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1 DIRETRIZES GERAIS PARA TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Analice Gigliotti Angela Guimarães CAPÍTULO 1 DA NEUROBIOLOGIA AO TRATAMENTO BIOPSICOSSOCIAL DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA Tadeu Lemos AnaliceGigliotti Angela Guimarães INTRODUÇÃO Conjugar as recentes descobertas neurocientíficas ao conjunto de conceitos psicológicos e sociais inerentes à compreensão do comportamento humano é um desafio contemporâneo. Esta integração de saberes é imprescindível para o entendimento, diagnóstico e tratamento da dependência química. Nestas afecções, os fatores determinantes interagem de maneira tão complexa que se torna difícil determinar um agente etiológico presente em todos os indivíduos afetados. Sendo a dependência química uma síndrome multifatorial, pode-se prever alguns conjuntos de fatores envolvidos no seu desenvolvimento:os aspectos genéticos e neurobiológicos; as comorbidades psiquiátricas; a estrutura psicológica do indivíduo e os seus recursos de defesa para o manejo de emoções e situações desestabilizadoras; a oferta e a disponibilidade da droga; o tipo de substância e a via de administração escolhidos; o histórico familiar e suas disfunções; a presença de hereditariedade, de estresse e de eventos traumáticos de vida; e vários outros fatores. Um dos atuais desafios científicos é descobrir quais elementos neurobiológicos e diferenças individuais são capazes de vulnerabilizar pessoas para a dependência química. Genótipo e fenótipo em dependência química Por genótipo entende-se, de maneira geral, o conjunto de tendências biológicas que as pessoas apresentam individualmente. A ação do meio ambiente sobre as condições biológicas do indivíduo produz a expressão do fenótipo. Conforme Messas&Vallada: “A herdabilidade efetiva é das condições de vulnerabilidade e não da doença ou do transtorno em si. No caso da dependência química, portanto, devemos falar, em nome do rigor linguístico, de genética das condições de vulnerabilidade ou suscetibilidade.” Este modelo, que abrange a herança genética das vulnerabilidades e sua modulação ao longo dos anos pelos efeitos ambientais, é denominado modelo epigenético. Com base nos achados destes mesmos autores, fatores como nível de atividade comportamental, emotividade, capacidade de arrefecimento emocional, persistência da atenção e sociabilidade são indicados como traços de personalidade possivelmente relacionados com a vulnerabilidade ao alcoolismo. Estudos realizados com o intuito de encontrar um gene para a dependência de álcool apresentaram resultados iniciais otimistas, no entanto não puderam ser replicados, o que levou à afirmação de que “a resolução do problema não poderia resumir-se à procura de genes únicos”. Outras pesquisas que têm apresentado resultados interessantes são aquelas direcionadas às vulnerabilidades comuns às dependências de álcool, de drogas e a outros traços fenotípicos comportamentais. Nesse modelo, diversos transtornos da psiquiatria apresentariam uma base genética comum, ficando a cargo do desenvolvimento epigenético o papel da produção de um fenótipo ou de outro. Ainda em relação à hereditariedade, trabalhos que examinaram a questão no contexto da dependência de álcool ou de outras drogas encontraram, invariavelmente, uma prevalência significativamente maior dessa dependência em filhos de pais biológicos com diagnóstico semelhante. Utilizando uma modelagem de dados mais complexa, Cadoret e cols. demonstraram dois trajetos genéticos que levariam à dependência de álcool e de outras drogas: um com proveniência direta de um pai com diagnóstico semelhante e outro através de um diagnóstico paterno/materno de transtorno de personalidade antissocial. Na busca de evolução do entendimento acerca dos fatores genéticos preditores da dependência química, estudos com alcoolistas revelaram os seguintes achados: 2 Estudos com gêmeos, pessoas adotadas e variações fisiológicas, embora demonstrem a existência de um componente genético, não permitem a identificação do mecanismo patológico e dos genes predisponentes à dependência. A predisposição genética para o alcoolismo também foi proposta em diversos estudos com pessoas adotadas: filhos de pais biológicos alcoolistas, quando criados por pais adotivos não alcoolistas, apresentam maior risco de desenvolver o alcoolismo, quando comparados a filhos de não alcoolistas sujeitos ao mesmo tipo de adoção. A herdabilidade do alcoolismo é compartilhada, em parte, com a do tabagismo, o que explica a forte associação dos dois problemas. Já o abuso de outras drogas não parece ser preditivo do alcoolismo em parentes. Como bem destacam vários estudiosos da área, quando se trata de síndromes e doenças multifatoriais, pressupõe-se que haja muitos genes participantes, a maioria contribuindo para um pequeno efeito, o que dificulta identificá-los em estudos de ligação. “É preciso, então, focalizar o interesse em certos genes que apresentam maiores chances de aumentar a suscetibilidade.” O que se pode afirmar é que as pessoas apresentam determinadas tendências genéticas e, por vezes, algumas vulnerabilidades neurobiológicas que se manifestam de diferentes formas.O desenvolvimento da dependência química vai depender de um amplo conjunto de fatores, incluindo o genótipo e o fenótipo. Ou seja, quando houver predisposição genética para a dependência de álcool e de outras drogas, esta condição poderá ser potencializada por aspectos disfuncionais de natureza psicológica, familiar, social e ambiental, o que os configura como fatores de risco. Quando estes mesmos fatores psicossociais contribuírem para o bom manejo das dificuldades e das tendências do indivíduo, serão considerados fatores de proteção. Processo neurobiológico do desenvolvimento de dependência Podemos utilizar a noção de “patologias da vontade”, conforme Palmini as nomeia, para o entendimento do processo neurobiológico envolvido na dependência química. O circuito cerebral ligado às vontades e à tomada de decisões para satisfazer as vontades (denominado sistema cerebral de recompensa [SCR]) tem dois lados “antagônicos”: um polo subcortical, muito antigo, representado por estruturas cerebrais que lidam com as emoções e os instintos, o sistema Límbico, e um polo cortical, muito mais recente, constituído pelas regiões pré-frontais. Nos seres humanos, a ativação do polo subcortical do SCR desencadeia sensações de bem-estar e de prazer, e sua inativação ou seu “hipofuncionamento” levam a sensações opostas, de disforia e de ansiedade. Para a compreensão das bases biológicas dos comportamentos decorrentes da dependência química, deve-se considerar o fato de que a nossa cultura descobriu que substâncias como álcool e drogas ativam especificamente estas regiões, agindo no SCR como se fossem as experiências habituais que, naturalmente, causam ativação destas regiões. A compreensão dos sistemas biológicos envolvidos na dependência química e nos demais comportamentos compulsivos ainda é parcial. Sabemos que, embora as drogas de abuso apresentem diferentes perfis neurofarmacológicos, todas, de alguma forma, ativam o sistema dopaminérgico mesocorticolímbico. Este é o sistema que modula nossas emoções e comportamento. A ativação deste sistema, em especial de uma estrutura denominada núcleo accumbens e de suas inter-relações com o prosencéfalo, é responsável pelos efeitos reforçadores prazerosos ou de gratificação. Apesar de o sistema dopaminérgico ser o ator principal deste intrincado fenômeno, importantes vias glutamatérgicas, serotoninérgicas, GABAérgicas, opioidérgicas e canabinoides também o modulam Estudos indicam que o núcleo accumbens não seria apenas uma estrutura moduladora de prazer e de reforço comportamental, mas também uma espécie de filtro ou de amplificadorde informações oriundas de várias áreas límbicas e corticais em direção a áreas motoras do cérebro. Assim, a ativação da via mesocorticolímbica induz à liberação de dopamina no núcleo accumbens, amplificando informações relacionadas com reforço condicionado, resposta sensoriomotora, tomada de decisão e com outros comportamentos de busca, os quais estariam também associados a outros transtornos compulsivos ou da motivação. Compreendemos que o efeito reforçador das drogas no cérebro é uma consequência não somente da ativação de mecanismos reforçadores positivos de recompensa (gratificação, satisfação, prazer), mas também da busca de alívio de sinais e sintomas desagradáveis da abstinência, o reforço negativo. Mais recentemente, Koob & Le Moal vêm descrevendo um terceiro mecanismo, denominado antireward (antirrecompensa), o qual estaria em oposição ao mecanismo reforçador de recompensa. 3 Conexões entre o córtex pré-frontal e o núcleo accumbenstêm importante papel no controle da busca pela substância, pois é o córtex pré-frontal que modula a adequação deste comportamento, da frequência e da quantidade de uso da substância. Conforme alguns autores,a repetição contínua do ciclo “uso da droga e obtenção de prazer”, seguido pelo ciclo “queda dos níveis plasmáticos da droga e sensações de desprazer, disforia, tristeza, apatia”, relaciona-se com modificações moleculares duradouras nos neurônios subcorticais do SCR. Palmini descreve o desenvolvimento deste percurso: o uso repetido das substâncias psicoativas modifica as células e isto gera um estado químico cerebral no qual a vontade do indivíduo em buscar a droga fica cada vez maior, para poder amenizar ou interromper as sensações disfóricas. Ou seja, a vontade já não é por busca de prazer; ela passa a ser um imperativo para “escapar do desprazer”. Por consequência, a realização desta vontade tende a perpetuar este círculo vicioso, caracterizando uma verdadeira “patologia da vontade”. Quando um indivíduo dependente consegue, por meio de diversas modalidades de tratamento, manter-se em abstinência por um período prolongado, as alterações moleculares nos neurônios do SCR lentamente revertem. Porém, as alterações já ocorridas tornam este indivíduo muito mais vulnerável se recair no uso da droga ou de álcool, vai recriar o mesmo ciclo de dependência. Por isso, pode-se afirmar que, embora em abstinência das substâncias psicoativas das quais se tornou dependente, o indivíduo jamais voltará a usufruir daquelas condições do seu cérebro anteriores ao processo de dependência, e por isso será tão fácil ter recaídas. Recaída A recaída é compreendida como a reinstalação do padrão de uso da substância após um período de abstinência. Estudos comportamentais mostram que, mesmo após longos períodos de abstinência, o dependente químico continua vulnerável a estímulos desencadeadores de recaída. Esses estímulos podem estar relacionados com a própria substância ou com eventos estressores. A exposição crônica à droga sensibiliza aqueles circuitos do sistema de neurotransmissão envolvidos nos mecanismos de reforço e nos eventos estressores associados ao comportamento do dependente químico. CRAVING(FISSURA) Há evidências de que a persistente desregulação destes sistemas neurais de reforço e o estresse, mesmo após períodos prolongados de abstinência, configurariam um processo de neurotoxicidade funcional. Estas alterações neurotóxicas, associadas àquelas subjacentes aos processos de aprendizado e memória, autocontrole e motivação, envolvendo a região do cíngulo anterior, do córtex pré-frontal e do córtex orbitofrontal, representariam um estado alostático de vulnerabilidade à recaída e perpetuação do ciclo de dependência. Tais alterações neurobiológicas se expressam comportamentalmente como fissura ou craving. O craving-manifestação de um desejo ou necessidade intensa por uma droga é um fenômeno multidimensional, que inclui - disfunções relacionadas com desejo e satisfação, - intensificação do estado de alerta e do direcionamento motivacional para o uso, - prejuízos cognitivos temporários e elaboração de imagens visuais referentes ao comportamento de uso. Envolve múltiplos sistemas de neurotransmissão e diferentes estruturas anatômicas. É um fenômeno contínuo, que pode ser experimentado repetidamente pelo dependente químico, sendo, por isso, um fator de recaídas. O que mudará ao longo do tempo é a forma como o indivíduo poderá lidar com esta necessidade ou desejo pela droga. O craving pode ser desencadeado pela falta da substância, a exemplo do que acontece com a nicotina; por uma dose inicial, como acontece com o álcool, e também por uma série de fatores 4 condicionantes ambientais, sejam estímulos visuais, olfativos, ou mesmo o estresse.Esses fatores estão condicionados a uma resposta emocional relacionada com o uso da substância. Há grande variabilidade individual nas manifestações do craving. As manifestações orgânicas variam de acordo com a droga usada pelo indivíduo, sendo predominantes os sinais/sintomas autonômicos em graus diversos, como sudorese, taquicardia e redução da temperatura da pele. O craving é -uma manifestação da síndrome de abstinência e -um fator predisponente para a recaída, em que a lembrança do prazer e o desejo de consumo aparecem acompanhados de desconforto físico e psíquico. A intensidade do quadro pode variar de acordo com a substância usada e observa-se, ainda, maior variação em nível individual, tornando-se difícil afirmar qual droga leva ao pior craving. ABORDAGENS TERAPÊUTICAS PARA LIDAR COM O CRAVING Voltar a consumir a substância é inicialmente visto pelo usuário como a melhor alternativa para aliviar esta situação. Saber lidar com o craving é um grande passo para a consolidação da abstinência. Cientificamente, há evidências de boa eficácia das abordagens cognitivas comportamentais no tratamento do craving,com ênfase nos fatores situacionais de risco ou de proteção e no treinamento de habilidades para lidar com as situações deflagradoras e reforçar as protetoras. Alguns medicamentos também podem ser úteis: por exemplo, no caso do dependente de nicotina as terapias de reposição são eficazes; a naltrexona, um antagonista opioide, tem-se mostrado eficaz no tratamento do craving pelo álcool. Uma maior evolução na compreensão e no tratamento do craving deverá emergir de estudos genéticos envolvendo a expressão gênica associada a funções neurobiológicas e suas expressões comportamentais, o que determinará um avanço na farmacogenética do craving e da dependência química. Função das psicoterapias Como estamos falando de uma doença multifatorial, a psicoterapia jamais deixará de exercer seu papel. Acreditando que todo aprendizado tem impacto mensurável no cérebro, a psicoterapia bem-sucedida a implicaria obrigatoriamente mudança observável. De que forma, então, os aspectos neurobiológicos e psicológicos se inter-relacionariam? As terapias — sejam comportamentais, psicodinâmicas ou analíticas — buscam a conscientização das emoções e suas associações cognitivas, e o sucesso terapêutico depende do grau de ativação dos processos internos de transformação, os quais devem apresentar correlações neurobiológicas. Já está bem definido que a amígdala, estrutura do sistema límbico que se conecta com estruturas superiores como o córtex pré-frontal, é responsável pela interpretação do ambiente, avaliação de riscos e segurança. Assim, medeia as reações emocionais, como o medo, a raiva e a percepção de segurança ou ameaça, modulando o afeto e as relações interpessoais. Além disso Stern e cols. publicaram, em 1998, um artigo afirmando que as mudanças ocorridas a partir da terapia psicoanalítica devem-se a modificações nos modelosde relacionamento implícitos, armazenados em áreas cerebrais inacessíveis à consciência. Espera-se que a evolução dos estudos comportamentais utilizando técnicas de neuroimagem esclareça como as diferentes técnicas psicoterapêuticas afetam os processos neurobiológicos das emoções e do comportamento. Conclusão A dependência de drogas é uma doença multifatorial, envolvendo aspectos biológicos, psicológicos e sociais que se inter-relacionam.Da mesma forma, seu tratamento deve ser também multifacetado, implicando o uso de medicamentos que atuam nos sistemas cerebrais envolvidos no craving, a abordagem psicológica e a atuação nos aspectos sociais que influenciam e são influenciados pelo uso de drogas. 5 CAPÍTULO 2 DIRETRIZES FARMACOLÓGICAS PARA TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA DE ÁLCOOL Ana Cecília PettaRoselli Marques Marcelo Ribeiro Araújo Ronaldo Laranjeira Marcos Zaleski INTRODUÇÃO Os problemas relacionados com o consumo do álcool só podem ser comparados àqueles causados pelo consumo do tabaco e pela prática de sexo sem proteção. As complicações referentes ao consumo de álcool não estão, necessariamente, relacionadas com o uso crônico.Intoxicações agudas, além de trazerem riscos diretos à saúde, deixam os indivíduos mais propensos a acidentes. Desse modo, problemas relacionados causados pelo consumo de álcool podem acometer indivíduos de todas as idades. Esta é uma condição que deve ser investigada por todos os profissionais de saúde, em todos os pacientes. O diagnóstico precoce melhora o prognóstico entre esses indivíduos. Aqueles com padrão nocivo de consumo devem ser motivados para a abstinência ou para a adoção de padrões mais razoáveis, ao passo que, em casos de diagnóstico de dependência de álcool, deve-se recomendar o encaminhamento para um serviço de tratamento especializado. EPIDEMIOLOGIA A dependência de álcool acomete 10% a 12% da população mundial. É por isso, ao lado do tabagismo, a forma de dependência que recebe maior atenção dos pesquisadores. Muitas características, como gênero, etnia, idade, ocupação, grau de instrução e estado civil, podem influenciar o uso abusivo de álcool, bem como o desenvolvimento da dependência. A incidência é maior entre os homens do que entre as mulheres. O mesmo se repete entre os mais jovens, especialmente na faixa etária dos 18 aos 29 anos, de modo que o consumo declina com a idade. Pesquisas realizadas no Brasil mostram que o álcool é responsável por cerca de 60% dos acidentes de trânsito e que aparece em 70% dos laudos cadavéricos das mortes violentas. O recente e pioneiro estudo probabilístico em nível nacional coordenado pela Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD) da UNIFESP — o primeiro levantamento nacional do padrão de consumo de álcool na população brasileira — revelou que 52% dos brasileiros adultos consomem bebidas alcoólicas. Os jovens adultos (de 18 a 24 anos) consomem mais que os idosos, assim como os homens em relação às mulheres, definindo uma tendência mundial. Avaliação inicial, triagem e diagnóstico Algumas considerações acerca do consumo de álcool merecem atenção da prática clínica diária. Para que sejam contempladas, faz-se necessária a implementação de procedimentos de avaliações e triagem por profissionais de saúde dirigidos ao uso, ao abuso e à dependência de álcool. Tabela 2.1 Considerações importantes acerca do consumo de álcool o Não existe consumo de álcool isento de riscos. o O uso nocivo e a dependência de álcool são pouco diagnosticados. o A ênfase prática da clínica geral diária está dirigida apenas às complicações clínicas do consumo. o A demora em fazer o diagnóstico piora o prognóstico. PADRÃO DE CONSUMO O padrão de consumo de álcool é um aspecto relevante na avaliação inicial de qualquer paciente: - detecta os níveis de gravidade, - a investigação detalhada do padrão de consumo permite a observação de rituais de uso e auxilia no estabelecimento de estratégias de mudanças. O padrão de consumo de álcool aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é de até 21 unidades para os homens e de 14 unidades para as mulheres. O cálculo semanal das unidades de álcool permite determinar o uso de baixo risco, o uso nocivo e a dependência para os homens e para as mulheres. 6 TRIAGEM OU RASTREAMENTO Em serviços de atenção primária à saúde, recomenda-se a aplicação de questionários de triagem para determinar a presença de uso nocivo ou de risco. O questionário CAGE, um dos mais indicados, é de fácil aplicação. A partir desta avaliação inicial, critérios da Classificação Internacional das Doenças (CID-10) podem ser aplicados para o diagnóstico diferencial entre abuso e dependência de álcool. Todas estas etapas da avaliação fazem parte da fase mais importante do tratamento: o diagnóstico multidimensional.Dele dependerão o planejamento do tratamento e a intervenção subsequente. Intoxicação aguda Intoxicação é o uso nocivo de substâncias, em quantidades acima do tolerável para o organismo. Os sinais e sintomas da intoxicação alcoólica caracterizam-se por níveis crescentes de depressão central: Inicialmente há sintomas de euforia leve, evoluindo para tonturas, ataxia e incoordenação motora, passando para confusão e desorientação e atingindo graus variáveis de anestesia, entre eles o estupor e o coma. A intensidade da sintomatologia da intoxicação tem relação direta com a alcoolemia (Tabela 2.6). O desenvolvimento de tolerância, a velocidade da ingestão, o consumo de alimentos e alguns fatores ambientais também são capazes de interferir nessa relação. A partir de l50 mg% de alcoolemia deve-se intervir. A maioria dos casos não requer tratamento farmacológico. De acordo com os sintomas e sinais, deve-se conduzir medidas gerais de suporte à vida (Tabela 2.6). 7 Síndrome de abstinência do álcool CONCEITO A cessação da ingestão crônica de álcool ou a sua redução podem levar a um conjunto de sinais e sintomas de desconforto definidos pela Classificação Internacional de Doenças (CID-10) como síndrome de abstinência de álcool (SAA). BASES NEUROBIOLÓGICAS A SAA resulta de um processo neuroadaptativo do sistema nervoso centrar (SNC). Há dois tipos de adaptação. Frente à presença constante da substância, elas se estabelecem em busca de um novo equilíbrio [Figura 2.2]. A adaptação de prejuízo é a diminuição do efeito da droga sobre a célula. A adaptação de oposição é a instituição de uma força no interior da célula, antagônica ao efeito da droga. A síndrome de abstinência aparece quando da remoção do álcool. QUADRO CLÍNICO -A maioria dos dependentes (70% a 90%) apresenta síndrome de abstinência entre leve e moderada, caracterizada por: tremores, insônia, agitação e inquietação psicomotora. Ela se dá cerca de 24 a 36 horas após a última dose ingerida. Apenas medidas de manutenção geral dos sinais vitais são aplicadas nesses casos. -Por volta de 5% dos dependentes apresentarão síndrome de abstinência grave. - A SAA é autolimitada, com duração média de 7 a 10 dias (Figura 2.4). Crises convulsivas aparecem em 3% dos casos e geralmente são autolimitadas, não requerendo tratamento específico. A mortalidade gira em torno de l%. A relação entre a interrupção do uso de bebida alcoólica e o aparecimento dos sintomas de tremores, alucinações e delirium tremens está demonstrada na Figura 2.5. 8 O sintoma de abstinência mais comum é o tremor, acompanhado de irritabilidade, náuseas e vômitos. De intensidade variável, tais sintomas aparecem algumas horas após a diminuição ou parada da ingestão e são mais observados no período da manhã. Os tremores são acompanhados de hiperatividade autonômica,desenvolvendo-se taquicardia, aumento da pressão arterial, sudorese, hipotensão ortostática e febre (< 38°C). Os critérios diagnósticos para síndrome de abstinência do álcool, de acordo com a OMS (CID-10), estão listados na Tabela 2.7. 9 Tabela 2.7 • Critérios diagnósticos para SAA OMS ESTADO DE ABSTINÊNCIA (F 10.3) A. Deve haver evidência clara de interrupção ou redução do uso de álcool, após uso repetido, geralmente prolongado e/ou em altas doses. B. Três dos seguintes sinais devem estar presentes: 1. Tremores da língua, das pálpebras ou das mãos quando estendidas 2. Sudorese 3. Náuseas, ânsia de vômitos ou vômitos 4. Taquicardia ou hipertensão 5. Agitação psicomotora 6. Cefaleia 7. Insônia 8. Mal-estar ou fraqueza 9. Alucinações visuais, táteis ou auditivas transitórias 10. Convulsões tipo grande mal Se o delirium está presente, o diagnóstico deve ser estado de abstinência alcoólica com delirium (delirium tremens) (F10.4)*, e sem e com convulsões (F10.40 e 41).* * F10.3, F10, 4, F10.40 e F10.41: referências de localização no Catálogo DSM-IV. CRITÉRIOS DE GRAVIDADE DA SAA Conforme exposto anteriormente, a SAA tem diferentes níveis de gravidade, que podem variar desde quadro eminentemente psíquico (insônia, irritabitidade, piora das funções cognitivas) até outros, marcadamente autonômicos, com delirium e crises convulsivas. SAA NÍVEL I Trata-se de SAA leve a moderada.Aparece nas primeiras 24 horas após a ingestão da última dose. Instala- se em 90% dos pacientes e cursa com agitação, ansiedade; tremores leves de extremidades; alteração do sono, da percepção sensorial, do humor, do relacionamento interpessoal, do apetite; sudorese em surtos; aumento da frequência cardíaca, do pulso e da temperatura. Alucinações são raras (Tabela 2.9). SAA NÍVEL II Trata-se de SAA grave.Cerca de 5% dos pacientes evoluem do nível I para o II após cerca de 48 horas da ingestão da última dose. Os sinais autonômicos são mais intensos, os tremores se tornam generalizados, ocorrem alucinações auditivas e visuais e desorientação temporoespacial (Tabela 2.10). Em um estágio ainda mais grave, cerca de 3% dos pacientes do estágio II chegam ao delirium tremens 72 horas após a ingestão da última dose. O delirium piora ao entardecer (sundowning). Há risco de sequelas e de óbito entre aqueles que não recebem tratamento, dos quais 10% a 15% apresentam convulsões do tipo grande mal.Esta psicose orgânica é reversível, com duração de 2 a 10 dias, e cursa com despersonalização, humor intensamente disfórico, alternado da apatia até a agressividade. Deve-se fazer diagnóstico diferencial com traumatismo craniano e doenças epileptiformes. TRATAMENTO LOCAL PARA TRATAMENTO OU SETTING O local para aplicar qualquer medida assistencial depende da avaliação de cada caso e da disponibilidade dos serviços de saúde em cada local [Figura 2.6]. O atendimento em ambulatório, além de ser menos dispendioso, não interrompe a vida social do indivíduo, favorecendo sua permanência no trabalho e no seio familiar. A abordagem hospitalar destina-se àqueles com SAA nível II, por se tratar de um ambiente protegido 10 e mais seguro para manejar complicações. Neste setting, a recuperação pode ser mais rápida, em razão da possibilidade de controle do indivíduo e pelos recursos disponíveis. O nível de gravidade da SAA aferido pela CIWA-Ar (Escala da ClinicalInstituteWithdrawlAssessmentRevised) pode determinar a escolha do setting mais adequado: com escore igual a ou acima de 20, o paciente deve ser encaminhado para uma unidade hospitalar de emergência para internação. Escores menores permitem a desintoxicação domiciliar ou ambulatorial, dependendo dos recursos clínicos, psíquicos, sociais e do local. 11 TRATAMENTO CLÍNICO E MEDICAMENTOSO DA SAA O manejo clínico e medicamentoso dos pacientes também está condicionado à gravidade da SAA. Pacientes com SAA nível I podem receber tratamento ambulatorial, com consultas frequentes. O tratamento da SAA nível II é obrigatoriamente hospitalar, em razão do estado confusional do paciente, da presença frequente de complicações clínicas associadas, da necessidade de exames laboratoriais de controle e de manejo da dose dos medicamentos [Tabela 2.12]. Tratamento farmacológico da síndrome de dependência Em 1948, nos EUA, utilizou-se pela primeira vez uma medicação no tratamento, o dissulfiram. Este recurso tem apresentado resultados positivos como coadjuvante no tratamento. A naltrexona tem a função de diminuir o prazer ao beber por meio da liberação das endorfinas e consequente bloqueio da dopamina. O acamprosato, ao contrário da naltrexona, reduz o desejo compulsivo que aparece na abstinência por meio da redução da atividade glutamatérgica e do aumento da GABAérgica. O topiramato, antagonista do receptor AMPA do glutamato, reduz a propriedade de reforço positivo do etanol. Ainda não está aprovado para este fim, mas estudos mostram que reduz a fissura. Todo este arsenal tem efeitos adversos, pode desenvolver toxicidade hepática e lesionar o feto. Portanto, não deve ser usado em grávidas, hepatopatas, adolescentes e idosos. CAPÍTULO 3 DIRETRIZES FARMACOLÓGICAS PARA TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA DE MACONHA Ana Cecília PettaRoselli Marques Marcelo Ribeiro Araújo Ronaldo Laranjeira Marcos Zaleski INTRODUÇÃO A Cannabis sativa, arbusto da família das Moraceae, conhecido pelo nome de “cânhamo-da-índia”, cresce livremente nas regiões tropicais e temperadas. Seus efeitos medicinais e euforizantes são conhecidos há mais de 4 mil anos. Na China existem registros históricos das suas ações medicinais desde o século III a.C. No início do século XX, a maconha passou a ser considerada um “problema social”, sendo banida legalmente na década de 1930. Nas décadas de 1960 e 1970, seu consumo voltou a crescer significativamente, chegando ao ápice no biênio 1978/1979. 