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[Direito] Doutrinas Essenciais Responsabilidade Civil [Volume III]

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18/04/13 Envio | Revista dos Tribunais
www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 1/8
ATO E ATIVIDADE
ATO E ATIVIDADE
Revista de Direito Privado | vol. 22 | p. 9 | Abr / 2005
Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil | vol. 3 | p. 25 | Out / 2011
Doutrinas Essenciais de Direito do Trabalho e da Seguridade Social | vol. 2 | p. 915 | Set /
2012DTR\2005\289
Rosa Maria Barreto Borriello de Andrade Nery
 
Área do Direito: Civil
 
 
; Fundamentos do Direito; Comercial/Empresarial
Sumário:
 
1.Primeiras considerações - 2.Um aspecto de caráter filológico - 3.A Gild e a Hansa - 4.A
influência do direito germânico e da cultura oriental na formação do conceito de atividade -
5.Conclusão - 6.Bibliografia
 
1. Primeiras considerações
A noção científica do Direito realizado liga-se imediatamente à idéia relativa à possibilidade de
surgir entre sujeitos vínculos jurídicos. É nesse sentido que se diz que as obrigações formam a
trame de la vie juridique, criando uma relação (rapport) temporária entre dois indivíduos (COLIN e
CAPITANT, Cours Élémentaire de Droit Civil Français, vol. 2., p. 1-2). Essa "trama da vida jurídica",
que interessa sobremaneira ao sujeito de Direito, porque envolve questões capitais de sua
segurança e sobrevivência e se põe a todo instante como constantes da experiência jurídica do
homem em sociedade, pois respeitam à utilização jurídica de bens patrimoniais que contém
apreciação econômica, desafia a elaboração da técnica do Direito de Obrigações.
De todas as experiências da vida que o sujeito tem ocasião de vivenciar, sob a égide e a proteção
do Direito Privado, é justamente a capacidade de querer celebrar negócios a que apresenta
contornos mais interessantes. Porque as situações jurídicas vividas pelo sujeito, naquilo que se
convencionou chamar de seara do direito de Família, Sucessões e das Coisas, todas elas - na
maioria de seus principais aspectos - se desenvolvem no seio do grupo familiar; na vivência do
ambiente do clã; "em torno do fogo" e da segurança do núcleo de proteção do homem.
São os negócios, os vínculos de direito obrigacional e as atividades chamadas comerciais que
fazem o homem "peregrinar", ou seja, experimentar contatos com sujeitos que não têm para com
ele a preocupação de proteção e de responsabilidade que, naturalmente, sem necessidade de
outros sistemas, fluem de outras estruturas do Direito Privado.
A natural disputa do homem pelos bens da vida já sugere que é essa a vivência jurídica mais
turbulenta. É ela que desafia a intervenção do sistema de Direito Privado com mais técnica, com
aparato mais lógico e com mecanismos mais sólidos de equilíbrio.
Tão somente esse aspecto já autoriza a qualificação do Direito de Obrigações como a seara do
Direito Privado, onde as cadências arriscadas da vida mais dão mostras de que a técnica de sua
estrutura engendra processos com conteúdo completamente diverso daquele que se oferece para
os outros ramos do Direito Privado.
Na tradição do Direito Privado a autonomia privada exterioriza-se pelo negócio jurídico como
declaração do interesse privado dirigida a um fim protegido pelo ordenamento jurídico (CALASSO, Il
negozio giuridico, p. 34). Pressupõe o Direito como sistema, como fruto da experiência científica
que vai do magistério de Irnério até a pandectística dos oitocentos, e pressupõe uma sociedade
civil organizada em função da vontade do sujeito (TRABUCCHI, Istituzioni di diritto civile, n. 52, p.
130).
A vontade realizada do sujeito se manifesta de dois modos tradicionais centrais: no direito civil,
essencialmente, pelos atos; no direito mercantil, pela atividade.
Tradicionalmente, atividade é conceito básico de direito comercial, fenômeno essencialmente
humano (BONFANTE, Lezioni di storia del commercio, p. 7). E hoje se pode afirmar que é conceito
básico de direito empresarial. A empresa se realiza pela atividade, como o sujeito se realiza por
seus atos. Tanto o ato quanto a atividade se exteriorizam por meio de negócios jurídicos, de tal
sorte que se afirma que o contrato é o núcleo básico da atividade empresarial (BULGARELLI,
Contratos mercantis, p. 25)
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Não é fácil trabalhar a idéia contida no termo atividade se ela vier a ser contraposta com o
conteúdo conceitual de ato, fundamental ao direito civil. Há entre os conceitos uma proximidade:
ambos ligam-se à idéia do sujeito que realiza algo no mundo dos fenômenos jurídicos, por meio de
negócios jurídicos, que geram obrigações de prestar e, nesse sentido, ensejam relações de razão.
