princípio será 
fielmente observado. 
Embora o conteúdo da moralidade seja diverso da legalidade, 
o fato é que aquele está normalmente associado a este. Em 
algumas ocasiões, a imoralidade consistirá na ofensa direta à lei e aí 
violará, ipso facto, o princípio da legalidade. Em outras situações, a 
violação do Direito residirá no tratamento discriminatório, positivo ou 
negativo, dispensado ao administrado. Neste último caso, estará 
vulnerado, também, o princípio da impessoalidade, que se põe como 
requisito, em última análise, da legalidade da conduta administrativa. 
O desapego à moralidade pode afetar vários aspectos da atividade 
administrativa. Quando a imoralidade consiste em ato de 
improbidade que, como regra, causa prejuízo ao erário público, o 
diploma legal a ser aplicado é a Lei nº 8.429/1992. Nesta lei, há 
previsão: (a) das hipóteses que configuram típicos atos de improbidade 
(desonestidade); (b) das sanções aplicáveis a agentes públicos e 
terceiros responsáveis; (c) dos instrumentos processuais adequados à 
proteção dos cofres públicos, com a admissão, entre outras, das ações de 
natureza cautelar de seqüestro e arresto de bens, bem como do pedido de 
bloqueio de contas bancárias e aplicações financeiras, sem contar, 
logicamente, a ação principal de perdimento de bens, a ser ajuizada pelo 
representante do Ministério Público ou pela pessoa jurídica de direito 
público interessada na reconstituição de seu patrimônio lesado. 
Outro instrumento relevante de tutela jurisdicional, para dar guarida 
ao princípio da moralidade administrativa, é a ação popular, 
contemplada no artigo 5., LXXIII, da CF/88. Antes, apenas direcionada à 
tutela do patrimônio público econômico, a ação popular passou a 
proteger, mais especificamente, outros bens jurídicos de inegável 
destaque social, como o meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural, 
além da própria moralidade administrativa. Pela via da ação popular, 
regulamentada pela Lei nº 4.717/1965, qualquer cidadão (título de 
eleitor) pode deduzir a pretensão de anular atos do Poder Público que 
estejam contaminados pela imoralidade administrativa. Por isso, 
advogamos o entendimento de que o tradicional pressuposto da 
 Direito Administrativo 
Professores: Frederico Telho/ Sandro de Abreu 29 
 
lesividade, tido como aquele causador de dano efetivo ou presumido ao 
patrimônio público, restou bastante mitigado diante do novo texto 
constitucional (ele era bastante adequado à idéia, hoje superada, de que 
se podia promover ação popular apenas para a defesa do patrimônio em 
seu sentido econômico). Quando a Constituição se refere à defesa de “ato 
lesivo à moralidade administrativa”, deve-se entender que a ação é 
cabível pelo simples fato de ofender esse princípio, independentemente de 
haver ou não efetiva lesão patrimonial (econômica). 
Por fim, não se pode esquecer da ação civil pública, prevista no 
artigo 129, III, da CF (uma das funções institucionais do Ministério 
Público) e regulamentada pela Lei nº 7.347/1985. Trata-se de mais um 
dos instrumentos de proteção à moralidade administrativa. Quando se diz 
que a ação civil pública foi movida para resguardar o “patrimônio social” 
ou, ainda, para proteger algum “interesse difuso”, estar-se-á defendendo 
a moralidade administrativa. A Lei Orgânica do Ministério Público (Lei nº 
8.625/1993), inclusive, consagra, com base naqueles bens jurídicos, a 
defesa da moralidade administrativa pela ação civil pública. 
Desse modo, é fácil observar que não faltam instrumentos de 
combate a condutas e atos ofensivos ao princípio da moralidade 
administrativa. Cumpre, portanto, aos órgãos competentes, bem como 
aos cidadãos, a necessária diligência para que questionem (e invalidem) 
os atos viciados, aplicando-se aos responsáveis as punições previstas em 
lei. 
 
2.1.4. Princípio da Publicidade 
 
O princípio da publicidade é também mencionado na Constituição da 
República. Por ele, diz-se que os atos da

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