12 Epidemiologia A maconha é a droga ilícita mais usada mundialmente. O uso da maconha geralmente é intermitente e limitado. A dependência de maconha está entre as dependências de drogas ilícitas mais comuns: 1 em 10 daqueles que usam maconha torna-se dependente em algum momento dentro do período de 4 a 5 anos de consumo pesado. Este risco é mais comparável ao da dependência de álcool (15%) do que ao de outras drogas (tabaco 32% e opioides 23%). Farmacologia A Cannabis sativa contém aproximadamente 400 substâncias químicas, entre as quais se destacam pelo menos 60 alcalóides, conhecidos como canabinoides, que são os responsáveis pelos seus efeitos psíquicos. Em razão da sua lipossolubilidade, os canabinoides acumulam-se principalmente nos órgãos em que os níveis de gordura são mais elevados (cérebro, testículos e tecido adiposo). Alguns pacientes podem exibir sintomas e sinais de intoxicação por até 12 a 24 horas, devido à liberação lenta dos canabinoides a partir do tecido adiposo. Complicações agudas Os efeitos da intoxicação aparecem após alguns minutos do uso (Tabela 3.1). Déficits motores (p. ex., prejuízo da capacidade para dirigir automóveis) e cognitivos (p. ex., perda de memória de curto prazo, com dificuldade para lembrar-se de eventos que ocorreram imediatamente após o uso da Cannabis) costumam acompanhar a intoxicação (Tabela 3.2). 13 Tabela 3.2 Déficits motores e cognitivos observados durante a intoxicação aguda por maconha Redução da capacidade para solucionar problemas e classificar corretamente as informações (p. ex.: sintetizar da parte para o todo) Habilidades psicoespaciais prejudicadas (p. ex.: problemas para diferenciar tempo e espaço) Piora da compreensão diante de estímulos sensoriais apresentados Redução da capacidade para realizar atividades complexas (p. ex.: dirigir automóveis) Prejuízo da representação mental do ambiente Redução das atividades da vida diária Redução da capacidade de transferir material da memória imediata para a memória de longo prazo Piora das tarefas de memória de códigos Ressaca’ matinal Redução da formação de conceitos Piora da estimativa de tempo Piora da capacidade de concentração Sintomas psiquiátricos O consumo de maconha pode desencadear quadros temporários de natureza ansiosa, como reações de pânico, ou sintomas de natureza psicótica. Ambos habitualmente respondem bem a abordagens de reasseguramento e, na maioria dos casos, não há necessidade de medicação. A maconha é capaz de piorar quadros de esquizofrenia, além de constituir importante fator desencadeador da doença em indivíduos predispostos. Complicações crônicas Ainda há pouco consenso a respeito das complicações crônicas do consumo de maconha. As investigações acerca da existência de sequelas ao funcionamento cognitivo e de dependência da maconha, como as descritas a seguir, têm merecido a atenção dos pesquisadores nos últimos anos. FUNCIONAMENTO COGNITIVO Há evidência de que o uso prolongado de maconha é capaz de causar prejuízos cognitivos relacionados com a organização e integração de informações complexas, envolvendo vários mecanismos de processos de atenção e de memória. Tais prejuízos podem aparecer após poucos anos de consumo. Processos de aprendizagem podem apresentar déficits após períodos mais breves. Prejuízos da atenção podem ser detectados a partir de fenômenos como aumento da vulnerabilidade à distração, afrouxamento das associações, intrusão de erros em testes de memória, inabilidade em rejeitar informações irrelevantes e piora da atenção seletiva. Tais prejuízos parecem estar relacionados com a duração, mas não com a frequência, do consumo de maconha. Porém um estudo recente comparando usuários pesados de maconha com ex-usuários pesados e com usuários recreacionais, constatou que os déficits cognitivos, apesar de detectáveis após sete dias de consumo pesado, são reversíveis e estão relacionados com o consumo recente de maconha, e não com o uso cumulativo ao longo da vida. DEPENDÊNCIA A dependência da maconha vem sendo diagnosticada, há algum tempo, nos mesmos padrões das outras substâncias. O risco de dependência aumenta conforme a extensão do consumo. Apesar disso, alguns usuários diários não se tornam dependentes ou desejam parar o consumo. A maioria dos usuários não se torna dependente, e uma minoria desenvolve uma síndrome de uso compulsivo semelhante à dependência de outras drogas. Para complementar a formalização da dependência da maconha, a síndrome de abstinência desta droga, apesar de reconhecida como fato pelo CID-10, só havia sido descrita em laboratório. Não existe uma síndrome de abstinência específica para a maconha, preferindo-se denominar os sintomas observados como sintomas de rebote (Tabela 3.3). 14 Tabela 3.3 Sintomas de abstinência da maconha Fissura Irritabilidade Nervosismo Sintomas depressivos Inquietação Insônia Redução do apetite Cefaleia Intervenções mínimas, de natureza motivacional ou cognitiva, têm-se mostrado de grande valia para esses indivíduos. Casos de dependência estabelecida devem ser encaminhados para atenção profissional especializada. Buspirona, bupropiona, nefazodona, entre outras substâncias, já foram testadas para controlar a síndrome de abstinência da maconha, mas sem sucesso. Agonistas canabinoides promoveram algum alívio. Antipsicóticos atípicos diminuíram o consumo da droga.Um antagonista canabinoide, o rimonabant, tem mostrado resultados positivosno tratamento. CAPÍTULO 4 DIRETRIZES FARMACOLÓGICAS PARA TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA DE COCAÍNA Ana Cecília PettaRoselli Marques Marcelo Ribeiro Araújo Ronaldo Laranjeira Marcos Zaleski Epidemiologia A cocaína e o crack são consumidos por 0,3% da população mundial. A maior parte dos usuários concentra- se nas Américas (70%). Nas salas de emergência, a cocaína é responsável por 30% a 40% das admissões relacionadas a drogas ilícitas, 10% entre todos os tipos de drogas e 0,5% das admissões totais. A população de usuários é extremamente jovem. Farmacologia A cocaína é um alcaloide extraído das folhas da coca. Genericamente, a obtenção da cocaína passa por duas etapas e origina diversos subprodutos. O refino da pasta origina a cocaína em pó (cloridrato de cocaína), apresentação mais conhecida em nosso meio. O crack e a merla são a cocaína em sua forma de base livre. Via de administração e dependência O consumo da substância pode se dar por qualquer via de administração, com rápida e eficaz absorção pelas mucosas oral e nasal e pela via pulmonar. A euforia desencadeada reforça e motiva, na maioria dos indivíduos, o desejo por novo episódio de consumo. Porém, quanto mais rápido o início da ação e quanto maior a sua intensidade e, ainda, quanto menor a sua duração, maior será a chance de o indivíduo evoluir para situações de uso nocivo e dependência. Esses fenômenos são todos influenciados pela via de administração escolhida. A via de administração é um importante fator de risco para o uso nocivo e para a dependência. Manifestações agudas A cocaína apresenta múltiplas ações periféricas e centrais: é um potente anestésico local com propriedades vasoconstritoras e também um estimulante do sistema nervoso central (SNC). Os efeitos agudos produzem quadro de euforia, com sintomas físicos de natureza autonômica 13 (Tabela 4.2). 15 Complicações agudas As complicações relacionadas com o consumo de cocaína capazes de levar o indivíduo ao atendimento médico são geralmente agudas e individuais. A via de administração escolhida pode ocasionar complicações específicas. As complicações psiquiátricas são as que mais levam os usuários de cocaína ao atendimento médico.Quadros agudos de pânico e de transtornos depressivos e psicóticos são os mais relatados. O prognóstico dos indivíduos portadores de comorbidades é mais comprometido e aumenta a necessidade de procura por atendimento médico. Tabela 4.2 Principais sintomas decorrentes do consumo de cocaína SINTOMAS PSÍQUICOS SINTOMAS FÍSICOS Aumento do estado de vigília Euforia Sensação de bem-estar Autoconfiança elevada Aceleração do pensamento Aumento da frequência cardíaca Aumento da temperatura corpórea Aumento da frequência respiratória Sudorese Tremor leve de extremidades Espasmos musculares (especialmente língua e mandíbula) Tiques Midríase Fonte: Gold MS (1993) INTOXICAÇÃO AGUDA Além da toxicidade inerente à substância, a presença concomitante de comprometimentos nos órgãos mais afetados pela ação simpaticomimética da cocaína torna seus portadores ainda mais suscetíveis a complicações — coronariopatias, hipertensão arterial sistêmica (HAS), aneurismas, epilepsias e doenças pulmonares obstrutivas crônicas (DPOC). OVERDOSE Dentre as complicações agudas relacionadas com o consumo de cocaína, a overdoseé a mais conhecida. Pode ser definida como: a falência de um ou de mais órgãos decorrente do uso agudo da substância (Figura 4.2). Seu mecanismo de ação está relacionado com o excesso de estimulação central e simpática. A overdose de cocaína é uma emergência médica e, por isso, requer atenção imediata. As complicações referentes ao aparelho cardiovascular e ao sistema nervoso central recebem algunscomentários, em razão da maior incidência de ambas e do valor que representam para o manejo clínico. 16 COMPLICAÇÕES NO SISTEMA CARDIOVASCULAR As complicações cardiovasculares decorrentes do uso de cocaína são as mais frequentes entre as complicações não psiquiátricas. COMPLICAÇÕES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Cerca de um terço dos acidentes vasculares encefálicos (AVE) e adultos jovens está associado ao consumo de drogas. Entre os indivíduos de 20 a 30 anos de idade, este índice chega a 90%. A cocaína é a substância ilícita mais associada a distúrbios cerebrovasculares. COMPLICAÇÕES PSIQUIÁTRICAS AGUDAS As complicações psiquiátricas são o principal motivo de busca de atendimento médico entre os usuários de cocaína.Elas podem decorrer tanto de episódios de intoxicação aguda quanto da síndrome de abstinência da substância e ser responsáveis pelo aparecimento de uma série de transtornos psiquiátricos (agudos e crônicos) (Tabela 4.4). Tabela 4.4 Principais sinais e sintomas psiquiátricos agudos entre usuários de cocaína Disforia Ansiedade Agitação Heteroagressividade Sintomas paranoides Alucinações Para boa parte das admissões nas salas de emergência, o diagnóstico psiquiátrico é sindrômico ou sintomático. Há vários fatores que justificam tal procedimento. Primeiro, a abordagem premente está voltada para a complicação psiquiátrica que trouxe o indivíduo para o atendimento médico. Segundo, a questão temporal: há escassez de tempo e necessidade de uma história mais elaborada — que raramente ocorre nesse ambiente. Por último, o quadro apresentado é muitas vezes mascarado ou potencializado pela presença do consumo de drogas ou pela síndrome de abstinência. Desse modo, medicar de acordo com os sintomas apresentados, dar suporte clínico e tranquilizar o paciente com abordagens voltadas para a realidade, que demonstrem segurança profissional, consistem na melhor conduta. SINTOMATOLOGIA DE NATURESA ANSIOSA: quadros de inquietação de natureza ansiosa. SINTOMATOLOGIA DE NATURESA PSICÓTICA: podem desaparecer espontaneamente após algumas horas. Agitação extrema, decorrente destes sintomas, pode necessitar de sedação. Gravidez O consumo de cocaína na gravidez está associado a complicações como baixo peso ao nascer, abortos espontâneos e déficits cognitivos no recém-nascido. Não há evidência de síndrome teratogênica. Síndrome de abstinência Cessados os efeitos euforizantes, sobrevêm os sintomas opostos, depressivos.Durante a abstinência: períodos de desejo intenso pelo consumo de cocaína (craving [fissura]) associados a outros sintomas de abstinência, como fadiga, anedonia e depressão, acabam por levar ao retorno de uso da droga, estabelecendo o círculo vicioso da dependência química. Uma síndrome de abstinência bem definida é observada em muitos usuários crônicos ou mesmo naqueles que utilizam a droga por poucos dias, em forma de binge (consumo excessivo). A abstinência de cocaína ocorre tipicamente em três fases: crash,síndrome disfórica tardia e extinção. Estas fases representam a progressão de sinais e sintomas após a cessação do uso de cocaína, descritas a seguir. Fase I crash:drástica redução no humor e na energia. Instala-se cerca de 15 a 30 minutos após cessado o uso da droga, persistindo por cerca de 8 horas, e podendo estender-se por até 4 dias. Está associada à depleção de neurotransmissores na tenda sináptica, decorrente do uso de cocaína. O usuário pode sentir depressão, ansiedade, paranoia e intenso desejo pelo consumo da droga (craving). Este último sintoma diminui após 1 a 4 horas. O craving inicial pelo uso 17 da droga é substituído pelo sono. Instala-se a hipersonia, aversão ao uso de mais cocaína, e o indivíduo desperta em algumas ocasiões para ingerir alimentos em grande quantidade. Esta última parte pode durar de 8 horas até 4 dias. Fase II síndrome disfórica tardia:inicia-se cerca de 12 a 96 horas após cessado o uso, seguindo-se ao crash, e pode durar de 2 a 12 semanas. Nos primeiros 4 dias, há sonolência e desejo pelo consumo da droga. Após esse período, inicia-se uma síndrome de abstinência protraída (prolongada), disfórica, em que predominam anedonia (perda ou ausência da capacidade para ter prazer), irritabilidade e apatia, com presença de craving, que varia em intensidade de indivíduo para indivíduo.O usuário pode ficar deprimido, apresentar problemas de memória e até mesmo manifestar ideação suicida. Ocorrem recaídas frequentes, como forma de tentar aliviar os sintomas disfóricos. Fase III fase de extinção:aqui os sintomas disfóricos diminuem ou cessam por completo. O craving torna- se intermitente, mas pode manifestar-se eventualmente, com tendência a diminuir de intensidade, mas podendo estender-se por meses ou até mesmo anos. Complicações crônicas A dependência é a principal complicação crônica relacionada com o consumo de cocaína. Até o momento, nenhum medicamento se mostrou eficaz para proporcionar alívio aos sintomas de abstinência, tampouco para atuar sobre o comportamento de busca da substância. Condutas a esse respeito têm sido tomadas a partir da prática clínica, sem, no entanto, haver evidências científicas com probatórias. Farmacoterapia com evidências Pesquisadores e clínicos continuam tentando encontrar uma medicação que bloqueie ou reduza de forma significativa os efeitos da cocaína. Também é objeto de pesquisa a síntese de medicamentos que aliviem os graves sintomas do craving. O dissulfiram tem sido utilizado no tratamento da dependência de cocaína em razão de sua ação inibitória sobre a enzima dopamina-hidroxilase, que determina uma inibição da conversão da dopamina em noradrenalina esta ação aumenta a ansiedade e os sintomas desagradáveis, como a paranoia. Antidepressivos, como a mirtazapina e a desipramina, assim como agonistas do glutamato, como o modafinil, estão sendo estudados. Uma vacina de cocaína está sendo testada, mas ainda precisa ser bastante aperfeiçoada. Conclusão Até o momento, não há evidência clínica suficiente para o uso eficaz dos diversos fármacos disponíveis. Assim, em associação com a farmacoterapia, abordagens psicossociais, em especial a terapia cognitivo- comportamental, podem ser mais efetivas para reduzir o consumo de cocaína nos pacientes em tratamento. Em resumo, prover um tratamento para cada indivíduo em particular é fundamental para o resultado do processo terapêutico. CAPÍTULO 5 DIRETRIZES FARMACOLÓGICAS PARA TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA DE ANFETAMÍNICOS Ana Cecília Petta Roselli Marques Marcelo Ribeiro Araújo Ronaldo Laranjeira Marcos Zaleski INTRODUÇÃO As anfetaminas foram sintetizadas na década de 1930, para o tratamento do transtorno de déficit de atenção e da hiperatividade (THDA), então denominado hiperatividade ou disfunção cerebral mínima. Atualmente são indicadas para o tratamento da THDA, da narcolepsia e da obesidade, com restrições. Nos últimos 20 anos, anfetaminas modificadas têm sido sintetizadas em laboratórios clandestinos para serem utilizadas com fins não médicos. A mais conhecida e utilizada no Brasil é a 3,4-metienodioximetanfetamina (MDMA), o ecstasy, uma metanfetamina inicialmente identificada com os clubbers em suas festas, conhecidas por raves. 18 Epidemiologia As anfetaminas são consumidas por 0,6% da população mundial, sendo alguns países asiáticos responsáveis por 50% deste consumo. O consumo no Brasil é pouco conhecido. Entre estudantes, o uso das anfetaminas predomina na população feminina, provavelmente com o intuito de perder peso. Tabela 5.2 Tipos de usuários de anfetamina USUÁRIOS INSTRUMENTAIS Consomem anfetamina com objetivos específicos, como melhorar o desempenho no trabalho e emagrecer.USUÁRIOS RECREACIONAIS Consomem anfetamina em busca de seus efeitos estimulantes. USUÁRIOS CRÔNICOS Consomem anfetamina com a finalidade de evitar o desconforto dos sintomas de abstinência. Farmacologia As anfetaminas são estimulantes do sistema nervoso central (SNC), capazes de gerar quadros de euforia, provocar a vigília, atuar como anorexígenos e aumentar a atividade autonômica dos indivíduos (Tabela 5.3). Tabela 5.3 Sinais e sintomas do consumo de anfetaminas Redução do sono e do apetite Aceleração do curso do pensamento Verborragia Diminuição da fadiga Euforia Midríase (dilatação da pupila) Taquicardia Elevação de pressão arterial Complicações agudas Quadros agudos de ansiedade, com sintomas de pânico e de inquietação, podem aparecer na intoxicação aguda, ou overdose. Irritabilidade, tremor, ansiedade, labilidade do humor, cefaleia, calafrios, vômitos, sudorese e verborragia podem acompanhar este estado, que necessitará de farmacoterapia. O uso endovenoso (pouco frequente no Brasil) produz quadro de intenso prazer (rushou flash), sensação de poder, hiperexcitabilidade, euforia e aumento da libido. Comportamentos agressivos podem aparecer. A tolerância e fissura pelo flash levam a um padrão de uso compulsivo por longo período, seguido de exaustão e períodos prolongados de descanso. Sintomas paranoides podem surgir durante a intoxicação. Há problemas relacionados com o uso injetável, como infecções, endocardites e abscessos. Ecstasy O ecstasy(MDMA), habitualmente consumido em tabletes ou cápsulas, contém cerca de l20 mg da substância. Produz quadro de euforia e de bem-estar, sensação de intimidade e proximidade com os outros. Outros efeitos são anorexia, taquicardia, tensão maxilar, bruxismo e sudorese. As principais complicações ameaçadoras à vida na overdose por anfetaminas incluem: hipertermia, hipertensão, convulsões, colapso cardiovascular e traumatismos. Edemas pulmonares cardiogênicos também são possíveis. Síndrome de abstinência A síndrome de abstinência chega a atingir cerca de 87% dos usuários de anfetamina. Sintomas de depressão e de exaustão podem suceder a períodos prolongados de uso ou abuso (Tabela 5.4). Sintomas mais pronunciados de abstinência foram observados em usuários de metanfetaminas pela via inalatória (ice e crystal). 19 Tabela 5.4 Sinais e sintomas de abstinência das anfetaminas Fissura intensa Redução da energia Ansiedade Lentificação Agitação Humor depressivo Pesadelos Tratamento O tratamento medicamentoso para a remissão dos sintomas de abstinência das anfetaminas não tem se mostrado promissor. Complicações crônicas Pessoas que desejam melhorar seu convívio social utilizam anfetaminas cronicamente em baixas doses (20 a 40 mg/dia) e de modo socialmente imperceptível. Tais indivíduos expõem-se a atividades e esforços desnecessários, resultando em fadiga excessiva. Sua crítica sobre a relação entre fadiga e uso prolongado de anfetaminas é prejudicada. A tentativa de abandonar ou diminuir o uso resulta em depressão e letargia. A utilização crônica torna-o distante da realidade, irritado, paranoide e impulsivo, descuidado com a aparência e com seus compromissos. Pode haver suicídio decorrente da impulsividade do uso ou da depressão nos períodos de exaustão. Sintomas psicóticos com sintomas de primeira ordem podem ocorrer em qualquer modo de uso. Normalmente, os acometidos são usuários crônicos, que utilizam anfetaminas em grande quantidade. As principais características são a presença de delírios persecutórios e autorreferentes, além de alucinações auditivas e visuais. O tratamento pode ser feito com neurolépticos ou benzodiazepínicos. Quanto às complicações clínicas, o uso crônico leva a estados de desnutrição e a complicações como infarto agudo do miocárdio, cegueira cortical transitória, cardiopatias irreversíveis, vasoespasmos sistêmicos e edema agudo de pulmão. Dependência O uso crônico de anfetamina ou de seus derivados pode resultar em uma síndrome de dependência, em razão do desenvolvimento do fenômeno de tolerância. A dependência grave e significativa foi diagnosticada clinicamente em usuários regulares por uma escala modificada de dependência, o AmphetamineDependenceQuestionnaire— SamDQ. Antes do desenvolvimento de tolerância, os efeitos estimulantes são proporcionais aos níveis plasmáticos de anfetamina, mas o uso crônico leva à tolerância dos efeitos euforizantes, com uma escalada no uso para manter os mesmos efeitos, fenômeno comum a outros estimulantes, como a cocaína. Com o uso crônico e o desenvolvimento de tolerância, os usuários tendem a aumentar o consumo, ingerindo maiores doses da droga e, com maior frequência, modificando o padrão de uso. Muitos usuários começam, então, a fazer ingestão em binge, o que é caracterizado pela administração repetida por até 12 a 18 horas, e podendo chegar a 3 a 7 dias seguidos. Há o afastamento das atividades sociais, tendendo ao isolamento, com foco apenas na compra e obtenção dos efeitos da droga. No final do período de binge, o indivíduo entra na fase de crash, caracterizada por depressão inicial seguida de agitação, ansiedade, persistência do desejo para continuar o consumo (craving), que é vencido pela fadiga e depressão, e, finalmente, perda do interesse pela droga e sonolência.Após este período, se não houver retomado o uso do estimulante, o usuário crônico começa a apresentar os sinais e sintomas da síndrome de abstinência, que se caracteriza por fissura intensa, ansiedade, agitação, pesadelos, fadiga e humor depressivo. Apesar das complicações agudas e crônicas e dos sinais e sintomas de dependência, a maioria dos dependentes não procura auxílio especializado. Por outro Lado, observa-se que não há abordagens específicas e fundamentadas em evidências para esses pacientes. Considerar o consumo de anfetamina entre indivíduos que apresentam complicações decorrentes do consumo da substância, bem como motivá- los a buscar tratamento especializado melhora o prognóstico. Em razão da importância do tema, a busca de consenso tem sido constante nos vários encontros de especialistas em diferentes oportunidades. 20 CAPÍTULO 6 DIRETRIZES FARMACOLÓGICAS PARA TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA DE NICOTINA Ana Cecília Petta Roselli Marques Marcelo Ribeiro Araújo Ronaldo Laranjeira Marcos Zaleski INTRODUÇÃO O consumo do tabaco, um dos maiores problemas de saúde pública, atinge proporções internacionais. O combate ao fumo e a seus malefícios ganhou fôlego apenas nos últimos 20 anos. Além da abordagem preventiva, novas técnicas terapêuticas e farmacoterápicas efetivas foram desenvolvidas, tornando o tratamento desta dependência bastante promissor e digno de atualização. Epidemiologia O consumo diário de cigarros atinge 20,3% da população paulista, o correspondente a 3.019 milhões de pessoas. O cigarro e outras formas de uso do tabaco são capazes de levar à dependência, decorrente da ação da nicotina. A idade média de início de consumo situa-se entre 13 e 14 anos, mas a vulnerabilidade para dependência não se relaciona apenas com a idade. O uso das demais drogas pelos adolescentes declina com a idade. Isto, no entanto, não acontece com relação ao tabaco. Estima-se que 60% daqueles que venham a fumar por mais de seis semanas irão continuar fumando por mais 30 anos e que 30% a 50% das pessoas que começam a fumar criam dependência decorrente do uso problemático. Embora o uso do primeiro cigarro seja tipicamente marcado por efeitos desagradáveis, como dor de cabeça, tonturas, nervosismo, insônia, tosse e náuseas, estes diminuem rapidamente, possibilitando novas tentativas, até que se desenvolve a tolerância à droga e se estabelece um padrãotípico de consumo diário. Em poucos meses, alguns fumantes já começam a apresentar os primeiros sintomas da síndrome de abstinência. Os sintomas e a magnitude desta síndrome podem persistir por meses e, dependendo de sua gravidade, são pouco tolerados. A expectativa de vida de um indivíduo que fuma muito é 25% menor que a de um não fumante. Entre as 25 doenças relacionadas com o hábito de fumar, todas são causas de morte: doenças cardiovasculares (43%); câncer (36%); doenças respiratórias (20%) e outras (1%). Farmacologia A queima de um cigarro libera nicotina, substância que é responsável pela dependência do tabaco. Diagnóstico O consumo de tabaco geralmente começa na adolescência; quanto mais precoce, maior a gravidade da dependência e dos problemas a ela associados. Assim, todos os indivíduos que chegam aos serviços de saúde devem ser questionados quanto ao hábito de fumar. Os que fumam devem ser aconselhados a interromper o uso de tabaco. Caso não seja possível aconselhar adequadamente, é melhor encaminhar o fumante para um serviço especializado. O Questionário de Tolerância de Fagerström pode ser aplicado para a avaliação da gravidade da dependência de nicotina. Os pacientes em condições mais graves deverão receber mais recursos para auxiliar o tratamento, principalmente em relação à síndrome de abstinência. Tratamento A escolha do melhor tratamento depende de uma boa avaliação. Tanto os fatores extrínsecos (do modelo disponível, das condições socioeconômicas) quanto os intrínsecos (da motivação do paciente e do diagnóstico) devem ser levados em consideração. TÉCNICAS DE ABORDAGEM O tratamento pode ser definido a partir do consumo de cigarros e dos problemas associados, levando-se em consideração a disponibilidade de intervir de cada local. 21 Os métodos de tratamento de primeira linha são: a terapia de reposição de nicotina (TRN) e a terapia comportamental breve em grupo. Os grupos de autoajuda e outros medicamentos, ambos considerados de segunda linha, podem ser coadjuvantes efetivos. A associação de mais de um recurso melhora a efetividade do tratamento. Nos serviços de atendimento primário um aconselhamento mínimo pode ser aplicado com dois objetivos: orientar aqueles que desejam parar de fumar motivar aqueles que não querem largar o cigarro. As sessões de aconselhamento podem ser mínimas (3 minutos); de baixa intensidade (3 a 10 minutos) e intensivas (10 a 30 minutos). Caso o fumante não esteja interessado em interromper o uso, estratégias motivacionais devem ser implementadas. A estratégia de “prós e contras” é um dos exemplos. Tabela 6.4 Intervenção mínima para o dependente de nicotina o Perguntar sobre o consumo diário de tabaco e problemas a este associados. o Investigar o desejo do paciente de interromper o consumo. o Aconselhar a cessação do uso. o Oferecer assistência durante o processo. o Efetuar o seguimento ABORDAGEM DO CRAVINGOU FISSURA Em todos os tratamentos, a abstinência é a meta mais importante e mais difícil de ser mantida. A maioria dos fumantes em tratamento tem recaída em poucos dias. A abordagem de um dos sintomas mais proeminentes da síndrome de abstinência, o cravingou “fissura”, deve ser cuidadosamente considerada, já que este é o maior obstáculo para parar de fumar (ver Tabela 6.6). Tabela 6.6 Como ajudar o paciente a lidar com a fissura O que é a fissura Trata-se de uma situação comum que se manifesta na forma de um mal-estar súbito (disforia), com sintomas de ansiedade e, por vezes, a ideia fixa de que aquilo só passará após o consumo. Não significa que há algo errado com o indivíduo, tampouco que ele quer voltar ao consumo. A fissura é o resultado de neuroadaptações sofridas pelo sistema nervoso É autolimitada É importante que o paciente saiba disso. Na verdade, qualquer episódio se resolve em menos de uma hora, caso a pessoa permaneça abstinente. Conseguir atravessar um episódio fortalece a resistência para o seguinte. 