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Quem são os criminosos - Augusto Thompson

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Prévia do material em texto

ISBN 85-7387- 964-5 
I I 
97885738796 4 3 
WWvV .com.br 
EDITORES 
Joôo 
JOé)ü LUlz da Sil'\/a PJrneida 
Amílton BUUlO ele 
Cezar Hober!o BitCL\ ."c 
Cesar Flores 
Cristiano Chaves de Farias 
Carlos Eduardo Adriano 
EuçJônio Rosa 
J. M. Leoni Lopes de Oliveira 
José dos Santos Carvalho Filho 
Manoel Messias Peixinho 
Marcellus Polastri Lima 
Marcos Juruena Villela Souto 
Nelson Rosenvald 
Paulo de Bessa Antunes 
Paulo Rangel 
Ricardo Máximo Gomes Ferraz 
Sala de Carvalho 
Victor Gameiro Drummond 
Társis Nametala Sarlo Jorge 
Rio de Janeiro 
Av. Londres, 491 .. Bonsucesso 
Rio de Janeiro - RJ .. CEP 21041·030 
C.N.P.J.: 31661.374/0001·81 
Inscr. Est.: 77.297.936 
TEL. (21) 3868·5531/2564·6319 
Ernail: lumenjuris@msm.com.br / 
Home wvrw.iumenjluís.cOlTI.br 
São Paulo 
CEP 04044·060 
Telefone: (11) 5908·0240 
,..L'\ntonio Carlos IVIartins Soares 
~AuÇJusto Zimrnt:ln1al1Il 
Aurélio V']anrler Bastos 
Elida Séguin 
Flávia Lages de Castro 
Flávio Alves 
Luiz Ferlizarelo Barroso 
Marcello Ciotola 
Omar Gama Ben Kauss 
Sergio Demoro Hamilton 
Rio Grande do Sul 
Rua Cap. João de Oliveira Lima, 129/202 
Santo Antonio da Patrulha - Pitangueiras 
CEP 95500·000 
Telefone: (51) 3662·7147 
Brasília 
L 
Telefone (61) 3225·8569 
35 
I 
:1 
:1 n ti 
I 
AUGUSTO 
de Diu'i!o F'Cl1u! c 
f'rocllrlli!or do Es!([t!n do Rio de JOlleiru, 
Crim iI! il I. 
o Crirne e o Criminoso: 
Entes Políticos 
2ª edição 
LUMEN JURIS 
Rio de Janeiro 
2007 
2007 
Editorial 
Lumen Jur: teb. 
/\ LIVRARIA E EDITORA LUi'vlEN .lUFUS LTDA. 
ilbde desta obr:1. 
l~ proibida a , por 
meio ou processo, inclusive às características 
c/ou editoriais. A violação de direitos autorais 
Penal, art. 184 e e Lei nQ 6.895, 
a busca e e 
diversas (Lei nº 9.6] 0/98). 
Todos os direitos desta reservados il 
Livraria c Editora Lumcn Juris Ltda. 
r mpresso no Brasil 
Prinfed in Brasil 
"Por que é qlle ell me colo 
"Como um monge medieval 
que tivesse passado (I vida 
inteira no deserto pelejol1do 
contra o demónio e lim dia 
corno a notícia de 
que o diabo nrlo existe. " 
f\FFONSO Rorvl/\NO DE SANT' ANNA 
AUTOR 
~ Norma Penal em Branco e Retrocrtil'idade 
HisíÔriL'() do Di/'c'i!u C'rillli!lu! {:f\'o-Brusiíeiro 
- lV/C/fluol de jJara de 
- Q Advogado de Defeso !l 
FICÇÃO: 
Capítulo 1 - A Cifra Negra .......................... , ............................... . 
Capítulo 2 - A Inconsistência da Criminologia Tradicional.......... 21 
Capítulo 3- A Discriminação da Justiça Penal...... ......... .............. 45 
4 O Verdadeiro Conteúdo do Direito Penal 
Corretivo ...................... .......................... ................. 95 
5 - Conclusões .................................. ..... ....................... 127 
I _. I 8.149 elo Juiz Verani)........... 141 
II- Procuradores Reclamam das Pressões.... ................. ...... 152 
m - Superpopulação Prisional ................................... · .... ·.... 156 
IV·- O Malogro do Sistema Penitenciário Sueco ............. · .. · 158 
V -- Um Caso de Medida de Segurança Detentiva ......... ..... 165 
VI -- Pena de Morte, Prisão Cautelar e Cia. Ilimitada .......... 171 
Referências Bibliográficas ............. ... ...... .......... ... ...... ...... ............. 175 
ix 
"Eu ser esta 
{ante do que tcr ([qllc{a velho 
illada soúre tudo, " 
E 
Raul Seixas 
Thompson - Acho que ultimJ.mente minha convlvcncÍa com 
vocês tem sido intensa. Eu não saberia dizer se nas biritas interminá-
veis que tomamos a filosofia é um pretexto pra cachaça ou o inverso. 
O certo é que vocês epistemologizaram meu botequim. 
Rosa - Thompson, não seja mentiroso. Você semprc gostou de 
cachaça e filosofia. Talvez não estivesse acostumado é com o boteco 
como um lugar pra gente negar as "certezas científicas", O boteco 
sempre foi () território da eloqüência fácil, onde se trocam as receitas 
do senso comum, ou do senso comum teórico, como se as últi-
as grandes verdades da ciência. Kant é que di,scutindo 
com os percalços de sua pesquisa sobre o júri te perple-
xo eom a implosão constante dos conceitos que você supõe con-
fiáveis. 
Kan! - Pô, eu que não tenho nenhuma para o terror 
como incendiário ... Vá pra mim, o pensamento 
meus - também. cientista antro-
Poderiam, entuo, eom a leal 
frente ao leitor, sobre livro. 
converSH. foi o do consumo dc duas 
Forestier tinto. Seriam necessélrias mais 
xi 
xii 
tcm que cwtodevorar··sc, . T,~m que 1111er-
mú di () cercam. que há muitas verda-
(k.~. nilp Glbcl1l 
p~\rtiuu CLl 
S slema. l:u 
que pra 1111111 
dcvorando as 
semprlê 
a mudar 
é um jurista que a 
velhas conv' 
d~\s na escola de direito saher" dns tribunais. 
é um jurista em 
"!udila" no campo do direito, 
também como um 
destruir as 
tramos no e 
mOllGlitízar instrumentos 
cfosse dominClnte elc, Em seu discurso parece que o é 
coisa centralizada e de uma elite CJue detém os pri-
sócio-económicos. Como se nuo houvesse d eI ou 
da classe dominante 
se o caso é de elites ou de entre as 
mesmas, resistência dos dominados etc. 
r -- É verdade que sou um J em e como eliz o 
Nelson vai abandonando LI 
entrando el11 outros dom sta, Nesta 
acho que tenho mesmo uma illcli a pensar por OpOS 
refletir com mais matizes. Fundamentar certas 
que anoto. Afinal, isto seria pensar teoricamente de um modo 
sante, Mas há razões para a forma deste livro. Eu não sou um sociólo-
go, um cientista um metodólogo, um de 
como vocês, Venho certas coisas com voracidade mas, ao 
mesmo tempo, com cautelas. pra evitar uma incli 
Inclusive um de í que me deixasse enfastiado, paralisa-
do pra intervir sobre o mCl! dia-a-dia, que se passa cm grande na 
esfera elo !las jurídicas. Eu lenho coisas pra dizer, pra 
StlO os criminoso,\'? Crinu! crinri!1(Js(l:~': ('flfc'S xiii 
mudar e não vou deix:lr de fazê-lo porque não sou um súbio moderno, 
E lssÍemais do direito -
Eu que 
pra outns pessoas, Acho 
não estou me avocando urna missão e muito 
tlutrd 
. . t ~ . t l c 'I) ',\[TU-ISSO que ear~\C[enza o eonco: es ru ura- l. ::;-
tórios; j Llstapondo 
a mais plausível. fvlas a minha é outra, é 
, , a 
especialmente stificar para , JUizes, , 
que fundamenta a e o tratamento ele entIda-
des como o o Cri 
E antes que eu 
me acusam de simplificar 
nante, sistema etc., 
I a que. dou ú 
que llão tenho urna vi são 
sempre t'xpressa uma ao 
K. - Não fui eu quem Calou que você não stra a d~s 
dcll1liné\dos. Acho. que há uma a você considerar a clJ-
. ". . .\ 1·' 'c . d' rhr VilQem económICa um lllchcador seQuro e l e 111ltlVO no . L; , ( 
cO;1ta da da ~ e das estratégias de 
tratamos do Brasil, que uma 
estamos dié1l1te de uma sociedade de 
fundada no 
que 
que de acordo COI11 uma ideologia 
. . ld·1 I t d 'os cid'lel'íOS perante a contrato SOCial, que a Igua ac e (e () os. . ~ ( . 
lei, porque lhes a igualdade perante o merc:ld~), Ol;de todas as 
são de conversuo a padrões econoJ11ICos? Penso que 
xiv 
em nosso pJís a justiçJ se concebe, se representJ, não como um servÍ-
de forma pública e mas como 
que assuma os 
missos" necessúrios, nem sempre de caráter económico. O ideal bur-
da a!dade não se realizaria , nfío só porque essa 
inexiste por num sistema de e 
desde o início CO;110 mas porque nos concebemos e 
lima sociedade de s, ele e de hierarquias, eIXO 
é mas não 
O processo de aplicaçélo da lei no Brasil nada mais faria, po1'1<,1I1-
to, do que referendar sistematicamente esta desigualdade que entre 
nós ,i 
ica que recobre ;t 
nfio 
ideal é o de "nos locupletarmos todos" ... 
R. Pois é, Kant, acho que esse viés analítico é muito significa-
tivo. Aqui, não somente a sociedade se divide em explorados e explo-
radores, em opressores e oprimidos,mas nós também assimilamos o 
ideal burguês de igualdade, de forma muito complicada. Quer dizer, 
os do direito aprendem este ideal na faculdade, na medi-
da cm que importam uma cultura jurídica européia. Contudo, confliw 
com essa ideologia setorial uma macro-ideologia relativa ii totalidade 
social onde nos percebemos como desiguais, como investidos ou não 
de certos vilégios. Por aceitamos a lei como emanação de um 
poder que não é o nosso, que é o poder dos poderosos. ainda, 
opomos ao ideal europeu de cidadania a representaçélo de uma socie-
dade hierarquizada como coisa natural. 
T - E vocês acham que não percebo essa O 
por a mil+ha Lln;ilise sobre a "cifra 
ela mostra que há outros e outras normas que não são as 
ionais do 
resolvendo 0:-, 
de resolver os 
aprendidas na as recitadas 
direito lhes interessa utilizar LI da 
. Esta forma 
na cifra negra, é,inclusi 
Crinle e criminosos: entes xv 
R. - Thompson, certamente mais a conversar, 
, a essas alturas, trouxemos o nossa discussão. 
ele agora lendo seu trabalho confira a de nossa refle-
xão. Kant e eu que este livro tem uma virtude funcla-
: ele contra o uso dos illsti-
e não contra o seu abuso. E se a 
ess;1 
outro diretor de sistema 
penitenciário - você é do Desipc - ou cm escolas 
de Direito, ou em cursos da OAB, anda dizendo estas coisas'? 