Há, porém, entre eles uma distância: os atos são frutos da volição e da subjetividade; a atividade
é fruto da confiança pública realizada e da objetividade. A atividade é uma realização fruto da
industria ac vigor - atividade e energia (TÁCITO, Agrícola, XLIII).
Propositadamente, ou não, a história nos transportou a noção de ato ligada mais à idéia de
voluntas e de bona fides do Direito Canônico e conduziu a noção de atividade para outro lado,
haurindo seu conceito diretamente do grego por meio do Direito Germânico e com influência da
cultura oriental, impregnada do sentido de fraternidade e de lealdade, noções objetivas, que o
sistema jurídico germânico permitia fosse desenvolvido, diferentemente da estrutura do Direito
Canônico, em que a vontade da pessoa se ligava ao exercício pleno de sua liberdade e, por isso,
subordinada apenas à auto-determinação do sujeito que a expressava.
É como se influências sociológicas, econômicas e religiosas tivessem redundado na distinção
jurídica de ato e atividade e tivessem permitido que cada uma dessas idéias se realizasse por meio
de instituições diferentes. Por isso os conceitos não são iguais, seguem uma lógica diversa e gera,
na atualidade, a dificuldade de submeter todas essas condutas (atos e atividades) ao regramento
de um mesmo sistema jurídico unificado de Direito de Obrigações.
Essa dificuldade se constata com clareza a partir do momento em que se pretende submeter os
resultados das operações que elas geram a uma análise de investigação de sua natureza: a) os
resultados dos atos são ligados como efeito do caráter jurígeno da vontade do sujeito e, por isso,
visto apenas sob o ponto de vista de seu aspecto subjetivo; b) os resultados da atividade, ao
contrário, despertam a noção da proporcionalidade das coisas que devem ser prestadas pelos que
se obrigaram e, por essa razão, desafiam apenas a investigação relativa à objetividade do vínculo.
Para utilizar uma expressão de Braudel, poderíamos dizer que a mentalidade coletiva que norteou a
formação do conceito de ato é completamente diferente da que gerou o passado e o presente do
sentido de atividade. Mesmo porque, no tardio Império, ao tempo de Diocleciano, o Direito de
Obrigações em Roma passa a estampar um traço humanitário, contra a exploração capitalista, em
nada favorável ao comércio (REHME, Geschichte des Handelsrechtes, p. 79) e, portanto, não foi
nesse ambiente cultural que se institucionalizou a atividade comercial.
2. Um aspecto de caráter filológico
Vamos empreender a tarefa de esclarecer o sentido de atividade, a partir da apreensão de uma
idéia contida no conceito etimológico de dádiva e troca, haurido dos troncos antigos de nossa
língua para tentar buscar a origem da distinção desses dois conceitos: ato e atividade. Percebe-
se que há certo parentesco entre os termos que tratam do dar, trocar, comerciar - comprar e
vender, no tronco-mãe de nosso vocabulário indo-europeu. A língua grega apresenta uma série de
formas nominais que chegam até nós traduzidas da mesma forma: "dom". São elas: dwz, dwron,
dwrea, dosiz e dwtinh (BENVENISTE, O vocabulário das instituições indo-européias, vol. I, p. 64).
Do primeiro sentido de dar, dwz, derivou dote, que é o dom que a mulher leva para o casamento.
Benveniste lembra que o termo aparece em Hesíodo, em oposição ahárpax, no sentido de que
"dar" é bom e "arrebatar" é mau (BENVENISTE, O vocabulário das instituições indo-européias, vol.
I, p. 65).
Quanto aos dois outros vocábulos ( dwron, dwrea), à primeira vista, eles não parecem distintos,
mas Heródoto distingue cada um: dwron é a dádiva material, o próprio dom; dwrea é o fato de se
oferecer um dwron; é o fato de fazer dom (algo a alguém) (BENVENISTE, O vocabulário das
instituições indo-européias, vol. I, p. 65).
