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1 A OPERAÇÃO DE HEDGE COMO MITIGADORA DE RISCO NO PROJECT FINANCE NO BRASIL1 Sumário. Introdução. 1 A estrutura do Project Finance. 1.1 O que é o Project Finance e sua perspectiva histórica. 1.2 Contraposição entre Project Finance e Financiamento Direto. 1.2.1 Vantagens e desvantagens do Project Finance frente ao financiamento direto. 1.3 Fontes de Recursos para o financiamento. 1.3.1 Investidores de Capital. 1.3.2 Bancos Comerciais. 1.3.3 Banco Nacional de Desenvolvimento. 1.3.4 Agências Multilaterais Internacionais. 1.4 A implementação do projeto. 2 Os riscos envolvidos no Project Finance. 2.1 Riscos ambiental, de construção, tecnológico, de suprimento de matéria prima e de conclusão. 2.2 Riscos país, legal e de força maior. 2.3 Riscos econômico, financeiro e cambial. 3 A operação de Hedge. 3.1 O mercado de futuros. 3.2 Instrumentalização da operação de hedge. 3.3 Efetividade da operação de hedge como meio de mitigar o risco cambial no Project Finance. Conclusão. INTRODUÇÃO O tema desse trabalho de conclusão se torna, a cada dia, mais relevante para o mercado de investimentos no Brasil, tendo em vista a crescente busca dos investidores pelos mercados emergentes. O Brasil, por ser um país em franco desenvolvimento e que, com a globalização econômica, faz frente e atrai grandes investimentos estrangeiros, precisa analisar quais as possibilidades de garantir ao investidor estrangeiro uma maior segurança jurídica, a fim de atrair grandes investimentos para alavancar a economia local e aumentar o aporte de divisas. Nesse sentido, uma das possibilidades de investimentos estrangeiros é o Project Finance, um tipo de financiamento internacional utilizado para implementação de empreendimentos de grande porte. Porém, muito embora se saiba que não há investimentos sem riscos, pretende-se analisar alguns deles, de forma não exaustiva, a fim de verificar possibilidades de tornar o Brasil mais atrativo aos olhos estrangeiros, dedicando especial atenção ao risco cambial e uma forma para sua mitigação. Dessa forma, ponderar-se-á de que forma podemos aplicar a operação de Hedge nesses grandes financiamentos, Project Finances, no sentido de viabilizar 1 Ellen Grassiane Dal Bello Stella, bacharelanda em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Trabalho de conclusão de curso apresentado em 31 de novembro de 2007, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel. 2 uma maior credibilidade para os investidores externos. Para tanto, o presente trabalho divide-se em 03 (três) capítulos, nos quais serão analisados, respectivamente, o Project Finance e sua contraposição ao Corporate Finance, os riscos residentes na implementação do Project Finance e, por fim, a operação de Hedge como mitigadora do risco cambial. No primeiro capítulo, a análise se restringirá ao instituto Project Finance. Inicialmente, para a contextualização, será feito um retrospecto histórico. Em seguida, haverá um comparativo entre o Project e o financiamento direto. Após, verificar-se-á acerca das possíveis fontes para financiamento do projeto, dentre as quais, nacionais, internacionais e governamentais e, por fim, a sua implementação de fato. No segundo capítulo, a análise reside nos riscos que envolvem os investimentos estrangeiros no país. Assim, de maneira não taxativa, verificar-se-á acerca de alguns riscos relacionados à execução do projeto e suas conseqüências, bem como de outros riscos decorrentes de fatores externos, dedicando especial atenção ao risco cambial, o qual delimitará a necessidade da utilização da operação de Hedge. No terceiro e último capítulo, tratar-se-á da operação de Hedge. Será abordado acerca do conceito do hedge, passando por uma breve perspectiva histórica e pelo mercado de futuros. Na seqüência, falar-se-á sobre a instrumentalização da operação e, por derradeiro, sua efetividade como minimizadora de risco no Project Finance. Desse modo, com o presente trabalho se pretende demonstrar como a operação financeira de Hedge, em sua forma não especulativa, poderá agir como um meio para a diminuição do risco cambial havido em investimentos estrangeiros no país, mas especificamente, no Project Finance, gerando segurança jurídica e atraindo o investidor estrangeiro ao Brasil. 3 1 A ESTRUTURA DO PROJECT FINANCE 1.1 CONCEITO E PERSPECTIVA HISTÓRICA O Project Finance pode ser designado, em português, financiamento de projetos. Contudo, em que pese haja a tradução do termo para a nossa língua pátria, usualmente ele é conhecido, mesmo no Brasil, pela sua denominação na língua inglesa. Finnerty aduz que2 o Project Finance pode ser definido como a captação de recursos para financiar um projeto de investimentos de capital economicamente separável, no qual os provedores de recursos vêem o fluxo de caixa vindo do projeto como fonte primária de recursos para atender ao serviço de seus empréstimos e fornecer o retorno sobre seu capital investido no projeto. Analogamente ao acima abordado, Enei3 traz o clássico entendimento de Peter K. Nevitt e Frank Fabozzi, os quais entendem que o Project Finance se trata de um empréstimo feito aos tomadores, onde o seu pagamento será realizado com os ativos alocados no projeto, servindo, os mesmos, de garantia real do empréstimo. Assim, esclarecendo o que dizem os autores acerca da definição do que seria o chamado Project Finance, poderíamos afirmar que é um conjunto de técnicas de alocação de riscos dos investidores, as quais se concretizariam por meio de contratos das mais variadas espécies. Esses contratos terão como garantia o fluxo de caixa do próprio projeto, não importando na responsabilização do investidor além do capital aportado no projeto. Diz-se, então, capital economicamente separável, pelo fato de que o capital investido no projeto será exclusivamente responsável como garantia, não estando atrelado ao capital do investidor. 2 FINNERTY, John D. Project Finance: engenharia financeira baseada em ativos. Rio de Janeiro: Ed. Qualitymark, 1998, p. 02. 3 ENEI, José Virgílio Lopes. Project Finance: financiamento com foco em empreendimentos: (parcerias público-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 21. 4 Importante, ainda, situar, historicamente, o Project Finance. Numa visão mundial, há registros de usos mais recentes de Project Finance a partir da década de 60, com a construção do Sistema de Oleodutos Transalasca4, o qual foi desenvolvido entre os anos de 1969 e 1977. Já a partir da década 80, há expansão do Project Finance para financiamento de construção e instalações industriais. Veja- se que dentre os projetos desenvolvidos por todo o mundo, são emblemáticas as construções do Eurotúnel que interliga a Inglaterra e a França, via Canal da Mancha, e do parque temático da Euro Disney. No Brasil, somente após a metade da década de 90, com a globalização e conseqüente redução do papel do Estado e abertura para atividades privadas, é que se pensa na possibilidade de se valer de Project Finances para financiamento de grandes projetos de infra-estrutura.5 Até então, a atuação no setor de infra-estrutura do nosso país estava limitada aos entes públicos, tais como a União, Distrito Federal, estados e municípios, ou às empresas públicas. No entanto, com a crise financeira do Estado e com as tendências internacionais, as privatizações, com nítida influência do capitalestrangeiro, foram a maneira encontrada para substituir o papel do Estado, impotente e sem orçamento para grandes investimentos, no setor de infra-estrutura.6 Veja-se, assim, que o Project Finance toma grande vulto e importância no mercado globalizado atual. Há que se dizer que ele se diferencia dos financiamentos convencionais que conhecemos em vários aspectos, o que será visto pormenorizadamente do tópico seguinte. 