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ANÁLISE - Canto XXIV - ilíada - O resgate de Heitor

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ILSA SILVA LIMA DA CUNHA – 10271197 
TURMA: 2017-132 / MATUTINO 
O trecho supracitado é ação de preparação para um ritual fúnebre e não tem caráter sapiencial como 
as obras de Hesíodo, por exemplo; embora Príamo esteja sendo imperativo ao solicitar que as pessoas 
deem passagem ao corpo de Heitor, ele não o faz como uma exortação. 
Apesar da Ilíada ter Aquiles como personagem principal, ela é encerrada não com sua vitória sobre 
Heitor, mas com a o resgate de Heitor por Príamo para a preparação de um banquete funeral. Isso é 
um momento piedoso de extrema importância porque concede o respeito e as honras que cabem a cada 
um num mundo ditado pelos deuses; o ritual não apenas prestava honras ao morto, mas era uma reunião 
dos que o lamentavam. Quando Aquiles não permitia honras fúnebres a Heitor1, não era apenas seu 
corpo que ele ultrajava, mas uma determinação dos deuses. 
Fazendo uma abstração dos versos é possível perceber alguns ritos e particularidades relacionados às 
obras de Homero. A quantidade de pessoas aguardando a chegada do corpo é tamanha que interrompe 
a passagem do carro, logo é possível inferir a relevância do morto em questão; a presença de cantores 
lamentando sua morte é outro fator que indicam sua relevância, pois os lamentos no mundo grego 
podiam ser pagos ou impostos para acompanhar eventos fúnebres, como quando Aquiles obriga as 
troianas capturadas a carpir Pátroclo2; outra informação finaliza a teoria de que não se tratava de uma 
pessoa comum, ele estava sendo encaminhado para honras fúnebres no palácio e não em um lugar 
distante das moradias3. 
Além do contexto, algumas características de formatação do trecho são semelhantes ao de obras épicas: 
é produzido em versos (do grego “épos” de onde surgiria a palavra epopeia); é metrificado em 
hexâmetro datílicos, ou seja, versos compostos por seis sílabas poéticas, com alternância de uma longa 
e duas breves - podendo apresentar poucas variações como espondeu ou troqueu no final -; a narração 
é feita na 3ª pessoa (sujeito x objeto); e tem inflexibilidade métrica narrativa. 
A epopeia enaltece os feitos ilustres de um herói ou um povo, com interesse histórico. Ela era 
transmitida em longas narrativas orais exaltando homens de força superior para um público específico 
(gregos que, antes do advento da escrita, ouviam os cantos sendo declamados ou cantados). Assim 
como indígenas fazem, por exemplo, a transmissão dos mitos era feita em festas, reuniões e eventos, 
como uma forma de exaltação da tradição do povo, assim como nós comemoramos aniversário, eles 
celebravam a sua identidade. 
A Ilíada é classificada como uma epopeia do tipo narrativo, pois tem um narrador, o que se atribui a 
Homero; uma ação protagonizada por personagens, na Ilíada conhecemos Príamo, Heitor e muitos 
outros; determinação temporal, para isso temos uma noção do período do tempo quando lemos nos 
verso: “o morto é trasladado ao preclaro solar”, e sabemos quanto tempo dura a guerra, o velório etc; 
o espaço que ocorrem os acontecimentos, pois sabemos onde se passa a guerra, de onde procedem 
os gregos, as cidades de Agamenon e Menelau etc.; os cantos têm caráter episódico (possuem início-
meio-fim); o autor é onisciente e onipresente, ele está tanto na entrada de Tróia como nas 
proximidades do leito onde Heitor é posto e sabe de tudo quanto se passa; por fim, a narração é in 
media res,4 ou seja, “a coisa está no meio”, a ideia de equilíbrio aplicada a uma técnica literária de 
começar a narrativa pelo meio da história. Mas isso não significa iniciar com o começo de uma ação, 
a narrativa abre com o início do décimo ano do cerco dos gregos a Tróia, Homero não volta desta 
 
