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UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS - UNISINOS UNIDADE ACADÊMICA DE GRADUAÇÃO CURSO DE PSICOLOGIA BRUNA RAFAELA POSSER, CAMILA DA COSTA VIEIRA, KEVIN ANDRYUS DA SILVA, RICHARD PILATTI, RONYA SILVA ESTRATÉGIAS ANTICOLONIAIS: SÍFILIS, RAÇA E IDENTIDADE NACIONAL NO BRASIL DO ENTRE-GUERRAS Resumo do texto de Sérgio Carrara São Leopoldo 2017 BRUNA RAFAELA POSSER, CAMILA DA COSTA VIEIRA, KEVIN ANDRYUS DA SILVA, RICHARD PILATTI, RONYA SILVA ESTRATÉGIAS ANTICOLONIAIS: SÍFILIS, RAÇA E IDENTIDADE NACIONAL NO BRASIL DO ENTRE-GUERRAS Resumo do texto de Sérgio Carrara Trabalho apresentado para a disciplina Saúde na América Latina, pelo Curso de Psicologia da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, ministrada pela professora Miriam Steffen Vieira. São Leopoldo 2017 __________________________________________________________________________________________ * HOCHMAN, G; ARMUS, D. Cuidar, controlar, curar: ensaios históricos sobre a saúde e doença na América Latina e Caribe. Rio de Janeiro, Fiocruz, 2004. ESTRATÉGIAS ANTICOLONIAIS: SÍFILIS, RAÇA E IDENTIDADE NACIONAL NO BRASIL DO ENTRE-GUERRAS* Em 1991, dois historiadores chamados Nancy e Sander realizaram uma análise do modo pelo qual intelectuais americanos, negros e judeus, procuraram responder ao racismo científico nas primeiras décadas do século XX. O que chamou a atenção foi a complexidade do processo, pois as minorias “raciais” não podiam negar totalmente as teorias, métodos e o estilo de uma ciência na qual as conclusões elas também não podiam aceitar. O artigo trata de verificar e analisar a construção sócia histórica do Brasil através da sífilis, do sexo, da raça e vice-versa. Durante as décadas de 1920 e 1930, a mudança nas ideias sobre sífilis no Brasil e sobre o comportamento sexual do brasileiro deve ser compreendida no contexto de um processo muito mais amplo através do qual uma emergente intelligentsia tentava construir uma identidade nova e positiva para si mesma e para a nação. Considerada doença do ‘outro’, do ‘estrangeiro’, do ‘inimigo’, desde a sua identificação em finais do século XV, a sífilis sempre esteve intimamente conectada a disputas sobre a definição simbólica de fronteiras étnicas e nacionais. Era um símbolo natural para comportamentos sexualmente excessivos, desordenados, imorais ou pecaminosos; e como consequência nenhum povo ou nação aceitava ser o seu berço. A doença possuiu muitos nomes, nomes etnicamente referenciados, como, por exemplo, o ‘mal-americano’ ou ‘mal-gálico’; e com isso o Brasil não foi exceção. A ideia transmitia que todo brasileiro tinha um ‘pouquinho’ de sífilis e era um senso comum adotado. Era a mais difundida das doenças. Para alguns autores, a sífilis era tão frequente no Brasil que quem vivia há algum tempo, já era considerado um sifilíaco. O Brasil nasceu sob o signo do demônio, terra do pecado e, devido a ser um povo ou nação novo, colonizados pelos portugueses que foram afetados pela sífilis de piratas franceses, o país ficou conhecido como a terra da sífilis, devido a nenhuma nação abraçar o berço da epidemia. Durante o século XIX, a população brasileira era ainda representada como uma sociedade longe do mundo civilizado. Essa “inferioridade racial e moral” perante as elites brasileiras e europeias acumulou contínuos estudos para tentar ser explicada; tanto que os fatores climáticos e a miscigenação foram uma das conclusões da época. Um clima quente favorecia a puberdade precoce, o “frenesi 3 tropical”, a depravação sexual; e por outro lado havia a miscigenação, no Brasil onde índios, neolatinos e africanos haviam se misturados, o povo foi considerado ainda mais ‘fraco’ biologicamente, pois se distanciava de uma raça pura. Quanto à miscigenação, deve-se ter uma visão mais aprofundada sobre os povos para um melhor entendimento da caracterização do povo híbrido, uma vez que: (1) os índios americanos eram considerados o berço da sífilis, pois eram sexualmente promíscuos e eram comparados a animais, e que a sífilis viajou a Europa clandestinamente nas naus de Colombo; essa ideia foi completamente aceita a partir da virada do século nos meios científicos. Em 1844, um professor de medicina franco-brasileiro escrevia que “a sífilis existiu em todas as épocas no país (Brasil) e é hoje doença predominante”. (2) os negros, também vistos como primitivos, eram descritos como pessoas que “trazem nas veias o