A 
A CI 
"Então lhe trollxeram os escribas e os fariseus lima 
111ul qt!C fura Clll adultério c :1 puscranl no 
6. lJiziClIl1 i:,lO os tLntlilHJo () 
acusar. Porém Jesus abaixando-se, 
o dedo na terra. 
7. E como eles perseveravam em fazer-lhe perguntas, ergueu-
se Jesus e disse-lhes: O que de vós outros está sem 
o que a 
8. E tornando a abaix,tr-se, escrevia na terra. 
9. Mas eles ouvindo·o, foram saindo um a um, sendo os 
mais velhos os E ficou só Jesus, e a mulher, 
que estava no me.io, cm 
10. Enti'ío ergueu·se Jesus, e disse· lhe: Mulher. onde estão os 
(!1te te aellSitV:llll') te condenou') 
II. ela: Senhor. Enti'ío disse Jcsus: Nem 
eu tampouco te condenarei. Vai e não peques mais:' 
Silo JOcl(), 8, Novo Testamento I 
do 
vcl visualizá-lo como um 
em si mesmo, tornou 
natural c, de pronto, abriu oportu-
I. B SACRADA. Vers:lu de pl'. Antonio Pereira de Figueiredo. São Paulo, 
AlIléricus, 1950. 
1 
nidade para a criação de uma ciência que tivesse por objeto específico 
u seu estudo, 
a minologia. 
O novo ramo do conhecimento do delito 
como de tudo CJue lhe anda ú 
sando a í 
Daí, em sua aI iSt,lS escreveram, 
escrevem e V;)O escrever incontáveis obras, em todas as línguas, 
, medi classi 
icadas fórmulas matemáticas, teo-
rias, , conclusões -- ah, conclusôes em avalanche, ainda 
que inconsistentes ou contraditórias - tudo envelopado cm atmosfera 
grave, scca, para UlTlCt 
ve rdudei r{f ciêncio, 
mi nal ch::ntn) 
definido 
conseguiu-se, cm boa medida, barrar seu à lllvasão do interes-
se ou da curiosidade daqueles que vivenciam a realidade concreta das 
infrações penais - isto é, o comum dos mortais - porque havidos 
como carentes da formação indispensável que lhes autorize a penetra-
ção em tão complexa disciplina. Conquistada a prerrogativa de con-
templar o crime em "esplêndido Ísolamento",2 os especialistas atribUÍ-
ram-se o direito de reservar um espaço de sua exclusiva competência, 
rejeitadas intromissões indébitas a quem não ostentasse suficiente 
qualificação p~a merecer o título de criminólogo, Afinal, o templo do 
sábio-técnico deve cerrar as portas à entrada da ignorância do vulgo, a 
quem cabe apenas suportar a catadupa generosa e cachoante do saber 
científico, que esguicha da boca erudita dos sacerdotes, 
tardou a surgir um movimento de rebeldia contra fortale-
za assim hermética, puderam os criminólogos gravitar em torno às 
suas fantasias com desenvoltura e na segurança do proprietário 
que não teme esbulhos quanto ao terreno cuidadosamente cercado c 
defendido. 
2. CHRISTIE, Nils, Prcfácio do 
London, Tavíslock Pub" 1968, 
. SC({lIdinol'inll SI/Idies iii 
sâo os criminosos: Crime e 3 
Aliás, a criminologia seguiu, pura e simplesmente, o exemplo da 
irmã mais velha, Jpsiquíatria, 
Talvez passJr, e logo, à dos erros 
deste engendrJmento, Isso, contudo, estaria ent .kl.i)acor-
do com a forma pela qual se deu o levantamento daqueles 
S o curso natural das coisas, partindo do dado que se apresen-
tou como a ponta de verdade a ser 
A pJrtir de meados do nosso século, algumas pesquisas 
ram evidenciar a existência de discrepância entre o número de cri-
mes constantes das estatÍsticüs oficiais e a realidade escondida por 
trás dele, Observou-se que, embora os índices da ordem formal 
indiquem existir uma considerável quantidade de infrações, o total 
dos delitos de fato prat , A 
reduz.ida minoria das viul 
cimento A brecha 
os [rados denominou-se "clÍ' il 
expressão que logo se firmou, enquanto ômel10 
muito comum. 
Para bem compreender a questão, impõe-se lembrar que crimi-
noso, em sentido formal, é o indivíduo condenado pela justíça 
sobretudo se for recolhido à prisão, fazendo jus, dessa maneira, ao 
rótulo de delinqüente por parte do grupo social. De outro lado, cabe 
recordar que, da prática do delito à condenacão do autor indo um 
pouco adiante, até seu encarceramento) há um obrinatório caminho a , b 
ser percorrido, o qual oferece como etapas marcantes as seguintes: a) 
ser o fato relatado LI polícia; b) se relatado, ser registrado; c) se 
trado, ser investigado; d) se investigado, gerar um inquérito; se 
o inquérito, dar origem a uma denúncia por parte do promo-
tor; f) denunciado, redundar em condenação pelo g) se, haven-
do condenação e expedido o mandado de prisão, a polí-
cia vamente o executa. 
Estigmatizada como criminoso a suportar a 
conceitos e tratamento diferenciado por 
elemento 
será a pessoa que, além de haver 
cm abstrato em norma 
indicadas e termina confinada numa penitenciária. Se alguém 
viola um escapa de 
lido pnl' criminoso. 
na este 
idadns<ls demonstrar que Cll c;\da uma 
fascs n.:ferida:.; ocorrc Ullla cntre o Ullivcr:;o dditos 
o número dos qUL' a ordem oficial. H~. 
P()I descumpasso 110 CIC!!/'{j ( ifra 
n:ío ter 
os dados que ,Ipenas 
ínfima la dos crimes a receber npe 
sendo que destes tão-somente uma minoria leva os autores ao cárce-
lit:lr dd ifra negra. 
honestamente através de um exame 
em nossa viua: de nós é de assegurar jamais haver come-
tido sequer llm único ilícito até o dia de 
Lembremos que concorrer de qualquer modo para 
sua prúti ca) os ::ttos a arrolados 
do de vista ideal: comprar de cuntrabandista uÍs-
de levar 
sem 
suficiente provisão de fundos; 
de dív cometer adultério; 
atestado médico 
gn sem 
paralelo, para usar ex mais ; jogar no no 
buquemêiquer; sendo funcionário (inclusive juiz e 
char num dado sentido para atender a pcdido de 
e crinlinosos: Cl1rcs 5 
assinar lista ele presença à auja por ausente; etc., 
. etc. 
de ern conse seremos cap(u~es ele nos j u 
inOCC1l1 de todo delito'! pr()va\'l~ll1lcllte - cntre este:s, 
dizer, n~ío se encontra o autor ckstas línlus. 
descritas constitui crime c, 
S()S, n a 
maioria. de nós nunca teve nenhuma fafo delituoso sequer relatado à 
o conforto da ci fra ncgra. 
antos abortos !cVàUOS a c to ao 
conhecimento das autoriuades? E fUl'tos em 
relacionadas com a 
lesões 
freqüência através de entre víti-
mas e ; os roubos (a vítima, por medo ou por julgar uma 
de prefere não comunicar o fato Zl ; a 
acidentes de trânsito, e assim por diante'! 
a própria polícia conduz o lesado a concorrer 
para o da cifra negra, já para evitar que as estatísticas 
demonstrem com toda a crueza a enormidade das práticas 
o que em dúvida sua em 
sufocante plctora de casos que a esmaga no 
Nem se que escapa ao fenômeno da cifra negra um 
to como o homicídio. entre parentespor melO do emprego de veneno ou de ficam no 
por certidões de óbito inexatas ou des-
por médicos que se basearam em ln 
de familiares da vítima'? 
"Nos Estados e ainda no a de uma 
vítima conduziu à de muitas outras que 
sido ass,lssinadas uma a lima, enterradas c, aparentemente, 
nunca dadas como Histórias se com som-
bria acerca de corpos encontrados enterrados cm 
isolados. de homicídios cm massa por empregados ou 
6 
guardas de prisão tanto quanto por anarquistas ou por políticos extre-
rnistas."3 
da 
mortos, 
foram executados pelos 
Quantas pessoas encontradas 
a no sentido de terem 
natural, quando, cm 
Veja-se, a 
a de morte 
"Uma após outra, oito mulheres idosas, cada qual vivendo 
sozinha na mesma rua cm Manhattan, foram encontradas mortas 
durante a e venl0 ele I havia 
li duas das s 
m 
morrer, 
ainda mais duas."4 
a alcoolismo. ando Ulll 
a lí ltil muI a 
as havia matado a todas e 
Sobretudo ingleses e americanos têm investigado e tentado a 
mensuração da cifra negra neste primeiro passo (relato à polícia), pro-
curando quantificá-la, ao menos, aproximadamente, concentrando as 
pesquisas nas três pontas do fenômeno mais propícias para tal finali 
dade. Para isso, realizam inquirições com respeito a grupos, os mais 
numerosos possíveis da população, indagando, por meio de formulcl- .-/ 
adequadamente preparados, quantas vezes caela uma das pessoas 
já praticou (pólo ativo) ou foi vítima (pólo passivo), ou de alguma 
forma tomou conhecimento (pólo neutro) de delitos que não 
rarn a ser relatados à polícia. A elos dados élssÍm obtidos 
com nas oficiais tornou possível a 
inferência de algumas conclusões que, se ser tomadas 
como fornecem, de qualquer sorte, uma idéia da extensão do 
tema. 
RADZINOWICZ. Leon 
Hamilton Lid., 1977. p. 
4. Id., p. 
CrOl1'11r 
sao os cril71l!1(J,I,'()S? Cl'ime e (TI.'11I170\,{.IS. 7 
Em Nova Iorque, por exemplo, ocorrem pelo menos duas 
vezes mais ais do que as que são objeto de relato. Em 
Filadélfia, cinco. Na Alemanha, em termos de aborto, a é 
de 500 para um; cm matéria de crimes sexuais, de 10 para um; no 
que toca a homicídios, entre três ou seis para um; e no caso dos cri-
mes contra o património, de oito a lO para cada um. Na Inglaterra, 
;1S mais modestas vas indicam que o total dos delitos 
cados deve ser superior a quatro sendo certo que 
metade ao conhecimento das autoridades. Em termos de 
homicídio: 
"Algumas estimativas v50 ao ponto de afirmar que somente 
um homicídio em cclda três ou dos 
outras quc a rel 
se a 
ainda mais precário em face pobreza das próprias estatísticas ofi-
ciais, resulta difícil dimensionar o espaço escuro onde se abriga a 
delinqUência n50 relatada. Contudo, valendo-me dos 43 anos que me 
ligam ao cotidiano criminal, sou levado a concluir que as estimati-
vas anteriormente referidas são por demais reduzidas para o panora-
ma brasileiro. À minha experiência, somo a intuição de policiais, 
promotores, juízes, advogados, com dedicação de muitos anos na 
área da administração da justiça, os quais, por mim consultados, 
manifestaram a mesma impressão. Creio que, ainda numa previsão 
cautelosa, no mínimo dois da globalidade 
das condutas delituosas de fato adotadas não chegam à ciência da 
polícia. 