1.2 CONTRAPOSIÇÃO ENTRE PROJECT FINANCE E FINANCIAMENTO DIRETO A definição de Project Finance já foi trazida anteriormente, porém, para que haja uma compreensão integral do que é esse instituto, faz-se um contraponto com o 4 TAPS – Trans Alaska Pipeline System. (Alyeska Pipeline Service Company. Anchorage, Alaska, 2003. Disponível em: <http://www.alyeska-pipe.com/default.asp>. Acesso em 05 ago. 2007). 5 BORGES, Luiz Ferreira Xavier. Project Finance e infra-estrutura: descrição e críticas. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo, v. 02, n. 06, p.124, set./dez. 1999. 6 ENEI, José Virgílio Lopes. Op. cit., p. 99. 5 convencional Financiamento Direto ou Corporate Finance. Importante ressaltar, de pronto, que deve ser feita uma minuciosa análise acerca do empreendimento que se pretende financiar, sopesando qual a técnica mais indicada a ser utilizada: Project Finance ou Financiamento Direto. 1.2.1 VANTAGENS E DESVANTAGENS DO PROJECT FINANCE FRENTE AO FINANCIAMENTO DIRETO Efetivamente, como qualquer outro negócio que se faça, haverá sempre vantagens e desvantagens a serem enfrentadas e analisadas, no intuito de realizar a melhor escolha para cada caso concreto. Na tentativa de traçar um comparativo entre os institutos serão utilizados os critérios de alocação de risco, flexibilidade financeira, agency costs e insolvência, consoante o entendimento de Finnerty7. Inicialmente, quanto à alocação dos riscos, podemos dizer que, no Project, eles serão distribuídos entre as partes que melhor poderão assumi-los, consoante os contratos bilaterais firmados e arranjos suplementares de suporte creditício ou securitário, contando sempre com o fato de que os credores têm um direito de regresso limitado. Já no Financiamento Direto, os credores têm total direito de regresso junto ao patrocinador do projeto, bem como os riscos são diversificados em sua própria carteira de ativos, podendo contar ainda com transferência dos riscos a terceiros por meio da contratação de seguros. Tratando-se de flexibilidade financeira, por ser o Project um instituto mais complexo, existe uma necessidade de gestão de uma quantidade substancialmente maior de informações, documentos e transações, o que o torna mais demorado para sua elaboração. Enquanto isso, no Corporate, o financiamento pode ser rapidamente delineado, visto que sua concessão decorre de análise da própria empresa mutuaria, seja de suas condições de garantia, seja de suas condições de pagamento. 7 FINNERTY, John D. Project Finance: engenharia financeira baseada em ativos. Rio de Janeiro: Ed. Qualitymark, 1998, p. 25-32. 6 Outro ponto a ser considerado é quanto à recuperação do capital investido em caso de apuros financeiros. No Project Finance o patrocinador está limitado ao capital investido e relativamente aos ativos que ele tenha gerado dentro do projeto, quando no Corporate o investidor teria acesso junto aos demais negócios que tenha realizado. Os agency costs são os custos de agenciamento, o que será despendido para se ter um ou mais indivíduos agenciando o financiamento. Nesse caso, os agency costs do Project, quanto ao fluxo de caixa, são reduzidos; os gastos com gerenciamento podem estar vinculados ao desempenho, o que também gera uma redução; e o monitoramento dos investidores pode ser mais rigoroso, o que torna os custos finais de agenciamento mais baixos. Já no Corporate os custos de agenciamento são mais elevados, visto que se torna mais difícil o incentivo à gerência atrelado ao desempenho, bem como os investidores estão expostos às variações do fluxo de caixa. E, por fim, analisa-se sobre insolvência. Veja-se que o Project Finance pode ser completamente isolado de uma possível insolvência do patrocinador, de outra banda, as possibilidades de os credores recuperarem seu capital principal são limitadas, uma vez que depende dos ativos do projeto. Enquanto que no financiamento direto os credores têm toda a carteira de ativos do patrocinador, contudo, se houver alguma dificuldade no negócio, este pode atrair o capital de um outro empreendimento de sucesso. Por fim, aloca-se como vantagem do Project o fato de que os custos de financiamento da construção podem não constar nos balanços financeiros do patrocinador, até o momento em que o projeto comece a faturar, diferentemente do financiamento direto, em que, havendo qualquer percalço, refletirá, diretamente, na sua carteira de ativos. Quanto às desvantagens do Project Finance, com relação ao Corporate Finance, elenca-se o tempo excessivo consumido na negociação e a complexa documentação, o alto custo de contratação de seguros, o custo que terceiras partes 7 exigem por assumir certos riscos que lhe são transferidos e o custo de monitorar a performance do projeto até sua finalização. Importante, então, é perceber que há muitas vantagens na aplicabilidade do Project Finance, porém ele é uma ferramenta a ser utilizada somente para grandes empreendimentos, onde será mais fácil contornar as dificuldades que serão encontradas ao longo da execução, sendo, o mais importante, a possibilidade de mitigação dos riscos enfrentados, o que via de regra, possibilitará sua concretização com sucesso. 1.3 FONTES DE RECURSOS PARA O FINANCIAMENTO: INVESTIDORES DE CAPITAL, BANCOS COMERCIAIS, BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO E AGÊNCIAS MULTILATERAIS INTERNACIONAIS Até aqui, verificamos critérios teóricos a respeito desse engenhoso financiamento, porém, se faz necessária uma análise de questões de ordem prática. Uma opção significativamente atrativa para o Brasil, é a busca de recursos internacionais, viabilizando a execução de grandes empreendimentos, os quais poderão ser implementados por meio do Project Finance. É verdade que os patrocinadores do projeto acabam por investir a maior parte do capital inicial do projeto. No entanto, os bancos comerciais, os bancos de desenvolvimento do país hospedeiro e as agências multilaterais internacionais também podem ser financiadores desses projetos8. Os investidores de capital analisarão sempre os benefícios esperados da operação do projeto, na expectativa de obterem, no mínimo, uma taxa de retorno aceitável sobre os recursos investidos. Também poderão obter uma outra fonte de garantia, a qual se dará por meio de uma parcela da produção do projeto ou, ainda, 8 FINNERTY, John D. Project Finance: engenharia financeira baseada em ativos. Rio de Janeiro: Ed. Qualitymark, 1998, p. 153. 8 garantir um mercado consumidor para sua produção, através da venda de matérias- primas ou pelo fornecimento de um serviço9. Os investidores de capital são, normalmente, aqueles que se beneficiarão diretamente dos resultados projeto. No entanto são, contingentemente, responsáveis por contribuições adicionais nos casos de ocorrência de excedentes de custos ou de fracassos no projeto. 