22 Tipos de fissura Para muitos, a fissura é puramente somática (“sinto algo em meu estômago”, “meu coração dispara”). Para outros, é cognitiva (“não consigo tirar a ideia de usar da cabeça”). Há, ainda, aqueles que a sentem de modo mais afetivo (“sinto um tédio enorme”) Negação da presença da fissura Isso faz as pessoas agirem de modo impulsivo, muitas vezes, identificar que a fissura está na base de muitas atitudes impensadas ajuda o paciente a estabelecer o controle sobre si e seu consumo É desencadeada por gatilhos. Evite-os Gatilhos são situações, locais ou lembranças que desencadeiam a fissura, Procure mapear as principais situações de risco com o paciente e oriente-o no sentido de evitá-las. Maneiras de o indivíduo lidar com a fissura Distração. Prepare uma lista do que pode ser feito nessa hora (atividade tísica, arrumação do quarto etc.). Conversar com alguém sobre ela. Eleja pessoas de fácil acesso e de confiança com as quais possa se comunicar com facilidade. “Entrar” na fissura. Vivenciar as fases da fissura (pico súbito e descendente). Lembrar as consequências negativas do consumo, que o levaram a buscar a abstinência. Conversar consigo. Fazer uma contraposição aos pensamentos que o estimulam ao consumo nessa hora. Farmacoterapia TERAPIA DE REPOSIÇÃO DA NICOTINA O único tratamento farmacológico considerado de primeira linha licenciado na Inglaterra é a terapia de reposição da nicotina [TRN], que tem como objetivo aliviar os sintomas da síndrome de abstinência da substância. Qualquer profissional de saúde treinado pode aplicar a terapia de reposição ou substituição de nicotina para os pacientes que consomem mais de 10 cigarros/dia. Este tratamento pode ser aplicado por meio de quatro formas de apresentação. No Brasil, estão disponíveis apenas o adesivo de nicotina e a goma de mascar. Adesivo de nicotina:pode ser indicado mesmo para aqueles que consomem baixos níveis de tabaco. Esta forma de TRN é a mais indicada por ter menos efeitos colaterais. Os adesivos devem ser trocados diariamente. A utilização é feita por um prazo médio de oito semanas. A redução da dose é progressiva e pode durar até um ano. Goma de mascar:cada unidade contém 2mg de nicotina ativa. Este método não deve ser indicado para grávidas, para menores de 18 anos e para aqueles pacientes portadores de doenças cardiovasculares instáveis, como infarto do miocárdio recente, angina instável ou determinadas arritmias. A TRN deve ser acompanhada de aconselhamento. Não há necessidade de que este seja intensivo. O método tem produzido resultados positivos quando aplicado em adultos sem outras comorbidades. FARMACOTERAPIA PARA REDUÇÃO DA FISSURA A bupropiona, substância de primeira linha para o tratamento nos EUA, está indicada para adultos que consomem 15 cigarros ou mais ao dia. Para fumantes com depressão a indicação é mais precisa. A bupropiona é um antidepressivo que atua como bloqueador da recaptação de dopamina e noradrenalina. Supõe-se que o aumento dos níveis de dopamina esteja diretamente relacionado com a diminuição da “fissura” ou craving. 23 O tratamento pode ter duração de 7 a 12 semanas. A associação da TRN com a bupropiona tem aumentado a efetividade da intervenção, quando comparada ao uso de bupropiona isoladamente. A bupropiona apresenta algumas contraindicações (Tabela 6.7) absolutas que devem ser sempre e cuidadosamente investigadas. Tabela 6.7 Contraindicações ao uso da bupropiona Condições que implicam risco de crises convulsivas Episódios anteriores Traumatismo cranioencefálico Retirada recente de álcool Transtorno bulímico ou anorexia nervosa Uso concomitante de inibidores da monoamina oxidase (IMAO) Uso concomitante de compostos contendo bupropiona A clonidina e a nortriptilina, consideradas intervenções de segunda linha, estão indicadas para aqueles que se tornaram inelegíveis ou não se beneficiaram do tratamento com a bupropiona. A Tabela 6.8 resume a abordagem ao fumante. A associação da psicoterapia com a farmacoterapia tem-se mostrado a intervenção mais efetiva. A terapia comportamental e a TRN aparecem como a associação mais indicada.Materiais didáticos de autoajuda, aconselhamento por telefone e estratégias motivacionais ajudam a melhorar a efetividade do tratamento. Se todas estas ações falharem, o paciente deve ser encaminhado a um especialista. Nestes casos, deve ser indicada uma abordagem mais intensiva, com intervenções mais estruturadas e associadas com outras medicações. Uma nova linha de pesquisa, decorrente da evidência de que mesmo com a aplicação das terapias de primeira e segunda linha acontece a recaída, vem buscando o estudo dos diferentes genótipos relacionados com a dependência. 24 Tabela 6.8 Farmacoterapia para o tratamento da dependência de nicotina FARMACOTERAPIA DE PRIMEIRA LINHA Terapia de reposição de nicotina (TRN) Adesivo de nicotina Duração do tratamento: 6 a 8 semanas Apresentação: adesivos com 7, 14 e 2l mg Dosagem: tabagista de < 20 cigarros/dia: 14 a 2l mg/dia tabagista de 20 a 40 cigarros/dia: 21 a 35 mg/dia tabagista de > 40 cigarros/dia: 42 a 44 mg/dia Contraindicações: menores de idade, grávidas e idosos com doenças cardiovasculares ativas Goma de mascar Duração do tratamento: 8 a 12 semanas Apresentação: tabletes com 2mg cada Dosagem: 10 a 15 tabletes/dia (dosagem inicial) Contraindicações: menores de idade, grávidas e idosos com doenças cardiovasculares ativas Bupropiona Duração do tratamento: 7 a 12 semanas Apresentação: comprimidos de 150 mg Dosagem: dose inicial de 150 mg ao dia por 3 dias a partir do quarto dia: 150mg pela manhã e l50 mg após oito horasda primeira dose Contraindicações: antecedente de crises epilépticas, bulimia, anorexia nervosa,uso de inibidores da monoaminoxidase (IMAO) FARMACOTERAPIA DE SEGUNDA LINHA Indicada para aqueles que não se beneficiaram da terapia de reposição ou da bupropiona Clonidina Duração do tratamento: 2 a 6 semanas Dosagem: 0,1 a 0,4 mg/dia (dose inicial), com ajustes ao longo do tratamento Nortriptilina Duração do tratamento: 7 a 12 semanas Dosagem: 75mg/dia (dose inicial), com ajustes ao longo do tratamento Novas medicações estão sendo testadas para tratar os diferentes casos. Entre elas destacam- se o baclofen — antagonista do receptor GABA B — a reboxetina — um inibidor de recaptação na noradrenalina — e a mecamilamina — antagonista de receptor nicotínico. A utilização do rimonaband, antagonista canabinoide do receptor CB1, com ação na neurotransmissão dopaminérgica, e de vacinas é uma estratégia moderna em desenvolvimento. O tartarato de vareniclina, agonista parcial da nicotina [receptor atfa-4-beta-2), já disponível no Brasil, tem mostrado resultados promissores. Conclusão O desenvolvimento de terapêutica mais moderna, a partir dos estudos relacionados com a genética da dependência, vem recebendo muitos investimentos e tem-se mostrado bastante promissor. A integração das informações, a educação continuada e as políticas públicas também devem ser focos importantes nesta investigação. O transtorno por dependência de substâncias psicotrópicas é um fenômeno complexo que necessita de amplo direcionamento de recursos humanos e financeiros voltados à prevenção, com o objetivo claro de proteger as crianças e os jovens do resultado previsto e devastador do consumo de tabaco. 25 Questões: 1- CSM-2012 2- QT-2012 3- De acordo com o livro de Gigliotti, como podemos nomear o fenômeno que é uma manifestação da síndrome de abstinência e um fator predisponente para a recaída no qual a lembrança do prazer e o desejo de consumo aparecem acompanhados de desconforto físico e psíquico? A) Ambivalência. B) Overdose C) Transtorno compulsivo D) Craving E) Tolerância 4- Em relação ao consumo de álcool algumas considerações merecem atenção da prática clínica diária. Assinale a alternativa incorreta. A) O uso nocivo e a dependência de álcool são pouco diagnosticados. B) A ênfase prática da clínica geral diária está dirigida apenas às complicações clínicas do consumo. C) Apenas o padrão de baixo consumo de álcool é isento de riscos. D) A demora em fazer o diagnóstico piora o prognóstico. 5- Dos sintomas abaixo, quais estão relacionados na síndrome de abstinência de maconha? A) Fissura, irritabilidade e alucinação. B) Nervosismo, sintomas depressivos e aumento do apetite. C) Inquietação, insônia e fissura. C) Redução do apetite, cefaleia e alucinação. 6- Dentre as complicações advindas do uso de cocaína, as complicações psiquiátricas são o principal motivo de atendimento médico. Marque a alternativa que descreve os principais sintomas psiquiátricos agudos entre usuários de cocaína. A) Disforia, ansiedade e cefaleia. B) Disforia, heteroagressividade e alucinações. C) Ansiedade, agitação e sudorese. D) Ansiedade, cefaleia e sintomas paranoides. 7- (QT-2013, questão 37) 26 8- (CSM-2013, questão 2) 9) (CSM- 2015) 27 Gabarito: 1)A; 2) B; 3)D ;4) C ;5) C; 6) B; 7)E; 8) D; 9) D DIRETRIZES GERAIS PARA TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA CAPÍTULO 7 Introdução à abordagem psicossocial da dependência química Ana Cecília PettaRoselli Marques Introdução A grande variedade das propostas de tratamento para dependência de álcool e de outras drogas ilícitas decorre da diversidade dos conceitos sobre sua etiologia e de como estes são assimilados nas diversas culturas. Isto pode ser notado pela presença do tema, na literatura médica, como também na psicologia e na sociologia. Visto que a etiologia da dependência é multidimensional, o diagnóstico e os tratamentos variam em razão da importância atribuída a cada uma destas dimensões, pelos diferentes profissionais ou instituições. Evolução histórica Os tratamentos especializados só apareceram a partir do século XIX. Foram eles dirigidos, em geral, a casos crônicos e graves, com ênfase no modelo médico. As intervenções mais antigas tinham cunho religioso, ritualístico, ou se restringiam ao encaminhamento para os antigos e punitivos asilos de pacientes “inebriados”. 28 Por volta de 1935, surgiram nos EUA os Alcoólicos Anônimos [AA], propondo o tratamento para o alcoolismo por intermédio da participação do indivíduo em grupos de ajuda mútua, abordagem que acompanhou o período de transição do conceito moral, predominante na maioria dos países, para o conceito de doença, reintroduzido na época. Mais tarde, os AA passaram a coadjuvantes de diversos serviços de saúde na Europa e nos EUA. Na década de 1940, a forma de tratar os dependentes de álcool recebeu também a influência do Movimento de Temperança, além dos AA e do modelo médico. Em todos eles, a abstinência era considerada a única meta possível. Apesar da evolução do conceito de dependência de álcool do modelo moral para o modelo de doença, ainda nesta mesma época, nos países socialistas, o alcoolismo continuava sendo visto como um comportamento desviante, um crime, sendo o indivíduo “tratado” sob as penas da Justiça. Além das bebidas alcoólicas, outras drogas psicotrópicaspassavam a ser alvo de preocupação em diversos países e sob diferentes contextos, como o ópio, a morfina, a nicotina e a cocaína. Nos anos seguintes, por influência da psiquiatria e da neurologia, o modelo médico se tornou preponderante, destacando também o papel da família e da sociedade no seu desenvolvimento.Decorrente dele, a internação foi amplamente utilizada. A psicanálise convencional não foi considerada, desde o início de sua aplicação, um bom remédio para tratar a dependência. Esta teoria sobre o psiquismo emprestou, então, alguns de seus pressupostos fundamentais para intervenções psicodinâmicas que não se mostraram eficientes. Um dos problemas prioritários ficava sem solução: a manutenção do comportamento de busca pela droga, ligado às pistas internas incontroláveis e às pistas advindas do ambiente Na década de 1970, a preocupação econômica, ligada aos gastos com a saúde, no mundo, deu origem à avaliação dos tratamentos em uso. A proposta do tratamento hospitalar deixou de ser a opção preferencial, e os tratamentos ambulatoriais, mais baratos e mais breves, passaram a ser oferecidos principalmente para pacientes mais jovens e em estágio inicial de problemas. Além do modelo médico de tratamento, surgiram outras propostas de intervenção advindas da teoria cognitivo-comportamental e fundamentadas na visão da dependência como um hábito adquirido, um comportamento aprendido, automático e, portanto, passível de ser modificado. Arnold &Lazarus ampliaram este pensamento explicando o estresse e sua relação com um comportamento habitual. A emoção estava vinculada a muitas reações e, portanto, a cognição e o comportamento não poderiam ser vistos separadamente. Logo, o entendimento da cognição pôde ser uma ferramenta essencial para a modificação do comportamento. Também na década de 1960, nas ciências sociais, Bandura desenvolveu a teoria do aprendizado social, discutindo mais uma vez o determinismo recíproco da cognição e do comportamento. Este conceito foi retomado pela teoria psicológica de Beck na qual o enfrentamento de situações estressantes por meio da mudança do comportamento disfuncional era utilizado no tratamento de pacientes deprimidos. O uso da bebida alcoólica, ou de outras drogas psicotrópicas, foi então explicado como um comportamento automático, aprendido e possível de ser redimensionado. A terapia cognitivo- comportamental foi avaliada por meio de vários estudos e se mostrou tão efetiva quanto as demais para o tratamento de dependentes. Alguns pesquisadores propuseram sua utilização no início da intervenção, pois a aplicação de tarefas auxiliava os pacientes ainda muito intoxicados. A técnica de “beber moderadamente” e a da “prevenção da recaída” foram desenvolvidas com o mesmo referencial teórico e técnico e resultados diferentes no tratamento de dependentes de álcool. Intervenção breve Ainda na década de 1970, um grupo de pesquisadores reformulou a intervenção psicossocial, abreviando o tempo de intervenção e reduzindo o foco para diferentes etapas do tratamento, desenvolvendo a intervenção breve (briefintervention), proposta como uma abordagem psicoterapêutica para 29 dependentes de álcool pela primeira vez em 1972 por Sanchez-Craig e cols., no Canadá. Com a aplicação de quatro sessões focalizadas e simples, seus autores observaram imediata redução do consumo de álcool em dependentes graves e, consequentemente, a melhora na saúde, quando comparados a uma amostra semelhante de pacientes sem tratamento. A técnica canadense, clara e diretiva, que podia ser aplicada por profissionais de várias formações, desde que bem treinados por curto tempo. Os serviços ambulatoriais e as terapias breves passaram a ser mais solicitados que os tratamentos hospitalares, cujo custo era muito alto: comprovadamente, a intervenção ambulatorial mais breve se mostrava tão efetiva quanto os tratamentos intensivos e o custo era bem menor. Assim, a intervenção breve foi utilizada com os seguintes objetivos: 1. Possibilitar a utilização de um modelo de tratamento mais simples e, da mesma forma, efetivo, além de menos custoso, para indivíduos em estágio inicial de problemas com o uso do álcool. 2. Intervir junto a pacientes que procuravam ajuda espontaneamente, realizando a triagem direcionada para o consumo, ampliando a possibilidade de elaborar um diagnóstico precoce na atenção primária à saúde. 3. Incluir, mais tarde, a intervenção na avaliação inicial dos pacientes em atendimentos de diversas especialidades, para encaminhamento adequado daqueles que necessitassem de avaliação especializada. 4. Ser aplicada na etapa inicial de tratamento dos serviços especializados, com foco na motivação e no desenvolvimento do vínculo. Para ampliar sua aplicabilidade e utilizá-la em diferentes contextos e de acordo com os recursos de cada local, incrementou-se o modelo original, agregando-se telefonemas, materiais didáticos e o envio de cartas para sensibilização. Todos estes métodos produziram resultados efetivos. Em estudos preliminares, a oferta de maior ou menor número de sessões mostrou-se um fator de influência na efetividade do tratamento. A aplicação de uma sessão apenas, comparada aos tratamentos formais e mais prolongados, produziu resultados semelhantes quanto à efetividade. A intervenção breve tem-se mostrado mais efetiva do que não receber qualquer intervenção e apresentado o mesmo impacto que intervenções intensivas e, portanto, deve ser utilizada. Em razão deste aspecto e da brevidade da técnica, introduziu-se a entrevista motivacional na estrutura da intervenção breve. A motivação foi então estudada e considerada como um fator preditor de efetividade no tratamento. Para usuários de risco, a intervenção breve tem sido muito utilizada e se mostrado efetiva, reduzindo em até 30% o consumo de álcool, com objetivos diversos. É uma abordagem adaptável a qualquer local de tratamento, desde o serviço básico de saúde, nas salas de emergência, até os serviços especializados. Aplicada a populações especiais, adolescentes, grávidas e idosos, teve bons resultados. Os indivíduos com dependência grave também se beneficiaram deste tratamento. Na década seguinte, houve expansão das internações domiciliares, da terapia química aversiva, da terapia familiar sistêmica, das comunidades terapêuticas, do acompanhamento terapêutico, entre outras abordagens. As psicoterapias multimodais que combinam mais de um referencial teórico das escolas de psicologia vêm sendo utilizadas. A “intervenção breve” adaptada ao formato brasileiro foi desenvolvida e adaptada também para o grupo terapêutico. Panorama atual A utilização de algumas substâncias vem sendo proposta para o alívio dos sintomas da abstinência e do forte desejo de consumir a droga. Os agentes farmacológicos agem em várias vias do sistema nervoso 30 central e, associados com as psicoterapias, melhoram o resultado dos tratamentos.O pareamento do paciente com o tratamento mais adequado também tem sido uma premissa necessária a ser adotada. No Brasil, os tratamentos para dependência ainda não acompanham esta tendência mundial de utilização de psicoterapias mais breves. A associação da intervenção psicossocial com a farmacoterapia é preconizada, pois diversos outros aspectos do dependente devem ser abordados, como, por exemplo, as morbidades psiquiátricas e as morbidades orgânicas, que impedem a estabilização da dependência, caso não sejam tratadas. Conclusão Em suma, o tratamento do dependente depende: Do conceito de dependência adotado. Da sua assimilação pela cultura e da política de cada local. Do tipo de substância mais prevalente utilizada pela população que se quer cuidar. Da motivação doindivíduo. Da participação de sua família e dos grupos sociais de seu entorno. Sendo um fenômeno tão complexo, depende também da boa avaliação inicial de cada caso, que produzirá um diagnóstico detalhado e permitirá um pareamento com a diversidade aqui descrita dos diferentes tipos de necessidades de tratamentos. CAPÍTULO 8 Diretrizes para a terapia cognitivo-comportamental no tratamento da dependência química Irani I.de Lima Argimon Introdução A dependência química é caracterizada por compulsão para a busca e obtenção da substância, perda do controle sobre a quantidade de consumo e emergência de sentimentos negativos (disforia, ansiedade, irritabilidade) quando o acesso à droga é impossibilitado. O tratamento de pacientes com transtorno por uso de substâncias (TUS) é difícil e desafiador, principalmente pela pouca adesão dos pacientes e pelo alto número de recaídas. Terapia cognitivo-comportamental O tratamento da dependência de substâncias, independente da abordagem de escolha, tem como principais propósitos a abstinência, a reabilitação física, psicológica e social e a prevenção da recaída. Para que estes propósitos sejam alcançados, torna-se necessário pensar em uma terapia que possa abordar a dependência de substâncias de forma diretiva, prática e com objetivos bem definidos. Por isso, justifica-se a escolha da terapia cognitivo-comportamental (TCC) como uma possibilidade de ajudar o paciente a reduzir comportamentos disfuncionais, substituindo-os por outros mais adaptativos. A terapia cognitiva foi criada por Aaron Beck, na década de 1960, para identificar padrões cognitivos previsíveis em pacientes deprimidos. Posteriormente, se reconheceu que o modelo também podia ser utilizado em pacientes com outros transtornos, entre eles os de dependência química. Os níveis de cognição abordados dizem respeito a: 31 Crenças nucleares: verdades absolutas aceitas sem questionamento. São os conceitos mais enraizados acerca de nós mesmos, das outras pessoas e do mundo. As crenças nucleares vão se formando desde as primeiras experiências infantis e se fortalecem ao longo da vida. Sua origem está na interação da natureza do indivíduo, sua hipersensibilidade à rejeição, ao abandono, à oposição, a dificuldades inerentes a estar vivo e a componentes externos do seu ambiente, que podem reforçar ou atenuar as suas vivências internas. Crenças intermediárias: também conhecidas como pressupostos e regras, são criadas pela pessoa para que ela consiga assimilar a ideia absoluta, negativa e não adaptativa que tem a respeito de si mesma. Essas crenças intermediárias guiam a conduta dos indivíduos, são trans-situacionais e estão presentes em quase todas as situações existenciais. Pensamentos automáticos: pensamentos, ideias ou imagens não questionados, parecendo surgir automaticamente, e que são tomados como verdadeiros. Têm o poder de transformar a interpretação das experiências de uma pessoa e constituem uma poderosa lente explicativa que afeta significativamente o seu comportamento, gerando sintomas respectivos. Na dependência química, os pensamentos automáticos precedem a vontade de usar drogas ilícitas e a fissura. Esses pensamentos são repetitivos. Durante o tratamento, os pacientes aprendem a identificá-los, examinar sua validade e trabalhar sua modificação. Modelo cognitivo de Beck para o uso de substâncias psicoativas Segundo Beck, alguns elementos fazem parte deste modelo, como: as situações, os estímulos internos e/ou externos, as crenças centrais que levam a pensamentos automáticos, a fissura (desejo intenso de fazer o uso da droga), as crenças permissivas que vão facilitar o uso, o plano de ação e a recaída, tudo isto contribuindo para a manutenção do padrão de uso. Modelo cognitivo de Beck para o uso de substâncias psicoativas Exemplos de modelos cognitivos de uso/recaída de diferentes drogas são apresentados nas figuras abaixo. Modelo cognitivo de uso/recaída de cocaína 32 Modelo cognitivo de uso/recaída de maconha 33 Modelo cognitivo de uso/recaída de álcool Frente aos exemplos descritos, o conceito de cognições/esquemas/comportamentos disfuncionais permanece no centro da teoria cognitiva. Em síntese, o modelo cognitivo de Beck permite: Focar esforços terapêuticos em diferentes momentos do processo de recaída. Diminuir a influência dos pensamentos e de crenças disfuncionais. Prevenir a recaída. Estimular a mudança do estilo de vida do dependente químico. A terapia cognitiva enfatiza a importância de crenças e processos de pensamento na mediação de comportamentos, emoções e respostas fisiológicas. Questões práticas: abstinência e tratamento Como primeiro objetivo do tratamento, é necessário um contrato claro no sentido de que a abstinência deve iniciar-se já na primeira consulta.Com isto, espera-se que o paciente seja capaz de comparecer e discutir sobre as possibilidades ou temores de ocorrência de uma síndrome de abstinência. Frequentemente os dependentes não se dão conta do problema com a droga e não querem se tratar. Quando fazem um movimento neste sentido, oscilam entre as diversas fases do percurso do tratamento, que, segundo Prochaska&DiClemente são definidas como: pré-contemplação, contemplação, preparação para a ação, ação, manutenção da abstinência e, muitas vezes, a recaída. A interrupção do uso da droga e a abstinência são os objetivos iniciais do tratamento. As recaídas, frequentes, podem dificultar a consolidação dos ganhos alcançados. Após identificar os comportamentos mal-adaptados, seus desencadeantes ou situações de risco é necessário elaborar, junto com o paciente, estratégias para enfrentá-los. Busca-se identificar as fraquezas e deficiências dos recursos internos para resposta. Isto permitirá o desenvolvimento de habilidades sociais e maior assertividade. Algumas crenças podem dificultar o tratamento. Pacientes que não se julgam capazes de largar as drogas têm menor probabilidade de consegui-lo. O trabalho inicial envolve a educação do paciente sobre o modelo cognitivo de tratamento e a operacionalização dos problemas em termos cognitivos. É explicado que as emoções e condutas negativas são determinadas por seus pensamentos, suas crenças ou seus esquemas. Os pensamentos e as crenças precisam ser identificados, e este deverá ser o foco inicial do tratamento, tentando evitar-se a recaída e outras dificuldades no processo de recuperação. 