Crimes Mas Não Registrados 
Por vezes, a notícia de um fato 
lO da !11 o que 
/ 
8 
deve estar 
r, e 
bera social, 
possível 
razões 
duros que for 
independentemente do 
e que lhe ordenam for-
mal um procedimento criminal contra o autor de um delho, 
desde que este, de alguma lhe ao conhecimento, 
de uma 
os COll Í1.os 
com o dos jurisdi 
Mostra-se vi,'ive!, em inúmeros casos, compor os interes-
ses do criminoso e da vítima por meio de um trabalho de persuasão, 
de apelo à mútua compreensão, de desarmamento dos espíritos; por 
que desprezar essa via para obedecer cegamente ao texto frio das 
registrando o fato, expondo o agente ativo aos riscos de um 
processo criminal e cortando, praticamente, a possibilidade de o 
sujeito passivo ter seu prejuízo indenizado? (A lei penal empresta 
nenhum valor - de fato, apesar de sua retórica não admitir isso com 
franqueza - ao ressarcimento do dano, de maneira que se tiver de 
enfrentar uma acusação já formalizada o criminoso se recusará a 
reparar a lesão causada, pois que a providência em nada melhorará 
sua posição.) 
Ademais, a existência do registro vai determinar, necessariamen-
te, uma série de atividades por parte dos servidores da polícia; evitá-
lo, pois, representa economia de trabalho e de gastos - meta de abso-
luta prioridade numa delegacia policial, sempre assoberbada com 
quase insuportável quantidade de casos, 
Lesões corporais entre parentes (sobretudo marido e mulher, pais 
e filhos, amigos ou colegas), mero uso de tóxicos, furtos em super-
mercados, crimes contra o património de forma 
etc., embora levados à mesa da autoridade de dia, e embora consubsc 
slio os cril1únosos? CriJJ7e 
tanciem verdadeiramente delitos 
negra, por falta de 
Neste passo, 
por 
implica a cri 
exame 
resvalam para a cifra 
opera 
gozam de tanta ou 
absolutórias. efeito, 
a o criminoso da trilha Cc única 
via) capaz de conduzi-lo à da Naturalmente, 
como em todo e qualquer julgamento, o episódio e o autor são encara-
dos da subjetiva do julgador, que os 
por meio cÍl; 
a 
crim 
oculta. 
Importante motivação a engrossar a hipótese, encontramo-Ia no 
espírito de corpo dos membros da instituição policial. Quem traba:ha 
no ramo sabe que, a qualquer momento, pode encontrar-se env.olvld.o 
em evento no qual se veja apontado como infrator de algum dISpOSI-
tivo penal. Semelhante expectativa é inerente à profissão. Como a 
própria polícia apura os delitos atribuídos a policiais, compreende-se 
que tal circunstância crie uma atitude de protecionismo dos colegas 
que atuam como autoridade repressora relativamente aos colegas que 
são acusados, uma vez que as posições, num amanhã próximo e pro-
vável, poderão estar invertidas. Vigora, então, uma forte coesão fun-
cionai, sendo considerados aqueles que recusam endossá-la como 
maus companheiros, traidores da classe, indignos de pertencer a seus 
quadros, condenados a viver em ostracismo e, até, em regime de pe!'-
seguição. Ora, a maneira mais expedita de inviabiliza~'-s~ a pumçao 
do autor de um delito é de registrar o fato cnmll1Oso. Uma 
forma atenuada, ou habilidosa, largamente de executar a 
manobra consiste em: 
"Instaurar sindicância administrativa sumária e ~vo~ar.o 
inquérito para a Corregedoria de Polícia são as pn~clpals 
providências que a polícia toma para investigar cnmes e 
10 
arbitrariedades em que figuram policiais como autores ou 
envolvidos. "6 
Em vez do no I ele a-se para uma 
disci inar, que correrá no âmbito interno da Secretaria de 
Segurança, obviada assim a submissão do problema à do 
Mi o Público e do Juiz. 
xam de ser de vanta-
gens, dinheiro) e de prevaricação (atendimento a de pessoas 
poderosas, chefes, colegas, amigos, protetares e por aí afora). 
o mero do evento um mCI-
piente no rumo de sua exposição ao claro. Se a ele faltar a conseqüên-
cÍa de uma investigação com êxito, o fato que mereceu um lampejo de 
luz retroage à escuridão. Com enorme incidência, verifica-se a ausên-
cia de qualquer investigação com respeito a delitos que foram objeto 
de registro. Este é o caso de absoluta predominância no concernente 
aos crimes contra o patrimônio. Já por causa do elevadíssimo número 
em que ocorrem, já parque em geral fornecem diminutos elementos a 
permitir um simples vislumbre de elucidação, tendem a jazer esqueci-
dos no mofo dos livros de ocorrências. Quem já foi vítima de furto ou 
de roubo - de automóvel, de valores que possuía na casa assaltada, de 
bens partados na condução ou na rua - sabe que, mesmo ficando em 
cÍmados funci a fornecer apoio, meios, gratificações etc., 
dificilmente a real de uma investigação sistemática, cui-
dadosa, ou mesmo interessada. A maioria das pessoas, por tomar 
conhecimento de tal circunstância, desanima de sequer tentar provo-
car algum nos deteti ves formalmente encarregados no 
caso, o qual só será por pura questão de sorte. 
6. SILVA, J. Paulo da & BRAGA. Ronaldo . .Ioma! do Brasil, Rio de Janeiro, 198 I. 
12 cad., p. 22. 
selo os crinlinosos? CriUie e crinllnosos: entes 
Embora o problema seja mundial, dificilmente se encontram 
dados elucidativos a a título de 
exemplo aleatório, para o quadro a 
TIPO ou INCIDENTE 
Homicídio 
Suicídio 
rncêndio doloso 
Furto de automóvel 
Lesão corporal grave 
Roubo 
Estelionato 
Crimes sexuais graves 
Lesões corporais leves 
Furto não-residencial 
Cadáveres encontrados 
Furto em residência 
Furto simples 
Vandalismo 
Perda de coisas 
Todos os tipos juntos 
Fonte: Cidade de Kansas - maio/novembro de 1 
PORCENTAGEM 
100 
70,4 
65,5 
64,4 
62,6 
59,6 
59 
41,8 
36,3 
35,7 
30,0 
18,4 
6,8 
0,9 
7. Apud CHAIKEN, Jan M ; GREENWOOD, Peter W. & PETERSILIA, Joan. 
Criminology Review Yearbook. 1 :711-41, 1979. . , 
motivaram Se 
crimes a ser relata-
e, que certamente muitas das 
não obtêm sucesso, fica fácil avaliar a 
que ostenta o mundo da criminalidade 
oficial relativamente ao universo da 
Crimes 
de Processo Penal 
polícia a possibilidade de arquivar autos de inquérito. Naquela época, 
pois, a faixa de acomodação viável de ser conseguida na delegacia 
estreitava-se entre a ciência do fato e seu registro. 
Depois, com força irresistível, surgiu uma prática que, como ver-
dadeiro direito costumeiro, veio a suplantar e revogar a norma escrita. 
Por ela, tornou-se possível à polícia deixar de instaurar inquérito com 
referência a fatos delituosos, mesmo que tenham sido objeto de relato, 
registro e investigação. Abriu-se, pois, à revelia do.--Código, uma opor-
tunidade a mais de perda entre a globalidade dos crimes efetivamente 
perpetrados e aqueles a serem iluminados pelo facho das estatísticas 
oficiais. Conhece-se o uso ern causa pelos nomes de acaute!wnento 
ou arquivamento de sindicâncias. Verifica-se ocorrer, aqui, mais uma 
hipótese de transferência para a polícia do julgamento da causa, espé-
cie de delegação manifestamente contrária a toda a sistemática de 
nossa legislação. até, com a atribuição de um poder mais discricio-
nário ao delegado do que aquele conferido a promotores e juízes, uma 
vez que se dispensam maiores formalidades na citada solução, inclusi-
ve no relativo à motivação justificadora da medida. Reiteradas vezes, 
o despacho terminativo do feito restringe-se a um lacônico e imotiva-
do "Acautele-se", de sorte que ao delegado se poupa o trabalho incô-
modo de armar uma convincente süstentação em amparo ao decidido, 
silo os' crilninosos? CriJl1e e crinú!1()so,s': entes 
coisa a que estão obrigados os membros do Poder Judiciário 
A moda 
para o escuro. 
vazadouro de do claro 
Para comprovar a acaso fosse insuficiente o testcmu-
nbo de bastaria lembrar um 
vendo-se frustrada em na 
busca de melhoria de vencimentos, 
que chamou de . se não () aumento reívindica-
seriam instaurados inquéritos para todos os eventos objeto de 
registro, ou seja, obedecendo literalmente à determinação da lei, aban-
donaria o aos aeautelamenlos. Atender a e1 a sol 
os por obedecerem à (ou olhando de outro por 
recusarem a agir fora da lei). De outro lado, caso nascessem inquéritos 
de todos os registros, o judiciário estaria afogado em uma semana, 
mortalmente paralisado, sem sequer espaço físico para amontoar a ava-
lanche de papel que para lá jorraria das delegacias. 
Na base do arquivamento de sindicâncias predomina, com inci-
dência largamente superior, a corrupção e a prevaricação, embora, por 
vezes, expresse o sincero convencimento de que, naquela hipótese 
específica, inexistiu um verdadeiro delito ou, mais freqUentemente, 
que o indiciado refoge ao estereótipo de um típico criminoso, fazendo 
jus, dessa maneira, a um ato de complacência e compreensão. 
Novidade mais recente que os acautelamentos, os autos de resis-
tência contribuem para o incremento da cifra negra, suprindo-a de um 
contingente de delitos graves, perpetrados por policiais. Emprega-se o 
expediente como fórmula de suprimir ao exame do Judiciário homicí-
dios e lesões corporais praticados pelos agentes da ordem pública 
quando matam OLl ferem supostos meliantes no exercício (também 
presumido) da atividade repressiva. Em episódios dessa na~ureza, a 
autoridade de plantão limita-se a lavrar um termo no qual regIstra que 
o sujeito ativo da infração agiu em estado de legítima defes.a, c(~n:e­
de-lhe liberdade e procede à confecção de um simulacro de lI1~uento, 
no qual se limita a tomar as declarações dos policiais envolvldos~no 
14 
caso. Obviamente, apenas uma única versão fica consicrnada no feito b , 
exatamente a que favorece a posição do agressor Oll dos agressores. 
algum outro magistrado levanta a voz para demonstrar a ile-
galidade do procedimento em pauta, a judiciária ollvi-
moucos, preferindo encarar a questão numa perspectiva pragmáti-
ca, e se acomodar com a solução quc simplifica e facilita as coisas. 
para o exemplo concreto no APÊNDICE 1. 
se os policiais cobram de maneira tão exaltada o direito de 
dispor da vida jurisdicionados, a recusa a tal prerrogativa por 
dos promotores e juízes poderia gerar um estremecimento nos 
laços que ligam as respectivas instituições, algo que se considera 
muito prejudicial ao bom funcionamento da máquina repressora como 
um todo. O que o sistema deseja é vê-las agir em perfeita harmonia e 
entrosamento. a a, "a a 
do de bí Jorge Elefante i 
estourada na mesma hora em que o Secretário de Segurança, 
general Waldyr Muniz, e o comandante da PM, coronel Nilton 
Cerqueira, acabavam de almoçar no 12º BPM, em Níterói, eom 
27 delegados do interior, 13 comandantes de quartéis da PM, 
sete juízes e dois promotores, convocados para a reunião a fim 
de 'sanar qualquer divergência entre a PM, a Polícia Civil e a 
Justiça. ' 
........................................................................................................ 