10 Os bancos comerciais têm desempenhado um papel de relevância nofinanciamento de projetos, avaliando complexos créditos e, na maioria das vezes, assumindo riscos inerentes ao projeto em si e sua conclusão, não ligados ao crédito. Vale dizer, ainda, que os bancos comerciais emprestam dinheiro com taxas flutuantes, a menos que seja contratada alguma operação financeira garantidora de taxa de câmbio ou juros, e outorgam um prazo para pagamento que raramente excede os dez anos11. Não se pode olvidar do papel importante dos bancos de desenvolvimento dos países sede do empreendimento. No Brasil foi criado o BNDES, órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e tem como objetivo apoiar empreendimentos que contribuam para o desenvolvimento do país. Na qualidade de banco promotor do desenvolvimento, ele agirá também como representante do Estado, quer para viabilizar políticas públicas, quer para assumir obrigações a ele relacionadas. A credibilidade de uma aprovação de apoio pelo BNDES também pode significar uma sinalização de credibilidade do próprio projeto, garantindo-lhe melhores condições de negociação no mercado. Enfim, vale dizer que o papel do BNDES é de agente financeiro dos investimentos fixos, podendo chegar de 30 (trinta) a 40 (quarenta) por cento do 9 FINNERTY, John D. Project Finance: engenharia financeira baseada em ativos. Rio de Janeiro: Ed. Qualitymark, 1998, p. 154. 10 Ibid. 11 REAL DE AZÚA, Daniel. Project Finance: uma modalidade de financiamento internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 16. 9 investimento total previsto no projeto. Com essa postura, o financiamento advindo do BNDES chega ao projeto com taxas de juros menores que as dos créditos privados e com longo prazo para pagamento, o que acaba sendo mais vantajoso. As Agências Multilaterais Internacionais também desempenham importante participação no financiamento de projetos. Nesse tocante, podemos citar o Banco Mundial12, com suas respectivas subdivisões, tais como o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD13, a Internacional Finance Corporation – IFC e a Multilateral Investment Guarantee Agency – MIGA. Cita-se também o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID. Tal como ocorre com o BNDES, esses organismos também oferecem financiamentos com logo prazo para pagamento, taxas de juros menores que as dos créditos privados, há possibilidade de negociar juros fixos e, ainda, o fato de uma dessas instituições ter emprestado o crédito, abre caminho para se obter novos empréstimos privados14. 1.4 A IMPLEMENTAÇÃO DO PROJETO Após a verificação de critérios teóricos sobre o Project Finance e identificar seus possíveis financiadores, tratar-se-á acerca da sua implementação. Nesse sentido, importante traçar uma distinção entre das espécies de Project Finance. Segundo orientação de Bonomi15, 03 (três) são as espécies, quais sejam: o financiamento sem direito de garantia ou recurso contra o acionista ou patrocinador, também chamado de non-recourse; o financiamento com limitado direito de garantia ou recurso contra o acionista ou patrocinador, conhecido por limited-recourse; e o full-recourse, com garantias totais junto ao acionista ou patrocinador. 12 BANCO MUNDIAL. THE WORLD BANK GROUP. Washington, 2007. Disponível em: <http://www.worldbank.org/>. Acesso em 1º. set. 2007. 13 BANCO INTERNACIONAL DE RECONSTRUÇÃO E DESENVOLVIMENTO – BIRD. Washington, 2000. Disponível em: <http://treasury.worldbank.org/web/pdf/portuguese_hp.pdf>. Acesso em 26 ago. 2007. 14 REAL DE AZÚA, Daniel. Project Finance: uma modalidade de financiamento internacional. São Paulo: Aduaneiras, 2002, p. 16. 15 BONOMI, Cláudio Augusto; MALVESSI, Oscar. Project Finance no Brasil: fundamentos e estudos de casos. São Paulo: Atlas, 2004, p. 64/65. 10 O tipo non-recourse é baseado, exclusivamente, nos recursos gerados pelo empreendimento, ou seja, a única garantia é o fluxo de caixa do próprio projeto. Portanto, os credores não terão acesso ao patrimônio dos sponsors. No entanto, a estrutura de non-recourse é pouco utilizada no Brasil. Na espécie limited-recourse os credores se valem de outras garantias, além do fluxo de caixa, tais como cauções, hipotecas, letras de crédito, dentre outras, que serão válidas por parte do período do financiamento, garantindo as obrigações dos credores. Já no caso do full-recourse, os credores contam, além dos recursos gerados pelo empreendimento, com garantias convencionais concedidas pelos acionistas e patrocinadores que cobrem a totalidade das obrigações do tomador dos recursos. Dito isso, adentrar-se-á à questão de como será efetivamente implementado o projeto, a fim de que possam ser identificadas as partes responsáveis pelas garantias bem como pela subdivisão dos riscos inerentes. Abordar-se-á, neste tópico, mais superficialmente sobre os riscos, deixando seu estudo mais aprofundado para o capítulo seguinte. Inicialmente, cumpre ressaltar, segundo tudo o que foi visto anteriormente, que o Project Finance não deve ser utilizado em empreendimentos de pequeno porte. Pela sua complexidade, bem como pelo longo período de montagem e obtenção de financiadores, inviabilizaria qualquer projeto de baixo custo16. Na prática, após os estudos de viabilidade de implementação, elaborados pelas partes interessadas e pelos advisors contratados para tal, forma-se uma Sociedade de Propósito Específico (SPE) ou em inglês chamada de Special Purpose Company (SPC), a qual efetivamente servirá para a execução do projeto, sendo o veículo por meio do qual será concretizado o financiamento. Cabe dizer que não há uma obrigatoriedade na constituição de uma SPE, porém, por meio dela se pretende 16 BONOMI, Cláudio Augusto; MALVESSI, Oscar. Project Finance no Brasil: fundamentos e estudos de casos. São Paulo: Atlas, 2004, p. 31. 11 uma isenção maior aos investidores, dado o fato de que ela será a intermediadora entre o patrocinador e o projeto. Veja-se que, no Brasil, a SPC poderá ser criada nos moldes de uma Sociedade Anônima, exclusivamente com o intuito de execução do Project, sendo- lhe vedada qualquer outra atividade17. Entretanto, não somente com a criação de uma SPE se poderia pensar que ela seria suficiente e bastasse para a estruturação de um Project Finance. Por se tratar de um complexo emaranhado de engenharia financeira, podem ser feitos diversos arranjos entre as partes envolvidas, de modo que elas assumam diferentes combinações de risco e retorno, de acordo com suas respectivas preferências18. Esses acordos se dão por meio de contratos paralelos, também chamados de contratos coligados, ou, ainda, rede de contratos, dentre outras denominações19. Ilustra-se com o entendimento de Bonomi20: Além de suas funções básicas de formalizar os acordos entre as partes envolvidas nas operações, regulando seus direitos e obrigações, ainda agem como aglutinadores das associações e parcerias, oriundas da estruturação. Possuem também função relevante de mitigadores de vários tipos de riscos inerentes ao empreendimento, especialmente os de longo prazo, tão comumente encontrados no Project Finance. Assim, por meio desses contratos é que serão feitas as distribuições de riscos entre as partes. 2 OS RISCOS ENVOLVIDOS NO PROJECT FINANCE Como visto anteriormente, a estruturação de um Project Finance apresenta uma série de riscos para as partes envolvidas. Nesse sentido, serão enumeradosalguns desses riscos, mais relevantes para a implementação do projeto. Veja-se que 17 BONOMI, Cláudio Augusto; MALVESSI, Oscar. Project Finance no Brasil: fundamentos e estudos de casos. São Paulo: Atlas, 2004, p. 34. 18 Ibid., p. 21. 19 ENEI, José Virgílio Lopes. Project Finance: financiamento com foco em empreendimentos: (parcerias público-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 283/284. 20 BONOMI, Cláudio Augusto; MALVESSI, Oscar. Op. cit., p. 68. 12 essa é uma das maiores preocupações dos investidores, na medida que é a alocação desses riscos o segredo para o sucesso do projeto, o qual ocorrerá pela credibilidade dos investidores em aportar dinheiro no mesmo. 