34 Durante o tratamento, os pacientes passam por estágios. No início, as intervenções cognitivas são direcionadas ao estilo de funcionamento do paciente, em seu estágio do processo de recuperação, no qual os impulsos para usar a droga ainda são muito frequentes e o foco é lidar com esses impulsos. Após alguns meses de abstinência, quando já conseguem lidar com os impulsos, é hora de ficar atento e treiná- los a manejar as próprias emoções e a vida social e profissional. Outro aspecto que deve ser considerado refere-se às capacidades ou limitações cognitivas causadas pelo uso de drogas, que permitem, ou não, um pensamento abstrato sobre seu próprio processo mental ou sobre o mundo externo. Muitas são as técnicas utilizadas na terapia cognitivo-comportamental. Entre elas, algumas das mais citadas na literatura são: Identificação de pensamentos automáticos. Registro de pensamentos disfuncionais (RPD). Identificação de crenças. Avaliação e modificação de crenças. Soluçãode problemas. Exame de vantagens e de desvantagens. Experimentos comportamentais. Exposição gradual e sistemática a dificuldades crescentes. Exercícios físicos. Relaxamento. Dramatização e treinamento de assertividade. A assertividade, também chamada de habilidade social, está relacionada com a melhor qualidade de vida e envolve a maximização de consequências positivas, tanto para o paciente quanto para a relação. Com isto, o paciente pode tornar-se socialmente habilidoso para obter ganhos com mais frequência e desenvolver e manter relacionamentos benéficos e sustentadores, condição que permitirá proteger-se melhor do risco de recaída. Prevenção da Recaída Quanto à prevenção da recaída, Marlatt& Gordon definem como um retorno a níveis de ocorrência do comportamento de dependência após a tentativa de parar ou de diminuir este comportamento.As situações de risco podem estar vinculadas aos estados físicos e emocionais e aos conflitos interpessoais. De acordo com este modelo teórico, os comportamentos dependentes são conceituados como padrões de hábitos adquiridos ou superaprendidos, que podem ser modificados mediante a aplicação de procedimentos de aprendizado, permitindo, então, que o paciente assuma o controle de seu processo de mudança de hábitos. Conclusão Como as recaídas tendem a ser frequentes nos primeiros meses de abstinência, o acompanhamento deve ser constante no começo do tratamento e ir se distanciando de acordo com a melhora do paciente. A descrição das distorções cognitivas, comuns no pensamento do dependente e relacionadas com fatos e exemplos concretos da história de vida do paciente, tem-se mostrado altamente eficaz para que ele entenda o modelo cognitivo e aplique intervenções cognitivas adequadas ao seu processo de recuperação. CAPÍTULO 9 Diretrizes para entrevista motivacional no tratamento da dependência química 35 Elizabeth Carneiro Introdução A comunidade científica compartilha de desafios importantes a serem transpostos na área das dependências. Inúmeros pacientes iniciam tratamento e desistem, e outros tantos recaem. Estes dois fatores — a baixa adesão e as recaídas — contribuem para os tristes resultados estatísticas da recuperação. No que se refere ao viés psicológico da dependência de tabaco, do álcool e de outras drogas, assim como de outros transtornos do impulso, a motivação tem sido considerada em todo o mundo uma ferramenta indispensável para a obtenção de resultados mais animadores. A entrevista motivacional (EM), desenvolvida por Willian Miller e Stephen Rollnick, é a abordagem que veio para dar conta dos chamados “pacientes difíceis” — aqueles que não aderem ao tratamento ou não conseguem iniciar ou perpetuar a suspensão do comportamento que lhes vem trazendo prejuízo. Sabemos que no campo das dependências o que impera é a aplicação dos 12 passos e a abordagem cognitivo-comportamental, técnicas de extrema eficácia, mas que “não são para todo mundo”. Ou seja, destinam-se apenas aos pacientes que “querem se tratar”, que estão absolutamente motivados para realizar aquela mudança. Estima-se que apenas 20% das pessoas que procuram auxílio para o tratamento das dependências encontram-se neste estado de preparo para a mudança. E que 40% estariam divididos, ambivalentes, e os outros 40% estariam em resistência absoluta, não considerando a possibilidade de mudança. Se o paciente não fica no tratamento ou se não consegue sustentar uma mudança, o terapeuta tem uma grande participação nisso. A forma de conduzir o tratamento pode levá-lo a mudar sua perspectiva a respeito de tratar-se ou a sua intenção de mudar, para o bem ou para o mal. É claro que excluímos aqui outros fatores que podem estar contribuindo para a baixa adesão ou as recaídas, como comorbidades psiquiátricas, questões clínicas importantes, gravidade da dependência, dependência de drogas pesadas, condições sociofamiliares, entre outros. Seria pueril acreditar que tudo se resume à motivação. Entrevista motivacional não é “uma entrevista” O nome dado à técnica tem gerado muitas confusões interpretativas. Entrevista motivacional não é entrevista, e sim uma abordagem com começo, meio e fim. Essa técnica, com estratégias terapêuticas específicas, demanda treinamento até mesmo dos profissionais experientes na área de mudança de comportamento. Nos últimos 15 anos, o termo “motivação” esteve em alta. Surgiram inúmeras teorias sobre motivação, treinamentos empresariais voltados para o desenvolvimento da motivação no ambiente de trabalho, entre outras. O que Miller e Rollnick desejavam era que, em qualquer lugar do mundo em que se usasse o termo “motivacional interviewing”, as pessoas soubessem que isso, e somente isso, tratava da abordagem desenvolvida por eles e das infindáveis pesquisas que comprovavam a eficácia do que estavam preconizando. Entrevista motivacional não é algo que possa ser feito sem um processo de aprendizado Não basta ter boa intuição ou boa formação, ou apenas bom senso. Mesmo os mais experientes não devem partir do pressuposto de que já sabem, ou de que no fundo “isso já é o que ele faz”. Deve-se estudar, pesquisar, treinar. Cada ação do profissional gerará uma reação do paciente. Devemos lembrar que nosso maior intuito com o paciente resistente à mudança é que ele volte para a próxima consulta. Somente com a frequência ao tratamento poderemos ajudá-lo a se motivar. 36 Entrevista motivacional não é igual a estágios de mudança Os estágios de mudança de Prochaska e Di Clemente foram o início de tudo. Eles se dedicaram a entender como o processo de mudança ocorre dentro de cada indivíduo, independentemente de auxílio técnico, e montaram um modelo didático para tal compreensão, chamando-o de “Estágios de mudança”. O modelo foi representado através de uma roda, a roda da mudança. A EM se dedicou a criar uma forma de intervenção capaz de provocar o acontecimento da mudança. Ou seja, desenvolveu ensinamentos sobre como fazer “a roda da mudança rodar”. E não é apenas sabendo que existem os estágios de mudança (pré-contemplação, contemplação, preparação para ação, ação e manutenção), nem tampouco sabendo fazer este diagnóstico (dizer em qual estágio cada paciente se encontra), que o especialista poderá executar a abordagem da EM. Assim ele apenas saberá que aquele é um paciente resistente. Mas, e daí? De nada adianta saber diagnosticar o estágio, se a conduta de terapia cognitivo-comportamental (TCC) ou do método Minesotta ou a indicação para grupo anônimo continuar sendo a mesma. Estes continuam sendo métodos bastante eficazes. Mas apenas para os motivados, os decididos. Quando há algum grau de dúvida, ambivalência sobre alterar seu comportamento ou a certeza de que não deseja fazer nada a respeito, a EM faz-se mister. E o que se faz? A ênfase do trabalho é dada a partir de um conceito de prontidão para a mudança. E prontidão é igual à soma da importância com a confiança.Entende-se que uma pessoa está pronta para mudar se estiver “nutrida” de duas forças. A força da “importância” somada à força da “confiança”. O que é isso? O conceito de Importância está associado ao fato de a pessoa considerar fundamental aquela mudança.Já o conceito de confiança está associado à sensação de que ela pode dar conta daquela mudança. As pessoas ambivalentes têm “uma importância alta e uma confiança baixa”, ou vice-versa. Pacientes resistentes têm alguma forma de deficiência em um destes fatores. A pessoa que está pronta para mudar tem os dois fatores altos. Opostamente, a pessoa totalmente os dois fatores em um nível baixo ou inexistente. Na EM, a avaliação e o incremento da importância e da confiançapassam a ser missões centrais dentro do processo de motivação para mudança. Entrevista motivacional não é “terapia do alisamento” Não é incomum ouvirmos críticas no sentido de que a EM é “respeitosa demais”, ou até de que é uma “terapia que alisa o paciente”. A EM em nada se assemelha com “ficar alisando” o paciente. Entendemos por “terapia do alisamento” modelos que não contemplam a necessidade de algo mudar o mais rápido possível. A EM considera o caráter de urgência de algumas mudanças, mas também, através de pesquisas, comprovou que pressionar um paciente para mudar aquilo que ele não está preparado para mudar resulta em desistência precoce do tratamento ou em recaídas sucessivas. Na EM o objetivo é “correr devagarzinho”. Esta é uma tarefa delicada e sutil. O que é correr devagarzinho? É almejar e se dirigir para um determinado resultado, sem entrar em ansiedade. Profissionais de saúde ficam, com muita frequência, extremamente angustiados ao presenciarem um processo de autodestruição. No campo das dependências, isso é lugar-comum. A maior parte dos comportamentos envolve risco e, muitas vezes, risco de vida. 37 Neste cenário, falar com o paciente sobre as perdas oriundas de seu comportamento, incentivá-lo a pensar em como a vida poderia ser melhor se ele fizesse tal e tal mudança, sugerir um inventário moral sobre a sua história de dependência, terá apenas um resultado: a perpetuação da resistência. Dessa forma, o que a EM preconiza é que extraiamos do nosso paciente motivos fornecidos por ele próprio para a mudança. Se os motivos não forem construídos por ele, a cada argumentação trazida pelo externo, o paciente lhe dará uma boa razão para dizer “não é tão grave assim”, “que alcoólatra é aquele que bebe todo dia, e que ele não bebe destilados — só cerveja”, “que essa sugestão não vai dar certo para ele”. Pais, cônjuges, filhos, trabalho e escola já fazem este papel. O de argumentar a favor da mudança. O papel do profissional que trata de pacientes em resistência não é este, e sim o de desenvolver um sentido de timing para perceber, a cada minuto, quais assuntos podem ser debatidos e de que forma fazê-lo (isso inclui muitas técnicas disponíveis para responder a cada fala do paciente). Assim, o profissional respeita o tempo do paciente, para fazer uma intervenção certeira. Dizer o que é certo na hora certa. De nada adianta falar algo brilhante num momento em que o paciente não está conseguindo escutar. Entrevista motivacional não é semelhante a técnicas não diretivas Na EM o terapeuta não acompanha o paciente aonde quer que ele demande ir. A abordagem é focal, tem-se um objetivo a atingir. Em geral, o que se busca, em última análise, é a suspensão do comportamento que vem trazendo prejuízo. Mas o percurso é diferente, come-se a sopa pelas beiradas. Ademais, as técnicas não diretivas como a psicanálise, por exemplo, utilizam-se da interpretação como principal ferramenta de trabalho. Já a EM evita uma estratégia interpretativa. Ela não adiciona conteúdos, e sim utiliza-se do que chamamos de reflexões e respostas estratégicas. São formas de conversação que tendem a manter o foco de trabalho, além de não criar ou aumentar a resistência. Entrevista motivacional não é um incentivo ao comportamento A EM foi revolucionária no sentido de estimular os pacientes a falarem sobre o lado bom do seu comportamento. A EM adota como princípio a teoria da reatância, que diz que toda vez que uma pessoa (qualquer pessoa) se sente pressionada a fazer algo, sua tendência é querer fazer exatamente o oposto. Descobriu-se, então, que se alguém se encontra em dualidade, se estimulamos um lado da balança (o de que realmente está na hora dele parar porque...), o que virá em sua mente será o oposto (que ele não vai parar porque “sua família é que está maluca” “que as coisas não são exatamente assim”, “que aquilo lhe dá prazer e não quer abrir mão disso”) etc. Se, opostamente, estimulamos que ele fale sobre o lado bom do comportamento, sua tendência será sentir-se livre, entendido. Porque, afinal, se o comportamento não tivesse um lado bom, as pessoas não fariam tanto. Percebendo que para o profissional não há preconceito, rótulo ou pressão para determinada mudança, ele mesmo naturalmente poderá falar sobre os aspectos “não tão bons” do comportamento. Na EM acolhe-se e naturaliza-se a dúvida, incentiva-se a falar sobre o lado bom do comportamento, para que o oposto surja (mesmo que a princípio o paciente diga coisas como: “não existe nada de bom em fumar, estou com enfisema” ou “não existe nada de bom em jogar, estou todo endividado”). Devemos insistir e reafirmar o lado positivo. E isto não é igual a estimular o comportamento ou autorizá-lo a usar drogas. Os pacientes não precisam de nossa autorização se assim desejarem fazer. Nossa conduta é a de autorizá-los a colocar para fora as dúvidas que os atormentam e que às vezes não aparecem, por acharem que seria impróprio falar disso. Conclusão 38 Um enorme caminho se percorreu na tentativa de controle e tratamento das dependências. Inúmeras variações têm surgido e necessitado da atenção especial de técnicos da área. Transtornos do impulso, como o jogo patológico, as compras compulsivas, o amor patológico, o uso compulsivo de internet, têm se revelado como novos desafios. Mas o que fazemos não tem bastado, as recaídas e a baixa adesão continuam sendo uma realidade do dia a dia profissional. Dentre as psicoterapias, a EM tem sido considerada a alternativa viável para a superação destes limites dentro do tratamento. Para utilizá-la faz-se necessário o desprendimento profissional, a ausência de preconceitos e a disponibilidade para provar o novo. CAPÍTULO 10 Diretrizes para terapia familiar no tratamento da dependência química Gisele Aleluia Introdução O objetivo deste capítulo é compreender a importância da abordagem familiar no tratamento da dependência química. Para isto, analisamos os tipos de relações que se estabelecem no interior dessas famílias, e a influência de tais relações tanto no sentido da manutenção do sintoma quanto para a sustentação de um processo de recuperação. Utilizamos, para isso, o referencial sistêmico. Em razão da complexidade desta patologia, várias abordagens são empregadas no seu tratamento. Atualmente, incluir a família tem-se mostrado fundamental em várias etapas do processo terapêutico, desde a abordagem inicial do problema até a manutenção do tratamento e a prevenção de recaídas. O trabalho com as famílias O trabalho com as famílias tem sido feito em sessões exclusivas (com uma família) ou em grupo (com diversas famílias, ou familiares). A indicação para um caso e/ou outro depende de avaliação prévia. De um modo ou de outro, se faz necessário abordar três pontos fundamentais: 1. A falta de informação da família sobre a questão da dependência e sobre o adoecimento do sistema familiar. 2. A necessidade da mudança imediata dos padrões relacionais disfuncionais. 3. A necessidade de manutenção desta mudança, que viria com a aquisição de padrões mais saudáveis para o sistema. A experiência com grupos de terapia familiar ou de orientação familiar revela canais bastante produtivos de tratamento. As famílias chegam ao grupo perdidas e com muita culpa, e ao falarem para outras pessoas sobre sua história, ou ao ouvirem a história de outras famílias, têm a oportunidade de dar novo significado ao próprio sofrimento, percebendo outras formas de lidar com antigas dificuldades. A terapia se inicia pelo ato de desabafar angústias e dúvidas, inicialmente direcionadas para o terapeuta; com o passar do tempo, o grupo vai se tornando importante fonte de ajuda, orientação, apoioe fortalecimento de mudanças. A disponibilidade do familiar (ou da família) para participar do processo terapêutico é fundamental, na medida em que a questão da motivação também é tema central da abordagem à família. Portanto, os tratamentos para familiares de dependentes químicos deveriam se ocupar tanto com a eficácia técnica como com a eficácia motivacional. 39 Um estudo feito pela Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas (UNIAD) da Escola Paulista de Medicina, sinaliza para alguns fatores motivacionais importantes para o tratamento dos familiares. Neuburger chama a atenção para o fato de que o terapeuta deve incluir a família no tratamento, enfatizando que o grau de conhecimento que ela tem sobre o dependente é sua mais importante fonte de ajuda. Esta afirmação reforça a noção sobre a necessidade que os familiares têm de orientação sobre a problemática da dependência, fazendo deste fator um grande motivador para o familiar aderir a alguma proposta de mudança nos seus padrões disfuncionais. O tratamento, portanto, tem como objetivo mudar o foco, do pessoal para o relacional, em que todos estarão envolvidos. Isso significa um investimento, muitas vezes não esperado, pela família, no tratamento. A abordagem, na maior parte dos casos, segue o paradigma sistêmico, que reforça a importância do sistema familiar na manutenção da saúde dos membros da família. Este modelo possibilita lidar com os aspectos inter-relacionais dos indivíduos envolvidos, considerando o problema e seu contexto. Compreendendo a estrutura familiar sob a óptica sistêmica Na década de 1970, Salvador Minuchin, médico clínico e terapeuta de família, apresentou a Teoria familiar estrutural, que viria a ser uma das abordagens mais influentes no entendimento e tratamento dos fenômenos familiares. Sua teoria parte do pressuposto de que a família se organiza por meio de padrões que, uma vez conhecidos, decifram o entendimento de sua dinâmica, fornecendo diretrizes eficazes para diagnóstico e tratamento de diversas patologias. A estrutura familiar é formada por um conjunto de regras encobertas que determinam os relacionamentos entre seus membros. Essas transações relacionais localizam o espaço que cada pessoa da família ocupa, estabelecendo seu papel e a forma como este é exercido.Quando repetidas, as transações relacionais formam padrões permanentes que são chamados de padrões transacionais.São estes que dão a identidade e, ao mesmo tempo, mantêm a estrutura familiar tal como se apresenta, regulando o modo como seus membros se relacionam. Este fato pode ser observado nas famílias através de sua dinâmica relacional. Como qualquer outro organismo, o sistema familiar é dotado de fronteiras que delimitam quem está dentro ou fora, marcando seu espaço de influência. Cada indivíduo aprende a se relacionar no sistema utilizando-se de regras que podem, ou não, estar claramente verbalizadas. Quando, por exemplo, em uma família, as pessoas se sentam para conversar sobre o seu dia, batem à porta antes de entrar nos quartos ou quando toda e qualquer dor, seja física ou emocional, é prioritariamente tratada com a ingestão de medicamentos, estabelecem-se aí parâmetros relacionais de comportamento. Estes padrões se estabelecem pela troca entre as pessoas, na pragmática do dia a dia, nas pequenas e grandes ações. Quando um pai senta sempre em determinado lugar à mesa, marcando seu papel de liderança, estabelece seu lugar e sua prioridade na estrutura daquela família em relação aos outros. Estas atitudes demonstram papéis, funções e capacitações dentro de uma família e determinarão o que cada membro espera do outro. Contudo, apesar de serem responsáveis pela manutenção da estrutura familiar, os padrões transacionais podem não ser visíveis aos componentes da família. Isto porque, como se estabelecem na rotina do dia a dia, suas motivações podem-se tornar imperceptíveis. Minuchin afirma que o discurso da família sobre suas relações pode ser completamente incoerente, quando confrontado com o comportamento. Este tipo de interação, se cronificada, tende a aprisionar seus componentes em funções cristalizadas. Dependência química na família 40 O tipo de padrão transacional anteriormente descrito está no cerne da questão relacional da dependência química. O desenvolvimento da dependência proporciona o estabelecimento de padrões transacionais rígidos e estereotipados que se perpetuam nas famílias.Tais comportamentos são desenvolvidos de maneira insidiosa, com o consentimento dos envolvidos, e são perpetuados por sua repetição. É muito comum, no início da relação de abuso de substâncias químicas, o usuário contar com o apoio de pessoas que estão disponíveis para ajudá-lo em sua perda de controle. Quando o marido chega alcoolizado em casa, e a esposa trata de dar-lhe café para minimizar os efeitos, limpar sua roupa e ajudá-lo a ir para a cama, estabelece-se aí uma relação de cuidado em dois níveis. No primeiro nível, da esposa que cuida do marido que necessita de ajuda, e em outro, da esposa sóbria que cuida do marido alcoolizado. O primeiro nível poderia já estar na relação e ser esperado, contudo o segundo foi introduzido pelo fato de o marido precisar da ajuda da esposa por ter bebido demais. Duas mensagens muito importantes foram estabelecidas nessa situação: a primeira, por parte do marido, foi: ‘Bebi e preciso de ajuda”. A segunda, por parte da esposa, foi: ‘Quando você bebe desse jeito eu estou aqui para lhe ajudar”. A repetição destas atitudes, do marido e da esposa, forma o padrão transacional facilitador do comportamento de abusador de substâncias do marido e daquele de cuidadora do abusador referente à esposa.Estes papéis são complementares e se retroalimentam. Assim como a dependência química se estabelece no processo da relação disfuncional do usuário com a substância, no contexto familiar a dependência se desenvolve na interação da família, pelos padrões transacionais que facilitam esta dinâmica. Desta forma, caso a interação do casal se estabilize nas funções de “cuidadora e cuidado”, esta esposa terá adquirido a “habilidade” de estabelecer relações em que ocupe este papel. Provavelmente, ao lidar com seu filho, tenderá a ser superprotetora, atuando como facilitadora, caso este abuse de substâncias. O pai, por sua vez, mantendo-se no papel de “cuidado”, estará “disputando” com o filho, não ocupando seu devido lugar na estrutura familiar. O filho, em sua adolescência, terá dificuldade de perceber os pais como figuras capacitadas no exercício da autoridade, devido a esta estrutura hierárquica disfuncional. Hierarquia e fronteiras A hierarquia que organiza os sistemas familiares é estabelecida mediante subsistemas. Cada indivíduo na família é um subsistema com suas funções específicas. Vários indivíduos podem-se agrupar em um único subsistema, como os subsistemas conjugal, parental, de avós, de irmãos, entre outros. Como também um indivíduo pode, em uma mesma família, pertencer a diferentes subsistemas ao mesmo tempo. A participação nos subsistemas garante o senso de pertencimento e de desenvolvimento de cada membro na estrutura familiar, o que pode dar a um mesmo indivíduo diferentes níveis de poder e de habilidades necessárias às funções que ocupa, conforme Minuchin. “A organização dos subsistemas de uma família fornece treinamento valioso no processo de manutenção do “eu sou” diferenciado, ao mesmo tempo que dê exercício de habilidades interpessoais em diferentes níveis.” Os subsistemas se organizam por meio de fronteiras.As fronteiras são regras que determinam quem participa dos subsistemas, e como.Quanto mais nítidas forem as fronteiras nos subsistemas, mais facilidade seus membrosterão em perceber suas funções, não interferindo negativamente em outros subsistemas. Entretanto, as fronteiras precisarão ser flexíveis para que haja trânsito de comunicação e ajuda mútua entre os subsistemas. No exemplo citado anteriormente, o subsistema parental está reduzido à figura da mãe, enquanto o subsistema fraterno parece incluir o pai e o filho. Esta dinâmica prejudica o exercício adequado de todos os subsistemas. De um lado, o subsistema parental está enfraquecido, na medida em que o pai está 41 posicionado em um subsistema inadequado àquele núcleo familiar, ao passo que a mãe superfunciona sozinha. De outro lado, o subsistema fraterno está composto inadequadamente, denunciando a falta de fronteira entre os subsistemas, o que impossibilita o estabelecimento da hierarquia. Assim, a nitidez das fronteiras, além de garantir a funcionalidade dos papéis em uma família, tem importância crucial na possibilidade de diferenciação de seus membros, servindo como importante parâmetro de avaliação do funcionamento familiar. Estrutura familiar e processo de diferenciação Ao lado da necessidade de pertencimento ao grupo familiar, existe o movimento de individuação, que se resume no esforço de cada indivíduo para existir fora deste grupo. Contudo, se pertencera uma família permite a sobrevivência, a formação da identidade é construída por meio do movimento de se distanciar e de se diferenciar da massa familiar. Para Bowen, esta é a maior tarefa emocional de toda a vida e o principal objetivo da terapia familiar sistêmica. O processo de diferenciação emocional é marcado por sucessivos compromissos de pertencimento à família de origem, na participação em diversos papéis ao longo do tempo, como ser filho, irmão, tio, sobrinho ou neto, como também de pertencimento a sistemas fora da família e até a construção da própria família nuclear. O engajamento em sistemas extrafamiliares pressupõe um progressivo distanciamento da família de origem, distanciamento que nunca chega a ser total.Ainda conforme Bowen, um adequado processo de maturidade emocional pode ser avaliado na participação dos indivíduos em suas funções intra e extrafamiliares através de seu grau de diferenciação na sua família de origem. Geralmente, as pessoas costumam se dedicar mais a um sistema do que a outro, deixando suas funções “a desejar”, ajudando na formação de sintomas. No processo de criação de uma nova família, por exemplo, o novo casal tem a difícil e trabalhosa tarefa de construir um novo núcleo familiar, o que exige deles um intenso investimento neste novo sistema. Esse processo será profundamente influenciado pelo quanto cada membro do casal conseguiu se diferenciar de sua família de origem. Muitas vezes, entretanto, a motivação para o casamento vem de uma necessidade de separação da tumultuada relação na família de origem, e projeta uma expectativa fora daquela realidade que o casamento proporcionaria. Na medida em que o grau de diferenciação acompanha todos os relacionamentos de cada indivíduo, a tendência é estabelecer, no relacionamento conjugal, o mesmo grau de maturidade que se conseguiu na família de origem. Este fato reforça a importância de o investimento do crescimento emocional ser conseguido dentro da família de origem, posição esta que Bowen defendia veementemente: “O conceito de diferenciação de si mesmo se relaciona com o grau em que uma pessoa vai se diferenciando emocionalmente dos pais.” Cada ser humano nasce “mergulhado” na massa emocional familiar, caracterizada, de forma mais direta, pela relação dos pais. Na visão estrutural, esta relação original é representada pela imagem do triângulo, que na teoria sistêmica é a menor unidade emocional relacional. Pertencer a um triângulo significa estar na dinâmica relacional interpessoal. O triângulo original — pai, mãe e filho — reforça o fato de que sem os dois primeiros (pai e mãe) não existiria o terceiro (filho). Esta condição estabelece a existência e a função de cada participante representado no triângulo original. O fato de existir emocionalmente a partir desta dinâmica representada pela triangulação fornece a estrutura básica de todos os demais relacionamentos que o indivíduo terá no decorrer de sua vida. Este conceito ajuda no entendimento de como as relações se interconectam, estabelecendo um “jogo de forças” no sistema familiar. A dinâmica das triangulações pode ser compreendida como um “trânsito” da energia investida na relação, pelo engajamento emocional mútuo. A entrada de um terceiro em uma dupla denuncia a 42 necessidade de equilibrar a dinâmica do par inicial, que precisa de um “escape” para se manter estável. Essa estabilidade só é conseguida, segundo Bowen, com a formação de alianças fora da dupla. Quando, em uma relação de dois — A e B —, ocorre uma discordância ou tensão, algum membro do par tende a buscar um terceiro — C — para uma aliança. A partir daí, dois processos podem ocorrer: o terceiro — C — pode absorver a tensão, garantindo a preservação do par original (A e B), ou o terceiro, além de absorvera tensão, pode fazer uma coalizão, colocando, assim, o outro membro da dupla de fora. Observa-se, portanto, que em ambos os casos o terceiro tem um papel fundamental para a manutenção do relacionamento da dupla, pois serve como um escape da tensão emocional que o relacionamento gerou. Por exemplo, podemos considerar que a ansiedade gerada pela crise de um casal possa ter criado a necessidade de um forte engajamento emocional da mãe com o filho, que enfraqueceria o subsistema conjugal, contribuindo para o afastamento do pai, e, consequentemente, para sua provável piora no processo de dependência química. Em um processo de retroalimentação, a piora da dependência do pai levaria a um afastamento de sua função conjugal, contribuindo no sentido de que a mãe fizesse um par com seu filho. Poderíamos ressaltar que um dos projetos de trabalho que os terapeutas familiares poderiam vir a desenvolver, nos seus atendimentos aos casais com filhos que apresentam sintomatologia de dependência, deveria ser o fortalecimento do par como unidade básica educadora, como também favorecer a construção da “cultura do casal”, que será campo para diversas possibilidades de combinações parentais e pessoais. O sucesso dessa construção estará também alicerçado pelo trabalho feito com o par, com suas possíveis triangulações com suas famílias de origem, que comumente é deslocada para o casamento. Cabe ressaltar que apesar de a dinâmica ser garantida pelos três componentes, isto só é possível porque dois membros da dupla estão mais fortemente ligados e um terceiro está outsider. Na dinâmica da dependência química, encontramos padrões relacionais rígidos como também duplas rígidas, em que o fortalecimento de sua relação se dá com o afastamento do terceiro membro. Esse triângulo rígido é mantido pelas consequências do uso patológico de substâncias psicoativas e pelos comportamentos facilitadores desta condição, já vistos anteriormente. A tendência da família descrita no exemplo anterior seria ora o pai fazer par com o filho, ficando a mãe outsider, e ora a mãe fazer par com o filho, ficando o pai outsider. Consideramos, assim, que a opção de a mãe fazer par com o pai significaria uma mudança funcional na estrutura familiar, e a possibilidade da ausência do sintoma da dependência, uma consequência. Esta mudança possibilitaria maior engajamento do pai em sua função no sistema parental, aumentando suas responsabilidades e diminuindo, assim, o espaço para o comportamento dependente. Contudo, o sistema também pode-se estruturar de forma que o triângulo mãe e filho insider e pai outsider se torne padrão, engessando todos os membros destafamília em funções rígidas. Este fato costuma se tornar um dos maiores mantenedores da dependência como sintoma dentro das famílias. Tratando a dependência química através da família: estratégias básicas gerais A abordagem da família pode ser feita de diversas formas. Segundo Neuburger, analisar a demanda do pedido de ajuda é muito importante para o sucesso do processo terapêutico. Ele acredita que poder explorar os motivos que levaram essa família a procurar ajuda e como ela vem-se relacionando com a problemática da dependência dá pistas importantes sobre os entraves sistêmicos mantenedores da dependência. “Isso pressupõe que o consumo não é o único problema na família e que as formas tentadas para resolver a situação do consumo possam ter funcionado como reforçadoras da crise, ou da situação de abuso de consumo da droga. A partir da compreensão dos mecanismos de manutenção da dependência química, nosso objetivo terapêutico é ajudar os envolvidos a contribuírem cada vez menos com a manutenção deste sintoma. Isso só se torna possível com o entendimento de todos acerca do mecanismo da dependência e de como esse mecanismo é mantido através das relações no sistema familiar. 