O termo dosiz aparece com seu sentido preciso em Homero (Ilíada, 10,213 e Odisséia 6,208). O
termo significa o "ato de dar". É diferente do dwron porque o objeto mesmo do dom não existe. A
dósis designa também um ato jurídico; em direito ático, é a atribuição de uma herança por
vontade expressa, fora das regras de transmissão normal (BENVENISTE, O vocabulário das
instituições indo-européias, vol. I, p. 65-66). Nesse sentido é que "dose" é a quantidade prescrita
de um remédio. Ou seja, na quantidade certa.
É, entretanto, na análise do sentido do quinto termo, dwtinh, que Benveniste encontra inspiração
para compreender o outro sentido de dom como sendo correlato à mesma idéia que aparece em
termos do alemão medieval e do latim, relacionados com o exercício de uma atividade,
principalmente, como se verá.
Os termos que elucidam dwtinh relacionam-se com o valor atribuído a alguém a partir das
oferendas de que esse alguém é considerado digno, ou porque é o hóspede e merece do
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hospedeiro oferendas (Homero, Odisséia, 11, 350); ou porque tem um compromisso de ajudar, com
uma oferta (Heródoto, II, 180); ou porque há entre o que dá a oferenda e o donatário um laço,
uma aliança, que justifica a oferta (Heródoto I, 61). Daí por que dwtinh não é um simples
presente, uma dádiva desinteressada: é um dom enquanto prestação contratual, imposta pelas
obrigações de um pacto, uma aliança, uma amizade, uma hospitalidade (BENVENISTE, O
vocabulário das instituições indo-européias, vol. I, p. 67).
3. A Gild e a Hansa
Na seqüência dessa idéia - da existência de uma espécie de dádiva que não é desinteressada,
mas que acompanha uma aliança -, Benveniste nos remete a uma instituição germânica, a guilda
(o gótico gild traduz o gr. phóros = imposto; em alemão de hoje, gild -plural gilden), com as
mesmas raízes etimológicas de Geld, com o sentido da paga que remunera, que compensa, que
indeniza o banquete de uma corporação, hábito que principia por revelar a importância cultural e a
história de uma instituição primitiva, com raízes religiosas (MITTEIS e LIEBERICH - Deutsche
Rechtsgeschichte, p. 19, cap. 3, III,1).
A guilda (ou ghilda, termo latinizado) é primeiramente uma reunião festiva, cuja aparição remonta
a 350 d.C., uma refeição sacrificial de uma "irmandade" reunida para uma comunhão
voluntária;...e, depois, no dizer de Wulfila, citado por Benveniste, o sentido do termo se eleva
para o de uma contribuição obrigatória fornecida a um grupo do qual se é membro e beneficiário
(BENVENISTE, O vocabulário das instituições indo-européias, vol. I, p. 69-70). Bonfante faz
referência ao fato de que a atividade (comercial, industrial, profissional) no mundo cultural da
Mesopotâmia, ao tempo dos babilônicos, mantinha uma associação de produtores análoga às
guildas medievais, com sua constituição própria e comandantes especiais, que reuniam sob um
mesmo comando os membros de uma determinada profissão (BONFANTE, Lezioni di Storia Del
Commercio, parte prima, p. 29). Pode ser, portanto, que a instituição germânica tenha se
originado de uma raiz cultural oriental remota, migrada para o Ocidente.
Do sentido de comunhão alimentar, que é o símbolo mais profundo da fraternidade, parte-se para
o conceito dos agrupamentos econômicos chamados guildas que têm isso em comum: são
fraternidades criadas por um interesse comum, uma mesma atividade (BENVENISTE, O vocabulário
das instituições indo-européias, vol. I, p. 71). A guilda era uma irmandade com obrigação de
vingança, de fidelidade e de ajuda fraternal que exercia sobre os seus membros uma jurisdição
especial (Gildegerichtsbarkeit). As Gilden de comerciantes (Kaufmanngilden) se estabeleceram nas
cidades primitivas e, com o tempo, em algumas cidades grandes, foram substituídas por
associações dos melhores, dos ricos. Elas tinham administração autônoma nas cidades e se
apoiavam num monopolio gremial (Zunftzwang) exclusivo de profissão ou de comércio (PLANITZ,
Principios de derecho privado germânico, 74, § 19, I, 1).
