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O conto de Machado de Assis

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SEMIÓTICA E A ESTÉTICA DA RECEPÇÃO EM “O CAPITÃO MENDONÇA”, DE MACHADO DE ASSIS: reflexão sob a ótica do leitor
Autor (a)
O presente ensaio busca discutir as possíveis interpretações do leitor dentro do mundo literário apresentado na leitura do conto “O Capitão Mendonça”, de Machado de Assis, na perspectiva da teoria da recepção. Tida como a ciência dos signos, a Semiótica constitui a construção de sentidos, o processo de significância da linguagem e sua comunicação. Levando em consideração a Literatura e leitura, a semiótica seria a leitura do mundo através dos discursos literários, a contar de seu contexto histórico, linguagem e, ainda, da interpretação feita pelo leitor.
Por meio da leitura literária é possível estudar fenômenos culturais e históricos e, para além do contexto em que o texto fora escrito, abre espaço para uma leitura própria do leitor, ou seja, uma interpretação do leitor sobre o que comunica o texto. Essa troca entre texto, autor e leitor ocorre numa abordagem intertextual, assim como aludem Gugel e Lângaro (2013, p. 16), através da leitura literária “o leitor pode contribuir com sua capacidade de interpretar o que não foi dito”.
Nesse sentido, adentramo-nos ao foco deste ensaio que trata de uma abordagem acerca da Teoria da Recepção ou Estética da Recepção, qual busca examinar o papel do leitor na produção literária, propondo uma reformulação da interpretação textual e da historiografia literária, desvencilhando-se das amarras estruturalistas e entendendo o texto como incapaz de traduzir todas as intenções do falante, cabendo, portanto, ao leitor, peça fundamental, atribuir sentido ao que se lê. 
Jauss (1994) atribui tal teoria à relação da literatura com a construção da experiência de vida do leitor. Para os autores dessa linha de pensamento, o texto literário só gera efeito, isto é, só produz resultados a partir da leitura. Por esse motivo, a interpretação e avaliação do leitor quanto ao texto ganha força. Dessa feita, o presente ensaio trará uma análise interpretativa, com base na ótica do leitor do conto de Machado de Assis, intitulado como “O capitão Mendonça”, publicado em 1870, marcado pelo conservadorismo da época no país.
 Da leitura do conto, pode-se notar o desdém do personagem em relação ao teatro, que faz- nos perceber que ele queria apenas fugir de sua realidade para uma história romanesca, o que também é traço estrutural do autor, uma vez que Assis tem público adepto de leitores mais jovens, especialmente moças. Essa indiferença quanto ao que seria reportado nas cenas está marcada em diversos trechos, como “Não quis saber que peça se representava; entrei, comprei uma cadeira e fui tomar conta dela,”; “Apenas caiu o pano houve a balbúrdia do costume; os espectadores marcavam as cadeiras e saíam para tomar ar”, relatos que tratam como natural e corriqueiro o que ocorria no espetáculo.
O conto narra uma história dentro de outra, levando o leitor de um universo macabro ao fantástico, pesadelo que tem Amaral, o personagem principal, com o Capitão Mendonça, personagem assustador que espalha de certa forma suspeitas de loucura. Além disso, também somos apresentados à personagem Augusta, que a priori seria um alívio num momento de terror, uma personagem que num momento seria “perfeita”, mas logo em seguida é posta como criação laboratorial horrível, como uma caveira, uma produção humana hedionda, como infere o próprio protagonista.
A existência do pesadelo prolonga o tempo da narrativa do conto e caracteriza o ritmo da narração. O narrador faz referências para que o leitor adentre ao mundo sobrenatural, essa referência, segundo Hoffmann (2006) faz com que abra as possibilidades interpretativas do leitor. Por exemplo, no trecho “Eu, que felizmente estava em lugar onde não podia ser incomodado, estendi as pernas e entrei a olhar para o pano da boca [...]”, que faz com que o leitor, ainda que timidamente, perceba quando o personagem entra em estado de sono.
Ademais, há marcante ironia do autor no texto, bem como alusão moral no “Capitão Mendonça”, como se esse fosse uma indigestão literária, o pesadelo sofrido por Amaral, em virtude de “misturar” aborrecimentos (tido como arrufos, termo usado na época) com histórias de dramas excessivamente românticos, como consta do teatro que envolvia homicídios e abandonos, aparentando que essa combinação seria pesada demais para Amaral.
Dessa feita, é imprescindível compreender que a interpretação pela teoria da recepção leva-se em conta a visão de mundo e das experiências literárias daquele quem o texto interpreta, podendo, por isso, haver outras tantas interpretações cabíveis, como, por exemplo, uma visão mais científica a partir da criação laboratorial de Augusta. Diante do exposto, afirma-se que acerca da construção da comunicação entre texto e leitor, que só pode ser concebida a partir da leitura e interpretação da linguagem e das referências obtidas no texto, o que remonta, mais uma vez, a relevância atual da teoria da recepção, que traz à figura do leitor e sua avaliação serem tão importantes.
	
REFERÊNCIAS
ASSIS, Joaquim Maria Machado de. O capitão Mendonça. MAGALHÃES JR, Raimundo (org.). Contos recolhidos. Rio de Janeiro: Ediouro, 1956.
GUGEL, R. F.; LÂNGARO, C. S. O ensino da Literatura pautado na estética da recepção. In: Os desafios da Escola Pública Paranaense na perspectiva do professor PDE: artigos. v. 1, p. 2-20, 2013
HOFFMANN, E. T.A. O homem de areia. In: MOREIRA COSTA, Flávio (org.). Os melhores contos fantásticos . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.
JAUSS, H. R.. A história da literatura como provocação à teoria literária. Tradução de Sérgio Tellaroli. São Paulo: Ática, 1994.

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