43 Vamos explorar a abordagem familiar em três momentos distintos do processo de ajuda: a fase inicial, a de manutenção e a prevenção a recaídas. Nossa orientação teórico-prática baseia-se nos fundamentos e técnicas da terapia estratégica, abordagem muito pragmática e intervencionista, intensamente voltada para o entendimento da manutenção do problema, e não necessariamente para sua origem. Esse princípio confere agilidade premente em situações graves e de crise — como no caso das dependências. Uma das suas premissas mais importantes é a crença de que os pacientes são capazes de atitudes mais funcionais em um ambiente mais funcional.Pautado neste princípio, o terapeuta precisa exercer um papel bastante ativo e capacitado, para estabelecer um clima de confiança e de cooperação de todos no processo de ajuda. Para isso, ele deve avaliar o sistema familiar em seu funcionamento, tendo como base as questões desenvolvidas anteriormente, que podem ser resumidas da seguinte forma: Como a família está estruturada — que padrões transacionais estão sustentando a dependência química. Como está organizada a sua hierarquia. Onde estão estabelecidas as fronteiras e como está a participação dos membros da família nos subsistemas (quem está subfuncionando e quem está superfuncionando). Qual o grau de flexibilidade da família na diferenciação de seus membros. Que triângulos rígidos estão mantendo as pessoas em funções delimitadas, dificultando a flexibilidade para a mudança. Essas questões devem permear qualquer intervenção terapêutica em todas as etapas do tratamento. ETAPA INICIAL DO PEDIDO DE AJUDA TRABALHANDO A MOTIVAÇÃO, DIMINUINDO A CULPA As famílias costumam pedir ajuda quando o comportamento do dependente gera importante grau de ameaça ao sistema familiar. Pressupomos que a culpa seja um dos “cartões de visita” da maioria dos familiares que procuram ajuda, fato que dificulta muito o estabelecimento de uma relação de confiança e de cooperação com qualquer proposta de mudança. É tarefa do terapeuta diminuir esta tensão, esclarecendo a questão da responsabilidade partilhada e de que não se conseguirá sucesso algum sem a participação do sistema. Esta postura técnica permite ressignificar a culpa, transformando-a em necessidade de cooperação, incluindo o familiar positivamente no processo de ajuda e facilitando, assim, sua adesão a todas as fases do processo terapêutico. CONHECER O QUE A FAMÍLIA TEM FEITO PARA LIDAR COM O PROBLEMA A decisão da família de procurar ajuda está diretamente ligada à falência de todos os seus esforços para controlar o problema. Este fato deve ser usado pelo terapeuta a favor do tratamento. O terapeuta deve questionar e ouvir atentamente tudo o que a família tem feito para controlar o quadro patológico. Com essas informações, ele terá um material extremamente rico para basear estratégias, acordos e condutas. Para a terapia estratégica, este é um dos procedimentos mais importantes a serem tomados, logo no início do contato terapêutico. Essa atitude qualifica a família e diminui a possibilidade de indicarmos condutas que não fariam diferença na modificação da manutenção do sintoma. Contudo, esse procedimento não tem somente um objetivo comportamental. Na verdade, fazendo isso, o terapeuta terá uma exata noção de como a família se comporta diante das situações, ou seja, seus valores, seus limites, suas crenças. Muitas vezes, nessa hora, a família passa a perceber coisas que não via 44 antes e, por vezes, alternativas não pensadas se tornam visíveis. “As perguntas permitem, assim, que se possa caracterizar as coisas sob um ângulo menos patológico e mais contextual, o que abre aos pacientes novas vias de ação.” FOCAR NA CAPACITAÇÃO DE CADA MEMBRO DA FAMÍLIA E EM SUAS POSSIBILIDADES Um dos discursos mais comuns em uma família que pede ajuda é o de autodesqualificação, já que suas tentativas falharam. A família tende a se desvalorizar neste momento, passando a capacitação da abordagem para o sistema terapêutico. Essa atitude é compreensível, mas bastante perigosa para ambos os sistemas. Partimos da premissa de que a dependência se manifesta em um ambiente dependente e propício. Se esse sistema não estiver envolvido, as chances de fracasso terapêutico são muito altas. Por isso, incluir e qualificar a família enquanto fonte de recuperação é fundamental para garantir um bom grau de mudança. Para isso, quando o terapeuta consegue fazer o recenseamento das tentativas de solução, passa a ter as informações acerca das influências e capacitações de cada membro da família. E cada conduta que será pensada pelo sistema terapêutico deverá levar em conta as forças de influência dentro da família, para que elas sejam utilizadas em favor do tratamento. FOCAR NO PAPEL E NA RESPONSABILIDADE DE CADA UM NO PROCESSO DE AJUDA Uma outra premissa importante da terapia estratégica é que, apesar do e terapeuta exercer um papel bastante ativo, ele não deve, de forma alguma, tentar resolver o problema da família. Muito pelo contrário, um terapeuta capacitado busca, junto com a família, alternativas para a modificação dos padrões que ajudam a manter a dependência no sistema. “Seu papel, portanto, consistirá em fazer o paciente reencontrar os meios de solução autônoma, a fim de poder mais tarde abrir mão desta ajuda.” Assim a família fica cada vez mais preparada para assumir seu papel e responsabilidade na mudança do seu funcionamento. É a passagem de uma visão intrapessoal para uma dinâmica interpessoal. MANUTENÇÃO DO PROCESSO TERAPÊUTICO Dizemos que o tratamento está na fase de manutenção quando ações de mudança de comportamento já foram implementadas e a nova realidade é assumida pelo sistema como um todo. Nesta etapa, algumas mudanças na terapêutica se fazem extremamente necessárias para garantir essa manutenção e, como consequência, o avanço no processo terapêutico. São elas: REVER ATITUDES DE CONTROLE Diante de uma patologia caracterizada pela perda de controle da própria vida, é comum e indicado que algumas, ou mesmo muitas, orientações voltadas para o controle tenham sido implementadas (p. ex., horário de entrada e de saída da casa, controle de dinheiro dado ao dependente, controle de companhias, entre outros). Na fase de manutenção, essas condutas precisam ser revistas para acompanhar e alimentar o processo de recuperação, que leva ao controle de si próprio e, consequentemente, à autonomia gradativa. Esse procedimento também trabalha a flexibilidade dosistema — condição fundamental para cultivar relações com padrões saudáveis de relacionamento. REVER ATITUDES DE PROVISÃO No início da recuperação, é comum, e muitas vezes indicado, que a família se responsabilize pelo sustento do dependente, mesmo que ele já possua a sua família nuclear, ou more sozinho. Na fase de manutenção, essa situação precisa ser revista, em razão do perigo de sustentar uma cronificação na situação de dependência financeira - que seria extremamente danosa para um adulto em recuperação. ESTABELECER METAS DE MÉDIO E LONGO PRAZOS 45 Como no início do tratamento normalmente pensamos em objetivos imediatos, em razão da gravidade da situação, nesta fase todo o sistema é levado a pensar em metas de médio e longo prazos. Mudança de emprego, de endereço, aquisição de bens, casamento, separação, filhos, entre outras situações, são temas pertinentes nesta fase. Para isso, vamos conduzindo, lentamente, o foco para a manutenção de uma vida saudável e falando menos de droga. PERIGOS DA FASE DE MANUTENÇÃO Se a primeira etapa ocorreu de forma mais ou menos tranquila, podemos esperar maiores turbulências aqui. Não mais havendo o consumo da substância ou o comportamento dependente, a família se defronta com os seus impasses naturais, que estavam encobertos. Algumas questões trazem à tona conflitos assustadores que, se não abordados, trarão tanta tensão ao sistema que este tenderá a se reequilibrar com o risco de retorno ao uso de drogas como contrapeso — facilitando uma recaída — tanto por parte do dependente quanto por parte de cada familiar envolvido. O terapeuta deve estar bastante atento e também preparar a família para esse momento de tensão. Nesta fase, é comum que os tratamentos se desdobrem e outros subsistemas sejam trabalhados, como o subsistema conjugal (casal), parental (pais), fraterno (irmãos), família de origem e família nuclear. PREVENÇÃO DE RECAÍDAS Apesar de esta ser, na maioria das vezes, uma meta em todas as fases, estamos nos referindo a um momento mais avançado do tratamento em que, de posse dos principais entraves sistêmicos específicos daquela família, incluímos os pontos frágeis da recuperação do dependente químico, ou seja, suas questões individuais. A recaída é sempre uma possibilidade em qualquer etapa do processo. Encaramos a recaída como um sinalizador de falha na recuperação, e não como um indicador de fracasso. A recaída dá a indicação dos pontos que ainda precisam ser alterados, levando em conta que o desenvolvimento pessoal e familiar é uma tarefa para toda vida. Stanton e cols. são muito incisivos quando afirmam que a dependência química oculta profundos desequilíbrios no sistema familiar. Quando o dependente fica sóbrio, esses desequilíbrios ficam extremamente visíveis e ameaçam toda a estrutura familiar. A tendência natural, então, é o dependente voltar à “ativa”, trazendo uma diminuição deste perigo. Para este autor, algumas metas fundamentais devem ser colocadas para o dependente e sua família visando a um tratamento efetivo: Negociar, desde o início do tratamento, a parada do uso de substância (inclusive a metadona, para usuários de heroína). Fazer um uso produtivo do tempo, ou de atividades de estudo. Procurar adquirir uma situação estável e autônoma. Stanton é categórico em afirmar que é extremamente necessário que o dependente, caso more com os pais, saia da casa parental e tenha seu próprio endereço. Com esses procedimentos, o autor pretende garantir uma circunstância de vida em que o uso de drogas tenha cada vez menos espaço na vida do dependente e na dinâmica do sistema. Algumas dificuldades individuais também já podem ser detectadas nesta fase. Características de temperamento, problemas de autoestima, outras compulsões, entre outras condições, terão maior enquadramento neste momento. Para isso, priorizamos a psicoterapia como continuação da abordagem dos subsistemas feita na fase anterior (caso algum problema específico não tenha cedido ao tratamento), e sessões de follow-up da família — uma espécie de feedback e reciclagem, que deve acontecer com um espaçamento progressivo de 3, 6 e até 12 meses. 46 Conclusão No decorrer deste capítulo observamos que a vinculação do dependente com a família, e desta com o dependente, pode ser intensa, fusionada e muitas vezes disfuncional. O tratamento com os familiares busca a conscientização dos papéis que cada um deles está ocupando na família, para que possa haver alternativas mais funcionais. Acreditamos que a dificuldade no restabelecimento, ou até mesmo estabelecimento, de relações mais funcionais no interior das famílias de dependentes seja proporcional ao “tamanho” do espaço emocional que a dependência química ocupe no sistema. Algumas famílias apresentam sistemas extremamente adaptados ao padrão disfuncional do dependente, tendo uma estrutura mais rígida. Isso torna qualquer proposta de modificação muito trabalhosa. Em outras famílias, o sistema consegue se readaptar ao comportamento funcional do dependente, o que provavelmente ajuda na manutenção de sua sobriedade. A nossa intenção é de que, compreendendo a dinâmica da dependência química, venhamos a formular intervenções terapêuticas no sentido de promover nas famílias uma progressiva mudança nos padrões de interação, antes facilitadores da manutenção do comportamento de uso de drogas. Acreditamos que esse processo só será possível na medida em que a noção da reestruturação destes padrões for entendida e assumida pelo sistema familiar como um todo, em um esforço de busca de novos padrões mais funcionais. Esse movimento, sem dúvida, deve ser feito pelo sistema familiar e pelo sistema terapêutico que, com uma postura cada vez mais inclusiva, deve, em um esforço conjunto, caminhar em direção à mudança. CAPÍTULO 11 Diretrizes para psicoterapia de grupo no tratamento da dependência química Angela Guimarães Introdução A dificuldade para o convívio social funcional é um dos fatores de risco para o desenvolvimento de diversos transtornos, inclusive a dependência química. Assim, por consequência, a saúde e funcionalidade no âmbito social, são fatores de prevenção e de proteção. Justifica-se, portanto, a inclusão dos aspectos sociais ao binômio biopsico, transformando-o no tripé biopsicossocial, a ser utilizado para diagnóstico, prognóstico, tratamento e reinserção social do indivíduo dependente químico. A experiência de convivência e de troca inter-relacional proporcionada pelos ambientes grupais fornece uma oportunidade terapêutica, de reeducação social, de grande importância no tratamento de indivíduos dependentes de substâncias. Os grupos terapêuticos, psicoterapêuticos e de ajuda mútua têm-se firmado, há algumas décadas, como intervenções bastante eficazes, populares e indicadas para o tratamento da dependência química. Fator social no desenvolvimento da dependência química Allen, citado por Pichon-Rivière, faz a seguinte síntese sobre o alcance da função grupal: 47 “As definições das relações humanas estão sujeitas à experiência vivencial dos indivíduos, que se desempenham em papéis correspondentes ao seu agrupamento biológico (sexo, idade), e à sua adaptação social, adquirida através de seu crescimento e treinamento. Os acontecimentos mais significativos para a vida dos indivíduos e dos grupos estão vinculados ao esclarecimento destas diferenças funcionais e biológicas, referentes a cada ser humano. As comparações, imitações, rivalidades, satisfações e desilusões de cada um constituem o drama dos seres humanos, que convivem e que se empenham em encontrar a maneira de manter sua posição individual num mundo que pertence aos demais.”Estudos longitudinais de duração relativamente longa com alcoólicos e dependentes e evidenciaram que “a estabilidade psicossocial pré-mórbida era um previsor muito mais seguro do prognóstico a longo prazo que a gravidade do abuso de drogas pregresso, cronicidade ou tratamento em regime hospitalar”. Watzlawick e cols. fornecem elementos para a consideração de uma importante característica na abordagem sistêmica dos grupos: “O nosso ponto principal é que os sistemas inter-pessoais — grupos de estranhos, pares conjugais, famílias, relações psicoterapêuticas ou até internacionais etc. — podem ser encarados como circuitos de retroalimentação, dado que o comportamento de cada pessoa afeta e é afetado pelo comportamento de cada uma das outras pessoas.” Esta noção deve ser estendida para o sistema amplo em que se encontram o paciente dependente químico, sua família, seus amigos, sua rede de apoio social e sua equipe terapêutica. A saúde do sistema como um todo é indispensável à obtenção de resultados terapêuticos efetivos e duradouros. Para qualificarmos um sistema como saudável deve haver nele um equilíbrio dinâmico, estabelecido entre os mecanismos de diversificação e de estabilização, o que resulta em alternância funcional entre diferenciação individual e coesão grupal. Tratamento da dependência química Conforme a Organização Pan-Americana de Saúde [OPAS], o tratamento inclui o diagnóstico, a assistência à saúde e a reintegração social das pessoas afetadas, com a finalidade de reduzir a dependência, melhorar a saúde e a qualidade de vida, aproveitar ao máximo as capacidades do indivíduo e prover acesso a serviços, oportunidades e plena reabilitação social. Para sintetizar o panorama de tratamento considerado efetivo, o National Institute on Drug Abuse (NIDA) elaborou os 13 princípios do tratamento efetivo da dependência química. O tratamento deve abranger os aspectos biológicos, psicológicos e sociais. Segundo a perspectiva sistêmica, a reestruturação de um dos setores da vida do indivíduo favorece a mudança nos demais âmbitos de sua realidade, já que todos os aspectos estão interligados e se retroatimentam. Os 13 princípios do tratamento efetivo da dependência química 1. Nenhum tratamento é efetivo para todos os pacientes. 2. O tratamento necessita estar facilmente disponível. 3. O tratamento deve atender a várias necessidades, e não somente ao uso de drogas. 4. O tratamento necessita ser continuamente avaliado e modificado de acordo com as necessidades. 5. Permanecer em tratamento por período adequado é fundamental para a efetividade. 6. Aconselhamento e outras técnicas comportamentais são fundamentais para o tratamento. 7. Medicamentos são importantes, principalmente quando combinados com terapia. 8. A comorbidade deveria ser tratada de forma integrada. 9. A desintoxicação é só o começo do tratamento 10. O tratamento não necessita ser voluntário para ser efetivo. 11. A possibilidade de uso de drogas deve ser monitorada. 48 12. Devem ser realizados avaliação sobre os vírus da imunodeficiência humana (HIV) e das hepatites B e C, bem como aconselhamento para evitar esses riscos. 13. A recuperação é um processo longo e, muitas vezes, requer vários episódios de tratamento. Fonte: National Institute on Drug Abuse, 1999. Aspectos biopsicossociais no tratamento da dependência química Bio Diagnóstico, tratamento, acompanhamento e suporte farmacológico para as questões neurobiológicas, psiquiátricas, clínicas, fisiológicas e comórbidas. Psico Identificação, fortalecimento e correção das fragilidades psíquicas, das distorções cognitivas, das dificuldades emocionais e das ambivalências motivacionais Social Suporte psicoterapêutico para reconstrução da autonomia e da integridade do paciente nos grupos familiar, profissional, acadêmico e social. O grupo como forma de atenção e de tratamento da dependência química Os grupos podem ser psicoterapêuticos ou simplesmente terapêuticos. Podem apresentar várias configurações, dependendo do referencial teórico e técnico a que se submeter. Podem estar estruturados em orientações cognitivas, com objetivos de promover mudança comportamental. Podem ser operativos ou não. Podem ser psicodramáticos, ou psicodinâmicos, ou estar voltados à psicoeducação, ou anônimos, de ajuda mútua. Podem ser destinados apenas a familiares, sem a presença dos dependentes, ou incluí-los. Podem ser dirigidos por psicólogos, por outros profissionais de saúde ou pelos próprios dependentes. Os principais aspectos da abordagem grupal para tratamento dos dependentes químicos são apresentados a seguir. GRUPOS TERAPÊUTICOS E PSICOTERAPÊUTICOS O caráter terapêutico de um grupo está relacionado com suas metas e seus objetivos, sempre voltados à melhoria da saúde física e/ou mental de seus integrantes. O grupo terapêutico poderá ser conduzido por qualquer profissional capacitado da área de saúde. Grupos psicoterapêuticos, por sua vez, são necessariamente conduzidos por psicólogos, psicanalistas ou psicodramatistas. A psicoterapia de grupo implica um conjunto de técnicas e de estratégias utilizadas com objetivos específicos e comuns aos participantes do grupo como um todo. Não há consenso sobre a linha teórica mais indicada. Autores afirmam que a psicoterapia de grupo para dependentes químicos favorece a recuperação e a reformulação de vida dos pacientes no sentido de que promove o desenvolvimento destes em seus relacionamentos interpessoais, auxiliando no processo de aquisição e consolidação de atitudes adaptativas e de mudanças comportamentais positivas. A função do grupo transcende a esfera social, embora se preste como meio de reconduzir funcionalmente o indivíduo ao convívio social, reeducando-o para a escuta, a espera, a diferenciação e o inter-relacionamento. Tais ganhos terão repercussão em muitos dos setores da vida dos indivíduos, contribuindo para melhorar suas noções de adequação, aceitação, autoestima e estima dos demais, assertividade na comunicação, autoconfiança e habilidades de relacionamento em geral. Os grupos psicoterapêuticos, portanto, desempenham importante função em toda a transversalidade do processo de recuperação, por várias razões: 49 Promovem ajuda técnica para o manejo e o exercício da dialética constantemente encontrada na busca de identidade individual versus necessidade de identidade grupal/social. Possibilitam troca de experiências e, por consequência, melhor percepção do funcionamento de si mesmo e do outro pelas interações ocorridas no contexto grupal. Desenvolvem a noção, para o indivíduo, de que ele não é o único a vivenciar as situações e dificuldades desencadeadas por sua história pessoal com drogas, permitindo-lhe elaborar os sentimentos de onipotência e a estigmatização inerente ao processo de recuperação. Fortalecem os mecanismos de prevenção à recaída, uma vez que várias pessoas de um mesmo grupo estarão procurando, encontrando e compartilhando diferentes respostas para as dificuldades naturais do processo de manutenção da abstinência. A seguir estão sinteticamente descritos os principais corpos teóricos de onde se originam as técnicas e estratégias aplicáveis nas sessões de psicoterapia de grupo para tratamento da dependência química. GRUPOS OPERATIVOS Um dos especialistas precursores em trabalho grupal, Pichon-Rivière, afirma que há “...um conjunto de processos relacionados entre si, que nos permitem, por sua reiteração, considerá-los como fenômenos universais de todo grupo, em sua estrutura e dinâmica”. A premissa básica deste autor está assentada sobre a noção de que todo indivíduo está inserido em um grupo, no qual acontece a intersecção da sua história pessoal até o momento desua afiliação a este grupo (verticalidade) com a história social deste grupo até o momento presente (horizontalidade). Um grupo, para ser considerado operativo, deve ter como meta a ser alcançada a mudança, que será obtida por meio da resolução de tarefas, que podem ser, entre outras, o aprendizado, a cura ou o diagnóstico de dificuldades.Tais tarefas serão o meio pelo qual o grupo vai trabalhar a explicitação de suas fantasias e medos implícitos e, assim, evoluir dentro do conceito de saúde. Desta forma, qualquer grupo operativo será terapêutico, embora nem todo grupo terapêutico seja operativo. A seguir estão alguns dos preceitos do trabalho operativo em grupos: No grupo, o “todo é maior do que as partes” e constitui uma nova identidade, que é mais do que apenas o somatório dos seus participantes. O trabalho tende a favorecer que se mantenham discriminadas as identidades individuais, de forma que as pessoas preservem a sua individualidade e o grupo não se transforme em uma massa indiscriminada. É previsto que haja alguma forma de interação afetiva entre os membros do grupo, ou seja, que se estabeleça um tipo saudável de vínculo entre os indivíduos. É inerente à formação de um grupo um “campo grupal dinâmico”, no qual transitam fantasias e ansiedades. Zimerman descreve os seis fenômenos importantes que definem o campo grupal: 1. Ressonância: fenômeno comunicacional, em que a fala trazida por um participante do grupo vai ressoar em outro, transmitindo um significado afetivo equivalente, e assim sucessivamente com todos os integrantes. 2. Fenômeno do espelho: conhecido como galeria dos espelhos, refere-se à possibilidade de que cada um possa ser refletido nos, e pelos outros. Isso diz respeito à questão da identificação, na qual o indivíduo se reconhece sendo reconhecido pelo outro, e assim vai formando a sua identidade. 3. Função de “continente”: o grupo coeso exerce a função de ser “continente” das angústias e necessidades de cada um de seus integrantes. 4. Fenômeno da pertencência: também chamado de vínculo do reconhecimento, que é “o quanto cada indivíduo necessita, de forma vital, ser reconhecido pelos demais do grupo como alguém que, de fato, pertence ao grupo. Alude também à necessidade de que cada um reconheça o outro como alguém que tem o direito de ser diferente e emancipado dele”. 5. Discriminação: capacidade de estabelecer a diferença entre o que pertence ao próprio sujeito e o que é do outro; entre fantasia e realidade, presente e passado, o desejável e o que é possível naquele momento etc. 50 6. Comunicação: seja ela verbal ou não verbal, fenômeno essencial em qualquer grupo em que mensagens são enviadas e recebidas, podendo haver distorção e reações consequentes por parte de todos os participantes do grupo. Esses princípios, que regem os grupos em geral, podem ser especialmente observados e aproveitados nos grupos psicoterápicos para tratamento de dependentes químicos, que se beneficiam da experiência corretiva ali possibilitada de forma básica e contínua. TERAPIA COGNITIVO-COMPORTAMENTAL Durante as duas últimas décadas, a terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem sido considerada uma das mais eficazes no tratamento de indivíduos dependentes de álcool e de outras drogas. A TCC adaptada ao tratamento da dependência química baseia-se na análise tanto dos pensamentos quanto dos comportamentos relacionados com o consumo de substâncias. A finalidade das técnicas preconizadas por este modelo é a modificação das crenças e condutas decorrentes de tais pensamentos e comportamentos mal-adaptativos, que, em geral, favorecem o desenvolvimento e a manutenção da dependência. As crenças que facilitam o uso de substâncias, segundo Beck, podem estar associadas às seguintes categorias: Crenças antecipatórias: expectativas de que o uso da substância produzirá recompensa, gratificação ou prazer. Crenças de alívio: expectativas de que o uso da substância aliviará ou afastará algum desconforto ou sofrimento. Crenças permissivas ou facilitadoras: crença de que o uso da substância é aceitável, apesar das consequências. A TCC busca, tanto no ambiente de atendimento individual, quanto na aplicação das técnicas em sessões de grupo: Identificar, examinar e testar tais crenças. Avaliar a relevância e a importância destas na vida dos pacientes. Familiarizá-los com o seu modo cognitivo de funcionamento. Desenvolver crenças de controle, testá-las e praticá-las. Entre as técnicas para mudança de cognição e de comportamento mais utilizadas em situações de psicoterapia de grupo estão o treinamento em habilidades sociais e a prevenção a recaídas. Treinamento em habilidades sociais O treinamento em habilidades sociais (THS), conforme o definem Goldsmith & McFall, refere-se a “um enfoque geral da terapia dirigido a incrementar a competência da atuação em situações críticas da vida”. Seus objetivos concentram-se na aprendizagem de um novo repertório de respostas, abrangendo quatro elementos principais: 1. O treinamento em habilidades, que consiste em instruções, modelações, ensaios comportamentais, retroalimentação e reforçamento. 2. A redução de ansiedade, que pode incluir o relaxamento e a dessensibilização sistemática. 3. A reestruturação cognitiva, visando modificar valores, crenças, cognições e/ou atitudes. 