2.1 RISCOS AMBIENTAL, DE CONSTRUÇÃO, TECNOLÓGICO, DE SUPRIMENTO DE MATÉRIA-PRIMA E DE CONCLUSÃO Não há maiores surpresas quanto à configuração de um risco ambiental. Ele ocorre toda vez que os efeitos oriundos do projeto se estendem ao meio-ambiente, causando algum impacto. Sendo, então, necessária a revisão de algum procedimento, ou mesmo, um reprojeto, para seu prosseguimento21. No Brasil essa questão é de grande relevância e deve ser analisada com muito cuidado. Como visto até agora, no Project Finance um dos pontos relevantes para sua consecução reside no fato de que há limitação de responsabilidades dentre os investidores e financiadores. Ocorre que o risco ambiental também se alastra à responsabilidade ambiental dos envolvidos no projeto e na SPC, na medida em que um dos princípios que regem do Direito Ambiental no Brasil, o do poluidor-pagador, não faz distinção sobre quem será responsabilizado em caso de dano ao meio- ambiente. Com efeito, é considerado poluidor “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.”22 Ainda, em se tratando de responsabilidade ambiental, o poluidor é “obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio-ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade.”23 Assim, a responsabilidade do financiador restaria facilmente configurada, 21 FINNERTY, John D. Project Finance: engenharia financeira baseada em ativos. Rio de Janeiro: Ed. Qualitymark, 1998, p. 47. 22 Definição trazida pela Lei n. 6938, de 31/08/81, que regula a Política Nacional do Meio Ambiente, em seu art. 3o., IV. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil/Leis/L6938.htm>. Acesso em 08 set. 2007. 23 Ibid., art. 14, § 1o. 13 em razão de saber da destinação do capital financiado, como ocorre no Project, identificando-se o liame do nexo causal necessário para sua responsabilização24. No entanto, essa responsabilização, na prática, pode não ocorrer dessa maneira. Quando da vinda do Project Finance ao Brasil, já havia sido incorporado o costume de se aplicar meios eficazes para sua fiscalização. Desse modo, na fase de negociação do projeto, serão incluídas, dentre as exigências, os comprovantes de que todas as licenças e autorizações ambientais foram obtidas e que não há qualquer outra necessária que impedirá o seu prosseguimento futuro. Caso haja, será determinada a responsabilidade de cada uma delas, por meio dos contratos coligados de que se falou no capítulo anterior25. Muitas vezes, ainda, não basta o cumprimento das obrigações exigidas na legislação local, como também a observância de padrões internacionais. Com efeito, caso haja qualquer quebra dessas obrigações por parte da sociedade financiada, abre-se precedente para a quebra do contrato com o financiador26. Diante disso, percebe-se quão relevante é o risco ambiental para o projeto, o que causa grande preocupação com o tema, aos investidores. Assim, almeja-se, aqui, apenas alertar para a possibilidade de responsabilização sem, contudo, exaurir o assunto, ficando a cargo dos participantes delimitar suas responsabilidades. Outro ponto relevante é o fato de que a inquietação que em um primeiro olhar responsabilizava objetivamente os participantes do Project Finance, percebe- se que somente poderá levada em conta, desde que haja omissão ou desídia dos financiadores quanto à seleção dos projetos e fiscalização de seu andamento, a ensejar-lhes uma co-responsabilidade em matéria ambiental, nos termos da Lei 11.105, de 24/03/05, em seu art. 2o., § 4o27. 24 ENEI, José Virgílio Lopes. Project Finance: financiamento com foco em empreendimentos: (parcerias público-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 262-265. 25 Ibid., p. 274/275. 26 Ibid., p. 275/276. 27 Art. 2o As atividades e projetos que envolvam OGM e seus derivados, relacionados ao ensino com manipulação de organismos vivos, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e à produção industrial ficam restritos ao âmbito de entidades de direito público ou privado, que serão responsáveis pela obediência aos preceitos desta Lei e de sua regulamentação, bem como pelas 14 Já os riscos de construção, para Borges28, resumem-se em abandono ou não conclusão, atraso, custos superiores aos previstos e performance frustrada. Já Enei29, ressalta ser esse risco um dos mais importantes no financiamento, relacionado à conclusão das obras de aquisição do maquinário necessários a tornar o empreendimento financiado apto a operar comercialmente. Enfim, são muitos os tipos de riscos relacionados à fase de construção do projeto, os quais não foram exauridos nesse tópico. Porém, cabe dizer que as sociedades financiadas, no intuito de mitigar esses riscos e dar mais credibilidade ao projeto, usualmente celebram um contrato de empreitada global, conhecido como Contrato de EPC (Engineering, Procurement and Construction Contract), sob o regime de chave-na-mão (turnkey). Desse modo, transfere-se a maior parte dos riscos à firma contratada para executar a construção. O risco tecnológico refere-se à tecnologia utilizada no decorrer do projeto. Ele surge quando seu desempenho não atinge às especificações técnicas, ou seja, pode se tornar obsoleta a tecnologia no transcurso de tempo da implementação do projeto30. Porém, o risco tecnológico não merece tanto destaque, justamente pelo fato de que muitos estudos serão feitos previamente à implementação, a fim de que isso não venha a ocorrer. eventuais conseqüências ou efeitos advindos de seu descumprimento; § 4o As organizações públicas e privadas, nacionais, estrangeiras ou internacionais, financiadoras ou patrocinadoras de atividades ou de projetos referidos no caput deste artigo devem exigir a apresentação de Certificado de Qualidade em Biossegurança, emitido pela CTNBio, sob pena de se tornarem co-responsáveis pelos eventuais efeitos decorrentes do descumprimento desta Lei ou de sua regulamentação. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11105.htm>. Acesso em 08 set. 07. 28 BORGES, Luiz Ferreira Xavier. Project Finance e infra-estrutura: descrição e críticas. Revista de Direito Bancário e do Mercado de Capitais. São Paulo, v. 02, n. 06, p.125, set./dez. 1999. 29 ENEI, José Virgílio Lopes. Project Finance: financiamento com foco em empreendimentos: (parcerias público-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 197-199. 30 FINNERTY,John D. Project Finance: engenharia financeira baseada em ativos. Rio de Janeiro: Ed. Qualitymark, 1998, p. 41. 15 O risco de suprimento está sempre presente quando se fala em Project Finance. A maioria dos problemas está relacionada com a escassez de matéria- prima ou insumos. Mas tal risco pode ser transferido para uma firma fornecedora, por meio de um contrato específico de fornecimento ao longo de toda a construção, podendo ser inserida cláusula de indenização, caso haja prejuízo decorrente da falta de suprimento. Por fim, o risco de conclusão está relacionado com a possibilidade de o projeto não vir a ser concluído. Nesse sentido, ele possui dois aspectos, o monetário e o técnico. A questão monetária se refere ao fato de que, ao final do projeto, se esse já tiver passado por muitos problemas no decorrer, os patrocinadores podem considerar que o projeto não é mais lucrativo. A outra questão é técnica, ou seja, apesar de todas as garantias fornecidas pelos especialistas contratados para os estudos, quando da conclusão poderá se entender que o projeto se tornará tecnicamente inviável ou prejudicial ao meio ambiente, restando prejudicada sua conclusão. 