A transposição dessas idéias para o conceito de hansa não é difícil (BENVENISTE, O vocabulário
das instituições indo-européias, vol. I, p. 74). Apesar de não se ter com segurança esclarecida a
etimologia da palavra hansa, esta é uma associação econômica, um grupo de comerciantes, que
remonta a uma instituição cuja raiz não tem nenhuma correspondência fora do germânico. E a
história germânica da palavra remete a compreensão do fenômeno como o de uma experiência
religiosa, social e econômica na qual se identifica a partilha dos riscos e das vantagens de uma
determinada atividade. Tudo isso inserido no contexto mais amplo da concepção germânica do
direito que não se baseia em um comando arbitrário, mas numa tradição de vida inatacável
(WIEACKER, História do Direito Privado moderno, p. 27, § 2, III,3, a).
É nesse vértice que, parece-me, se apóia o sentido de atividade como o concebia o direito
comercial e como o concebe o direito empresarial.
4. A influência do direito germânico e da cultura oriental na formação do conceito de
atividade
Devem ser acrescentados a essa tradição oriental grega - transmitida pelo conteúdo da idéia de
dwtinh -, apreendida e expandida na florescência da cultura germânica, alguns fatos históricos
repletos de significados que foram determinantes, na seqüência histórica desses fenômenos
civilizatórios, para gerar e fazer aumentar a distinção cultural entre ato e atividade.
É na época dos monarcas absolutos que se revela, talvez, um gérmen daquela constatação, que
fazíamos no início da consideração deste tema, especificamente, sobre a forma como as noções
de ato e atividade se realizaram por instituições diferentes.
Quando na época pós-classica do Direito Romano os monarcas absolutos assumem o poder de
legislar, em tudo intervindo com a reestruturação da organização judiciária e do direito processual
civil - o que repercute, em muito, no Direito Privado - a economia está esfacelada, e em declínio,
e a história revela um empobrecimento geral do Império.
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Nessa ocasião de ruína econômica, as providências imperiais forçam a organização de associações
profissionais ( corpora) reduzindo os trabalhadores a um grau de dependência que chegou a
aproximá-los da situação jurídica de escravos, como aconteceu com os coloni (KASER, Direito
privado romano, p. 22, § 1.º, II, 3, b).
O cristianismo, cuja força política despontava, remodelava o Direito, principalmente o direito de
família e o direito matrimonial, mas não pôde alcançar alguns aspectos das atividades mais
lucrativas, principalmente daquelas atividades que despertavam o interesse pela movimentação
mais volumosa das riquezas. Mesmo tendo assumido, desde Constantino, muitas das tarefas
públicas, sociais e morais do antigo império (WIEACKER, História do Direito Privado moderno, p.
17, § 2, I,2) e mesmo tendo submetido as condutas humanas à ética cristã, a uma relação ancilar
com valores sobrenaturais, perante os quais ela tinha sempre que se legitimar (WIEACKER, História
do Direito Privado moderno, p. 18, § 2, I,2), a Igreja não submeteu todas as condutas à sua ética.
Se a Igreja não submeteu todas as condutas à sua ética, é necessário averiguar por quais
caminhos éticos e jurídicos seguiram os institutos que escaparam, na história, da influência direta
da Igrejae do Direito Canônico.
Pode-se arriscar, a essa altura, uma afirmação: a atividade comercial foi dessas condutas que não
foram submetidas à ética da Igreja. Foram impulsionadas, preponderantemente, pelo ethos
germânico e por uma forte influência da racionalidade oriental.
Três pontos devem ser realçados para justificar essa afirmação:
a) primeiro, o fato de as populações germânicas terem se inserido nas tradições da antiguidade
até mesmo abraçando a fé católica e repudiando a ariana, mas conservando o seu direito ainda
por algum tempo - e aqui o ponto -, direito esse que era determinado pelo modo de vida das
comunidades pessoais e pelo seu próprio ethos e não pelo resultado de novas relações
econômicas ou de poder (WIEACKER, História do Direito Privado moderno, p. 27, § 2, III,3, a);
b) segundo, porque os germanos, pelo mecanismo de seu direito municipal conhecido por "
Mutterstadt", espalharam para o leste europeu o seu sistema jurídico, principalmente na região
eslava (MITTEIS e LIEBERICH - Deutsche Rechtsgeschichte, p. 259 cap. 36, I, 7, b e 3);
c) terceiro, porque, salvo os francos - que se converteram à igreja ortodoxa latina logo no início
da miscigenação dos povos -, os germanos tiveram um contato muito próximo também com o
Império do Oriente, com todas as peculiaridades daquela cultura extraordinária, informada por
outra lógica: tanto a lógica pagã dos gregos, quanto a visão ortodoxa grega do cristianismo, que
tinha algo diverso da de Roma, como, também, influxos de raízes ancestrais orientais.