4. O treinamento em solução de problemas. Auxiliar os pacientes a identificar seus níveis de ansiedade e ensiná-los a relaxar são tarefas pertinentes a este contexto terapêutico quando realizadas em grupo, conferem ao resultado obtido um bom 51 nível de dinamismo, o que geralmente é considerado bastante interessante pelos pacientes. Recursos como entrevistas, autoregistro, inventários de diversos tipos e observação de situações na vida real podem ser utilizados para alcançar comportamentos e comunicação assertivos, tanto no aspecto verbal quanto na expressão não verbal e paralinguística. Prevenção a recaídas Os programas de prevenção a recaídas (PR) podem ser amplamente utilizados em psicoterapia de grupo. Fundamentam-se, basicamente, na teoria da aprendizagem social, tendo o conceito de autoeficácia, de Bandura, como um de seus primeiros referenciais. Marlatt e Gordon desenvolveram e aperfeiçoaram o modelo, utilizando uma base teórica similar, porém acrescentando outros conceitos e outras variáveis. As técnicas desta abordagem estão orientadas para ajudar e ensinar os pacientes dependentes a evitarem as recaídas no uso de substâncias psicoativas. A tríade que sintetiza a PR pode ser representada pela soma dos seguintes objetivos: Desenvolvimento da capacidade de enfrentamento das situações de risco. Reformulação de vida. Conscientização da dependência e de seus prejuízos. Marlatt & Gordon identificam como fatores determinantes para episódios de recaída os estados emocionais negativos (35%), em seus aspectos intra- e interpessoais; a pressão social (20%), com seus aspectos diretos (persuasão verbal) e indiretos (convivência com indivíduos que se engajam no comportamento-alvo); e os conflitos interpessoais (16%). Nas sessões de psicoterapia de grupo, tais fatores se apresentam de forma direta, in loco, o que possibilita ao psicoterapeuta trabalhar de forma muito realista e pragmática com os participantes do grupo. A discussão acerca da ambivalência, a identificação de fatores desencadeadores emocionais e ambientais da vontade de usar a substância, o desenvolvimento de habilidades para enfrentar o estresse interno e externo, a análise das consequências do consumo e a aprendizagem com os episódios breves de recaída são as principais estratégias que se podem desenvolver no ambiente terapêutico grupal.Terapia cognitivo-comportamental em grupo x individual Estudos comparando a TCC individual e de grupo em pacientes de pendentes de substâncias na população brasileira apresentaram, entre outras, as seguintes conclusões: Os pacientes alcoolistas aderiram mais ao tratamento em grupo (66,7%) do que ao individual (45,2%). No entanto, para os indivíduos dependentes de outras drogas, não foram encontradas diferenças. Tanto a TCC individual como a TCC em grupo demonstraram efetividade semelhante para a maioria das variáveis estudadas. Estudos realizados com dependentes de cocaína encontraram índices de abstinência por um período de seis meses a mais para os indivíduos tratados na psicoterapia de grupo do que para aqueles tratados individualmente. ENTREVISTA MOTIVACIONAL E GRUPOS MOTIVACIONAIS Conforme a definição de Rollnick & Miller, entrevista motivacional (EM) é “um estilo de aconselhamento diretivo, centrado no cliente, que visa estimular a mudança de comportamento, ajudando o cliente a explorar e resolver sua ambivalência”. Dois conceitos importantes nos quais se baseiam a EM são: Ambivalência: experiência de um conflito psicológico para decidir entre dois caminhos diferentes. 52 Prontidão para a mudança: estado interno mutável de acordo com fatores externos. Os grupos motivacionais funcionam com uma dinâmica própria, dentro de programas de tratamento que trabalham com a meta de abstinência. Nestes, os pacientes não apresentam motivação suficiente para iniciar a abstinência de álcool e de outras drogas, embora este seja o objetivo de médio prazo da equipe que conduz um tratamento desta natureza. O número de sessões semanais é menor (apenas 1 sessão semanal) do que o proposto para grupos intensivos (3 a 4 sessões semanais) e semi-intensivos (2 a 3 sessões semanais), visto que os pacientes deste grupo ainda estão no estágio de resolução da ambivatência (entre usar ou não substâncias psicoativas). Os princípios básicos do trabalho em grupo com os recursos técnicos da EM são os mesmos utilizados na abordagem individual de mesma base teórica e serão apresentados em capítulo específico, destinado à EM. Os estágios de mudança (mudança de motivação e, portanto, de comportamento) vivenciados durante o processo de tratamento são: pré-contemplação, contemplação, preparação para ação, ação, manutenção e recaída. Ao alcançar o estágio de ação, o paciente não mais precisará permanecer no grupo motivacional, devendo, então, ser encaminhado a um grupo mais intensivo, no qual poderá aprender, com a ajuda de estratégias (p. ex., TCC, THS e PR), a manejar e desenvolver seus recursos pessoais para consolidação e manutenção da abstinência. A ocorrência de recaída no uso de substâncias pode ser trabalhada no grupo em que estiver alocado o paciente ou demandar sua volta ao grupo motivacional, quando a recaída trouxer novamente a ambivalência em relação a usar ou não álcool e outras drogas. TERAPIA FAMILIAR E GRUPOS DE FAMILIARES Há diferentes formas grupais de se abordar e tratar a família do dependente químico. Nos ambientes de tratamento e recuperação podem-se encontrar grupos de orientação e aconselhamento a familiares, terapia familiar em grupo e grupos de ajuda mútua, anônimos, para familiares e amigos de dependentes. Uma das abordagens familiares em voga para tratamento da dependência química é a terapia familiar sistêmica. Autores entendem que se em determinada família o indivíduo dependente químico se encontra identificado como o “doente”, “o problemático”, “o imaturo” ou “o rebelde” (chamado, portanto, de paciente identificado), não somente esta pessoa se encontra estagnada em uma etapa do ciclo vital, senão que esta estagnação corresponde a uma dificuldade maior do que as da esfera individual, apresentando-se como sintoma sistêmico, inter-relacional, familiar. A dependência química entendida e tratada como sintoma da disfunção familiar, portanto considerada sistemicamente. Autores como Andolfi & Ângelo, referindo-se ao jogo terapêutico, lembram que uma das funções da terapia familiar sistêmica, especificamente do jogo como ferramenta terapêutica, é levar todo o sistema a passar da compressão inicial sobre este indivíduo tratado como paciente identificado, para a descompressão sucessiva, retirando-o do centro e promovendo a redistribuição dos sintomas no sistema, ampliando a fluência e diversificando as direções na família, objetivando o resgate do tempo evolutivo não somente do paciente, como de todos os membros do sistema familiar. Também podem ser indicados grupos de orientação e aconselhamento aos familiares de dependentes químicos. Tal indicação pode ser a conduta de escolha quando os familiares não dispõem de conhecimento sobre os comportamentos familiares que podem ajudar o paciente a desejar tratamento ou, ainda, quando se pretende a mudança naqueles comportamentos familiares involuntários que tendem a perpetuar o uso de substâncias do indivíduo. Grupos anônimos de ajuda mútua são ramificações dos grupos originalmente orientados aos dependentes, e se destinam a amigos e familiares de AA (alcoólicos anônimos) e de NA (narcóticos 53 anônimos). Tais grupos não oferecem orientação psicoterapêutica ou técnica; a abordagem prioriza que a família perceba o adoecimento e a codependência como fatores que facilitam a manutenção da dependência por parte de seus membros, realizando mudanças de comportamento que interrompam esse padrão de funcionamento. SOCIODRAMA E PSICODRAMA O psicodrama é parte de uma construção teórica maior, a socionomia, criada por Jacob Levy Moreno e definida como ciência das leis sociais e das relações. A socionomia caracteriza-se pelo foco na interseção do mundo subjetivo, psicológico, e do mundo objetivo, social, contextualizando o indivíduo em relação às suas circunstâncias. As técnicas desenvolvidas a partir deste corpo teórico são o psicodrama, o sociodrama, o role playing e o teatro espontâneo.No psicodrama o trabalho dramático focaliza o indivíduo e no sociodrama focaliza o próprio grupo. No trabalho com grupos de dependentes químicos, o psicodrama se presta à intervenção nas relações interpessoais ao mobilizar as experiências da realidade vivenciada no uso/abuso de substâncias, a partir do reconhecimento dos conflitos inerentes e se propondo a auxiliar na busca de alternativas para os conteúdos compartilhados pelos participantes do grupo, através da expansão dos recursos expressivos de cada indivíduo. Por ser fundamentado na teoria do momento e no princípio da espontaneidade, as técnicas aplicadas ao grupo promovem a participação livre de todos os indivíduos e estimulam a criatividade na produção dramática e na catarse ativa. As sessões psicodramáticas abrangem as etapas de aquecimento, dramatização e compartilhamento. Os recursos técnicos psicodramáticos podem ser aplicados por qualquer profissional formado em psicodrama, não necessariamente por psicólogos. Entre as técnicas mais utilizadas com dependentes, relatos de experiências bem-sucedidas apontam para a utilização da escultura, da estrutura fluida, do teatro espontâneo, da inversão de papéis e do caminhar psicodramático. A PSICANÁLISE E AS GRUPOTERAPIAS Um dos elementos centrais da psicanálise diz respeito à relação entre o sujeito em tratamento e o profissional psicanalista, na qual o conceito de transferência tem lugar de destaque. Conforme este conceito, os pacientes tendem a repetir na relação com os profissionais as suas formas de sentir e de administrar a si mesmos e ao mundo ao seu redor.Tais padrões, vivenciados e repetidos na transferência, estão intimamente ligados a afetos e pensamentos inconscientes, gerando ações com a mesmaorigem.Na contrapartida da transferência está a contratransferência.Este conceito abrange todos os afetos, pensamentos e ações vivenciados pelo psicanalista em relação ao paciente. O insight destinado às mudanças em direção a um estado de equilíbrio nas relações do sujeito como outro e com seu meio é o objetivo da grupoterapia; abstinência de drogas, em si, não é uma meta. Para citar observações em relação ao alcoolismo, alguns autores diferenciam “psicoterapia do alcoolista” de “alcoolista em análise”, ao esclarecerem que, embora o referencial psicanalítico auxilie enormemente na compreensão da dinâmica entre paciente e terapeuta, a neutralidade analítica, os silêncios prolongados e a atitude exclusivamente interpretativa poderiam promover a interrupção do tratamento deste paciente alcoolista em uso da substância alcoólica. Ramos, em 2007 “Quando tomamos em tratamento um paciente dependente químico intoxicado, o primeiro a fazer é desintoxicá-lo. Depois temos que mantê-lo abstêmio, e para isso as técnicas cognitivas e comportamentais são as mais eficazes. Indico psicanálise para os pacientes interessados em ir além, quando alcançam uma abstinência estável.” 54 GRUPOS ANÔNIMOS A partir da década de 1930, nos EUA, os grupos de AA passaram a participar de forma relevante do cenário de busca por ajuda pelos indivíduos dependentes de álcool. Logo, se firmaram também outros grupos anônimos, entre eles o NA, visando oferecer ajuda a usuários e dependentes de outras drogas, como cocaína, maconha, anfetaminas, opioides. Nesta mesma linha de abordagem, os amigos e os familiares dos dependentes recebem e oferecem ajuda em grupos de ajuda mútua. A abordagem de ajuda neste tipo de grupo baseia-se nos “12 Passos”, que são metas claras e objetivas a serem seguidas diariamente com o objetivo de manutenção da abstinência e de resgate da espiritualidade. A responsabilidade peta condução dos encontros dentro dos preceitos da entidade é de responsabilidade dos próprios integrantes do grupo, fato que parece ter relação com a sobrevivência e o fortalecimento desta irmandade ao longo do tempo e em diferentes países. CONTRATO DE TRATAMENTO PARA PSICOTERAPIA DE GRUPO Para o bom funcionamento do grupo, indica-se que haja um conjunto de regras previamente estabelecidas, informadas e aceitas pelos pacientes, de forma a garantir clareza em relação à hierarquia e aos limites do grupo. Devem estar previstos no contrato os comporta mentos esperados quanto a: Data, horário e local das sessões de grupo. Faltas, atrasos e desligamentos. Sigilo e anonimato. Pagamentos ou contribuições financeiras. Deveres e direitos dos pacientes. Deveres e direitos dos profissionais responsáveis pelo grupo. Comportamentos sexuais e sexualizados em relação ao tratamento. Abstinência e testagens toxicológicas. Os profissionais coordenadores dos grupos devem estar inseridos e integrados à equipe multidisciplinar que conduz o tratamento, construindo, assim, um dos elos do sistema terapêutico. Conclusão “As psicoterapias multimodais, que combinam mais de um referencial teórico das escolas de psicologia, vêm sendo utilizadas na atualidade.” A modalidade psicoterapêutica grupal tem sido amplamente indicada por profissionais e estudiosos de diversas áreas da saúde, tendo sido desenvolvidos formatos de grupos com objetivos variados. Para o tratamento da dependência química, a psicoterapia de grupo está igualmente qualificada. Utilizando as bases teóricas e técnicas da psicoterapia de grupo e as contribuições particulares das terapias especializadas para o tratamento das dependências químicas, pode-se oferecer ao grupo de pacientes uma modalidade de intervenção bastante particularizada. A equipe multidisciplinar responsável por planejar e implementar o tratamento poderá acolher de maneira sistematizada os recursos técnicos oferecidos pelos vários referenciais teóricos disponíveis para aplicação no trabalho em grupo com dependentes, construindo articulações entre as necessidades do grupo, a especificidade dos recursos técnicos e os objetivos do tratamento para tais pacientes. O formato de trabalho em grupo pode ser particularmente bem-vindo em países como o Brasil, em que há grande número de pacientes necessitando de tratamento e poucos recursos para suprir tais necessidades. Não devemos esquecer, no entanto, que a abordagem individual deve ser mantida para atender as necessidades específicas, assim como as preferências de alguns pacientes. 55 CAPÍTULO 12 Diretrizes para avaliação cognitiva no tratamento da dependência química Irani I. de Lima Argimon Introdução A dependência de substâncias psicoativas (SPA) é um fenômeno complexo, que envolve fatores sociais, culturais, familiares, farmacológicos, econômicos e psicológicos, entre outros. Dada esta complexidade, o processo diagnóstico é fundamental para a avaliação da situação particular de cada paciente e para o planejamento do seu tratamento. Qualquer SPA, uma vez ingerida, causa, no indivíduo que a consome, uma série de interações metabólicas, inicialmente relacionadas com os efeitos prazerosos associados ao seu consumo e que incidem principalmente sobre o funcionamento cerebral. Portanto, o uso continuado da substância obriga o organismo a uma readaptação contínua que leva à modificação paulatina das vias e redes neurais sobre as que produzem sua atuação. As modificações serão tanto mais pronunciadas e persistentes quanto maiores forem as quantidades ingeridas e o tempo de consumo. Também dependerá de outros fatores, entre os quais se encontram as características físicas e psíquicas da pessoa. Este capítulo aborda alguns aspectos da avaliação cognitiva dos dependentes de substâncias psicoativas e suas implicações para o tratamento. Resultados da avaliação cognitiva para dependentes químicos Em um estudo de Uekermann e cols. associando alcoolismo e funções executivas em 29 pacientes alcoolistas e 29 controles, a área da memória de trabalho foi examinada através do subteste Sequência de letras e números que fazem parte da Escala de Memória de Wechsler (WMS) e da Escala de Inteligência de Wechsler (WAIS III). Os resultados acusaram uma diferença significativa entre a pontuação do grupo- controle e o grupo de pacientes alcoolistas. Em trabalho realizado na Austrália com um grupo de alcoolistas (20 participantes) e um grupo- controle (24 participantes) para avaliar a presença, ou não de prejuízos cognitivos, foi utilizada uma bateria montada pelos próprios pesquisadores. Não houve diferença nos grupos quanto à idade e à proporção entre cada grupo dos que usavam cannabis. Observou-se diferença significativa quanto à diminuição de pontuação do grupo de alcoolistas nas respostas psicomotoras, quanto à redução da acurácia nas tarefas de atenção e de memória de trabalho e quanto à associação da linguagem e memória. Já em pesquisa com dependentes de opiáceos, em relação a funções executivas e à tomada de decisão, foram avaliados 18 pacientes, comparando-os com 18 outros participantes voluntários pareados quanto à idade, ao sexo e à escolaridade. Os resultados mostram que os dependentes de opiáceos tomam decisões com menor reflexão, e mostram mais inflexibilidade do pensamento, o que vai refletir na tomada de decisão. A tomada de decisão e a flexibilidade do pensamento estão diretamente relacionadas com as funções executivas, embora não necessariamente com a memória de trabalho. Em estudo realizado no Brasil, foi comparado o desempenho nas funções cognitivas de 30 usuários de maconha e de 30 não usuários. Os participantes, pareados quanto à idade e à escolaridade, situavam-se em uma faixa etáriade 14 a 17 anos. Foi observada diferença estatisticamente significativa no desempenho dos dois grupos em todos os instrumentos utilizados, concluindo o estudo que, mesmo em idade tão precoce, já é possível detectar diferenças em usuários e não usuários de maconha. 56 Almeida e cols., em uma revisão sobre o funcionamento executivo e o uso de maconha, chamam a atenção sobre as dificuldades ou os momentos confundidores de identificação de déficits cognitivos quando os pacientes são testados no período inicial de abstinência. Os prejuízos neste caso geralmente são importantes, mas os déficits residuais não são demonstrados. Os autores apresentam um quadro com diferentes estudos realizados de 2001 a 2006. Neste artigo foram identificados nos estudos de efeito agudo da maconha déficits no controle inibitório e no planejamento, o que levou à suposição de que existe uma relação entre a dose ingerida e o aumento de comportamentos impulsivos em sujeitos que faziam uso teve de maconha. Quanto aos estudos de efeito do uso crônico da maconha, os déficits encontrados dizem respeito à capacidade de abstração, formação de conceitos e flexibilidade mental. Em relação a usuários de crack e a déficits cognitivos, no trabalho realizado por Rodrigues e cols. com 30 pacientes comparados com 30 voluntários não usuários de crack. Quanto aos resultados encontrados, não houve diferença significativa entre os grupos, na linguagem e no vocabulário. Entretanto, usuários de crack apresentaram uma média inferior nos testes cognitivos quando comparados com o grupo- controle, principalmente na memória não verbal e nas funções visual-construtivas. Avaliação cognitiva no tratamento do dependente químico Na avaliação clínica inicial da dependência química, torna-se importante e necessário serem examinadas as condições cognitivas do paciente para melhor orientar o planejamento do tratamento. Neste processo o paciente participa ativamente da avaliação. O resultado da avaliação cognitiva, além de útil para o planejamento do tratamento, também contribui no sentido de esclarecer o paciente a respeito de seus recursos, suas dificuldades e as mudanças que se fazem necessárias. Desse modo, pode facilitar o processo de motivação capaz de engajá-lo no tratamento.Buscar as causas que justifiquem o momento cognitivo atual do paciente possibilita desenhar estratégias para pensar na conduta, evitar problemas e, sobretudo, minimizar o estresse do paciente e dos familiares. No processo de avaliação cognitiva, os objetivos são pensados em função da necessidade clínica exigida pelo caso e das possibilidades e realidade do paciente. Assim, o planejamento de cada etapa do processo é elaborado para identificar informações úteis e necessárias não somente a respeito da saúde mental do paciente, mas também no sentido de complementar a avaliação de outras áreas profissionais, para que se tenha um panorama e uma visão contextualizada da condição geral de saúde do paciente. As necessidades de conservar um embasamento científico para o processo de avaliação psicológica, compatível com os progressos em outros ramos da ciência, têm levado ao desenvolvimento de instrumentos mais precisos, especialmente após o advento dos manuais de classificação diagnóstica e de baterias padronizadas, que permitem nova abordagem na área diagnóstica. O psicólogo passou a usar testes psicológicos e outras técnicas que permitem avaliações mais completas, por meio de uma abordagem sistemática dos dados, e de objetivos bem definidos e orientada para a resolução de problemas, permitindo dar atenção não só às inadequações, mas também às potencialidades. Sem dúvida, os elementos cruciais em um processo de avaliação cognitiva não são apenas o instrumento e a técnica utilizada e sim, também, a formação, a sensibilidade clínica e a postura ética do profissional de psicologia. No processo de avaliação é indispensável ter claro o motivo do encaminhamento do paciente, para poder estabelecer o contrato de trabalho.O plano de trabalho estará vinculado a dados da história clínica e pessoal do paciente e do padrão de consumo de SPA. Isto permitirá a seleção de instrumentos, a administração e o levantamento quantitativo e qualitativo, para depois integrar estes dados, relacionando-os com os objetivos da avaliação. Seja por livre iniciativa, seja por encaminhamento, a marcação ou solicitação do processo de avaliação gera, na maioria das vezes, alta carga de ansiedade. Por isso, é importante que o profissional que está encaminhando o paciente explicite o motivo da solicitação desta avaliação psicológica. Os primeiros 57 contatos com o paciente assim como a forma e/ou o tipo de contrato a ser realizado são aspectos de muita importância para o êxito do processo de avaliação.Cabe ao psicólogo facilitar o relacionamento transmitindo o sentimento de harmonia, empatia e compreensão mútua (rapport), que diminua a ansiedade e a defensividade do paciente, assim como esclarecer e explicar todos os passos do processo, através de um contrato de trabalho claro e preciso. Como em qualquer outra atividade clínica, é fundamental o consentimento formal do paciente e que lhe seja explicado que o processo pode ser interrompido a qualquer momento. Com crianças, adolescentes ou adultos que não são capazes de compreender a situação clínica do processo de avaliação e os seus direitos, um adulto responsável, com representação legal, deve estar envolvido no processo de avaliação, garantindo-se, assim, a proteção do paciente além de uma atitude criteriosa e ética do profissional. Definida a necessidade do paciente e da fonte de solicitação, o objetivo do processo de avaliação pode ser determinado.Quando a necessidade é avaliar uma capacidade, o examinado é submetido a uma bateria de testes adequados à sua faixa etária e nível de escolaridade e que possibilite levantar escores, classificando a variável investigada.A interpretação desses escores por meio da identificação das potencialidades e vulnerabilidades do examinado permite ultrapassar a simples classificação do caso alcançando uma descrição mais apurada. Por meio da análise qualitativa dos resultados, é possível descrever o desempenho do testando, explicitando de forma detalhada o grau da atenção, memória, linguagem, flexibilidade mental, abstração, podendo-se, desta forma, identificar déficits cognitivos e compreender a possível natureza e extensão de tal déficit. Resumo – determinação do processo de avaliação Descrição qualitativa do desempenho do paciente Avaliação de aptidão 58 Alguns problemas clínicos podem estar centrados nas habilidades, nas capacidades e nos conhecimentos especiais. Assim, por meio de instrumentos de aptidões é possível responder a questões sobre comportamentos passados e futuros, pela medição do comportamento presente. Existem testes de aptidão numérica, verbal, musical, de raciocínio mecânico e de relações temporoespaciais, entre outros, que medem realizações, determinam os efeitos do passado e estabelecem previsões do futuro. Pressupõem que a exposição passada dos indivíduos que são testados foi a mesma e que os atuais desempenhos medidos refletirão, portanto, as diferenças individuais na capacidade para tirar proveito dessa exposição. Avaliação de capacidade intelectual Existe, historicamente, uma polêmica quanto à capacidade intelectual poder ser considerada uma capacidade geral ou ser composta por fatores ou capacidades cognitivas várias. Há argumentos que apoiam ambos os pontos de vista. Sobre estes dois aspectos, Cronbach explica que a capacidade intelectual geral refere-se à efetividade global em atividades dirigidas pelo pensamento.Como esta capacidade não é fixa, torna-se necessário estar atento na escala dos instrumentos. Alguns deles exigem domínio de tarefas ensinadas no âmbito escolar e, em outros, as tarefas são distantes da instrução formal. CAPACIDADES COGNITIVAS ESPECÍFICAS Paralelamente a estes instrumentos, existem outros, que medem apuradamente uma gama de capacidades cognitivas (fluência verbal, memória, percepção, atenção, capacidade de análise e síntese, pensamento abstrato, flexibilidade mental) na tentativa de caracterizar potencialidades, fragilidades e necessidades. Os propósitos clínicos para administrar testes de inteligência geral incluem: Triagem intelectual. Medição da capacidade intelectual global. Mensuração de funções cognitivas. Avaliação de déficits neuropsicológicos. Avaliação do impacto de problemas psicopatológicos sobre o funcionamento cognitivo. Entre os testes de inteligência geral mais conhecidos e usados no nosso meio, temos para as diferentes faixas etárias: Teste de inteligência não verbal (INV). Teste das matrizes progressivas, escala geral e especial (Raven). Baterias de provas de raciocínio (BPR-5). Teste R1. Teste de raciocínio não verbal (TNRV). Os instrumentos mais utilizados são as Escalas de Inteligência Wechsler, nas suas diferentes versões e para as diversas faixas etárias — WAIS III, WASI, WISC III e WPPSI-R — que reúnem uma série de subtestes psicométricos, na forma de questões ou de tarefas, agrupados em uma escala verbal e em outra de execução. Estes instrumentos possibilitam a obtenção de um quociente intelectual total, que representa o nível geral da capacidade cognitiva e de adaptação do indivíduo, e um quociente verbal e de execução, que constituem mensurações de modalidades de raciocínio e de expressão de características verbais e não verbais. Além dos resultados gerais, é possível interpretar os escores dos subtestes em termos de normas da população geral e com dados do próprio grupo etário, constituindo um importante instrumento para avaliar o funcionamento cognitivo do examinado. Diagnóstico diferencial O teste de Figuras Complexas de Rey para o diagnóstico diferencial entre a debilidade mental constitucional e o déficit adquirido em consequência de déficits no sistema nervoso central (SNC) é de 59 extrema importância para auxiliar na identificação de danos na organização da percepção visual e na memória imediata. Conclusão O processo de avaliação psicológica com finalidade clínica é complexo e envolve instrumentos muito especializados, que devem ser criteriosamente selecionados conforme o caso e corretamente administrados por um profissional qualificado que tenha passado por treinamento intensivo e experiência supervisionada. Desta maneira, o profissional que trabalha com processo psicodiagnóstico em dependentes químicos precisa contar com qualificada experiência clínica na área da avaliação, o que requer constante atualização científica e prática. Precisa, também, de sólida fundamentação científica em psicologia do desenvolvimento, psicologia clínica, psicopatologia, psicometria e fundamentos de neurologia e dependência química, para poder interpretar os achados com perícia e garantir a emissão de conclusões confiáveis. Considera-se fundamental mencionar que o psicólogo que realiza avaliações psicológicas na prática clínica deve seguir e respeitar todos os princípios norteadores sugeridos no Código de Ética. Os padrões básicos sugeridos