Na reunião, Nilton Cerqueira disse que a PM desenvolve 
um trabalho 'em defesa dos direitos humanos e cristãos'. 'A 
união faz a força', disse o general Muniz."8 
Crimes Cujos Inquéritos São Arquivados 
pelo Ministério Público 
Muitos dos inquéritos instaurados terminam sem que a polícia 
logre elucidar a autoria dos crimes em apuração, sendo, nesse caso, 
8. O Rio de 27 jan. 1982, p. 11. 
S{{O os' cril71inos{).f;: CriJne e cr;',11iI10,I,'OS: 
l'emetidos a Juízo sem a indicação do culpado. Em tais hipóteses, 
outra alternativa falta ao Promotor senão a de pedir o arquivamento 
do feito. I-louve o delito, disso há certeza; porém, por falta de 
tos, torna-se inviável processar - e, condenar - o crimino-
so, o qual, fica oculto à sombra da cifra negra. 
Outras razões, como veremos adiante, podem levar o Promotor ~l 
renúncia quanto a movimentar uma penal contra alguém. Por 
ora, contudo, chamar a para o já referido: delitos 
de existência comprovada, mas autores, não ter sido levan-
tada a autoria, não são considerados criminosos ordem formal, 
ficando de fora das estatísticas oficiais. É que o dado a seguir forneci-
do desacredita a alegação, por vezes sustentada pelos defensores da 
criminologia tradicional, de que a cifra negra só mostra relevância 
a de mínima a, sendo ele 
delitos graves, como, por 
lUdo o mais vimos sustenbndo fosse 
a desrazüo do a só do 
ria tal efeito: 
o 
para (lémonstrar 
detclmina-
"O Departamento de Polícia Especializada (DPE) admitiu 
ontem que existem atualmente cinco mil inquéritos de crimes de 
morte san solução,todos a cargo da Delegacia de Homicídios. 
Esta estatística - apontando uma média de um mil homicídios 
por ano foi feita considerando apenas os anos que se seguiram 
à fusão dos antigos Estado do Rio e Guanabara . 
Estes números constam do relatório sobre as atividades da 
Delegacia de Homicídios durante o ano que passou, encami-
nhado pelo delegado Arnaldo Campana ao diretor do DPE, que 
remeteu ao Secretário de Segurança, general Edmundo 
Mllrge1. 9 
Somente entre 1975 e 1980, alguns milhares de assassinos 
engordaram as hostes da cifra negra. Como, no mesmo período, as 
por homi não a casa das centenas, 
9. O GLOBO, Rio de Janeiro, 15 ago. 1980, p. ! 2. 
16 
torna-se 
crimes relativamente às 
como é o caso do 
mais enfaticamente 
separa o universo dos 
num dei 
merecem as 
real 
formal 
assim pela ordem 
à penitenciária), 
na elos 
que identificados que servem 
ínfima da totalidade? 
Além dos processos em que o próprio 
de um culpado hipótese em que se vê 
Iram pUf . r 
de uma e outro de acentuada no tante ú 
aquilatação do valor probante dos elementos carreados aos autos. Por 
isso mesmo, ainda quando a polícia dá o caso por resolvido, conside-
rando haver descoberto a autoria do crime, ao promotor ocorre pedir o 
arquivamento do feito, por lhe parecer serem os indícios reunidos insu-
ficientes para gerar sequer um princípio de convicção. 
Percebemos aqui que também ao promotor se faculta uma 
oportunidade de julgamento do caso, uma vez que decidir aquilo a 
ser considerado como indícios s~~ficientes ou insuficientes exige 
uma consideração valorativa sobre o conteúdo do processo. Como 
em todo o julgamento, a matéria será enfocada através do subjeti-
vismo de quem a examina, uma vez que inexiste a possibilidade de 
alguém adotar uma posição inteiramente desinteressada frente a 
qualquer problema relativo à espécie humana. Por outro lado, em 
área tão fluida como essa, inexiste fórmula apta a limitar de manei-
ra rígida e exclusiva os verdadeiros motivos aceitáveis no sentido 
de autorizar a solução do arquivamento. Necessariamente, 
espaço para a manifestação da atividade discricionária quem vai 
decidir a matéria. 
Como conseqüência, embora sustentando a posição por meio de 
um discurso dissimulador, muitas vezes o promotor reqller o arquiva-
mento por entender que o apontado autor não um verda-
17 
cieiro ainda que do 
e de ser o indiciado seu 
Tudo isso 
de fato concretizados e os aparecem na claridade da ordem 
formal - para cOnlradizer a realidade do r 
Na 
ondc há 
acerca da conveniência da 
do !''lIi!li 
Poder 
no concernente ao 
a denúncia. recursos nesse 
e se resolvem no àmbito interno da instituição. 
manipulação dessa faixa de poder, como sempre acontece 
fora dos 
lei, influenciando-se 
o 
m, são se busca aliviar a sobrecar-
ga de serviço das Varas Criminais, ou porque o promotor discorda da 
criminalização de certos fatos, ou porque se apieda de alguns acusa-
dos, ou porque, naquele dia, se reconciliou com a namorada e deseja 
expressar sua satisfação por meio de uma atitude de magnanimidade, 
ou por mil outros motivos que nada têm a ver com a efetiva existência 
de um delito praticado por uma pessoa perfeitamente identificada. 
O que, de resto, não representa nada novo no front ocidental: 
./ 
"Noventa e nove de cada 100 pessoas detidas por acusação 
de delítos graves, na maior cidade da nação (Nova Iorque), 
jamais vão para uma prisão estadual e mais de 80 não são sequer 
denunciadas como criminosas."lo 
Claro, também a corrupção e os pedidos e ordens podem intluir 
no ânimo do promotor para conduzi-lo à decisão entre o arquivamento 
e a denúncia - embora a primeira causa seja infreqUente (o pape! do 
corrupto, o sistema designou a polícia para desempenhá-lo). 
10. THE NEW YORK TIMES, aplld Tlle Atlanta Journal, Georgia, USA, 5 jan. 
1981, p.9A. 
! 
i 
,.l 
'j 
18 
Quanto à ÍndícÍo de seu alcance 
na 
CriU1eS que em 
Instaur,lda a 
"Tudo 
são 
absolver." 
o processo terá de pros-
terminativa do Juiz. Às demolls-
em sentido 
a crer que houve o cnme e o acusado é seu 
aquela certeza 
capaz de uma 
por que me na contingência de 
muitas vezes esconde tal fórmula o verdadeiro 
motivo que levou o Juiz a livrar o réu de uma pena, sendo tão-
somente. como a mais e cómoda maneira de 
Àtrás do biombo, podem estar o 
de a. 
sistência das afirmativas da criminologia positivista, a qual se alimen-
ta quase que exclusivamente de pesquisas realizadas sobre os mem-
bros das populações prisionais. Àdiante, atrevo-me a pensar. 
~ . 
Condenado o réu a urna pena 
Juiz expede uma ordem (mandado de 
que efetue a captura do condenado. 
de que nào surs'is, o 
determinando à polícia 
. Pois .bem, existem no país mais de mil mandados por cum-
pnr. ConsIderando que contamos com cerca de 120 mil encarcerados, 
constata-se haver muito mais condenados soltos do que dentro das 
p~ni.tenciárias, ou ainda: a população prisional representa uma parcela 
d1l1l1nuta no que concerne aos criminosos assim etiquetados pela 
ordem formal, os quais, por seu turno, configuram reduzido número 
da cri rní total. 
Àlgumas evidentes conseqüências decorrem da existência da cifra 
negra, como anota, por exemplo, Sir Leon Radznowicz: II 
a) representa a substância do crime, enquanto as estatísticas oficiais 
são tão-somente sua sombra; b) torna extremamente difícil descobrir 
os verdadeiros caminhos e composição da criminalidade; c) restrin-
g~ e distorce nosso conhecimento a respeito dos criminosos; d) as 
atItudes d~sociedade com relação ao crime e à punição são inevita-
velmente irrealistas; ,e) impõe-se como o maior fator no enfraqueci-
mento de qualquer efeito intimidativo que a punição ou o tratamento 
dos criminosos pudesse ter; f) provavelmente, o sistema não tem o 
menor interesse em tentar diminuir a cifra pois a polícia, os 
promotores, o Judiciário e os estabelecimentos prisionais sucumbi-
~'iam se tivessem que lidar com todos os que, realmente, praticam 
mfrações penais. 
Também a ONU já afirmou que os estudos acerca da crimínaJi-
dade oculta em xeque as tradicionais relativas ao 
problema da delinqUência. Estas doses de 
! ! . 0v cit., pp, 52-4. 
20 
de modo a demonstrar que toda 
l~(ILL!" de e 
Capitulo II 
A 
CRIMINOLOGIA 
TRADICIONAL 
"O conhecillli'nto 
r('!l{ç'{{.')1 tl.\'sinlÍ!u os' coj,,>'{f,\' 
I1cn/llurt de perdae/c. (f 
i,\'so, o conhecilllento SenljJre lilll de.'lconhe-
cimento. Por outro !ado, é sel!Jpre que 
visa, nwfdosa, insidiosa e ag.ressÊvCl/l1ente, 
indiv(duos, coisas, situaç6es. " 
Michel Foucault l 
Três postulados seguram todo o edifício da construção crimino-
lógico-positivista: l. O crime é um fenômeno naturaL O estudo do 
crime deve ser realizado através do mesmo processo de conhecimento 
usado para as ciências naturais. 3. Pela observação e pesquisa dos 
minosos, assim identificados oficialmente, é possível desvendar as 
causas do crime e extirpá-las da sociedade. 
Submetidas a uma crítica que prescinde de maior profundidade, 
tais afirmações se esboroam, deixando à mostra o miolo nelas conti-
do: um saber promovido pelo poder dominante, permeado de conteú-
do político. Tratemos de examiná-las, olhando-as pelo avesso. 
l. CADERNOS DA PUe. A verdade e as fórmas jurídicas. Rio de Janeiro, 1978, 
p. 19. 