2.2 RISCOS PAÍS, LEGAL E DE FORÇA MAIOR O risco país é, definitivamente, um risco que deve ser levando em conta, principalmente quando se fala em investimentos a serem realizados em países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. O termo “Risco País”, como se conhece no mercado financeiro mundial, se constitui em um índice que mede o grau de "perigo" que um país representa para o investidor estrangeiro. O JP Morgan, banco de investimentos norte americano, é o responsável por medi-lo. Para sua aferição, leva-se em conta a sobretaxa que se paga no país, em relação à rentabilidade garantida pelos bônus do Tesouro dos Estados Unidos, país mais solvente do mundo31. Contudo, em que pese ser relevante a análise da taxa do seu risco país 31 Portal da Economia. O que é Risco País. [200-] Disponível em: <http://www.portalbrasil.net/economia_riscopais.htm>. Acesso em 09 set. 2007. 16 quando de um investimento no Brasil, não é com essa conotação que se pretende trabalhar nesse tópico. A intenção é de usar o termo no sentido de risco político. Nesse sentido, diz-se ser uma “[...]gama de riscos associados às ações ou omissões do Poder Público brasileiro ou ainda a variáveis macroeconômicas que podem influir negativamente ao sucesso do empreendimento.”32 A fim de que se perceba quão relevante é o fato, importante trazer os números referentes ao risco Brasil. O pior resultado que o risco-país já atingiu foi a pontuação de 2.436 pontos, no dia 27 de setembro de 2002, pouco antes da eleição de Luiz Inácio Lula da Silva para presidente. Essa pontuação foi registrada logo depois de o Fundo Monetário Internacional (FMI) ter liberado um empréstimo de US$ 30 bilhões para socorrer a economia brasileira, causando insegurança ao investidor.33 No mês de outubro de 2007, mas precisamente dia 09, com a economia supostamente estabilizada, o risco Brasil esteve na casa dos 154 pontos. Verifica-se, assim, a volatilidade do mercado recebendo interferências do risco político.34 Assim, o risco país é um reflexo da situação econômica e financeira, refletindo, também, a estabilidade política e o desempenho histórico no cumprimento de suas obrigações financeiras. Veja-se, então, que a possibilidade desse risco ocorrer, pela ameaça de instabilidade que o governo possa deixar transparecer, poderá se tornar um empecilho para que os investidores venham a aportar divisas no projeto. Porém, há meios para mitigação desse risco, se tomados recursos financeiros em bancos locais, ou até mesmo por meio das agências multilaterais35. 32 ENEI, José Virgílio Lopes. Project Finance: financiamento com foco em empreendimentos: (parcerias público-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 203. 33 GUIMARÃES, Lida. Entenda o que é risco país. G1, o portal de notícias da Globo. São Paulo, 2007. Disponível em: <http://g1.globo.com/Noticias/Economia/0,,MUL19707-5599-2638,00.html>. Acesso em 16 out. 2007. 34 Ibid. 35 FINNERTY, John D. Project Finance: engenharia financeira baseada em ativos. Rio de Janeiro: Ed. Qualitymark, 1998, p. 45. 17 O risco legal, por muitas vezes, pode ser considerado como uma decorrência do risco político, na medida em que esse advém de um ato estatal, como a edição de nova lei modificando uma situação pré-existente. Ele está vinculado à possibilidade de uma parte não poder fazer a outra cumprir o estabelecido em razão de uma norma, gerando insegurança jurídica e prejudicando a entrada de investimentos estrangeiros no país e para o projeto. O risco legal decorre da influência do arcabouço jurídico-institucional no nível de risco das empresas. Entende-se tal arcabouço como sendo o efeito conjugado de três fatores: das normas legais que regulam as relações econômicas; da homogeneidade existente na interpretação dessas normas pelos tribunais especializados; e da presteza dos procedimentos legais necessários para a resolução de conflitos. O risco legal pode ser desencadeado a partir de uma modificação da carga fiscal de um determinado empreendimento, ou seja, o que anteriormente, por exemplo, poderia ser considerado como isento de tributação, nos moldes do Código Tributário Nacional, com a mudança de legislação, pode passar a ser incidente e, por conseguinte, inviabilizar o projeto. Diante disso, com o intuito de preservar a integridade do investimento, os investidores, por vezes, têm preferido financiá-los por meio das agências multilaterais. Eles acreditam que o governo relutaria um tanto mais para tomar atitudes que viessem a causar desgastes junto a esses órgãos do que para impor medidas a investidores estritamente privados36. O risco de força maior guarda similitude com os riscos provenientes de caso fortuito. Ele se relaciona à ocorrência de algum evento superveniente, o qual possa vir a prejudicar ou impedir a completamente o correto andamento do projeto, seja por período determinado de tempo, seja por tempo prolongado. 36 ENEI, José Virgílio Lopes. Project Finance: financiamento com foco em empreendimentos: (parcerias público-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 209. 18 Mesmo com todos os estudos feitos anteriormente à implementação do projeto, o risco de força maior é fato imprevisível, ou previsível, contudo, sem que seja possível evitá-lo. Esse risco também pode ser transferido a outras partes envolvidas no projeto, buscando que eles não se eximam da responsabilidade, mesmo na ocorrência de força maior. Entretanto, dificilmente será aceita pelos partícipes, essa transferência37. O Código Civil Brasileiro de 2002 estabelece responsabilidade proveniente de caso fortuito ou força maior em seu artigo 393. 38 Assim, segundo opina Enei, melhor garantia para que os eventos extraordinários não prejudiquem o bom andamento do Project Finance, é a contratação “[...] de coberturas securitárias de modo a reduzir impactos extraordinários nas receitas do empreendimento.”39 2.3 RISCOS ECONÔMICO, FINANCEIRO E CAMBIAL O risco econômico está relacionado à possibilidade de insuficiência de receita a cobrir os custos operacionais e do serviço da dívida do projeto, incapacitando o oferecimentode uma taxa de retorno justo aos investidores de capital. O fato de uma empresa apresentar um resultado de exploração insuficiente pode ser devido a 02 (dois) fatores: de ordem interna (de natureza comercial, produtiva/tecnológica ou de estratégia); e exógenos, nomeadamente de ordem setorial (setor em declínio), social ou político. No caso do Project Finance, o risco econômico adviria, por exemplo, “de um declínio do preço final da produção do projeto, ou do aumento do custo de 37 ENEI, José Virgílio Lopes. Project Finance: financiamento com foco em empreendimentos: (parcerias público-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 209. 38 Brasil. Código Civil. Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso Fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. 39 ENEI, José Virgílio Lopes. Op. cit., p. 203. 