pela American Psychological Association que devem ser respeitados são: Competência: manter alto padrão de excelência no trabalho. Integridade: seguir comportamento honesto, justo e respeitoso. Responsabilidade científica e profissional: utilizar técnicas específicas para as necessidades dos diferentes tipos de clientela. Respeito à dignidade das pessoas: reconhecer o direito de privacidade, confidencialidade, autodeterminação e autonomia dos indivíduos avaliados. Preocupação com o bem-estar alheio: não enganar nem explorar. Responsabilidade social: utilizar o conhecimento psicológico para reduzir o sofrimento e para contribuir com a melhoria da humanidade. CAPÍTULO 13 Diretrizes para terapia dialética comportamental no tratamento da dependência química Christiane Farentinos e Cristiane Lopes Introdução Desenvolvida por Marsha M. Linehan no início da década de 1990, a terapia dialética comportamental (TDC) é um programa de tratamento em que o objetivo é ajudar os pacientes, usando suas próprias ferramentas, a desenvolver um estilo de vida mais saudável. Quando a TDC é bem- sucedida, o paciente aprende a visualizar, articular, persuadir e sustentar seus objetivos — independente de sua história —, controlar o comportamento, incluindo abuso de substância, e se relacionar melhor com os problemas da vida. A ênfase da TDC é promover uma vida mais saudável, objetivo terapêutico de maior significado do que a redução de comportamentos prejudiciais e o gerenciamento dos sintomas patológicos. Fundamentos da terapia dialética comportamental A TDC fundamenta-se em um modelo que propõe estudar a causa e a manutenção do transtorno de personalidade borderline (TPB) — para o qual a TDC foi desenvolvida inicialmente. Baseia-se na alteração de fatores biológicos e ambientais. A desordem biológica fundamental está no sistema de regulação das emoções, que pode ser composto de vários fatores genéticos, intrauterinos e eventos 60 traumáticos no início do desenvolvimento, que podem afetar o cérebro de forma permanente; ou por uma combinação de todos estes fatores. O modelo sugere que o TPB resulta de transformações ao longo do tempo, que podem seguir caminhos diferentes, com início da doença fundamentado em fatores biológicos em alguns casos e, em outros, em fatores ambientais. As dificuldades emocionais dos indivíduos com TPB consistem em dois fatores, a saber: a vulnerabilidade emocional e o déficit de habilidades necessárias para regular as emoções. Os componentes da vulnerabilidade emocional são a sensibilidade aos estímulos emocionais, a intensidade emocional reativa e o retorno lento à atividade emocional de base. “Alta sensibilidade” refere-se à tendência de escolher as reações emocionais, especialmente em situações negativas, reagir rapidamente e ter um limiar baixo para reação emocional. “Intensidade emocional” refere-se a reações extremas aos estímulos emocionais, associadas frequentemente a distorções cognitivas e dificuldade para se acalmar. “Retorno lento à atividade emocional de base” diz respeito às reações mais prolongadas, que geram, por sua vez, limitação da atenção em relação aos aspectos de humor, memória e interpretações, contribuindo tanto para manter o estado de humor normal quanto para levar a um estado de humor exaltado. Uma característica importante da TDC é a suposição de que o sistema de emoções pode estar alterado não apenas para emoções como medo, raiva, timidez. Assim, os indivíduos em tratamento com TPB também podem experimentar emoções positivas intensas e não reguladas, como o amor e o interesse. Todos os comportamentos prejudiciais dos indivíduos com TBP são associados à perda de controle das emoções ou a respostas naturais a emoções descontroladas. A palavra dialética, em terapia dialética comportamental, refere-se à síntese de dois opostos. O princípio fundamental da TDC é criar uma dinâmica que promova dois objetivos opostos nos pacientes: mudança e aceitação. Este conceito é considerado uma resposta ao dilema que nasceu durante a tentativa de se desenvolver um tratamento eficaz para os pacientes com comportamento suicida. A TDC foi desenvolvida para pacientes que desejavammorrer, não tinham as ferramentas necessárias para resolver os problemas que causavam maior sofrimento e necessitavam construir uma vida saudável. No entanto, a ênfase apenas na promoção de mudança de comportamento rapidamente tornou-se inviável. Ao mesmo tempo, diminuindo a ênfase na mudança de comportamento e incentivando os pacientes a aceitarem e tolerarem as situações e sentimentos que os afligiam, continuou-se produzindo consequências negativas por parte dos pacientes, que viram seus terapeutas como ignorantes ou sentiram que estes estavam minimizando seus sofrimentos. Em síntese, os pacientes vivenciaram medidas terapêuticas para aceitação e mudança como ações que invalidavam suas necessidades e suas experiências como um todo, o que resultou em consequências emocionais desastrosas, distorção cognitiva e falha para processar novas informações. Para superar este dilema — colocar o paciente com comportamento suicida em uma sala e trabalhar de forma produtiva —, a TDC incorporou uma dialética que une mudança e aceitação. O tratamento equilibra-se entre o desejo do paciente de eliminar suas experiências dolorosas (incluindo sua própria vida) e as ferramentas necessárias para aceitar a dor inevitável da vida. Com isso, o paciente pode trabalhar na mudança do foco dos problemas ao tolerar — pelo menos temporariamente — a dor provocada por outros problemas. Para o tratamento de vários distúrbios, se requer a junção de diversas polaridades dialéticas, porém aceitação e mudança são as principais. O uso simultâneo dos conceitos de aceitação e mudança na TDC é coerente com a abordagem filosófica encontrada nos programas de 12 Passos. O espírito do ponto de vista da dialética é nunca aceitar um problema como sendo uma verdade final ou um fato inquestionável. No contexto do diálogo terapêutico, dialética refere-se à mudança através da persuasão e do uso 61 estratégico das divergências que surgem durante a terapia e o relacionamento terapêutico. Na busca pela validação ou pela verdade em cada posição divergente, novos significados surgem, aproximando o paciente e o terapeuta da essência do assunto considerado. “O que não deveremos considerar? ” ou “O que podemos considerar nesses dois pontos de vista?” São perguntas frequentemente feitas durante a terapia. Terapia dialética comportamental: um modelo de tratamento Linehan desenvolveu a TDC na década de 1970, para ser aplicada como terapia comportamental padrão, a fim de tratar indivíduos com história crônica de comportamento suicida Posteriormente, a TDC foi adaptada para ser usada em indivíduos com transtorno por uso de substância (TUS) e em pacientes com TPB, um dos diagnósticos comórbidos em pacientes com uso de substâncias. A coexistência de TUS e TPB causa distúrbios emocionais, bem como aumenta a probabilidade de mal prognóstico no tratamento e o risco de suicídio. O TPB inclui estratégias explícitas para superar alguns dos problemas mais difíceis que podem complicar o tratamento, incluindo o compromisso do paciente e a adesão ao tratamento. O terapeuta individual é o primeiro a oferecer tratamento dentro do modelo da TPB e tem a responsabilidade de desenvolver e manter o plano de tratamento para o paciente. Há cinco funções essenciais da terapia. Funções essenciais da TDC 1. Aumentar a motivação para mudança 2. Realçar as habilidades dos pacientes 3. Generalizar novos comportamentos 4. Estruturar o ambiente 5. Realçar a capacidade e/ou manter a motivação do terapeuta Aumentar a motivação para mudança: esta função tem o objetivo de certificar que o processo terapêutico está sendo reforçado (mais do que punido), que o comportamento prejudicial não está sendo reforçado, e que está ocorrendo a redução de outros fatores (como emoções e crenças) que podem inibir ou interferir no processo clínico. Geralmente isto requer terapia individual intensiva (sessões semanais de pelo menos 60 a 90 minutos). A hierarquia das terapias cognitiva e comportamental está associada aos objetivos do tratamento, em ordem de importância: - Reduzir o comportamento suicida ou qualquer outro que possa ameaçar a vida. - Reduzir comportamentos negativos que influenciam na terapia (incluindo baixa adesão ou abandono de tratamento). - Reduzir comportamentos que interferem na qualidade de vida (incluindo transtorno do eixo I, como depressão, transtornos alimentares e/ou TUS). - Aumentar as habilidades para comportamentos mais saudáveis (incluindo regulação da resposta emocional na tolerância ao estresse, relacionamentos interpessoais saudáveis e cuidadosos). - Reduzir experiências emocionais traumáticas (incluindo respostas ao estresse pós-traumático, por exemplo reações contínuas a traumas de infância). - Realçar o autorrespeito. - Reduzir problemas que envolvem mentiras. - Reduzir a sensação de vazio interno. Realçar as habilidades do paciente: objetiva melhorar o comportamento e a autorregulação. Os pacientes recebem treinamento de habilidades psicoeducacionais em cinco áreas: 1. Meditação e mente alerta. 2. Habilidades para manejar os conflitos e os relacionamentos interpessoais. 3. Regulação emocional. 4. Tolerância ao estresse. 5. Automanejo. As medicações são usadas nesta fase para aumentar a habilidade do indivíduo com a finalidade de regular seu sistema biológico. 62 Generalizar novos comportamentos: aprender a agir de forma eficaz apenas no consultório do terapeuta ou durante a internação hospitalar ou domiciliar será inútil se o paciente não aprender a generalizar esses comportamentos no cotidiano. Em razão disso, o terceiro objetivo da terapia é dar ao paciente segurança para que ele desenvolva seus novos comportamentos no dia a dia.Na TDC, isso normalmente se dá mediante consultas telefônicas entre o paciente e seu terapeuta individual.Com pacientes em tratamento sob regime de internação, seja hospitalar ou domiciliar, isto pode ser feito no local em que são feitas as consultas individuais para desenvolvimento dessas técnicas de manejo pessoal. Estruturar o ambiente: se o ambiente reforçar comportamentos problemáticos e prejudicar o progresso clínico, será inútil esperar que os ganhos sejam mantidos após o término do tratamento. Logo, se o tratamento estiver no final, o terapeuta terá de acompanhar o paciente em seu próprio ambiente para solidificar ao máximo os ganhos terapêuticos.É igualmente importante que o terapeuta providencie uma atmosfera de tratamento que reforce o progresso e desencoraje a recaída. Sessões de família e consultas com outros terapeutas (sempre com o paciente presente) ajudam neste objetivo da TDC. Realçar a capacidade e/ou manter a motivação do terapeuta: a eficácia do tratamento fica prejudicada se o terapeuta não for habilitado ou não tiver motivação para investir no tratamento quando necessário. Melhorar as capacidades e a motivação do terapeuta muitas vezes não é reconhecido como um componente essencial do tratamento, mas na TDC esta é uma parte fundamental do programa. Esta função é realçada semanalmente nas reuniões de equipe entre os terapeutas. O objetivo dessas reuniões é fornecer suporte para os terapeutas em seus trabalhos relacionados com a TDC.No tratamento dos pacientes ambulatoriais, as funções essenciais da TDC podem ser usadas em quatro modalidades de tratamento: (1) terapia individual, (2) grupos de treinamento de habilidades, (3) consultas pelo telefone e (4) terapia para os terapeutas. Existe na TDC uma tensão entre a demanda para que o paciente mude e a aceitação de seu momento. O tratamento requer confronto, comprometimento e responsabilidade por parte do paciente, por um lado, e, por outro, investe energia terapêutica considerável na aceitação e validação da condição do paciente,enquanto ensina habilidades comportamentais, simultaneamente. A confrontação é equilibrada com o suporte. A tarefa terapêutica, ao longo do tempo, é equilibrar este foco na aceitação com o foco na mudança correspondente.Além disso, como uma visão sistêmica, a âncora dialética do tratamento enfatiza: A natureza holística, sistêmica e inter-relacionada do homem funcionando na sua realidade como um todo (perguntando sempre: “o que está ficando fora do nosso entendimento aqui?”). A busca pela síntese e pelo equilíbrio (substituir as rígidas, por vezes extremistas, respostas dicotômicas características de indivíduos gravemente disfuncionais). Realçar que os confrontos entre ambiguidade e mudança podem ser vistos como aspectos inevitáveis da vida. Assim como outras abordagens comportamentais, a TDC tem seus alvos relacionados com o comportamento classificados de forma hierárquica, com o objetivo de: Reduzir os comportamentos que podem ameaçar a vida (p. ex., suicídio ou homicídio). Reduzir os comportamentos que podem interferir no bom andamento da terapia (o paciente chegar atrasado ou não frequentar a terapia, permanecendo desatento, intoxicado, ou dissociado durante a sessão). Reduzir comportamentos com consequências degradantes da qualidade de vida (paciente vivendo nas ruas, problemas Legais com a polícia, problemas comportamentais do eixo I, ou violência doméstica). Aumentar habilidades comportamentais. Em algumas dessas sessões, o terapeuta vai buscar atingir esses objetivos, porém precisará dar grande ênfase às consequências do comportamento prejudicial dos pacientes durante a semana anterior. Para os indivíduos dependentes químicos, o abuso de substância é o grande alvo da TDC quando se observa a classificação dos comportamentos que interferem na qualidade de vida. 63 TDC com pacientes que apresentam transtorno por uso de substâncias Diminuir o abuso de substância: drogas ilícitas e lícitas (usadas sem prescrição médica). Aliviar o desconforto físico associado à abstinência e/ou à retirada da droga. Diminuir o impulso, craving e tentações para o uso de drogas. Evitar oportunidades e sugestões de abuso, por exemplo, evitar pessoas, lugares e hábitos associados ao uso de drogas e destruir qualquer contato que possa estar ligado ao uso, trocando de telefone, e/ou se desfazendo das “parafernálias” associadas ao uso Reduzir comportamentos que facilitem o abuso de drogas, como desistir momentaneamente do objetivo de não usar, e começar a se comportar como se o uso de drogas não pudesse ser evitado. Aumentar o suporte social, em busca de comportamentos saudáveis, como encorajar a procura por novas amizades e a reaproximação com as antigas, ocupando se com atividades sociais/vocacionais e buscar ambientes que sustentem a abstinência e punam comportamentos relacionados com a droga. ESTABELECENDO ABSTINÊNCIA PELA PROMOÇÃO DE MUDANÇA O terapeuta aborda a expectativa de abstinência na primeira sessão de TDC, perguntando ao paciente se ele se compromete a interromper o uso de drogas imediatamente. Pelo fato de a abstinência parecer algo inalcançável, o terapeuta encoraja o paciente a se comprometer em ficar sem a droga pelo máximo de tempo que ele achar que pode conseguir— um dia, um mês, ou apenas cinco minutos, e, ao final deste período, renovar o compromisso por mais um tempo, e finalmente alcançar e estabilizar a abstinência por grandes períodos. O slogan dos 12 Passos, “Só por hoje”, invoca a mesma estratégia cognitiva para alcançar o mesmo objetivo — um período de abstinência “momento a momento”. A segunda estratégia absoluta de abstinência é ensinar os pacientes a “agir adiante”. Eles aprendem técnicas cognitivas que antecipam situações de risco, momentos, dias e horas que virão, e se preparam ativamente para passar por tais situações, que poderiam ser desastrosas sem o suporte da TDC, afetando a abstinência. Além disso, o terapeuta pressiona o paciente a cortar os laços com a parte do seu passado associado às drogas — por exemplo, trocar de telefone, falar para os amigos com os quais antes usava drogas que não está mais fazendo uso e jogar fora “as parafernálias” associadas ao uso de drogas. Durante todo o processo de abstinência é construída a mensagem de que o uso de drogas é destrutivo e deve ser evitado. SUPORTANDO A ABSTINÊNCIA POR MEIO DA ACEITAÇÃO A TDC trata o lapso no abuso de substância mais como um problema a ser solucionado do que como evidência de inadequação do paciente ou de falha do tratamento. Quando o paciente tem um lapso, o terapeuta muda rapidamente para ajudar o paciente a “falhar bem” ou a “recair bem” — isto é, o terapeuta leva o paciente a fazer uma análise do seu comportamento até o momento em que ele usou a droga, compilando tudo o que pode ser aprendido e aplicado em situações futuras.Além disso, o terapeuta ajuda o paciente a construir uma rápida recuperação após o lapso. Esta postura e procedimento correspondem ao paradigma de Marlatt sobre “pró-recaída” para aliviar o efeito de violação da abstinência (EVA), diminuindo as emoções e os pensamentos negativos que os pacientes têm após o lapso e que podem atrapalhar o restabelecimento da abstinência (“agora que já enfiei o pé na jaca, vou até o final!!!”). A ideia de falha também envolve o dano feito a si e a terceiros. Uma vez iniciada a abstinência individual, o terapeuta retorna para o pólo da abstinência absoluta. “Falhar bem” é particularmente importante tanto para os indivíduos com TPB quanto para os pacientes com TUS, visto que estes são indivíduos suscetíveis ao desequilíbrio emocional. Terapia dialética comportamental: eficácia 64 A adaptação da TDC aos pacientes com TUS e TPB representa a extensão natural da terapia, à luz das comorbidades frequentes e que podem ameaçar a vida. Esta adaptação foi estruturada em uma população de indivíduos com TUS heterogêneos em relação ao abuso de drogas e variáveis demográficas. Foram publicados nove ensaios clínicos controlados randomizados conduzidos em cinco instituições de pesquisa, que têm avaliado a TDC. Os resultados demonstram a eficácia da TDC por meio da redução de problemas de comportamento, incluindo tentativas de suicídio e comportamentos autodestrutivos, abuso de substância, bulimia, comer em binge e depressão em idosos. Certamente, mais estudos são necessários para comprovar a eficácia da TDC em indivíduos com TUS e TPB. Conclusão A ocorrência de dependência de substâncias em pacientes com TPB representa a presença de riscos e desafios para os pacientes e seus médicos. A TDC, tratamento originalmente desenvolvido por Linehan, é eficaz em pacientes com comportamento suicida crônico e TPB, tendo sido adaptado em pacientes com problemas por uso de drogas. A TDC e sua adaptação podem ser eficazes no tratamento de dependentes de substâncias psicotrópicas com problemas múltiplos e complexos relacionados com o desequilíbrio emocional que não responderam a outros tipos de abordagem. CAPÍTULO 14 Modelo Matrix para tratamento da dependência química Christiane Farentinos e Cristiane Lopes Introdução O modelo Matrix, desenvolvido durante a década de 1980, foi criado para oferecer tratamento ambulatorial à esmagadora demanda por parte dos serviços que atendem pacientes que fazem uso abusivo de substâncias estimulantes, assim como para formular um protocolo de tratamento que pudesse ser avaliado. Pesquisas foram feitas na literatura referentes às áreas de prevenção de recaída, de terapias de grupo e familiar, de educação sobre drogas, de grupos de mútua ajuda, como os Alcoólicos Anônimos (AA), e de monitoramento do uso de drogas. Mais de 5 mil dependentes de cocaínae de mil usuários de meta- anfetamina foram tratados com este método. A experiência dos pacientes tem contribuído para o desenvolvimento e o aperfeiçoamento do modelo terapêutico. O modelo Matrix tem sido indicado para atender as necessidades clínicas dos abusadores de álcool, de maconha e de opioides. Seus princípios podem ser vistos abaixo. Princípios do modelo Matrix Estabelecer uma relação positiva e colaborativa com o paciente. Ensinar os conceitos cognitivo-comportamentais. Criar estrutura e expectativas explícitas. Reforçar positivamente a mudança positiva do comportamento. Providenciar feedbacks positivos quando necessário. Educar a família, considerando o curso da recuperação do abuso de estimulantes. Introduzir e encorajar a participação do paciente no tratamento. Solicitar exames de urina para monitorar o uso de drogas. Este modelo requer que os terapeutas combinem, simultaneamente, habilidades das funções de professores e de orientadores, promovendo um relacionamento positivo e encorajador, que é, então, usado para reforçar uma mudança positiva de comportamento por parte do paciente. 65 A interação entre o paciente e o terapeuta é realista e direta, porém não confrontativa e parental. Os profissionais são treinados a olhar o processo de tratamento como um exercício de aumento da auto-estima, da dignidade e do próprio valor. Além disso, também devem reconhecer o estágio de mudança do paciente e, de acordo com este estágio, trabalhar com ele as possibilidades de mudança do comportamento. A boa relação entre o terapeuta e o paciente é fundamental para a adesão ao tratamento. A situação ideal é quando o terapeuta tem conhecimento e experiência em entrevista motivacional e pode associá-la ao emprego do modelo Matrix. Terapia cognitivo-comportamental A terapia cognitivo-comportamental (TCC) parte das suposições de que a informação e os pensamentos têm um efeito nas emoções e no comportamento, e que o comportamento prejudicial pode ser mudado por meio da identificação do que seria o comportamento desejado e a busca de atitudes em sua direção.Os pacientes aprendem a analisar os acontecimentos que precedem o uso de álcool e de drogas, e a mudar tais pensamentos e comportamentos, para atingir diferentes resultados.Além disso, aprendem habilidades para interromper o abuso de drogas e prevenir recaída, são orientados a identificar e planejar eventos que não estejam associados ao uso de substâncias e recebem recompensas por usarem as ferramentas e realizarem as tarefas propostas. Outros aspectos da TCC incluem desenvolvimento de comportamentos alternativos que não levem ao uso de drogas e de álcool. Em outras palavras: mudança do estilo de vida. A solicitação regular de exames de urina também faz parte do tratamento. Todos estes aspectos essenciais da TCC foram descritos por Kadden (1992) e publicados pelo National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism. A prevenção de recaída tem suas raízes nos trabalhos de Marlatt & Gordon, as pesquisas em TCC têm apresentado eficácia no tratamento de transtornos decorrentes de abuso de substância. No modelo Matrix, a informação e o aconselhamento para a mudança de comportamento são condições básicas. Contatos com pessoas, que usam drogas ou lugares, e eventos onde ocorre o uso de álcool e outras drogas provocarão pensamentos automáticos e fissura, independentes da decisão por interromper o uso ou de ter consciência de suas consequências. A relação de causa e efeito entre comportamento, fissura e consequente uso de drogas é o ponto central da TCC. Por isso, no modelo Matrix é importante ensinar aos pacientes e às suas famílias, com linguagem de fácil compreensão, como o uso de drogas ocorre, por que é tão destrutivo e como a situação pode ser revertida. A orientação fornece aos pacientes e às suas famílias formas racionais de se relacionarem com as intervenções e habilidades que são aprendidas e serve como base para o entendimento do processo de tratamento e recuperação. Dependência química como doença do cérebro Um poderoso componente do modelo Matrix é a hipótese de que a dependência química seja uma doença do cérebro. Pacientes e familiares recebem extensa educação sobre a neurobiologia da dependência; as características do processo de recaída e as fases da recuperação; o córtex pré-frontal, o sistema límbico e a interação entre eles; a genética da dependência química; os neurotransmissores e outros assuntos relacionados. O objetivo é educar os pacientes e seus familiares em relação ao que acontece com o corpo, e instruí-los melhor sobre os efeitos da droga, do ambiente, da genética, da biologia e da tomada de decisão. Elementos estruturais do modelo Matrix O modelo Matrix segue uma estrutura e um manual-padrão que pode ser modificado de acordo com o programa de tratamento e as necessidades clínicas do paciente. No entanto, a pesquisa dos resultados baseou-se no modelo que mantém sua estrutura fiel aos seguintes componentes: terapia de grupo três vezes por semana para pacientes em tratamento de regime ambulatorial, 3 a 5 sessões de terapia individual durante 4 meses e testagem de drogas semanal. Os pacientes também foram encorajados a participar de 66 reuniões do modelo “12 Passos”, de 1 a 3 vezes por semana durante os dias em que não frequentavam a terapia de grupo. Existem quatro tipos de grupos no modelo Matrix: 1. De reconhecimento inicial das habilidades de recuperação. 2. De prevenção à recaída. 3. Grupo familiar. 