Aspectos dessas diferenças culturais já não aparecem na análise da evolução específica do Direito
Romano, mas na pesquisa sobre as tradições jurídicas do Direito Germânico e das transformações
imprimidas ao direito romano pela história bizantina.
4.1 O ethos germânico
Sob o ponto de vista das tradições éticas germânicas, é visível a influência de seu sistema jurídico
próprio na formação das cidades e depois na formação das chamadas cidades-estado e no
aperfeiçoamento da compreensão jurídica da lealdade e da liberdade como fundamento, tanto da
estrutura econômica da cidade-estado, como do compromisso pelo respeito aos vínculos negociais
para os quais ela vem a ser estruturada, cuja semente residia naquela tradição religiosa antiga, a
Gild, que depois assume um papel econômico, forma a hansa e lança a semente dos "direitos
especiais" e das classes protegidas por esses direitos especiais e pelos "direitos especiais" das
cidades, que dão um toque todo curioso à história do direito alemão expressado no brocardo:
Nicht Städte haben die Hanse, sondern die Hanse hat Städte gegründet.
O fenômeno da corporação, da ghilda, da hansa, não passou despercebido dos juristas também
quanto às suas ulteriores conseqüências, como aquelas relativas à responsabilidade advinda de
seus atos. A organização jurídica dos grupamentos humanos a partir do regramento das diversas
condições sociais dos componentes do grupo, formando o que se poderia denominar de estatutos
regulamentares, revelavam um tratamento objetivo para o exercício da autoridade, para a defesa
e para a garantia da coesão do grupo, principalmente no que toca ao exercício de diversas
profissões ou funções.
Isto permitia que o estatuto dessas diferentes atividades jurídicas forçasse a conduta de seus
membros à realização de uma atividade que garantisse uma produção de qualidade, de cada um
em seu ambiente funcional, e isso se pode classificar como um regime jurídico fundamentado, não
em direitos subjetivos, mas num sistema objetivista (ROUBIER, Droits subjectives et situations
juridiques, p. 16).
No começo, os germanos foram hostis às cidades. Não há vestígios delas no tempo dos francos e
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sabe-se que a fundação de uma cidade foi expressão de progresso da Idade Média alta e da
tardia. Mas em nenhuma outra língua a palavra Stadt tem uma expressão tão significativa
(MITTEIS e LIEBERICH - Deutsche Rechtsgeschichte, p. 256, cap. 36, I,1). Isto porque as cidades
surgem em torno de um poderio que dá sustentação às atividades das Gildas. Os comerciantes são
os primeiros a se colocarem sob a proteção de um königlichen Wik, sob cujos cuidados aparecem
os direitos especiais, dentre os quais o direito comercial (Handelsrecht) que será a raiz do futuro
direito das cidades (MITTEIS e LIEBERICH - Deutsche Rechtsgeschichte, p. 256 cap. 36, I, 2, b e
3).
Apesar de as cidades alemãs já existirem no tempo da movimentação dos povos e dos Wikingen, o
comércio, nessa época, ainda não era de artigos de necessidade, mas de artigos de luxo para a
nobreza e para o clero (MITTEIS e LIEBERICH - Deutsche Rechtsgeschichte, p. 191, cap. 29,
II,1).
A forma como se dá a fundação da cidade e a maneira como as cidades são submetidas ao
poderio administrativo de uma instituição acaba por dar às Städte a qualidade de serem as
primeiras pessoas jurídicas com seus próprios órgãos (MITTEIS e LIEBERICH - Deutsche
Rechtsgeschichte, p. 262 cap. 36, II, 4). Formaram um corpo político separado, com organização
independente e se auto-governaram, dispondo o que denominaram de statuta. O statute tinha
forma imaterial (GRAY, The nature and sources of the law, p. 159).
Ainda hoje se vê nas cidades pequenas da Alemanha, principalmente, nas da Baviera, no centro
dessas cidades, um mastro, um pedestal, onde são postas placas de metal com símbolos alusivos
aos diversos serviços que ali podem ser prestados às pessoas que tenham interesse neles.