19 importante matéria prima.”40 Desse modo, caso o projeto não seja de grande envergadura, uma mudança de preços, enquanto ainda não estejam sendo colhidos seus frutos, poderá dificultar o pagamento de dívidas. Ponto relevante quanto ao risco econômico é a operacionalização do projeto. Nesse tocante, será exigência dos investidores a contratação de um competente gerente/operador. Tratando-se o Project Finance de uma modalidade de investimento estrangeiro e, dado o fato de o Brasil ser um país em desenvolvimento, de grande relevância é a análise dos riscos financeiro e cambial. Em que pese serem eles institutos distintos, serão tratados em tópico conjunto em razão dos meios utilizados para sua mitigação, visto que semelhantes. O Risco Financeiro “[...] cobre uma variedade de riscos em que se incorre nas operações financeiras, tanto riscos de liquidez quanto riscos de crédito.”41 A fim de que se elucide, traz-se a definição de risco de crédito, qual seja, aquele “[...] decorrente da possibilidade de que a contraparte não honre a entrega de papéis ou fundos pactuados”42 e o de liquidez, considerado a “[...] variação desfavorável de retorno devido à falta de negociabilidade de um instrumento financeiro por preços alinhados com vendas recentes.”43 Nesse sentido, contextualizando, o risco financeiro pode estar atrelado ao financiamento da dívida de um projeto, o qual se dá por meio de empréstimos a taxas de juros, normalmente, flutuantes. Assim sendo, “[...] há risco de que taxas de juros crescentes possam pôr em perigo a capacidade de o projeto atender o serviço 40 FINNERTY, John D. Project Finance: engenharia financeira baseada em ativos. Rio de Janeiro: Ed. Qualitymark, 1998, p. 45 41 BANCO CENTRAL DO BRASIL. Glossário. Brasília, 2007. Disponível em: <http://www.bancocentral.gov.br/glossario.asp?id=GLOSSARIO&Definicao=risco%20financeiro>. Acesso em 02 out. 2007. 42 Ibid. 43 Ibid. 20 de sua dívida”44. Quando do pagamento, há chances de o projeto não ter rentabilidade suficiente para a contraprestação ao sponsor. Ocorre que, durante a década de 80, foram criados meios de se minimizar os efeitos de uma possível elevação da taxa de juros e, conseqüentemente, mitigada a exposição do projeto a esse risco45. Inicialmente, a possibilidade mais palpável seria por meio dos empréstimos de valores com taxas de juros fixas. Porém, os financiadores de projetos com taxas de juros flutuantes, normalmente se mostram mais abertos a assumirem maiores riscos do que aqueles patrocinadores que oferecem capital a taxas de juros fixas. Assim, a melhor opção é se valer de instrumentos para implementar o hedging das taxas de juros, na medida que se elimina o risco da taxa de juros sem que exista uma exposição de risco46. Por hedging da taxa de juros, entende-se a contratação de uma taxa de juro fixa que, preferencialmente, coincida com o pagamento de alguma parcela da dívida. Assim, como visto, os patrocinadores do projeto, usualmente são estrangeiros. Dessa feita, o aporte de capital provém de recursos mantidos em sua moeda de origem, sendo essa tomada como referência para fins de apuração de seus lucros e perdas47. Porém, quando um investimento é feito em outro país, como o caso do Brasil, necessariamente haverá a conversão para moeda local (Real), antes do efetivo aporte no Projeto em si. De outro lado, as receitas advindas da sociedade serão auferidas em Real, o que gera o risco de haver uma desvalorização cambial entre o câmbio da data do aporte do capital no Brasil e o câmbio da época do pagamento. 44 FINNERTY, John D. Project Finance: engenharia financeira baseada em ativos. Rio de Janeiro: Ed. Qualitymark, 1998, p. 43. 45 Ibid. 46 Ibid. 47 ENEI, José Virgílio Lopes. Project Finance: financiamento com foco em empreendimentos: (parcerias público-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 209. 21 No Brasil, por força do Decreto-Lei 857/69, subsiste a regra do curso forçado da moeda local, ou seja, é vedada a utilização de moeda estrangeira como meio de pagamento de obrigação. Porém, o próprio Decreto prevê a possibilidade de utilização de moeda estrangeira em seu art. 2º., inciso IV, “[...] aos empréstimos e quaisquer outras obrigações cujo credor ou devedor seja pessoa residente e domiciliada no exterior [...]”48. Assim, em que pese haja previsão legislativa permitindo o pagamento ao sponsor em sua moeda de origem, de qualquer modo, haverá um descasamento entre a moeda recebida por ele no Brasil e sua expectativa com relação à moeda do seu país de origem, em razão de ter havido a conversibilidade, quando do aporte 49. Nesse mesmo sentido é o risco da sociedade, visto que ao pagar o financiamento em moeda estrangeira e perceber suas receitas em moeda local, incorrerá no risco do descasamento do câmbio50. Outro risco relacionado à questão cambial reside na possibilidade de o país hospedeiro do projeto impor medidas legais que impossibilitem a remessa e conversão do capital ao exterior, tanto para remessa de dividendos ao acionista, como para pagamento de financiador. Assim, sabendo-se quão importante é a atração de investimento estrangeiro ao país, imprescindível identificar possibilidades reais de mitigação desse risco, seja tomando emprestado uma parcela adequada da dívida do projeto em dólares norte- americanos, seja realizando um ou mais swaps de moedas, ou, por meio de hedging com contratos a termo e futuro de moedas, o que será tema específico da seção seguinte. Porém, como já mencionado anteriormente, é objeto de estudo do presente trabalho, apenas o Hedge. 48 Brasil. Presidência da República. Decreto-Lei Nº 857, de 11 de Setembro de 1969. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del0857.htm>. Acesso em 05 out. 2007. 49 ENEI, José Virgílio Lopes. Project Finance: financiamento com foco em empreendimentos: (parcerias público-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 210. 50 Ibid., p. 209. 22 3 A OPERAÇÃO DE HEGDE Hedge é uma palavra proveniente da língua inglesa que significa cerca, muro, barreira, proteção ou cobertura. No sentido a ser empregado no presente trabalho, está relacionado à proteção do chamado risco cambial, advindo doseu descasamento. Porém, inicialmente, a análise será feita do Hedge num todo. O hedge caracteriza uma transação comercial que visa primordialmente uma proteção contra cobertura de riscos do mercado financeiro. Para Bulgarelli, “[...] trata-se de operação que economicamente consiste numa cobertura contra os riscos das variações e oscilações dos preços.” 51 Comumente o hedge é utilizado no mercado a termo ou de futuros, o que será pormenorizadamente visto a seguir. Nesse sentido, define Luiz Mélega como sendo o hedge “[...] uma tomada de posição nesse mercado, aproximadamente igual, porém, em sentido contrário, àquela que se detém no mercado à vista”. 52 Entretanto, não se confunde a contratação simultânea ocorrida no hedge, de ora figurar como comprador e ora como vendedor, com a técnica já mencionada no item 1 desse trabalho, chamada de coligação de contratos. Aqui, os contratos não são instrumentalizados em conjunto, nem tampouco possuem interdependência. Na verdade, o que ocorre de fato com os contratos hedgiados é pura e simples interdependência factual, de índole econômica, entre ajustes equivalentes e opostos, concluídos com pessoas diversas e que objetivem a produzir a recíproca compensação dos seus efeitos. Os dois contratos são complexos e autônomos; independem um do outro para dar relevo à sua existência e validade extrínsecas.53 51 BULGARELLI, Waldírio. Contratos Mercantis. 9 ed. São Paulo: Atlas, 1997, p. 269. 52 MÉLEGA, Luiz. As operações de “Hedging” praticadas por firmas nacionais no comércio exterior. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. São Paulo: Malheiros, n. 35, p. 54, jul. /set. 1979. 