1 Honras Fúnebres: Todas as pessoas que morriam deveriam ter direito às honras fúnebres, sem as quais a 
sua alma não chegaria ao Hades. As honras fúnebres do herói, por exemplo, consistiam na queima de sua 
carne e no encerramento de seus ossos numa urna para posterior sepultamento num túmulo, erigido sobre 
uma colina. 
2 Ilíada, 18, 339 
3 R. Martin, Recherches sur la’agora grecque, 1951, pp. 194-201. 
4 In Medias Res: Termo utilizado por Horácio (século I a. C.), para designar a ação do poema épico, já bem 
adiantada quando a narração se inicia. O termo significa “no meio das coisas”, sem preâmbulos, sem 
explicação anterior. 
cena para contar tudo o que aconteceu antes, apena faz referências fragmentadas explicando o 
motivo da guerra. Segundo o estilo formular de Milmam Parry, o uso de repetições, epítetos, frases 
prontas e comparações (recurso mnemônico) são característica da épica, e todos estes recursos são 
encontrados na Ilíada. 
Embora no trecho não fique nítida a ideia de que o funeral seja de um herói, a epopeia é marcada por 
personagens heroicos e divinos, pois a épica não costuma tratar da morte de pessoas comuns, antes 
se detém aos personagens poderosos e veneráveis5. Os ritos fúnebres dos gregos do período 
Homérico estavam se consolidando e Homero colaborou neste processo de consolidação, que já 
estava concretizado no período clássico. 
Existem alguns testes de comparação usados pela teologia que podem ser úteis para a identificação do 
trecho como sendo parte ou não de determinada obra; primeiro deve-se comparar o trecho com os 
versos mais próximos, com o capítulo ou canto, com o conjunto da obra e com o estilo do autor, 
respectivamente. Utilizando este teste, alguém que encontrasse apenas um fragmento da obra, através 
da leitura do cap. XXIV, do livro e depois de outras obras de Homero, poderia por associação tentar 
descobrir quem está sendo velado, as suas características, qual cidade foi palco desse evento, e a cada 
aplicação obter mais segurança nas informações para afirmar que trata-se de uma épica de ação. 
Produzida no período Arcaico da Literatura Grega (VIII – V a. C.), a Ilíada seria, juntamente com a 
Odisseia, poema fundador de toda a literatura ocidental. Tendo sobrevivido na tradição oral por 
duzentos anos, estes dois poemas, segundo uma das teorias de transmissão, conheceram sua primeira 
forma em texto no século VI a. C., cerca de 560, quando o tirano Pisístratos, acreditando ser 
descendente de Nestor de Pilos, teria ordenado a escritura dos versos. 
Se por um lado a tradição oral garantiu a permanência do poema, por outro contribuiu para uma grande 
variante dos versos, tendo em vista que o aedo ou o rapsodo, os poetas-cantores de então, escolhiam 
os episódios para cantar ao seu público e, muitas vezes, introduziam versos de outros poemas. A 
depuração dos textos só aconteceu no século III a. C., trabalho desenvolvido pelos sábios do Museu 
de Alexandria. Portanto, se existia livro é porque tinha leitor, e ele poderia, agora, acessá-lo sem 
conhecer o canto, o ritmo, a melodia, pois o logos era apenas uma parte do conjunto dessa performance. 
É provável a existência de poemas épicos antes de Homero, mas não temos acesso a eles. Então, 
atribui-se a Homero um tipo de obra que inova no mundo literário. Passou-se a considerar a Ilíada, 
assim como a Odisseia, obras clássicas. A compilação de mitos, exaltação da cultura e da tradição 
grega – há quem diga até de influencias de povos micênicos -,garantiram a Homero um espaço como 
fundador ou baluarte daquilo que deveria ser imitado no mundo grego; os jovens eram instruídos 
através de suas obras e a alfabetização assim também era dada. Para Aulo Gélio, classicus na acepção 
moderna eram as obras produzidas pelo autor que se mostrasse mais digno de apreço literário, um 
clássico era aquilo que deveria produzir após ele filiação literária, era um norte de como os escritores 
deviriam falar e escrever. Mas a ideia de clássico, na verdade, é uma exaltação, por um grupo 
específico – geralmenteelitizado-, daquilo que mais se adequa com suas ideias. Portanto, para que o 
crítico literário possa realizar uma análise menos viciosa e receosa de discordar de uma obra tão 
aclamada ele deve se libertar desta ideia de clássico e conseguir enxergar como ela foi influenciada, 
qual foi o seu contexto, sua relação com outros escritos, e obter uma ideia mais real e segura do que 
ela realmente é. 
BIBLIOGRAFIA 
BURKERT, W. Religião grega na época clássica e arcaica. Trad. M. J. S. Loureiro. Lisboa: Fund. Calouste 
Gulbenkian, 1993. 
CAMPOS, A. M. O resgate do cadáver: O último canto da Íliada. São Paulo: Humanitas, 2000. 
CAMPOS, H. de (trad.). Ilíada de Homero. Sao Paulo: ARX, 2003. 
OTTO, W. F. Teofania. Trad. O. T. Serra. São Paulo: Odysseus Editora, 2006. 
 
5 Erwin Rhode, Psyche. Psyche the Cult of Souls and Belief in Immortality Among Ancient Greeks. Routledg, 
2002.

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