Remontam tais alusões a um tempo em que cada profissão tinha o seu estatuto e o seu código de
ética e de técnica, de sorte a responderem cada um desses profissionais nos limites daquilo que,
aprioristicamente, já se sabia devesse ou não ser feito, ou como ser feito, de forma a impor ao
mau prestador do serviço a responsabilidade por suas ações.
Era o gérmen do que viria a ser o autogoverno de certas profissões como ainda remonta ao nosso
tempo (comerciantes, transportadores, médicos etc.), cada qual como que submetida a um
estatuto próprio e, principalmente, a um sistema peculiar de responsabilidade civil. Eram os
estatutos regulamentares (ROUBIER, Droits subjectives, p. 16-17), a partir de cuja semente
surge, posteriormente, a distinção entre atos civis e atividade comercial, esta última algo inclinada
para o sistema da responsabilidade objetiva, para o sistema da absoluta lealdade negocial, da
responsabilidade ex re e por clara preservação do equilíbrio das prestações devidas pelos
obrigados no negócio.
Era muito mais fácil compreender a perspectiva de harmonia das relações corporativas que
suportar as dificuldades do implemento de uma só solução para problemas que envolviam grupos
diferentes ou sujeitos diferentes. Isto porque "toda comunidade está estruturada na
representação de um papel que envolve imperativos morais, expectativas e ideais de justiça e,
nesse contexto, a questão do equilíbrio de papéis como problema da justiça está sempre em
discussão" (WEINBERGER, Law, Institution and Legal Politics, p. 259).
Por isso, podemos afirmar que o conceito de ato é formado a partir da cultura latino-cristã e o de
atividade a partir da cultura oriental-bizantino-germânica.
4.2 O sistema jurídico das Mutterstädte
Ao lado dessa estruturação toda especial no seio da Europa, em torno dos arranjos germânicos de
formação das cidades, um outro fator chama a atenção.
A estrutura das cidades germânicas obedecia a um "direito municipal" ( Stadtrecht), próprio, que
regia sua autonomia. Por vezes, uma cidade (Mutterstadt), "emprestava" o seu sistema jurídico
para outras cidades (Tochterstädte), que passavam a se conduzir, juridicamente, como a primeira.
O curioso do sistema, contudo, era o fato de que a "cidade mãe" criava para com a "cidade filha"
um vínculo jurídico de tal ordem que autorizava lhes fossem fornecidas instruções jurídicas, que
acabavam por permitir que as "cidades filhas"não tivessem necessidade de um processo próprio
para resolver suas questões. O mais interessante disso era que - talvez até mesmo com nuanças
que aproximam o sucesso do juízo arbitral de nossos dias como opção prática de solução de
conflitos no contexto da atividade empresarial - as "cidades filhas" podiam evitar recorrer aos
tribunais (MITTEIS e LIEBERICH - Deutsche Rechtsgeschichte, p. 259, cap. 36, I, 7).
Além disso - e é, especificamente, o que nos interessa - o "direito municipal" ( Stadtrecht)
germânico alargou-se no leste europeu, principalmente em espaços de tradições eslavas (MITTEIS
e LIEBERICH - Deutsche Rechtsgeschichte, p. 259 cap. 36, I, 7) onde o contato com o
florescente Império do Oriente dinamizou conseqüências extraordinárias para o desenvolvimento do
comércio e do direito comercial, principalmente em razão da localização privilegiada de
Constantinopla, apesar de o Império Bizantino, ele próprio, não manter relações comerciais diretas
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com o Extremo Oriente, mas fazê-lo por meio do Império Persa (VASILIEV - Histoire de L'Empire
Byzantin, p. 214)
Para realçar esse aspecto, é interessante relembrar que a recuperação de Creta por Bizâncio, em
961, foi um marco fundamental na história do direito comercial. Creta, que em 825 pela mão dos
andaluzes havia caído sob o domínio do Islã, era posto essencial para as rotas que conduziam para
o Mar Egeu. Tendo o Império do Oriente recuperado esse posto, pôde conservar o Mar Egeu e
suas ilhas, a península dos Bálcãs, o Mar Negro e o Adriático e permitir que Veneza fizesse sua
fortuna, transportando madeira sal e trigo a serviço da riquíssima Bizâncio (BRAUDEL, Gramática
das civilizações, p. 74). O episódio foi tão importante para a história que, mesmo depois da queda
do Império do Oriente, os turcos mantiveram relações comerciais apenas entre Istambul, o Mar
Negro e o Egito, porque então já não podiam competir com as numerosas frotas de Veneza,
Gênova e Florença.