53 Ibid. 23 Pode-se considerar a possibilidade de se fazer um contrato de hedge em razão de ter que se pagar quantia em moeda estrangeira em virtude de compra realizada no exterior. Ainda, utiliza-se quando feito empréstimo em moeda estrangeira para movimentar o capital de determinada sociedade, bem como para proteção de recurso externo que foi investido no país e, assim, convertido em moeda nacional54, e também para remessa de valores de volta ao seu país de origem. Veja-se que tanto para pagamento de dívida no exterior, quanto para empréstimo em moeda estrangeira, o risco está na possibilidade de desvalorização da sua moeda e conseqüente necessidade de maior quantidade de moeda para pagamento da obrigação. É nesse tocante que se pretende utilizar o hedge como mitigador do risco cambial, ou seja, o hedger – considerado o tomador do hedge – protege-se dos riscos advindos da oscilação cambial, transferindo os riscos para, normalmente, agentes financeiros, por meio de contratos de hedge, que por sua vez também assumirão a posição de hedgers no mercado de futuros. O hegde nasceu e se expandiu após a segunda Guerra Mundial. O mundo vivia um período de instabilidade econômica e, como um meio de lutar contra as incertezas, criou-se o hedge. As vantagens oferecidas pelo hedge fizeram com que, na década de 60, houvesse uma expansão dos contratos de hedge para o mercado de derivativos, os quais serão abordados adiante. Em que pese o hedge tenha o escopo de trazer segurança, ele não pode ser confundido com seguro, eis que traz apenas proteção para alguns riscos que podem ser previstos, enquanto que o que se protege com seguros, são eventos incertos55. 3.1 O MERCADO DE FUTUROS Antes que se passe à análise do mercado de futuros em si, insta esclarecer 54 LENHARO, Ana Carolina Pereira; LOURENÇO, Daniel Pedro; DUARTE, José Auguto; et. al., O contrato de Hedge-Hedging. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2143&p=1>. Acesso em 10 abril 2007. 55 Ibid. 24 que a espécie é parte do gênero mercado de derivativos. Derivativos são instrumentos financeiros que se originam do valor de outro ativo, tido como ativo de referência. Assim, um contrato não apresenta valor próprio, derivando-se do valor de um bem básico, podendo ser commodities, ações, taxas de juros, câmbio, dentre outros.56 Ou seja, exemplificando por meio da taxa de câmbio, pode-se utilizar como base o dólar americano, sendo que sua cotação será o marco para pagamento da dívida à época pactuada. O mercado de derivativos engloba algumas operações, quais sejam: mercados a termo; mercados de futuros; mercados de opções e mercado de swap. Ainda, é possível inserir o hedge no mercado de derivativos, uma vez que utilizado como uma estratégia financeira para proteção, em virtude da possibilidade de oscilação do valor do ativo, o que resultaria em provável dificuldade de pagamento da dívida.57 Como dito, o hedge deve ser considerado uma estratégia financeira e se enquadra na modalidade do mercado de futuros. Assim, segundo Assaf Neto, “[...] uma operação de mercado futuro envolve basicamente um compromisso de compra e venda de determinado ativo em certa data futura, sendo previamente fixado o preço objeto da negociação.”58 Neto traduz a intenção dos negociantes da seguinte forma: “[...] o investidor da ação aposta na elevação de sua cotação no mercado, adquirindo hoje para entrega futura por um preço acordado previamente. O vendedor, por outro lado, acredita na possibilidade de compra da ação no futuro a um preço inferior, o que permitiria realizar lucro.”59 Quando do surgimento do mercado futuro, negociava-se apenas commodities, porém, com o desenvolvimento econômico e do mercado de capitais, as operações passaram a englobar, também, ações, índices de preços, metais 56 ASSAF NETO, Alexandre. Derivativos. Mercado Financeiro. São Paulo: Atlas. 4ª. Ed., 2001. p. 330. 57 LENHARO, Ana Carolina Pereira; LOURENÇO, Daniel Pedro; DUARTE, José Auguto; et. al., O contrato de Hedge-Hedging. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2143&p=1>. Acesso em 10 abril 2007. 58 ASSAF NETO, Alexandre. Op. cit. p. 331. 59 Ibid., p. 332. 25 preciosos, moedas, dentre outros60. A Bolsa de Mercadorias e Futuros é quem padroniza os contratos em termos de quantidade e unidades de negociação, data de vencimento e meio de cotação. Ainda, fixa preços e limites diários, sendo que as negociações do dia devem ficar dentro desses limites estabelecidos61. Os participantes do mercado de futuro podem ser identificados como especuladores e hegders. Aqueles são todas as pessoas físicas ou jurídicas “[...] que buscam resultados financeiros nas operações a futuro”62. Seu interesse não está relacionado ao objeto da negociação, mas sim à obtenção de lucro com a compra e venda. Eles são as pessoas que aceitam carregar os riscos que os hedgers pretendem transferir, sem estarem diretamente envolvidos na atividade produtiva.63 Os hedgers, por sua vez, utilizam-se do mercado de futuros com o intuito de, por meio da compra e venda, diminuir os riscos provenientes das variações de preços ou câmbio. Eles estão diretamente ligados, seja na produção, seja na comercialização, com as mercadorias objeto das negociações.64 O que se espera, de fato, com o mercado futuro é a proteção contra a variação de preços, verificada em todas as modalidades de hedge, independente do objeto do contrato.65 Bulgarelli afirma: “não se confunda o contrato futuro, ou seja, a venda a termo, com a venda para entrega futura, posto que esta implica basicamente a obrigação da entrega da mercadoria”. 3.2 INSTRUMENTALIZAÇÃO DA OPERAÇÃODE HEDGE Inicialmente, faz-se mister identificar a natureza jurídica do contrato de hedge para o prosseguimento da operacionalização. 60 ASSAF NETO, Alexandre. Derivativos. Mercado Financeiro. São Paulo: Atlas. 4ª. Ed., 2001., p. 332. 61 Ibid. 62 Ibid. 63 PERIN JUNIOR, Écio. O hedging e o contrato de hedge. Mercados Futuros. Jus Navigandi. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=635 >. Acesso em 10 abril 2007. 64 Ibid. 65 Ibid. 26 A natureza jurídica do contrato de hedge é uma questão controvertida em nossa escassa doutrina, por ser repleto de peculiaridades. Há posicionamento no sentido que ele não se enquadraria como um contrato típico nem, tampouco atípico. E, por outro lado, há entendimento que ele seria um contrato atípico, argumentando que se trataria de uma modalidade de operação de bolsa, com caráter aleatório, tendo como objeto a comercialização de mercadorias a termo, sendo que cada operação teria autonomia negocial.66 Visto isso, adentrar-se-á propriamente na operação de hedge. Resta convencionado, para o presente trabalho, o hedge será utilizado para proteção contra desvalorização cambial. Ocorre que há possibilidade de que um empreendimento não precise se valer do hedge para sua proteção, tendo em vista possuir sob seu domínio ativos e passivos na mesma moeda estrangeira, como exemplo de empresas que importem mercadorias realizando o pagamento em dólares americanos e, em contrapartida, exportam os seus produtos, recebendo na moeda norte-americana. Nesse caso, diz- se que ocorreu um hedge natural das reservas e se diz, então, que a empresa está hedgiada, ou seja, casada. No entanto, quando não ocorre dessa maneira, ou seja, a empresa possui ativos e passivos em moedas distintas, parte em nacional, parte em estrangeira, evidente que a empresa está unhegded, traduzindo, descasada. É justamente nesse ponto que surge a necessidade da procura de uma instituição financeira para evitar um possível prejuízo com a desvalorização de alguma moeda que está sendo utilizada, fazendo-se um hedge para proteção de um risco67. Já associando a operação de hedge como mitigador de risco no Project Finance, cumpre dizer que, normalmente, há um agente financeiro envolvido e, via 66 LENHARO, Ana Carolina Pereira; LOURENÇO, Daniel Pedro; DUARTE, José Auguto; et. al., O contrato de Hedge-Hedging. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2143&p=1>. Acesso em 10 abril 2007. 