21 
22 
o Crime Não é um Fenômeno Natural 
para posicií).tHlf o crime corno 
ci em reconhecer-lhe a 
natura!", isto é, que 
vel como. um ser em si mesmo. 
vistas a tal mister, impunha-se recusar o 
na fase do Direito Penal de acordo com o qual, na elegante 
sentença do scu mais completo e coerente mestre, Francesco 
Carrara: "O crime é um ente jurídico." Aceitar a concepção deli-
to como alguma coisa dependente da legislação importaria em 
empurrá-lo parao mundo das normas, e este, obviamente, constitui 
regaço uado para aninhar uma natural. Dentro da 
a onde nasceu a crim as 
ou tra. 
CGmo incomu 
ma deJas com 
por 
O objeto da ciência positiva tem que ser, de modo estável, defi-
nido, absoluto. Ora, a definição das infrações pelos preceitos legais 
caracteriza-se pela fluidez, pela mutabilidade, pela extraordinária 
variação em função de sua colocação em termos de tempo/espaço. 
Agir de uma certa maneira pode ser crime hoje e aqui, mas pode ser 
lícito hoje lá ou tê-lo sido aqui ontem ou vir a sê-lo aqui. amanhã. 
Como observou um autor: "Uma criminalidade que é regulada em 
parte pela cronologia, em parte pela longitude, não se presta facilmen-
te para uma discussão científica."2 
A rigor, se por cientifica queremos dizer cientifica-natural, não 
se presta de jeito nenhum. 
Somente conceituando o crime em total independência quanto 
leis é que se poderia elegê-lo como objeto próprio de uma disciplina 
ex ata. 
No de atender a esse pressuposto incontáveis tentati-
vas foram feitas, e continuam a sê-lo, na busca de apresentar lima 
de delito. 
2. ELLIS, Havelock. The Criminal. Londres, $. cd., 19 J 4. p. 2. 
os crinzinosos? Crirlle e Cri!11ino:üJs: ente}; 
muito talento, resmas de papel e de tinta 
do em causa. Desde 
dos 
uma profusão 
cada crimi que se 
preza adota no que concerne ao O fato indiscu-
tível é ínexistir a mais longínqua ou remota esperança de consenso a 
o que parece comprovar a presença de 
l:m 
fico i para cevar 
experirnentaI. Nesse passo, os psicólogos obtiveram mais sucesso, ou 
foram mais o elemento 
metafísico "alma" na de 
tude dessa 
dela descartar 
em o 
contas, 
normativa. 
que tira da 
iI idéia de 
lei que só em vir-
lado 
i. 
Trau. B Silveira. Süo 
24 
outros, cuja criminalidade é 
criminosos em todos os 
resultariam 
que se possa chamar 
atribuído por uma lei "6 
U<"-,LlIJ':L{A;;' de superar o relativo à conceituação do crime 
como "fenômeno natural", a maior parte dos criminólogos adota 
impassível postura: concorda quanto a estar num beco sem saída, con-
forma-se, elimina das cogitações qualquer preocupação relativamente 
ao ponto, mas persiste com afinco na tarefa de trabalhar no edifício da 
criminologia positivista - que flutua no éter, à falta de alicerces. 
Assim, criminologiza-se numa espécie de colorido balão solto no 
espaço, carente de vínculos que o liguem ao chão da realidade. 
.Quadro singular o da criminologia: ciência natural que não dis-
põe de um objeto de estudo precisamente definido. 
o Estudo do Crime Pode Ser Realizado 
Através do Mesmo Processo de Conhecimento 
Usado as Ciências Naturais 
do das tentativas de conformar o crime à condi-
de fenómeno natural, nem por um instante ocorreu qualquer vaci-
6. BRUNO, AníhaL Direito Penal. 2. ed. Rio de Janeiro, Forense, s,d. tomo I, 'p. 269. 
sua 
slio os crhnillOSOS? CriJne e critninosos: entes 001.1111"']\' 25 
com referência à escolha 
científica: 
"Uma sol 
ciências naturais 
mcnto da 
das 
do :~;tatlls ele 
objetos 
a serem na 
método das 
sob o argu-
o avanço obtido na química, física, astronomia, biologia encheu 
o homem 
para a buscasse 
usar o mesmo conduto no concernente ao novo campo que se abria, 
aquele em que o principal objeto de estudo era o próprio homem, 
enquanto ser político. A assimilação deu-se de forma tão decidida que 
se projetou, até mesmo, na nomenclatura escolhida: v.g., à sociologia 
apelidou-se defísica social. 
Não parece difícil, porém, apontar o erro básico que macula tal 
postura. 
Quanto ciências naturais, o homem assume a posição de sujei-
to e a matéria de seu interesse oferece-se corno objeto, algo à sua 
frente, autónoma com respeito ao investigador. (Advirta-se estarmos 
procurando simplificar a explanação, pois, em verdade, em nenhum 
domínio do conhecimento se identificará alguma coisa que seja intei-
ramente objeto relativamente a um homem sujeito: ambos estão no 
mesmo mundo e, de alguma forma, interagem).8 No caso das ciências 
sociais, torna-se evidente a impossibilidade de realizar a cisão sujeito 
x objeto, haja vista estar o homem, de forma principal, nos dois pólos 
7, SANTOS, Juarez Cirino dos. A da Rio de Janeiro, 
Forense, 1979, p. 16. 
8, A da nm,b""A'''' María Alice Máximo, coIbida oralmente. 
26 
da relação. "O homem é, a um só tempo, sujeito e objeto das relações 
. ,') 
m 
humana são 
funde com o 
di 
sociedade." I o 
desenvolvimento c trL1nsfor-
em que se desdobra a ex istência 
S, um que se con-
cito que o conhece: não a ser 
ela natureza e as ciências da 
Com efeito, o sucesso do método ou positivo 
medularmente, da neutralidade e desinteresse por parte do sujeito 
cln elo estu-
c 
vel encontrar neutralidade por parte do cientista enquanto trabalha no 
terreno das ciências humanas? 
"A questão da neutralidade do conhecimento científico 
(produto de um instrumental técnico, neutro), ou de sua objetívi-
dade (relativa a dados objetivamente verificados), depende, por-
tanto, da imparcialidade de um sujeito que como parte de 
s~u próprio objetó." II 
"A questão, agora, é esta: corno é possível a imparcialidade 
do sujeito, se este, como sujeito, é, também, do objeto 
investigado?" 12 
o cientista está encarnado num homem, situado numa dada 
na qual ocupa um determinado lugar específico em 
aos outros indivíduos, com se relacionando politicamente, vincu-
9, SANTOS, Juarez Cirino dos. 
10. Id., íb. 
I I. leL 1. 
12.ld., 
p. I 
.v{ío os criJlÚnOS05'! Cri/11e c cri"ú!losos: enTes 
lado a grupos que se formam em funçã,o da distribuição inigualitária 
da da propriedade, do status, das recompensas etc . 
ser - ou, para usar s elucidativa, ser 
político - é-lhe impossível toda essa gama de 
a ponto de o meio a que 
como alguma coisa que não lhe diz e, forma, observá-
lo com a distância necessária para fazê-lo um objeto alienado de seus 
interesses: "... como se uma ameba saltasse da làmi-
na de um para o visor, c do visor para a lâmina, tentando 
observar a si própria".13 Só na mais das será viáVtl 
conceber alguém capaz de enxergar o grupo humano sem fazê-lo atra-
vés da intermediação de representações de valor, as quais estarão 
meadas da influência da posição do sujeito no que concerne ao confli-
to de entre as chtsses Em suma, na h;i um 
resultado 
grupos 
ante adas qu 
ainda que se pretenda cientista, sofrerá a influência do oeu 
relativamente ao jogo do poder, quando procurar refletir sobre a reali-
dade na qual está imersa. . 
Importante papel desempenha, na construção das ciências sociais 
de cunho positivista, a ideologia adotada pelas classes superiores. 
Esse "conjünto de idéias, crenças e princípios, mais ou menos sincera-
mente professados, mas que não correspondem aos I apresen-
tado como fruto da atividade espiritual, mas, em verdade, decorrente 
da ligação do espírito humano a rnúltiplas formas e pressuposições 
materiais e, sobretudo, leva pessoas do grupo dominante 
a impor como verdadeiro aquilo que ajuda à continuidade do status 
quo social e, à manutenção de suas e 
Anexar o atributo "científico" à importa em a 
sobremaneira, inclusive de um que a torna indene 
aos de todos os do título de - a 
13. GOLDTHORPE, .1.E. c Social. Trad. Cabral. 
Rio. Zahar, I pp,31 LT L 
14. CUV1LLIER, Armam!. \'ocoblllârio do, Tl~(1. 010 . 
de 01 íveira e J, g, Damasceno Penna. São Paulo, NacIOnal, 1961, p. 7 f. 
28 
dor dos elementos de 
ser 
de re,lcionári o. 
da ciél1cizl, ou a 
sociais, nas socied 
conheci-
articu 
diz Foucault: "O ítico não está ausente do saber; 
ele é (ramado com o saber."1 
Penso que ficarão stradas as afirmações alinhadas, não 
apenas por forç:a do tópico seguinte, mas, especialmente, quando cui-
da concernente aocaráter di da 
criminal. 
Na medida em que quanto a definir e ficar o 
eto da disci ma - o crime como natural _. a crimi-
nologia renunciou a el como o ponto básico ele suas investi-
IS. Juarcz Cirino dos, 0/). cito p, 25, 
16. FOUCi\ULT, Michel. Vigiar e jJllnir. Trad. 
Vozes. 1977. p, ~2, M. PUl1dG Vassalo, is. 
StlO os crilJlinos{;s? Crinlf? e crinúnoso.y: entes 29 
a H lassirica-
(p!e recusava revestir ;\ concreticidade 
para se lhe reconbt:cer a ljllalidadc de o de uma ciCncía 
V;l. 
obstáculo. 
manobra no sentido ele altCl'm !la subs-
Sé: l1l fazc-l () fOlTnél decl;1rada em lU b.:órico e 
verbal, o conteúdo da C!'Im! 
Certo de que sem material para a de um trabalho de 
laboratório ficmia difícil o novu ramo elo conhl2cilllcnto com ,)S 
louros da de "ciência", o 
por baixo da mesa, de sorte a oferecer coisa utilizóvel 
na pe"sqllis~1 
resumida: a doença é um mal, realizando-se muitas das suas illvesti-
gações sobre o corpo do doente; o crime é um mal, logo, por anal 
possível seria investigá-lo por meio do corpo dos seus portadores, os 
, criminosos. 
O achado era, como o comprova todo o or [-
mento da criminologia, de alcance extraordinário. Criminoso é um 
homem, e homem é algo concreto, real, existente no mundo 
descritível, classificável, 
. Contando com um 
com a entidade delito, 
inada a o de objeto de uma clcncia 
Claro, desnecessário seria eliminar ostensivamente da nova 
objeto "crime". mas seria considerado como um ser de 
ao e. por via deste último. se faria a 
naturalística daquele. 
Eis a verdade: a criminologia positivista, o fato 
mediante uma retórica sofisticada e tomou para seu 
o criminoso, com o que, se livrou de enfrentar a difi-
culdade ele transformar um ente político o crime -- em ser natural. 
dev o problema permane-
é quem pratica um ilícito penal, somente sabendo-
30 
se o que é crime seria possível reconhecer em alguém a qualidade de 
nesses termos, voltaríamos à estaca zero. 
verdadeiro modelo de 
entretecido dc conteúdo 
o beco sem saída em encalhada a 
se as coisas colocadas ele franca: 
O que é em sentido isto é, não-normativo 
ou 
- Não sabemos. 