4. De suporte social. Os grupos de habilidades precoces para recuperação são estruturados para fornecer um ambiente em que os pacientes novos aprendam habilidades de recuperação e programas de autoajuda, como também para que lhes sejam apresentadas as ferramentas básicas do processo e recebam dos pacientes colíderes um modelo inicial de recuperação. A atuação dos colíderes ou dos mentores assistentes nos grupos é a condição-chave do modelo. Os grupos de prevenção à recaída são formados para que os pacientes interajam com outras pessoas em recuperação, apresentam material específico para prevenção à recaída e permitem aos colíderes compartilharem experiências de sobriedade a longo prazo. Além disso, produzem coesão entre os pacientes, permitindo que os líderes dos grupos testemunhem a interação entre estas e que estes se beneficiem por participarem das experiências do grupo. Tópicos para desenvolver habilidades para recuperação e tópicos para o grupo de prevenção de recaída Habilidades para Recuperação Grupo de Prevenção da Recaída Calendários Álcool — a droga legal Gatilhos (internos e externos) Aborrecimento Introdução ao programa de “12 Passos” Evitando a recaída (cabos de ancoramento) Álcool e seus problemas Culpado e envergonhado Pensamentos, emoções e comportamentos Motivação para recuperação Veracidade Trabalho e recuperação Permanecer ocupado Prevenção à recaída Tratar dos sentimentos Outro importante componente do modelo Matrix é convidar os familiares e/ou a rede social do paciente a participarem, durante 12 semanas, de palestras em que aprenderão sobre dependência química, o processo de recuperação e outros tópicos relevantes. As palestras são interativas e 67 estimulantes e criam um ambiente de troca e confiança entre os pacientes e seus familiares. Após as 12 semanas de instrução para as famílias, os pacientes passam a fazer parte de um grupo de suporte social, conduzido por eles mesmos.A função do conselheiro neste grupo é acompanhar o paciente em seus passos iniciais no tratamento. Os pacientes usam este grupo como um primeiro passopara participarem mais ativamente nos grupos de autoajuda da comunidade. Os grupos de suporte social são abertos para os pacientes depois que eles passam pelas palestras educativas. Esses grupos são, essencialmente, grupos em que os pacientes podem obter cuidados após o final do tratamento, continuando a frequentá-los. As sessões conjuntas ou individuais, para família ou casais (ver tabela abaixo), também compõem o modelo de tratamento. Existem alguns modelos de sessões no manual, tanto para sessões individuais quanto para sessões de família ou casal, desde “drogas, álcool e sexo” a “emoções e recuperação”. Às vezes, o conselheiro poderá trabalhar o momento de crise nas sessões individuais sem precisar de alguma sessão pré-estruturada, como as já citadas. Componentes do modero Matrix — grupos e outros Grupos Outros Componentes Primeiros estágios de recuperação Palestras educacionais para as famílias Prevenção à recaída Sessões conjuntas de casal ou de família Suporte social Exame de urina (testagem) Análise da recaída Uso de cofacilitador ou mentor assistente Componentes do modelo Matrix — sessões individuais, de casal ou de família Admissão Revisão do estado do paciente Álcool, drogas e sexo A parede — checklist Checklist para recuperação Emoções e recuperação Sonhos envolvendo álcool e drogas durante a recuperação Avaliação do pós-tratamento e fase II do tratamento A participação de um colíder ou mentor assistente nos grupos é um caminho eficaz para a recuperação de pacientes recém-chegados na terapia grupal. O mentor assistente é convidado para fazer parte do grupo uma vez por semana e, de três em três meses, comparece ao grupo para dar seu testemunho de como o modelo Matrix tem ajudado no seu processo de recuperação. Ideologicamente esta pessoa está familiarizada com a linguagem do modelo Matrix e pode ser convidada pelo conselheiro para compartilhar sua recuperação e o uso das ferramentas aprendidas, além de também poder funcionar como uma ligação para as reuniões do programa 12 Passos. O colíder não é um terapeuta, nem um especialista em conduzir o grupo e o andamento das discussões, porém está presente para ajudar, por meio da sua experiência, a demonstrar como funciona o processo de recuperação. Modelo Matrix como prática estruturada em evidência 68 Muitos estudos a respeito do modelo Matriz foram realizados nos últimos 20 anos, variando entre ensaios clínicos com pequena amostra de grupo-controle e ensaios clínicos controlados. O estudo-piloto feito em 1985 documentou o progresso clínico de 83 abusadores de cocaína após 8 meses de tratamento. Durante a sessão de avaliação, os pacientes se separaram em basicamente três grupos: 1) sem tratamento formal (os que frequentam reunião de AA e/ou NA); 2) tratamento em regime de internação durante 28 dias, ou 3) modelo Matrix de tratamento. Um assistente da pesquisa fez o acompanhamento dos pacientes através de ligações telefônicas, perguntando sobre o envolvimento com álcool e outras drogas e a participação em grupos de autoajuda. Não foram observadas diferenças demográficas como também em relação ao uso de drogas dos pacientes que começaram o tratamento. Os pacientes internados receberam tratamento durante 26,5 a 28 dias, e os submetidos ao modelo Matrix foram tratados durante 21,6 a 26 semanas. Somente 20% dos pacientes que não foram submetidos ao tratamento formal frequentaram mais de uma reunião de autoajuda. O resultado mais significativo deste estudo-piloto foi a notável redução do uso de cocaína nos pacientes submetidos ao modelo Matrix, 8 meses após o início do tratamento. O número de pacientes que voltaram a usar cocaína mensalmente ou por mais vezes, no grupo submetido ao modelo Matrix, foi de 4 a 30, comparado com 10 a 23 dos pacientes internados, e 14 a 30 dos pacientes que frequentaram tratamento de grupo informal (AA e/ou NA). Outro importante resultado deste estudo foi que os pacientes de todos os grupos apresentaram maior probabilidade de voltar a fazer uso de cocaína quando faziam uso de álcool. Igualmente foi observado que a taxa de recaída entre os usuários de maconha foi de 59% dos que faziam uso de tabaco, em comparação a 20% entre os não fumantes. Apesar da natureza experimental deste estudo, algumas conclusões podem ser extraídas. São elas: os resultados forneceram sustentação ao modelo Matrix e foram a base para alterar os materiais de tratamento, orientando a abstinência total como um objetivo necessário para impedir a recaída no uso de cocaína. Conclusão O modelo Matrix tem-se mostrado uma alternativa de tratamento intensivo para pacientes em regime ambulatorial. O modelo baseia-se em evidência e foi utilizado em abusadores e/ou usuários de estimulantes e de outras drogas. Existe grande demanda para o treinamento deste modelo de tratamento nos EUA e em outros países, como a Tailândia, a Espanha e a África do Sul. Alguns estados dos EUA têm adotado o modelo como referência nos programas de tratamento. Este modelo Matrix apresenta elementos estruturais que integram, no seu currículo, aspectos de tratamento do paciente e da família, o exame de urina e uma filosofia motivacional, que ajuda no engajamento do paciente e que tem demonstrado resultados promissores enquanto modelo terapêutico para pacientes ambulatoriais dependentes químicos. Questões: 1- Por volta de 1935, tal como afirma Ana Cecilia Petta Roseli Marques, surgiu nos EUA os Alcoólicos Anônimos [AA], cuja proposta de tratamento baseava-se: a) no destaque do papel da família e da sociedade desenvolvimento da dependência química. b) na visão da dependência como um hábito adquirido, um comportamento aprendido, automático e, portanto, passível de ser modificado. c) no tratamento para o alcoolismo por intermédio da participação do indivíduo em grupos de ajuda mútua. d) na motivação, considerada como um fator preditor de efetividade no tratamento. 69 2- Segundo Ana Cecilia Petta Roseli Marques, no que se refere à dependência química, no panorama atual,a utilização de algumas substâncias vem sendo proposta para o alívio dos sintomas da abstinência e do forte desejo de consumir a droga. De acordo com a autora: a) Os agentes farmacológicos agem em várias vias do sistema nervoso central e, associados com as psicoterapias, melhoram o resultado dos tratamentos. b) O pareamento do paciente com o tratamento mais adequado não tem sido uma premissa necessária a ser adotada. c) No Brasil, a intervenção psicossocial é imperiosa, sendo utilizada em detrimento da farmacoterapia. d) A farmacoterapia é preconizada, pois entende-se que este aspecto – o físico- é prioritário e determinante da dependência química. 3- A terapia cognitiva enfatiza a importância de crenças e processos de pensamento na mediação de comportamentos, emoções e respostas fisiológicas. De acordo com o texto de Irani I. de Lima Argimon, quais são os objetivos iniciais do tratamento? a) intervenção no sistema de crenças e no pensamento desviante. b) a terapia familiar e a modificação das crenças. c) a abstinência e a internação. d) a interrupção do uso da droga e a abstinência. 4- Segundo o texto de Irani I. de Lima Argimon, a terapia cognitiva foi criada por Aaron Beck, na década de 1960. De acordo com esse referencial teórico, os níveis de cognição abordados dizem respeito a: a) crenças, pensamentos e comportamentos. b) pensamentos intervenientes, pensamentos desviantes e pensamentos automáticos. c) crenças nucleares, crenças intermediárias e pensamentos automáticos. d) crenças nucleares, pensamentos intermediários e hábitos. 5- O conceito de cognições/esquemas/comportamentosdisfuncionais permanece no centro da teoria cognitiva. O modelo cognitivo de Beck não permite: a) Retirar o foco dos esforços terapêuticos em diferentes momentos do processo de recaída, e focar os esforços terapêuticos na dialética do sujeito. b) Diminuir a influência dos pensamentos e de crenças disfuncionais. c) Prevenir a recaída. d)Estimular a mudança do estilo de vida do dependente químico. 6- Muitas são as técnicas utilizadas na terapia cognitivo-comportamental. Entre elas, a dramatização e treinamento de assertividade. A assertividade, também chamada de habilidade social, está relacionada com: a) a melhor qualidade de vida e envolve a minimização do contato social. b) a melhor qualidade de vida e envolve processos de readaptação para o trabalho social. c) a melhor qualidade de vida e envolve a maximização dos contatos sociais. d) a melhor qualidade de vida e envolve a maximizacão de consequências positivas, tanto para o paciente quanto para a relação. 7- De acordo com o texto Diretrizes para entrevista motivacional no tratamento da dependência química de Elizabeth Carneiro, podemos afirmar que: a) A EM é um incentivo ao comportamento. b) A EM é uma técnica não diretiva. c) A EM é uma entrevista. d) A EM se dedicou a criar uma forma de intervenção capaz de provocar o acontecimento da mudança. 8- De acordo com o texto Diretrizes para entrevista motivacional no tratamento da dependência química de Elizabeth Carneiro, a ênfase do trabalho na EM (entrevista motivacional) é dada a partir de um conceito de prontidão para a mudança. Por prontidão, entende-se: a) vontade de mudar. b) tomada de consciência de que existe um problema a ser tratado. c) a soma da importância com a confiança. d) a confiança na mudança. 70 9- Com base no texto Diretrizes para terapia familiar no tratamento da dependência químicade Gisele Aleluia, em relação ao tratamento promovido pela abordagem familiar sistêmica da dependência química, não se pode afirmar que: a) Se faz necessário abordar a falta de informação da família sobre a questão da dependência e sobre o adoecimento do sistema familiar. b) A motivação não é tema central da abordagem à família. c)Há uma necessidade da mudança imediata dos padrões relacionais disfuncionais. d) O tratamento tem como objetivo mudar o foco, do pessoal para o relacional. 10- Com base no texto Diretrizes para terapia familiar no tratamento da dependência químicade Gisele Aleluia, na década de 1970, Salvador Minuchin apresentou a Teoria familiar estrutural, sua teoria parte do pressuposto de que a família se organiza por meio de padrões que, uma vez conhecidos, decifram o entendimento de sua dinâmica. Dois conceitos importantes, segundo esta corrente de pensamento são: transações relacionais e padrões relacionais. Sobre esses conceitos pode-se afirmar, respectivamente, que: a) localizam o espaço que cada pessoa da família ocupa, estabelecendo seu papel e a forma como este é exercido; dão a identidade e, ao mesmo tempo, mantêm a estrutura familiar tal como se apresenta, regulando o modo como seus membros se relacionam. b) dão a identidade e, ao mesmo tempo, mantêm a estrutura familiar tal como se apresenta, regulando o modo como seus membros se relacionam; localizam o espaço que cada pessoa da família ocupa, estabelecendo seu papel e a forma como este é exercido. c) são regras culturais de regulamentação da família; são a internalização de algumas regras culturais como padrão familiar. d) são a internalização de algumas regras culturais como padrão transacional familiar; são regras culturais de regulamentação da família, que servem de modelo para a internalização de padrões específicos de relação de cada família 11- Com base no texto Diretrizes para terapia familiar no tratamento da dependência química de Gisele Aleluia, que tipo de padrões transacionais são proporcionados pelo desenvolvimento da dependência química? a) fluídos e frouxos. b) rígidos e funcionais. c) paradoxais e estereotipados d) rígidos e estereotipados. 12- Gisele Aleluia, em Diretrizes para terapia familiar no tratamento da dependência química, considera três etapas no tratamento da dependência clínica: etapa inicial do pedido de ajuda; manutenção do processo terapêutico, prevenção de recaídas. Com relação ao período de manutenção pode-se afirmar que: a) Devem-se estabelecer metas de curto prazo. b) O perigo dessa fase consiste em que não mais havendo o consumo da substância ou o comportamento dependente, a família se defronta com os seus impasses naturais, que estavam encobertos. c) Conhecer o que a família tem feito para lidar com o problema. d) Devem-se priorizar a psicoterapia como continuação da abordagem dos subsistemas feita na fase anterior. 13- De acordo com o texto Diretrizes para psicoterapia de grupo no tratamento da dependência química de Angela Guimarães, a consideração de uma importante característica na abordagem sistêmica dos grupos, diz respeito ao fato de que os sistemas inter-pessoais podem ser encarados como circuitos de retroalimentação. Segundo a autora, esta noção deve ser estendida para o sistema amplo em que se encontram o paciente dependente químico, sua família, seus amigos, sua rede de apoio social e sua equipe terapêutica. De que forma se pode classificar um sistema como saudável? a) deve haver no sistema uma retroalimentação positiva, onde os diversos sistemas se comunicam de forma fixa, o que resulta em alternância funcional entre diferenciação individual e coesão grupal. b)deve haver no sistema um equilíbrio dinâmico, estabelecido entre os mecanismos de diversificação e de estabilização, o que resulta em alternância funcional entre diferenciação individual e coesão grupal. c) deve haver no sistema um equilíbrio estático, estabelecido entre o indivíduo e o grupo,o que resulta em alternância funcional entre diferenciação individual e coesão grupal. d) deve haver no sistema um feedback continuo, o que resulta em alternância funcional entre diferenciação individual e coesão grupal. 71 14- De acordo com o texto Diretrizes para psicoterapia de grupo no tratamento da dependência química, de Angela Guimarães, o tratamento deve abranger os aspectos biológicos, psicológicos e sociais. De acordo com ao texto, segundo a perspectiva sistêmica, a reestruturação de um dos setores da vida do indivíduo favorece a mudança nos demais âmbitos de sua realidade, já que todos os aspectos estão interligados e se retroalimentam.Em relação aos aspectos biopsicossociais no tratamento da dependência química, pode-se dizer que abrangem: a) Aspecto bio-Diagnóstico, tratamento, acompanhamento e suporte terapêutico para as questões neurobiológicas, psiquiátricas, clínicas, fisiológicas e comórbidas. b)Aspecto social - suporte psicoterapêutico para reconstrução da autonomia e da integridade do paciente nos grupos familiar, profissional, acadêmico e social. c) Aspecto Psico -Identificação, fortalecimento e correção dos desvios psíquicos, das distorções cognitivas, das comorbidades físicas,das dificuldades emocionais e das ambivalências motivacionais d) Aspecto social - suporte em assistência social para reconstrução da autonomia e da integridade do paciente nos grupos familiar, profissional, acadêmico e social. 15- De acordo com o texto, Diretrizes para psicoterapia de grupo no tratamento da dependência química, de Angela Guimarães, os grupos psicoterapêuticos desempenham importante função em toda a transversalidade do processo de recuperação, por várias razões, exceto: a) Promovem ajuda técnica para o manejo e o exercício da dialética constantemente encontrada na busca de identidade individual versus necessidade de identidade grupal/social. b) Possibilitam troca de experiências e, por consequência,melhor percepção do funcionamento de si mesmo e do outro pelas interações ocorridas no contexto grupal. c) Desenvolvem a noção, para o indivíduo, de que ele não é o único a vivenciar as situações e dificuldades desencadeadas por sua história pessoal com drogas, permitindo-lhe elaborar os sentimentos de onipotência e a estigmatização inerente ao processo de recuperação. d) Fortalecem os mecanismos de projeção, uma vez que várias pessoas de um mesmo grupo estarão procurando, encontrando e compartilhando diferentes respostas para as dificuldades naturais do processo de manutenção da abstinência. 16- De acordo com o texto, Diretrizes para psicoterapia de grupo no tratamento da dependência química, de Angela Guimarães, um grupo, para ser considerado operativo, deve ter como meta a ser alcançada a mudança, que será obtida por meio da resolução de tarefas, que podem ser, entre outras, o aprendizado, a cura ou o diagnóstico de dificuldades. Um dos preceitos do trabalho operativo com grupos:é inerente à formação de um grupo um “campo grupal dinâmico”, no qual transitam fantasias e ansiedades.Zimerman descreve os seis fenômenos importantes que definem o campo grupal, são eles: a) ressonância, fenômeno do espelho, função de “continente”, fenômeno doimaginário, discriminação, comunicação. b) ressonância, fenômeno do espelho, função de “continente”, fenômeno da pertencência, retroalimentação, comunicação. c) ressonância, fenômeno do espelho, função de “continente”, fenômeno da pertencência, discriminação, comunicação. d) ressonância, fenômeno do imaginário, função de “continente”, fenômeno da pertencência, discriminação, comunicação. 17- De acordo com o texto, Diretrizes para psicoterapia de grupo no tratamento da dependência química, de Angela Guimarães, no que diz respeito à aplicação das técnicas da TTC ao grupo psicoterapêutico, a autora afirma que entre as técnicas para mudança de cognição e de comportamento mais utilizadas em situações de psicoterapia de grupo estão: a) o treinamento em habilidades sociais e a prevenção a recaídas. b) a entrevista motivacional e a prevenção a recaídas. c) a dessensibilização sistemática eo treinamento de habilidades sociais. d) a dessensibilização sistemática e a prevenção a recaídas. 18- De acordo com o texto, Diretrizes para psicoterapia de grupo no tratamento da dependência química, de Angela Guimarães, em relação à psicanálise e as grupoterapias é correto afirmar: a) a abstinência de drogas, em si, é uma meta. b) visam à mudança do comportamento transferencial na relação grupal. c) O insight destinado às mudanças em direção a um estado de equilíbrio nas relações do sujeito como outro e com seu meio é o objetivo da grupoterapia. 72 d) a técnica se baseia no entendimento da contratransferência. 19- Tendo como referência o texto de Irani I. de Lima Argimon, Diretrizes para avaliação cognitiva no tratamento da dependência química, pode-se dizer que, na avaliação clínica o exame das condições cognitivas do paciente é importante e necessário para melhor orientar o planejamento do tratamento. Segundo a autora,o resultado da avaliação cognitiva é útil de várias formas exceto para: a)o planejamento do tratamento. b)contribuir no sentido de esclarecer o paciente a respeito de seus recursos, suas dificuldades e as mudanças que se fazem necessárias. c) evitar a influência da comorbidade no tratamento d)facilitar o processo de motivação capaz de engajá-lo no tratamento. 20- De acordo com o texto Diretrizes para psicoterapia de grupo no tratamento da dependência química, de Angela Guimarães, considera-se fundamental mencionar que o psicólogo que realiza avaliações psicológicas na prática clínica deve seguir e respeitar todos os princípios norteadores sugeridos no Código de Ética. Os padrões básicos sugeridos pela American Psychological Association que devem ser respeitados são: a) competência, integridade, responsabilidade científica e profissional, respeito à dignidade das pessoas, preocupação com o bem-estar alheio, responsabilidade social. b) competência, equidade, responsabilidade científica e profissional, respeito à dignidade das pessoas, preocupação com o bem-estar alheio, responsabilidade social. c) competência, equidade, responsabilidade científica e profissional, respeito ao direito das pessoas quanto ao sigilo profissional, preocupação com o bem-estar alheio, responsabilidade social. d) competência, integridade, responsabilidade científica e profissional, respeito ao direito das pessoas quanto ao sigilo profissional, preocupação com o bem-estar alheio, responsabilidade social. 21- Como é denominada a terapia desenvolvida por Marsha M. Linehan, sendo constituída como um programa de tratamento em que o objetivo é ajudar os pacientes, usando suas próprias ferramentas, a desenvolver um estilo de vida mais saudável e, cuja ênfase é promover uma vida mais saudável, objetivo terapêutico de maior significado do que a redução de comportamentos prejudiciais e o gerenciamento dos sintomas patológicos? a) TCC – terapia cognitivo-comportamental. b) TDC - terapia dialética comportamental. c) EM- entrevista motivacional. d) PR – prevenção a recaídas. 22- A palavra dialética, em terapia dialética comportamental, refere-se à síntese de dois opostos. O princípio fundamental da TDC é criar uma dinâmica que promova dois objetivos opostos nos pacientes, são eles: a) mudança e aceitação. b) motivação e estabilização. c) mudança e estabilização. d) identificação e desidealização. 23- No tratamento dos pacientes ambulatoriais, as funções essenciais da TDC podem ser usadas em quatro modalidades de tratamento, são elas: a) (1) terapia individual, (2) grupos de treinamento de habilidades, (3) consultas domiciliares e (4) terapia para os terapeutas. b) (1) terapia individual, (2) grupos de prevenção a recaídas, (3) consultas pelo telefone e (4) grupo operativo para os terapeutas. c) (1) terapia individual, (2) grupos de treinamento de habilidades, (3) consultas pelo telefone e (4) terapia para os terapeutas. d) (1) terapia individual, (2) grupos de treinamento de habilidades, (3) consultas domiciliares e (4) grupo operativo para os terapeutas. 24- De acordo como texto Diretrizes para terapia dialética comportamental no tratamento da dependência química de Christiane Farentinos e Cristiane Lopes,a TDC trata o lapso no abuso de substância mais como um problema a ser solucionado do que como evidência de inadequação do paciente ou de falha do tratamento. Assim sendo, quando o paciente tem um lapso, o terapeuta deve mudar rapidamente para ajudar o paciente a: 73 a) reforçar o efeito de violação da abstinência (EVA). b) retomar o tratamento reforçando as emoções e os pensamentos negativos que os pacientes têm após o lapso e que podem ajudar o restabelecimento da abstinência. c) a “falhar bem” ou a “recair bem”. d) fazer com que o paciente compreenda que seu comportamento significa o fim do tratamento, tendo esse que ser retomado como se estivesse iniciando novamente. A técnica consiste em uma punição como forma de reforço positivo. 25- De acordo com o texto Modelo Matrix para tratamento da dependência química de Christiane Farentinos e Cristiane Lopes, em relação ao modelo Matrix, qual a opção não é verdadeira: a) Foi criado para oferecer tratamento durante a internação. b) A interação entre o paciente e o terapeuta é realista e direta, porém não confrontativa e parental. c) Tem como um de seus princípios a solicitação de exames de urina para monitorar o uso de drogas. d) Os profissionais são treinados a olhar o processo de tratamento como um exercício de aumento da auto-estima, da dignidade e do próprio valor. 26- De acordo com o texto Modelo Matrix para tratamento da dependência químicade Christiane Farentinos e Cristiane Lopes, este modelo requer que os terapeutas combinem, simultaneamente, habilidades das funções de professores e de orientadores, promovendo um relacionamento positivo e encorajador, que é, então, usado para reforçar uma mudança positiva de comportamento por parte do paciente. Pode-se dizer que a interação entre o paciente e o terapeuta é: a) realista e direta, além deconfrontativa e parental. b) motivacional e confrontativa sendo, portanto, diretiva. c) realista, direta e parental, porém não confrontativa. d) realista e direta, porém não confrontativa e parental. 27- De acordo com o texto Modelo Matrix para tratamento da dependência química de Christiane Farentinos e Cristiane Lopes, qual das alternativas abaixo não faz parte da composição do modelo Matrix? a) convidar os familiares e/ou a rede social do paciente a participarem, durante 12 semanas, de palestras em que aprenderão sobre dependência química, o processo de recuperação e outros tópicos relevantes. b)sessões individuais, de casal ou de família. c) A atuação do colíder, que é um terapeuta, um especialista em conduzir o grupo e o andamento das discussões em dependência química, tratamento e recuperação. d)A solicitação regular de exames de urina 28- CSM 2011 74 29-CSM 2011 30 CSM 2011 75 31- CSM 2011 32 – CSM 2012 No tratamento da Dependência Química, em relação aos pacientes resistentes, pode-se dizer que a Entrevista Motivacional (A) é um modelo de entrevista e não uma abordagem terapêutica. (B) envolve estratégias interpretativas. (C) é uma técnica não diretiva. (D) não depende dos processos de aprendizado. (E) enfatiza a prontidão para a mudança. 33- No texto, Diretrizes para a terapia cognitivo-comportamental no tratamento da dependência química in DIRETRIZES GERAIS PARA TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA, a autora propõe que, o tratamento da dependência de substâncias, independente da abordagem de escolha, tem como principais propósitos: A) a abstinência, a reabilitação física, psicológica e social e a prevenção da recaída. B) a abstinência, a manutenção da doença e a prevenção da recaída. C) a abstinência, redução de comportamentos disfuncionais e a prevenção da recaída. D) o controle sobre a quantidade do consumo, a reabilitação física, psicológica e social e a prevenção da recaída. 34-No texto, Diretrizes para a terapia cognitivo-comportamental no tratamento da dependência química in DIRETRIZES GERAIS PARA TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA, com relação à prevenção da recaída a autora nos traz a seguinte definição de Marlatt& Gordon: é como um retorno a níveis de ocorrência do comportamento de dependência após a tentativa de parar ou de diminuir este comportamento. Afirma ainda, que as situações de risco podem estar vinculadas aos estados físicos e emocionais e aos conflitos interpessoais. De que forma pode-se conceituar os comportamentos dependentes, de acordo com esse modelo teórico? A) Como padrões estereotipados de pensamento, que podem ser modificados mediante a aplicação de procedimentos de reeducação, permitindo, então, que o terapeuta assuma o controle do processo de mudança através das técnicas de generalização de novos comportamentos. B) Como padrões de hábitos adquiridos ou superaprendidos, que podem ser modificados mediante a aplicação de procedimentos de aprendizado, permitindo, então, que o paciente assuma o controle de seu processo de mudança de hábitos. 76 C) Como padrões de hábitos adquiridos ou superaprendidos, que podem ser modificados mediante a aplicação de procedimentos de aprendizado, permitindo, então, que o terapeuta assuma o controle do processo de mudança através das técnicas de generalização de novos comportamentos. D) Como crenças adquiridas ou superaprendidas, que podem ser modificados mediante a aplicação de procedimentos de dessensibilização e reeducação, permitindo, então, que o paciente reformule suas crenças fundamentais. 35- De acordo com o texto Diretrizes para entrevista motivacional no tratamento da dependência química, in DIRETRIZES GERAIS PARA TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA, diante de que tipo de paciente a EM se faz-se mister? A) Quando os níveis de prontidão para mudança denotam que o paciente está apto para mudar. B) Quando estão motivados ou decididos a mudar seu comportamento. C) Quando há algum grau de dúvida quanto à sua capacidade de mudança, entretanto, não há ambivalência quanto ao desejo de mudar seu comportamento. D) Quando há algum grau de dúvida, ambivalência sobre alterar seu comportamento ou a certeza de que não deseja fazer nada a respeito. 36- De acordo com o texto, Diretrizes para terapia familiar no tratamento da dependência química, in DIRETRIZES GERAIS PARA TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA, é incorreto afirmar que: A) A questão da motivação também é tema central da abordagem à família. B) O tratamento, segundo a abordagem sistêmica, tem como objetivo mudar o foco, do pessoal para o relacional, em que todos estarão envolvidos. C) O sistema familiar é dotado de fronteiras que delimitam quem está dentro ou fora, marcando seu espaço de influência. As fronteiras precisarão ser rígidas, para que haja cada um possa assumir seu papel. D) Assim como a dependência química se estabelece no processo da relação disfuncional do usuário com a substância, no contexto familiar a dependência se desenvolve na interação da família, pelos padrões transacionais que facilitam esta dinâmica. 37- Segundo o texto, Modelo Matrix para tratamento da dependência química, in DIRETRIZES GERAIS PARA TRATAMENTO DA DEPENDÊNCIA QUÍMICA, pode-se dizer que as seguintes afirmativas estão corretas, exceto: A) No modelo Matrix, a interação entre o paciente e o terapeuta é realista e direta, sendotambém confrontativa e parental. B) No modelo Matrix, a informação e o aconselhamento para a mudança de comportamento são condições básicas. C) Um poderoso componente do modelo Matrix é a hipótese de que a dependência química seja uma doença do cérebro. D) Outro importante componente do modelo Matrix é convidar os familiares e/ou a rede social do paciente a participarem, durante 12 semanas, de palestras em que aprenderão sobre dependência química, o processo de recuperação e outros tópicos relevantes. 77 38- (CSM-2014, questão 4) 39- (CSM-2014, questão 14) 40- (CSM-2014, questão 18) 78 41- (CSN-2014, questão 21) 42- (CSN-2014, questão 37) 79 43- (CSM-2013, questão 9) 44- (CSM-2013, questão 29) 80 45- (CSM 2015) 46- CSM/ 2016 81 47- CSM/2015 Gabarito 1- C; 2- A; 3- D; 4- C; 5- A; 6- D; 7-D; 8-C; 9-B; 10- A; 11-D; 12-B; 13-B; 14-B;15-D; 16-C; 17-A; 18-C; 19-C; 20- A; 21-B; 22-A; 23-C; 24-C; 25-A; 26- D; 27-C; 28- E; 29- C; 30- D; 31- B; 32- E; 33-A; 34- B; 35- D; 36-C; 37-A; 38-B; 39-C; 40- B; 41- D; 42- B; 43-B; 44- C; 45- C; 46- B; 47- B