Ainda que não se olvide que, mesmo depois de ter perdido o domínio do Mediterrâneo Oriental,
nessa ocasião, para Bizâncio, e de ter perdido, posteriormente, para os cristãos da Europa latina,
o domínio do Mediterrâneo Ocidental, nos séculos X e XII, o Islã continuou, ainda assim,
dominando as rotas da intermediação comercial entre a Europa, o Extremo Oriente e a África
Negra, até a descoberta da América (BRAUDEL, Gramática das civilizações, p. 79) e isto
impressionou fundamentalmente a formação do direito comercial porque a permanência do contato
da cultura oriental com a extraordinária estrutura jurídica que provinha das cidades-estados,
latinas e germânicas, foi determinante para imprimir na atividade comercial, e no direito comercial
em geral, uma cadência diferente, não conhecida da lógica do Direito Romano.
4.3 Lições da cultura oriental
Talvez porque o mais grave obstáculo ao comércio tenha sido a similarità delle produzioni
(BONFANTE, Lezioni di storia del commercio, p. 11), a parceria e a lealdade têm sido vistas sempre
como os pontos cardeais da façanha mercantil, envolvida toda ela numa lógica diversa daquela
própria da vivência do homem no núcleo da casa, da família e das relações primárias de
solidariedade, firmadas, antes de tudo, pelo vínculo do sangue e pela esperança da descendência.
A parceria na vida mercantil se desenvolveu sobre outras bases. Não foi sobre as bases do direito
de Roma que ela se estruturou. Aos romanos não se credita o aspecto do desenvolvimento jurídico
das relações comerciais, muito embora, sob o aspecto político, lhes seja reconhecido o mérito de
ter permitido a liberdade do comércio e a liberdade dos mares (BONFANTE, Lezioni di Storia Del
Commercio, parte prima, p. 142). Esse legado, resultado das guerras púnicas, foi que inspirou, já
no século XVII, Ugo Grozio a afirmar que os mares eram res communis omnium (BONFANTE, Lezioni
di Storia Del Commercio, parte prima, p. 168).
A parceria na vida mercantil desenvolveu-se a partir da lógica do lucro, do sucesso econômico e
do progresso das relações sociais e jurídicas marcadas pela lealdade. Enquanto o direito civil
cuidou da casa e da estrutura da vida, o direito mercantil se impôs como atividade de viajantes e
de peregrinos, ou seja, dos que não estavam sob a proteção da casa. Enquanto o direito civil
cuidou da economia familiar e dos membros da família, o comércio lidou com estrangeiros,
mercadores, viajantes, forasteiros, hóspedes, cujas relações desafiavam outra espécie de tutela
jurídica.
Não admira que essa realidade tenha tornado possível a existência de sistemas jurídicos especiais
para cada classe profissional (fenômeno que já se vê entre os povos primitivos e de que se tem
notícia já no Código de Hammurabi §§ 215 e ss., 228 e ss.) ou que tenham sido criadas
instituições jurídicas que tiveram por finalidade facilitar a atividade de comércio (REHME,
Geschichte des Handelsrechtes, p. 37-39).
A história mostra desde cedo as diferenças entre os atos na família e as atividades de comércio. A
idéia de comprar e vender não se confunde com a relativa ao exercício das relações comerciais.
Benveniste diz que o sentido de comércio, desde os tempos primitivos, respeita a um tipo de
envolvimento de toda a coletividade relativamente à troca de mercadorias e que não há similitude
entre compra e venda e atos de comércio. Que para "comprar e vender" temos em iraniano
designações antigas, mas não há no Avesta uma única menção a termos relativos ao comércio,
sendo razoável supor que o comércio não era atividade normal das classes sociais a que se dirigia
a pregação masdeísta (BENVENISTE, Vocabulário, vol. I, p. 141). Mesmo as relações de troca de
excedentes de mercadorias, que alguém pudesse realizar para prover sua subsistência e a de sua
família, já não tinham o mesmo sentido de commercium. Para ele o termo, derivado de merx
(mercadoria, ou seja, objeto de tráfico), com mercor e mercator, designava aquele que exercia
uma atividade, um ofício individual, a intermediação na circulação de produtos, donde mercor, "se
dedicar ao tráfico, dele fazer ofício", normalmente em espaços distantes da casa e mercator
"traficante, comerciante" (BENVENISTE, Vocabulário, vol. I, p. 139-140).