- E quem é crimi 
- É quem pratica crime. 
as não SabClTlU'-) u que é crime. 
o recemhecimento 
romper a das barreiras que, ele uutro 
qualquer saída para a aventura do novo ramo do 
conhecimento. A ideologia, fazendo as vezes de Sócrates nos diálogos 
de Platão, guiou os cientistas à tranqüilidade do porto em que deseja-
vam atracar, usando uma lógica aparentemente razoável: 
Ideologia - Que é crime, cm sentido concreto? 
- Não sabemos. Por mostra-se impossível 
tomá-lo como objeto de uma ciência natural. 
Ideologia - não é crime o ato praticado pelo criminoso? 
- Sim, corresponde à verdade. 
criminoso não é real? 
- De fato, não há como negá-lo: são homens e, 
o criminoso pode servir de objeto a uma 
cia natural. 
- Mas como encontraremos o criminoso, para exa-
miná-lo cientificamente, se o que crime? 
Tal desconhecimento não que se encontre o 
Já ficou assentado que 
ao crime, não é verdade? 
31 
então prossigamos, meus 
Se eu lhes pedir que me mostrem um me CO!1-
-- A uma 
ica. 
se nós queremos encontrar o aonde 
é lá que os criminosos estão recolhidos. 
Ideologia Como vêem, vocês já conheciam a resposta correta, 
. üs vezes ocorrem no sistema 
Ideologia Não contesto tais possibilidades. Trata-se, porém, de 
hipóteses raras e a ciência deve desprezar as exceções na sistemati-
zação do seu saber. 
E aí os criminólogos, de Lobroso, Ferri, Garofalo até os mais 
modernos e enciclopédicos autores, docemente convencidos por tal 
alaaravia que se alimenta tão apenas do senso comum, avançaram 
sobre as ~opulações prisionais, ou, na melhor das hipóteses, sobre os 
/ indivíduos oficialmente designados como criminosos, para, em fun-
da análise a que os submeteram, construírem sedutoras e brilhan-
tes teorias científico-criminológicas. 
Na medida em que a ciência, por meio da conspicuidade dos 
abonou cientificamente o reconhecimento do o de cri-
formal rotula como 
32 
/\ cirra a nu, defi!li í i vo, tI ma 
anteriormente r,~;gi ao 
para 
se resguarda da análise, 
positi vamente 
. Talvez um 
". recebe-a com entusiasmo 
casa ü perfeição com a por ela 
vl'rcla ~ 
ti a lei 
cnCOI1-
em clcs-
ao lodo -
por escondida no 
pode ser mais 
ilustrativo 
bas i 11 ~l le'()rJ' ,'I elc} C011tl','\10 S'l')C J' ;II', ( j . c., . coe as as pessoas são Iguais 
perante a lei; por 
é algo mau em si, 
soas. más; daí, nada mais do que 
mall! festação típica das 
concluir que o cnme é urna 
ernpresta sua la ao asserto cm 
os crinllnosos~? C/filIe' c crinli!l()5;oS: 
os 
CUl1l0 Cil:;klo 
quc a maioria dos prc:;os 
única conclusão ~1 
característico do enCi\['cerUIl1C!HO. 
p;tr:l c:;tudo 
o criminoso constrói-se pela 
33 
o normativo) operadas pelo atuar discrimina-
criminal. 
Muito pior a emenda que o soneto. Sem embargo 
a llloslTOll~SC fecunda, dando a 
extremamente úteis para o político. Vejamos isso. 
O direito criminal enraizado na idéia do contrato 
búsico desse 
de 
to caberia uma única pena, 
todo estranhas as características 
Beccaria amava tais 
leis executadas ú 
cuJar exalamente os inconvenientes de uma 
aI teria de 
) 7 BECCARIA. de, nos deli/o" (' dus jJeI70S, Trac!. Paulo M, Oliveira. s. 1" 
Ec!. de Ouro, 1965, p. 35, 
34 
" ... o se mede pelo causado à e não 
sensibilidade do "18 
Ao margem de d na 
leis: 
"A mcira que leis 
fixar as penas ele cada delito e que () direito de fazer as 
s não residir senão na do , qUt;; 
toda a sociedade por um contrato social. 19 
"Resulta, ai dos precedente-
mente, que os juízes dos crimes não podem ter o direito de 
as leis penais, a razão mesma de que não são 
SL~ () for um 
raciocínio a mais, ou se o fizer por conta própria, tudo se torna 
incerto e obscuro. "21 
"Quando as leis forem fixas e literais, quando só confia-
rem ao magistrado a missão de examinar os atos dos cidadãos, 
para decidir se tais atos são conformes ou contrários à lei 
escri ta ... ,,22 
Dentro de um regime natureza, a diversificação da aplica-: 
ção da justiça em função do status do criminoso acarretava embára-
ços, problemas, o risco de evidenciar de forma ostensiva 
que as eventuais inequanimidades praticadas resultavam aluar dis-
criminatório do aparelho repressor. 
Obviamente, os donos do poder jamais tiveram a inten-
ção de se ver feridos por suas armas. Afina] de contas: 
i8. Id., p. 37. 
19. Id .. p. 
20. Id., p. 39. 
1 Id., p. 40 
22. Id., p. 140 
selo os critnil1osos? Critne e crinúnosos: entes 
"Um sistema penal deve ser 
mento para r diferencialmente 
como um Ínstru-
idades, não para 
a todas. "23 
, seri conciliar o discurso fi 
iluminismo com os fins pragmáticos a serem extraídos da 
, sem colocar em demasiada evidência sua interessa-
damentc di 
Subordinada a lei a um lS1110 inelástico no que concerne 
ao tratamento Li todas as pessoas, o atuar 
a deixaria a descoberto diante dos olhos do 
Como solucionar o impasse? Aí troou a voz da ciência. 
Como vimos, em virtude da inconsistência de sua 
para 
da 
va 
o quadro de dificuldades nesta existente, maleabilizando a amarração 
das sanções a cada ação proibida. 
Transpirando autoridade, posto que ornada do título subli-
me de ciência, a criminol sentiu-se suficientemente forte para 
invadir o campo do direito penal. 
Houve resistência por parte dos juristas (Escola Clássica). uma 
vez que as soluções propugnadas pelos invasores (Escola Positivista) 
pareciam incompatíveis com os pressupostos onde partiam 
. os princípios do direito penal do social. 
encontrando uma de compromisso 
através da qual se as duas 
melhor seria 
conseguem conviverenquanto 
ser mais absurdo que 
da reserva com o da 
23. FOUCAULT, Michcl. op. cit. p. 82. 
to, há evidentes e 
de 
36 
D~lS penas retrihutivas com 
CU]]] elcrnel1(os !iornl,\tivos na 
l1l',mo III cc éll1 i ÍSla ~- i'undamc!1to 
tlV1Stc\ com u li 
cIsmo 
O caSLllllcnt" foi n~:di/~HJo :. 111:1S vIngou 
porque alUui1cnt~~ CUl1clonal 
i\ 
cnmmoso 
ares de sabichona 
recebc pronto e 
ver à parceira, prestigiando-lhe os padrôes de atuação. 
Dê] 
Do dctcnni-
]a 
, apLsar 
'-~S( Lido o 
dos 
Ou, em lermos : a justiça condena os membros das 
pobres da população e os envia para a penitenciária; a crimi-
nologia vai aos pesquisa-lhes a e cumunica à 
a mais relevante característica do 
abonada sua 
eSl1lera~se em sekcionar os para o 
encarceramento; eom a de ondas de indivíduos miseráveis ~IS 
os CrI ali eneastel as mãos ele con-
tentamento e sentenciam: confirmado, cada vez mais 
crime é ( co : o 
repressor, ciência 
bem meu árduo mister~ atesta que estou 
Na rneclida construindo o estereótipo do delin-
através dessa de uma ciência com a j 
24. FOUCAULT, Michcl. ClllÍemo\' do PUC. Op. cir., p. ('x. 
37 
cada vez menos se dj da 
pClld 0'111 
lêlr CU]1l () 
coutra 
/WS{[S que 
na ln a a uma norma ]c 
ZÜ() suficiente p~l!·~l o mediel:ls repre 
mlivíduos a 
"Tocb a do século XIX passa a ser 111 controle, 
rü10 Umto sobre se. o que fizeram os mdivídllOS cstú cm c"onf\)rmi-
dadc ou não com a lei, mas ao nível do que fazer. do que 
~;lO capazes de Llzcr, do que estão a fazer, do que estJO 
na iminência de fazer."25 
erradicar o mal do mundo. 
Criminosos, porém, para ela são as pessoas a quem a ordem ofi-
ciaI semelhante rótulo, como vimos. Sem 
inebriados vapores elas retortas fumegantes, os criminólogos 
desapercebem-se de tão sin a verdade e se aventuram nas mais 
tas e variadas teorias a respeito da do delito. 
A matéria oportuniza uma vastidão de campo capaz de 
de a sorte, fantasias desen-
obras anado com o 
resu mo das di versifiea-
causas do crime - o ponto de 
das correntes que riscam a arena da crimí-
que, em realid todas tomam 
por base um mesmÍsSll110 o conceito de de que 
se não tem nada de "natural", ou de , ou de "científi-
co", urna vez que estritamente, ao do aparelho 
repressor na oficiaL 
25. Id, p. 67. 
38 ' 
Em meia dúzia de palavras é possível traçar a resenha das tais 
correntes - embora os pobres universitários percam no 
mínimo um semestre inteiro para conseguir uma pequena 
a dos seus quiméricos 
Os da 
deais a ser seguidas 
resultar () delito de 
de certos indivíduos 
VIve 
bido o resultado 
eclética). 
Para os 
LISO elo 
(não há segundas intenções no 
de um 
Daí ;\ 
criminoso nato". a dos 
nossos dias. O epígono da escola variou um pouco a respeito da exata 
identificação do tal defeito, ficando mais conhecido, porém, por pre-
tender que poderia ser diagnosticado através do encontro de certas 
características morfológicas, tais como testa estreita, zigomas salien-
tes" orelhas em couve-flor e por aí afora. Na esteira de tal visão, surge, 
maIS tarde, a explicação de que o delito resultaria do funcionamento 
anormal das glândulas internas (endocrinologistas). Nos nossos 
aparece a teoria genética, pela qual a existência de um Y a mais na 
composição cromossomas impele o portador, infal mente, Ú 
perpetração de A propósito, não resisto a transcrever 
alguns trechos de que saudou entre nós o surgimento de 
teoria: 
Lombroso, o autor livro O 
Delinquente, acaba de ver comprovada sua tese de 
que o crime é, na maioria 
sâo os crillú!losos? Crillle e criminosos: enles 
anos depois da teoria lombrosiana, a 
vou, no laboratório, que existenl pessoas 
à de todos os crirnes. 
o Leonidio Hibeíro diz que deveria haver uma revolu-
mundial em ao invés de se 
de a 
um trabalho de 
associais: 
dos Ylo de elementos 
como se faz com os e cancerosos -
cou -- a sociedade deveria dedicar-se ao estudo da personalidade 
dos anormais, a fim de apurar as razões que os levaram à prática 
anti-sociais, o facilitaria a defesa dos seus 8ltos 
interesses e, ao mesmo tratan-
no lO da 
l' 
, U1Z, 
irresponsável (no sentido da conscientização e dos efeitos) entre 
pessoas sãs, contribuindo para o aumento da criminalidade em 
todo o Universo. 