fogo da lubricidade”, e alguns cientistas acreditavam que o mal venéreo se originou ali no continente africano, uma vez que o clima também favorecia; e (3) os portugueses, também conhecidos por seu ardor sexual, ainda que em menor grau que os latinos. A ideia de a miscigenação poder salvar a raça brasileira por meio de um progressivo branqueamento só se tornaria hegemônica depois dos anos 1920. Depois da Primeira Grande Guerra, médicos e intelectuais brasileiros começaram a reagir contra esse cenário pessimista e passaram a atribuir novos significados a alguns de seus elementos. A partir dos anos 1920, os médicos brasileiros exibiam um tipo de ‘otimismo realista’ em relação à viabilidade do país. Em primeiro lugar, a explicação climática para a decadência moral foi criticada e descartada. Durante os anos 20, acreditava-se que a inferioridade da raça brasileira era devida à ignorância, e não à miscigenação; também se criticava que a sífilis era muito mais frequente entre os negros. Os médicos brasileiros procuravam mostrar também que a Europa é que deveria ser considerada o reservatório de onde a sífilis teria sido transportada para o país. Também na década de 20, a inexistência da sífilis no Brasil pré-cabralino começava a ser intensamente defendida por Oscar da Silva Araújo. Assim, para explicar a decadência física e moral do Brasil, os intelectuais começaram então a enfatizar neolamarckianamente a influência de certos fatores ambientais como as doenças, a subnutrição, a ignorância, a pobreza, a imoralidade do meio social, a herança escravista, entre os mais importantes. Embora acreditando cada vez mais fortemente na possibilidade de ‘redenção’, os intelectuais brasileiros não desafiavam a ideia de que a raça brasileira devesse ser considerada biologicamente inferior. Eles também mantiveram intocada a ideia de que a sífilis era uma das mais prevalentes doenças no país e o suposto que a fundamentava, ou seja, o mito do comportamento sexualmente excessivo do brasileiro. Possivelmente, isso se deu porque, magnificando o problema da sífilis, os médicos com sua ciência podiam se apresentar como os ‘salvadores da pátria’. O ‘problema brasileiro’ não seria sem solução, e eles teriam o poder de resgatar a nação. Se, incrementando a miscigenação, a permissividade sexual teria tido um papel tão importante no passado, ela continuava sendo crucial para o Brasil moderno, cuja raça ainda estava sendo forjada. A formulação de Gilberto Freyre nos permite imaginar que o excesso sexual não era apenas uma tara a ser eliminada, como muitos médicos sugeriam, mas um aspecto positivo do ‘caráter nacional’. O palco, enfim, se preparava para a emergência, ao longo dos anos 1930, de toda uma nova, ambígua e polifônica iconografia nacionalista. A natureza sensual dos brasileiros e seu alegado sangue misturado iriam poder então ser celebrados pelo estrelato de Carmem Miranda, pela popularização do Carnaval, pela mitificação da mulata e pela transformaçãodo samba de caso de polícia em mais autêntica manifestação de brasilidade. As ideias nacionalistas formuladas pelas elites brasileiras durante a primeira metade do século XX devem ser compreendidas como um magnífico exemplo de certas estratégias anticoloniais. O primeiro tipo de estratégia é a ‘reivindicação de exceção’, em que os médicos brasileiros procuram abrir uma espécie de espaço de exceção, a sífilis se torna a um só tempo uma doença brasileira e europeia, levada a Europa para a América e da América para a Europa. Um segundo tipo é o ‘acordo aparente’, quando os intelectuais brasileiros aceitam a ideia de que quase todos os brasileiros seriam sifílicos, eles estavam de fato negando que o país estivesse votado ao atraso por ter um povo miscigenado. Médicos e intelectuais brasileiros continuam a acreditar no suposto excesso sexual brasileiro, mas deslocam as causas, que antes eram atributos climáticos e raciais, para a falta de educação ou costumes tradicionalistas. E a terceira é a ‘subversão valorativa’, onde a permissividade sexual deveria ser considerada o meio privilegiado para a construção da nação. A fragilidade da raça brasileira e a permissividade sexual permaneceram como fatos indiscutíveis e, mais importante, o parâmetro de comparação continuou sendo as ‘nações civilizadas’, uma vez que o objetivo de branqueamento e aproximação do europeu, seja de corpo ou de espírito, se mantinha.
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