Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
FLT0124 – Introdução aos Estudos Literários II (IEL II) Profa Dra Betina Bischof Estagiária PAE – Ana Luiza Rocha do Valle Revisão sobre Foco Narrativo, a partir do texto O Ponto de Vista na Ficção: Desenvolvimento de um conceito crítico, de Norman Friedman A partir dos trechos de textos literários disponíveis abaixo, reflita sobre as questões a seguir, a serem discutidas na segunda aula da revisão (26/10/2017 – quinta-feira): 1 – Este trecho tem mais elementos característicos da Cena ou do Sumário, conforme os define Friedman? Se for um trecho que tende à cena, como você o transformaria em sumário, e vice-versa? 2 – A que distância e em que posição o leitor é posto em relação ao texto neste trecho? (Estamos próximos ou distantes? Assistimos da periferia dos acontecimentos, com uma visão panorâmica (de cima deles), estamos no centro? O ângulo é fixo ou se alterna?) 3 – Há um narrador? Se sim, e ele não for um personagem, você diria que ele é intruso ou neutro? Se não, como este trecho poderia ser reescrito sob a perspectiva de um narrador? (Identifique quais elementos seriam suprimidos ou acrescentados) Trechos: 1 – Capitães da Areia – Jorge Amado. “SOB A LUA, NUM VELHO TRAPICHE ABANDONADO, as crianças dormem. Antigamente, aqui era o mar. Nas grandes e negras pedras dos alicerces do trapiche as ondas ora se rebentavam fragorosas, ora vinham se bater mansamente. A água passava por baixo da ponte sob a qual muitas crianças repousam agora, iluminadas por uma réstia amarela de lua. Desta ponte saíram inúmeros veleiros carregados, alguns eram enormes e pintados de estranhas cores, para a aventura das travessias marítimas. Aqui vinham encher os porões e atracavam nesta ponte de tábuas, hoje comidas. Antigamente, diante do trapiche se estendia o mistério do mar oceano, as noites diante dele eram de um verde escuro, quase negras, daquela cor misteriosa que é a cor do mar à noite. (...)” (AMADO, Jorge. Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2009, p. 26) 2 – Robinson Crusoé – Daniel Defoe “Antes de armar minha tenda, tracei um semicírculo diante da reentrância na pedra, com um raio de mais ou menos dez jardas a partir da pedra, e vinte jardas de diâmetro de lado a lado. Nesse semicírculo plantei duas fileiras de estacas reforçadas, cravando-as no solo até se erguerem muito firmes, como esteios, a parte mais comprida se levantando a cinco pés e meio do solo, e aguçados na ponta. As duas fileiras ficavam a menos de seis polegadas uma da outra. Em seguida, peguei os pedaços de cabo que cortara no navio e fui estendendo uns em cima dos outros ao longo da linha, entre as duas fileiras de estacas, até o alto, cravando por dentro novas estacas para prendê-los, com cerca de dois pés e meio, inclinadas como escoras apoiando um pilar; e essa cerca ficou tão forte que nem homem nem fera teria como transpor e passar por cima dela. E a construção em custou muito tempo e trabalho, especialmente para cortar cada estaca na mata, trazer até o local e cravar uma a uma na terra.” (DEFOE, Daniel. Robinson Crusoé. [Tradução de Sérgio Flaksman São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011,p. 113) 3 – Hoje é sexta-feira – Ernst Hemingway “TRÊS SOLDADOS ROMANOS numa taverna às onze da noite. Barris encostados nas paredes. Atrás do balcão de madeira um vendedor de vinho hebreu. Os soldados romanos estão meio bêbados. 1º Soldado romano – Experimentou o tinto? 2º Soldado romano – Experimentei não. 1º Soldado – Precisa experimentar. 2º Soldado – Está bem, George, vamos para uma rodada do tinto. Vendedor de vinho hebreu – Eis aí, senhores. Vão gostar. [Traz uma jarra de barro com vinho que tirou de um barril.] É muito bom vinho.” (HEMINGWAY, Ernst. Hoje é Sexta-feira. In: Contos de Ernst Hemingway. [Tradução de José J. Veiga]. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006, p. 121) 4 – O Nariz – Nikolai Gogol “Mas enquanto isso é preciso dizer alguma coisa sobre Kovaliov, para que o leitor veja de que espécie era esse assessor de colegiado. Os assessores de colegiado que recebem esse título mediante atestado de conhecimento de forma alguma podem ser comparados aos assessores de colegiado que se faziam no Cáucaso. Trata-se de dois tipos muito especiais. Os que são assessores de colegiado por conhecimento... Mas a Rússia é um país tão esquisito que, se alguma coisa é dita sobre um assessor de colegiado, todos os outros, de Riga a Kamtchaka, tomam-na forçosamente para si. O mesmo é valido para todos os títulos e categorias. Kovaliov era um assessor de colegiado de tipo caucasiano. Assumira esse título havia apenas dois anos e por isso não podia esquecê-lo por um só minuto; e, para se dar mais ares de nobreza e autoridade, nunca se denominava assessor de colegiado, mas sempre major” (GOGOL, Nikolai. O Nariz. In: O Capote e Outras Histórias. São Paulo: Ed 34, 2010, p. 79) 5 – O Velho na Ponte – Ernest Hemingway “Um velho usando óculos com ar de metal e roupas imundas de poeira estava sentado à beira da estrada. Um pontão cruzava o rio e por ele passavam carroças, caminhões, homens, mulheres e crianças. As carroças, puxadas por mulas, balançavam um bocado no esforço para subir a ingrime barranca após a travessia, com os soldados ajudando a empurrá-las pelos raios das rodas. À frente, abrindo passagem, iam os caminhões, deixando na rabeira grande massa de camponeses que mal se deslocavam naquela terra fofa que lhes cobria os tornozelos. o velho, no entanto, nem se mexia, continuando sentado ali. Estava cansado demais para prosseguir. Minhas ordens eram de cruzar o pontão e examinar as cabeceiras para descobrir até que ponto o inimigo avançava. Tendo- as cumprido, regressava à base, atravessando o rio em sentido contrário. Já não havia tantas carroças, nem tanta gente a pé. Mas o velho continuava ali. — De onde é que você vem? — perguntei-lhe. — De San Carlos — respondeu, sorrindo para mim. Era a sua cidade natal, e ele parecia orgulhar-se de mencioná-la.” (HEMINGWAY, Ernest. O velho na ponte. 1938. Disponível em: https://letras.cabaladada.org/letras/velho_ponte.pdf) 6 – Perto do Coração Selvagem – Clarice Lispector “Por que ela estava tão ardente e leve, como o ar que vem do fogão que se destampa? O dia tinha sido igual aos outros e talvez daí viesse o acúmulo de vida. Acordara cheia de luz do dia, invadida. Ainda na cama, pensara em areia, mar, beber água do mar na casa da tia morta, em sentir, sobretudo, sentir. Esperou alguns segundos sobre a cama e como nada acontecesse viveu um dia comum. Ainda não se libertara do desejo — poder — milagre, desde pequena. A fórmula se realizava tantas vezes: sentir a coisa sem possuí- la. (...) Ouviu o mar e sentiu os lençóis da cama. O dia prosseguiu e deixou-a atrás, sozinha.” (LISPECTOR, Clarice. Perto do Coração Selvagem. Rio de Janeiro: José Olympio, 1974, p. 19 – apud CHIAPPINI, Ligia. Foco Narrativo. São Paulo, Ática, ?) 7 – Momentos de ser: “pinos de telhas não têm pontas” – Virginia Woolf “Talvez então foi ao acaso, pensou Fanny Wilmot, procurando o pino, que miss Craye disse aquela frase, ‘Pinos de telha não têm pontas’. Ela não entendia nada de pinos, nada mesmo. Mas queria quebrar o encantamento que se abatera sobre a casa; quebrar a placa de vidro que os separava das demais pessoas. Quando Polly Kingston, aquela garotinha espevitada, fez os vasos romanos balançarem ao bater com a porta, Julius, vendo que não havia estragos (sua primeira reação instintiva), acompanhou-a com os olhos, pois a vitrine ficava bem na janela, enquanto Polly escapulia de casa pelos campos afora; olhou-a como mesmo olhar que às vezes sua irmã também tinha, prolongado, desejoso.” (WOOLF, Virginia. Momentos de ser: “pinos de telhas não têm pontas”. In: Contos completos. São Paulo: Cosac & Naify, 2005, p. 306)
Compartilhar