Pois a verdade é que o crime (reiterado) é produto da ano-
malia genética que condiciona malformações físicas, e todas as 
taras que deságuam na infração e no delito."26 
Para os adeptos de , fundador da sociologia criminal, o /' 
mundo ao homem, no qual ele se cria_e v o ambiente 
que o cerca, os fatores em que imerso, 
seriam as condições determinantes no sentido de arrastar alguém, 
íncoercivelmente, à prática de ilícitos. As posteriores a esse 
pomo de vista atingiram construções extraordinariamente sofisticadas, 
das quais, talvez porque pejadas de altas de 
sabor hermético, ainda apaixonam os estudiosos hodiernos - tais 
diferencial, da anomia etc. Encampa a 
o forma de 
26, O JORNAL, Rio de Janeiro, I ou!. 1969. 
40 
alo nascerem certas pessoas com 
nll1l n 
veremos adiante, ela está infensa ii 
contrúrio lidS suas duas f\lrInadolas, 
de glândulas 
u-
A impugnação a elas também se nu campo da natural, 
embora de forma um pouco diferente da já citada, Ao encontrar nas 
uma popul caracterizada pela pobreza, pela ignorância, 
por se originar de famílias desorganiz.adas, por pertencer a minorias 
étnicas, os criminais concluíram solenemente: ii 
za, a ignorância, o ser originário de famílias degradadas, o pertencer 
a mi eis as causas do crime. 
que a verificação de campo 
três por cento o número relativo de del 
Para que 
determinantes, 
Mais cómoda revela-se a ecléticos. 
conducentes ü eclosão das condutas s veí.rias causas de 
cada natureza, ainda estas se mostram falhas na hora da com-
ê sempre para uma tábua de sa]va-
aumentar o número de fatores eaus,lis com ante-
riormente não indicadas. Tal ani ser ampliado e o foi -- até 
tornar inviável a contraprova . Atentemos para ,\ 
palavra de um dos mais autores da corrente: 
,<,'tlO os crimiu()S(Js? Crin7C e crinlfilOSOS: entes 41 
";\ i 
que são reconhecidos 
fenômeno illlli 
série; de 
um crime 
llÚO seriam criminos,ls 
car nada na de ordem 
ca" se consegue retirar dela. Se as causas são tantas c tão diversifica-
termina-se retornando ii estaca zero, por concluir ser o crime o 
do imponderável. 
Creio que se me permitirá repetir, a essa altura, o antes afirmado: 
o fundamento da criminologia amesquinha-se a 
uma arenga empolada, que cm torno de um núcleo cuja essên-
de mero senso comum. 
cri 
exatamente isso, ao dizer: 
sem o 
da 
o 
mento 
riência 
faz o 
crim 
de acordo com a sabedoria 
se condensou cm dois 
lcado do meio para o 
c "Tal pai, tal filho" (Der 
que na base da expc-
"A ocasião 
desencadeamento do 
II veit vom 
27. SEFUCJ, Ernst. Mallllo! di' 
Armcnio Amado, 1957. v, I, p, 314. 
Trad, Guilherme de Oliveira. Coimbra, 
42 
da hereditariedade 
a em crll1ll 
causa pasmo que 
do delito, tenha 
du crime, se vamos buscá-las a 
o descnvolvimen-
comum <l 
tão s 111-
aSSlm ordem ofici 
do criminoSll 
dificuldade 
cm ser idemificaclas: J. "a - uma conclusão que pare-
28. 
uu absurdn,,:!iJ do J1lccanÍs-
u 
das normas s, com-
de conhecimento da realidade e 
cimento. a mêUS 
tivas do mundo até o 'senso comum , ~lS vezes chanlado 
Dennis. 
Tavístod: Pub .. 1968, p. 
igioso, etc. Como modo de dornina-
lhe 
a per-
taria-
assim, 
lhe criminul. London. 
.VelO os cri/Hlnos'os? Crin1e e crinzillOSOS: ente!'; 
todo conhecimento é em alguma medida uma forma de submeti-
mento."30 
o grande papel ela ideologia é convencer os de que, 
dominadores a que os submetem, devemdócil e disciplinadamente: 
"Por esse pra comer, por esse chão para dormir 
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir 
Por me deixar respirar, por me deixar 
Deus lhe pague ... 
Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir 
a 
qlle a 
:\0. CUNHA, Rosa Maria Cardoso da. O carúter retórico 
Porto Alegre, Síntese, 1979, p. 20. 
que cair 
31. CI-HCO BUARQUE DE HOLANDA. Deus lhe pague. 
da 
lU 
e nel77 () será 
acrescento r: niio deve sê· f(} 
e, sobrc[uc!o, n(/o del'c pensar que ~, " 
A maioria das pessoas acredita piamente, sem dúvidas 
ou questionamento, em certas "crenç~as jurídicas", inculcadas de 
maneIra pela ideologia, tais como: "1. Que existe um legisla-
dor racional nelo um sistema jurídico coerente, económico, 
etc, 2, Que o ordenamento não contradições e 
redundâncias e, o direito penal não exibe lacunas, 3, 
Que a ordem justa c os 
4. Que o julgador é, axiologicamente, 
neutro enquanto dec não há o na apl da 
I, LE DESIR DE PUNIR.. Pans, p, II. 
45 
46 
Justiça. 5. Que o julgador, no direito penal, busca a verdade real e não 
o elo ponto de vista valorativo."2 
Verdadeiros arrolados, até que se 
assertivas, 
por total 
acabado da indústria 
judiciário, para estu-
porém, como o demonstra a 
com a realidade. 
resulta da 
ele dois momentos: a produção das leis (legisladores), mais sua 
aparelho servindo de matéria-
prima para a manufatura os do povo. 
Busquemos analisar cada uma das fases referidas para, por fim, 
verificarmos' que valor pode ser atribuído à etiqueta de "criminoso", 
apl a pessoas ordem 
- "Deixe-me prossegui!; disse Colin. Você neIo se arruma 
mais aos domingos e não se barbeia mais todas as manhãs. 
- Isso não é wn crime, disse Nicolas. 
- Isso é um crime, disse Colin. " 
Boris Vian 3 
Ingenuamente, tendem os cidadãos a,encarar as leis como man-
damentos baixados por um poder transcendente, que as decreta com 
superior neutralidade e imparcialidade, verdadeiras revelações que um 
ente sagrado se digna a propiciar ao povo. Algo aureolado de um halo 
dívino, provindo de origens mágicas ou astrais, ditado por entidades 
supraterrenas, de natureza misteriosa. "A lei é a lei", diz-se religiosa-
mente, e estamos conversados. 
Ora, a ordem jurídica resulta da atividade humana, elaborada que 
é por um legislador, isto é, por um ou mais indivíduos de carne e 
2. Rosa Maria Cardoso da. O carâter do da If'!'nllnn/lp 
Síntese, 1979, p. 1 18. 
DES JOURS, Paris, Union Gen. Editions, 1980, p. 130. 
.';;clO os crinúnosos( C'riJne e cril1úno:u)s: ente.1) 
partilha de todas as 
que e ama, 
ça, tronco e 
vezes ao dia. 
a milit::lr, 
de estatuir as normas 
comuns aos seus semelhantes, 
que possui cabe-
pura idealização ético-
dita as leis a classe 
do sta/ils CfUO 
Tais considerações aplicam-se, às normas definidoras de 
crimes Penal e leis as orientadoras da 
pela qual se declarará alguém de Processo 
leis Aqui, mais do que em outro ramo do 
de passar por cima dessa realidade si 
e criminoso não são entidades 
ser vistas como 
/vontade cio slaclor 
a crença na 
embuchá-Ios com um 
o resultado da 
a tarefa de consolidar em 
dos grupos 
idealística que envolve 
devemos 
Na medida em que se obscurece a crueza de tais ene-
articul voando-a por meio de uma retórica 
obter a adesão camadas 
finalidade de manter ditos 
a regras pro-
em estado 
usá-la por 
i. 
48 
de de 
no sentido de eoartar tentativas de 
A lei, sem dúvida de 
no 
Penal relativo 
aos 
ü cri-
imn resllmir a um 
bens ou direitos de uma pessoa para outra, sem o 
mento da"4 
mais 
cantil, uma vez que vivem, na maioria 
E o que é um negócio, sobretudo um bom negócio, mais que 
tudo um excelente negócio? 
. ,Po~ieria u:na sociedade negocista sancionar com castigo os negó-
~IOS? ~na, entao, o da classe negocista punir os negócios, 
lmpedlfldo, des.s~rte, que tal classe praticasse os fatos que se consti-
tuem em sua atlvldade precípua? 
vez de adotar aquele modelo, preferiu a lei estilhacá-Io em 
. figuras delituosas, pois, na medida em que rompe a'vincula-
dl:'et,a da regra ética com a norma jurídica, oportunidade para 
subtraIr a a I . , -' c s que, se etIvamente, nao lhe ll1teressa per-
turbar. 
A oratória jurídico-liberal, como seria de esperar, enxerga as coi-
sas do m~do muito e dispõe de munição, em seu infi71ito arse-
nal retÓrIco, para justificar plenamente a solução codificada: somente 
a precisa do comportamento proibido satisfaz à garantia da 
reserva legal ("não há crime sem lei anterior que o defina"). 
4. CHAPMAN, Denllis. anel lhe lhe CrÍll1 inai. London. 
Tavistock Pub., 1968, p. 72. 
49. 
Eu mesmo 
vago, inconcusso ser 
de um preceito a irlcertcza dos sobre 
a conduta que lhes é defesa, ao mesmo em que fica 
I 
do 
, se infiltra em os 
centes ou não, quando subjugados às ditaduras e regimes asse-
melhados. A sufocação, o ambiente trevoso, o fazer ou não fazer 
transmudado em tortura permanente, assustadora e paralisante, o 
dia-a-dia repassado daquele terror mórbido que Kafka tão bem 
sabe transmitir em O processo."s 
Ufa! Por tudo a o Código preferido, à encampação de 
um conceito abrangente de lesão ao património, parti-lo num rol de 
definições, cada qual delimitando com rigor dado. comportamento 
específico (tipos penai tais como furto, estelionato, apropriação 
indébita, roubo, etc. Só minoso o indivíduo que 
observar no mundo fálico uma conduta precisamente adequada ao 
modelo abstrato prefixado em um daqueles da lei. Ocorrendo 
descoincidência cm algum ponto, o delito, 
por ausência de tipicidade. 
Por con ia, se alguém para si um bem ou 
direito do património de outrem, sem completa ciência ou pleno 
REVISTA DE DIREITO DA 
em bronco e relroof;vidade 
DO ESTADO. Lei 
Rio de Janeiro, 19:236, 1968. 