67 Ibid. 27 de regra, trata-se de banco internacional. O custo da operação é o da compra da moeda estrangeira a um determinado preço estipulado pelas partes, banco e hedger. Assim, posteriormente, se houver modificação na cotação para menos, nada receberá, ao passo que se a cotação subir, receberá a diferença. Cumpre exemplificar a operação de hedge, de modo a cumprir sua função de mitigadora de risco cambial, o que se pretende com este trabalho. Note-se que a SPE, por meio do contrato, especificou que seria repassado ao sponsor um valor de US$ 10.000,00 (dez mil dólares americanos) mensais, sendo que seu faturamento está ocorrendo em Reais. Desse modo, considerando o fato de que a cotação está R$ 2,00 para cada Dólar, ao final de cada mês, ela teria o correspondente a R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Ocorre que, se porventura houver uma desvalorização cambial do Real frente ao Dólar, e a proporção passe a R$ 2,50 para cada Dólar, haverá a necessidade de aumento do faturamento para R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), para que haja cumprimento do pactuado. Nesse sentido cabe a operação de hegde. Contratar-se-á com o banco um hedge pelo período de um ano, por exemplo, comprando o Dólar na cotação de 1 para 2. Desse modo, mesmo que haja desvalorização da moeda local, poderia manter o pacto de pagamento de US$ 10.000,00 (dez mil dólares), sem prejuízo ao negócio. Na realidade, a empresa assumiu o risco quando contratou com o banco, como quando se faz um seguro de vida e há expectativa do prêmio do seguro após a morte, pagando por esse “risco”. Já o agente financeiro ganhou sobre ela, pois se valeu de uma taxa, compondo o lucro dele. Assim, o lucro da empresa é que deixará de pagar68. Por fim, na medida em que o hedge poderá ser realizado a qualquer tempo 68 LENHARO, Ana Carolina Pereira; LOURENÇO, Daniel Pedro; DUARTE, José Auguto; et. al., O contrato de Hedge-Hedging. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2143&p=1>. Acesso em 10 abril 2007. 28 com a instituição bancária, e por qualquer período, dias, meses ou ano, também poderá ser desfeito a qualquer tempo, bastando, apenas, a anuência do banco69. 3.2 EFETIVIDADE DO HEDGE COMO MEIO DE MITIGAR O RISCO CAMBIAL NO PROJECT FINANCE Como abordado na seção anterior, o hedge cumpre sua finalidade na medida em que auxilia na proteção. Outrossim, como enfatizado, o presente trabalho pretende aplicar o hedge como meio mitigador do risco, especificamente o cambial, no Project Finance. Consoante ensina Enei acerca da mitigação do risco cambial, [...] o princípio básico para tanto é buscar atrelar à evolução da moeda estrangeira o reajustamento ou a revisão de uma parcela do preço dos produtos e serviços no longo prazo para os clientes da sociedade financiada, de modo que a parcela da receita do empreendimento indexada à moeda seja, ao longo do empreendimento, suficiente para fazer frente aos compromissos da sociedade nessa mesma moeda, sobretudo os compromissos associados ao financiamento.70 É nesse sentido que se abordou anteriormente quanto ao empreendimento estar hedgiado ao possuir uma receita indexada pela moeda estrangeira. No entanto, caso “[...] as receitas do empreendimento forem auferidas localmente, como ocorre no setor de infraestrutura [...] a sociedade financiada poderá encontrar dificuldades legais para indexar parte de seus preços à moeda estrangeira [...].”71 Assim, veja-se que de grande valia a operação de hedge como mitigadora de risco no Project Finance. Ela proporcionará segurança ao sponsor do projeto, uma vez que ele poderá fazer o aporte do capital sem ter a preocupação acerca da oscilação da moeda. Isso, tendo em vista o hedge paralelo realizado com uma instituição financeira. 69 LENHARO, Ana Carolina Pereira; LOURENÇO, Daniel Pedro; DUARTE, José Auguto; et. al., O contrato de Hedge-Hedging. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2143&p=1>. Acesso em 10 abril 2007. 70 ENEI, José Virgílio Lopes. Project Finance: financiamento com foco em empreendimentos: (parcerias público-privadas, leveraged buy-outs e outras figuras afins). São Paulo: Saraiva, 2007, p. 210. 71 Ibid. 29 Outrossim, o patrocinador se sentirá mais à vontade para o investimento, já que aumenta sua expectativa com relação à manutenção do valor da moeda do seu país de origem à época do aporte. Por todo o visto, evidente que investidor estrangeiro pode se sentir atraído para o investimento estrangeiro no Brasil, no mínimo porque, ainda que não haja a possibilidade de serem eliminados todos os riscos quando de um investimento, quanto à variação cambial, há possibilidade de mitigá-lo. CONCLUSÃO Com amparo nas considerações trazidas ao longo do presente trabalho, verificou-se que, em qualquer investimento estrangeiro que sefaça em país em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, haverá inúmeros riscos. Isso também ocorre com o Project Finance, porém, como um empreendimento que deve ser utilizado para projetos de grande porte e o retorno dos investidores depende diretamente do sucesso do negócio e dos ativos que gerará, há uma maior preocupação com a alocação desses riscos e, conseqüentemente, maior credibilidade aos investidores em busca de mercados emergentes. Assim, identificou-se que os riscos existem, no Project Finance, desde a fase de negociação, na medida que, ainda enquanto não houve o início das obras, pode ocorrer alguma mudança significativa na área tecnológica, influenciando em possível obsolência do que já previsto. Os riscos passam também pela fase de construção, podendo envolver matérias primas utilizadas e alcançando a fase de conclusão. Tais riscos podem ser minimizados por meio de estudos prévios à implementação e, caso ocorram no decorrer, certamente serão divididas as responsabilidades por meio de contratos paralelos previamente pactuados. Porém, não somente ligados diretamente ao projeto em si estão os riscos. Eles podem advir de fatores exógenos e não atinentes à relação, como é o caso do risco país, do risco legal e de força maior. Assim, em que pese não possuírem eles ligação direta com o desenvolvimento do projeto, mantêm relação estreita com a preocupação dos investidores no aporte de divisas no país. Da mesma forma 30 deverão ser minimizados pos estudos prévios, tendo presente que apenas se conseguirá diminuí-los e não evitá-los por completo. Nessa mesma linha de riscos externos, analisou-se com relação aos riscos econômico, financeiro e cambial. No tocante a esse último, despendeu-se maior atenção, tendo em vista sua relevância para o objetivo desse trabalho, qual seja, verificar como a operação de Hedge desempenha papel fundamental no sucesso do Project Finance. Dessa forma, após estudo acerca da operação de Hedge, verificou-se que, pelo seu caráter protecionista, ele traz a segurança necessária ao investidor estrangeiro como mitigator do risco decorrente da oscilação cambial, vez que terá certeza do recebimento do retorno financeiro investido no projeto, em dia. A empresa, por sua vez, tem a possibilidade de hedgiar o seu capital, por meio da contratação da operação de hedge junto a uma instituição bancária, no mercado de futuros, amenizando possíveis impactos sofridos com a valorização ou desvalorização da moeda local. Ela pactuará uma taxa cambial fixa, por um determinado período de tempo, assegurando que uma eventual variação no câmbio não prejudique o pagamento das suas dívidas. Diante disso, conclui-se que o Brasil, por ser um país em desenvolvimento e que, insere-se na globalização mundial, fazendo frente e atraindo grandes e importantes investimentos estrangeiros, possui meios de minimizar riscos e garantir ao investidor estrangeiro uma maior segurança jurídica, a fim de atrair grandes investimentos para alavancar a economia local, aumentando, assim, o aporte de divisas.
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