50 
consentimento do último, mas, apesar disso, sua conduta não se 
exatamente das condutas tas na lei, 
de delito, cm face da 
cubre as 
que contrariam a norma moral apresentada como razão 
de ser da dos contra o património: em easo vo, 
observemos se a ;Írea o por mero acaso, 
Toda vez o se dá pelo 
aos objetos em si ou facilmente se encontrará 
cia entre o do ativo e algum dos 
na lei penal. A tirada no roubo, a apropriação do dinheiro da firma 
pelo empregado-cobradór, e assim por diante, docilmente se adequa-
1710 aos modelos 111 dos infra-
conlra os sím-
se modifica 
kbdes 
em qualquer dos 
registrados no Código e, ausente a famosa tipicidade, torna-se inviá-
vel qualificar a ação como crime. Isso é que permite permanecerem 
fora da área penal hipóteses como as de jogadas de bolsa de valores; 
não-pagamento de empréstimos estatais obtidos mediante oferecimen-
to de garantias ÍnexÍstentes ou de valor muito inferior àquele por que 
foram avaliadas; recebimento de subsídios governamentais em contra-
dição com o fim a que se destinam; concorrências de cartas marcadas; 
jogos contábeis; transações fictícias entre firmas de um mesmo con-
glomerado; triangulares; especulação através da 
de mercadorias; evasão de impostos; subida artificial de preços; esma-
gamento de empresas concorrentes, de sorte a obter o domínio do 
mercado e imposição de condições escorchantes; fraudes ao consumi-
dor; anúncios falsos; enfim, toda a imensa gama de operações a 
permitir a de lucros e que caracterizam a retirada de 
bens e direitos dos outros (em , largas da população) con-
tra a vontade deles e sem que tenham conhecimento de estarem sendo 
defraudados. Tais contudo, revelam a se amol-
darem a dos 
Sabendo que os membros das classes a lidar 
com as coisas em (objetos, dinheiro) e as pessoas das classes 
StlO os crinzinoso,Ç? Crilll(~ e crinzinosos: entes 51 
média e alta com seus símbolos (títulos, papéis), percebe-se com nÍti-
dez que espéciede ladrões mais provavelmente cairão na teia do apa-
relho de criminal e qnais os que incólumes 
seus buracos.6 
Penso valer a pena submeter à ise a in elo art. 17! do 
Código Penal - ionato - pois oferece tal delito excelente material 
para etar o tema ora abordado. 
Reza o em causa: 
para si ou para outrem ilícita, em prejuízo 
alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifí-
cio, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento." 
Levando "lO da letra o comando a 
comércio lima vez que cm todu 
erro 
crc nüo visa a outra sn senão a 
daquele resultado, pelo entorpecimento da capacidade de percepção 
do.'ô ~Jlnidores. Talvez por isso os comentadores, em geral, costu-
mam criticar a fórmula legal do estelionato, por a considerarem ampla 
em demasia: "fraude" seria expressão vaga, de limites imprecisos, 
capaz de abarcar LIma enorme variedade de atos, muitos dos quais, por 
certo, não estavam nas cogitações do legislador ao instituir o delito. 
Se o anúncio da televisão e, depois, o vendedor da loja me afirmam 
que dada mercadoria é tanto a melhor como a mais barata que existe 
/' -
na praça e por isso a compro, vindo mais tarde a constatar que nao era 
uma coisa nem outra, parece que fui "induzido em erro" "mediante 
artifício", ou fui vítima ele estelionato. Para a sociedade burgue-
sa, como salta aos olhos, qualificar fato dessa natureza como crime 
representaria um insuportável despautério. 
Aí, apela-se para a capacidade inventiva dos juristas, a fim de 
dar um jeitinho na questão. , , 
Sem se fazerem de rogados, vêm eles e declaram: espera la, ha 
fraudes e fraudes, umas puníveis com pena de reclusão, outras não. E 
prosseguem. há fraudes s e fraudes civis, somente o 
(). Cf. CHAPMAN, Dennis, op. cit., passim. 
52 
rÓLulo de cnmlllOSOS Lll1~',H11-Se ~h 
lllais de estabelece L 
um tipo ele 
I:,) I 
membros ebs 
d J1l n lHes, A III ioria, po 
uinte : 
() problema llOS t rmo 
de fUiílbmclltal coincidem o delito ii u 
outro s:to uma rebeldia cuntnl ii ordem jurídí-
ambos num fato exterior ao 
a título de dolo ou culpa, /\ única 
elo 
li 
men(o do forçada, restiflilio 
nulidade do só deve recorrer ii pena 
da ordem j não se obter com 
outros meios de isto é, com os meios próprios do direito 
civil (ou de outro ramo do direito que não o penal),"" 
Essa maneira de 
faz em 
dC;nlicas nu sua 
em razão do tipo de 
De pela 
jado princípio da 
mundo abstrato das 
mente 
para classificá-Ias de criminosas ou não 
que as 
da rompe-se o feste-
não se resolve no 
matéria tal idéia representa inquestionável absurdo: o 
definido,;, crime em abstrato é o que é, uma com caracteres 
inteiramente na norma 
7, HUNGRIA, Nél,üil, Comelllúrios (lO 
v. 2, p, ln, 
S. ld., ib, 
Peno!. Rio de Janeiro, Forense. I ')'i 
I 
S("lO (JS ( rlu:lu()sos? Crime t! criulino:úJ,v: {'nies 53 
sem qu uer desses caracteres ou com o acréscimo ele nutros que 
nela inexi,;tam. vl:nto, do mundo cun-
creto (l !ccem 
,\s cin:un"U'ínc' 
confrontacl() com 
casu livo. dir-se·á: () 
mciro reqm 
ahstraLO JÜO é 
elemento do 
que o tipo do cste] ÍonaLo 
ele seus cuntornos. Onde 
sarcir o dano na área civil. 
Qual a "rebeldia ú ordem jurídica" 
alarme social? Ou, dito de outro modo, qual 
da 
rato relevante para o sistema formal-institucional, numa 
estratificada em classes verticalmente hierarqu ? 
dos membros das camadas superiores podem merecer 
podem vezes até irritar (individual 
porque não põem cm risco o Sf{{IllS quo 
c, carecem da c 
ponto de fazer jus aos go 
(visão de gru ,Incla mais 
i llferiores da sociedade 
de a 
de esta sim, causana e 
ai 
aos estratos 
Uma atitu-
em face 
das conseqüências indesejadas que daí decorreriam, desde a quebra 
da solidmiedade do grupo até a demonstração de que as pessoas gra-
das não são melhores, nem mais nem que 
~\S das classes inferiores. Isso ocasionaria um 
ll~\ distância institucional que separa as classes e poderia elar lugar a 
lllovimentos de insubordinação, E, nos regimes de poder, "a,c~rrup-
dos dominadores é muito menos dramática que a insurrelçao dos' 
54 
domínados".9 Ademais, a ideologia convence ser o crime coisa típica 
das pessoas Um indivíduo rico, pois, a ser consi-
derado por seus pares como imoral, imerecedor de con-
do de penúria. 
duro homem nunca, contudo, 
eapaz de merecer as atrozes 
do 
quem dis-
quem vive em esta-
passo, pois, aparece com mais clareza, ainda, a 
que a existência de delito (fraude penal) ou de não 
do estelionaUirio em termos 
no 
nua, te 
m autor de estel 
apanhado, não dispõe de patrimônio para indenizar o prejuízo e, por 
outro lado, seu golpe contra uma empresa alarma e perturba a ordem 
instituída. Já o dono de frigorífico que oculta a mercadoria cm mano-
bra altista, se chega a ser objeto de alguma sanção, o será em área 
extrapenal: pode suportar os ónus da multa fiscal ("O Estado só deve 
recorrer à pena quando a conservação da ordem jurídica não se possa 
o~t~r com outros meios de reClção, isto é, os meios próprios do direito 
clv:1 ~~ de ou.tro ramo do direito que não o penal"); e o "alarma 
SOCIal ,quer dJzcr, o alarma da classe superior, foi mínimo, uma vez 
q:le a ação atingiu apenas os segmentos da população para quem faz 
dIferença pagar mais 2 ou 3 reais por um quilo de carne. 
Equivocado, por tudo isso, está o dito popular ao dizer: quem 
rouba pouco é ladrão, quem rouba muito é financista. O certo seria, se 
quem rouba .- pouco ou muito - se situa na classe baixa, é ladrão: sc 
pertence à classe alta, é financista. . 
Porque, afinal de contas, não são os comportamentos (delitos) 
que contam, uma vez que o importante, de fato, para o eht 
9. SYKES, Gresham M. The 
1972, p. 53. 
o( New Princcton Ul1. Prcss. 
sâo o.v criminosus;; Crinle crinlfllOS(}S: ente:'; 55 
justi criminal, reside na posição social do autor. Como sugere 
. " .c s nao Austin Turk, o status elo é jJCSSO'l -
mas pelo que são. 
Acerca do cabe 
'rar uma manobra elo 
atuantes no campo 
criminólogos, 
e cidadãos comuns. 
~cofari'nho branco" rUJln, eis que 
para desrnasca~ 
U,-",:>,"J"" de bons pro-
angelicalmente -
stas, 
"crimes de 
da lelra da 
vvhite collar crill1es; -- em bom a versão 
deveria ser "crimes de e 
Basicamente, estão assim conceituados: 
tal como defini~ 
livro de Sutherland haja 
ca central deste tipo de fato é seu caráter classista. Por isso, 
Heller (I967) o denomina Kavalliers-delict ou delito de cava-
lheiros. Este caráter parece ser o elemento que contribui para dar 
a esses estudos, depois denominados das mais variadas formas 
(delitos económicos, delitos ocupacionais, delitos de enriqueci~ 
mento, deI inqüência de negócios), sua verdadeira importância 
em criminologia ... "11 
Empolgados pela perspectiva de colher nas malhas da justiça os 
';grandes" criminosos, revertendo dessa maneira o quadro cansativa-
mente repetido de só eonternplar os cardumes de sardinhas que apare-
cem como resultado da aparatosa manipulação do arrastão oficial, os 
penalistas se excitam. Escrevem, pesquisam, estudam e até pretendem 
agir, com vistas a tal propósito. o de certa 
forma uma penitência reequilibradora da consciência, que encontram 
10. Cito mcmorw. 
II. CASTRO, LoIa Jc. para lInJa sobre eri-
I1lCS colarinho branco na América Latina. RCl'ista 
Janeiro, 25:89, 1979. 
ícia, ele entrada da 
ce de acesso fácil ~l 
que-
critninrtl c0l1tr~1 
lada. ri 
de 
em tais áreas, elimina-se a forma mais qual a autorida-
de toma da de crimes, dando início a seu 
para o 
mente 
esquema de 
da a a 
intestinos através da sol 
porque crimes não são ali 
tendem a 
os membros da classe alta rarissima-
quando constatam ter por 
Há, desenvolvido e funcionaL todo um 
ser ~lcio!ladas dentro da e:-,fera

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