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"Mercado", como instituição que se realiza para a venda de mercadorias em praça pública, onde há
aglomeração de pessoas e concentração de interesses, é em sua gênese uma instituição feminina,
ao menos enquanto mercado de comércio de mantimentos (REHME, Geschichte des
Handelsrechtes, p. 41). Talvez tenha sido essa a celebração da passagem da economia doméstica
para outra, inicialmente, de sobrevivência da tribo e, depois, de expansão econômica e de poder,
marcada pelo desenvolvimento que as caravanas de mercadores imprimiram na idéia de comércio.
Na medida em que as caravanas estabelecem rotas fixas, surgiram ao longo delas mercados,
principalmente de víveres (REHME, Geschichte des Handelsrechtes, p. 45). As caravanas, no
tempo do Islã, chegam a ter mais de 5.000 camelos e a se equipararem a um grande veleiro de
carga. Têm uma organização semicapitalista. Os mercadores do Islã são muçulmanos e não
muçulmanos. Dentre estes, os mercadores judeus do Cairo. (BRAUDEL, Gramática das civilizações,
p. 80). A civilização do Islã se formou na cadência dos movimentos das caravanas. Cidades, rotas,
navios, caravanas, peregrinações, formam um só todo: são feixes de movimentos aquelas "linhas
de força" da vida mulçumana a que Louis Massignon gosta de referir-se (BRAUDEL, Gramática das
civilizações, p. 84).
A prática do transporte terrestre desafiou os riscos próprios dos assaltos de bandidos, de
nômades e de senhores dos locais por onde eram transportadas as mercadorias. Os babilônicos
instituíram as caravanas e inventaram o título de créditocomo mecanismo para diminuir esse risco
(BONFANTE, Lezioni di Storia del Commercio, parte prima, p. 30).
Com as novidades desses novos empreendimentos que marcavam o desenvolvimento da atividade
comercial, surgiam vocábulos próprios para expressar as formas novas dessas diferentes
atividades e profissões. Exemplo disso é o termo grego " émporos", que designa o comerciante
atacadista cujo tráfico se faz por mar; ou ainda o sentido de emporeúomai "viajar por mar", que é
empregado para os grandes negócios, necessariamente os marítimos (BENVENISTE, Vocabulário,
vol. I, p. 141).
Como a história da civilização segue il cammino del sole da oriente ad occidente (BONFANTE,
Lezioni di storia del commercio, p. 23), no mesmo sentido do curso da escrita oriental, também a
história do direito e do comércio seguiu esse caminho fatal e é no Oriente que se deve buscar o
início da tradição do direito comercial, especialmente da manifestação jurídica da atividade
mercantil, que depois vai tocar o Direito Romano, que sofreu influências do antigo Oriente, que nos
chegaram pela Grécia (REHME, Geschichte des Handelsrechtes, p. 73).
Resta uma última observação: cliente é termo que veio para nós como identificador de um outro
personagem sobre o qual repousa o interesse da atividade comercial. A expressão não pode
merecer da interpretação jurídica o favor de ver essa figura inserida na cultura romana com raízes
numa linhagem de classe.
Assim é que cliente é uma categoria de súditos, do antigo Direito Romano (GUARINO, L'esegesi
delle fonti del diritto romano, p. 49, nota 7.4) que goza de situação jurídica de dependência, de
cuja espécie são os libertos e os peregrinos acolhidos como hóspedes (KASER, Direito privado
romano, § 16, II, 1, p. 114).
É certo que o cliens está sob a proteção do patronus que tem para com ele obrigação de lealdade
(KASER, Direito privado romano, § 13, I, 2, b, p. 100).
5. Conclusão
A dificuldade de nosso tempo está no fato de que a história nos pregou uma peça. A idéia cultural
que acompanhou as diferenças entre atividade e ato semeou a seguinte curiosidade:
a) manteve para atividade um conceito afastado das implicações subjetivistas que permaneceram
em ato;
b) afastou das relações fraternais entre comerciantes quaisquer aspectos relacionados com a
responsabilidade subjetiva, impondo-lhes regras objetivas de lealdade;
c) no relacionamento com o cliens, contudo, resistiu ao máximo o reconhecimento de um vínculo
alicerçado na lealdade e exigiu (para essa relação secundária entre o dominus da atividade e o
cliens) as exigências éticas da moral cristã, válidas para o ato. Muitas vezes, neste aspecto, se
esqueceu até mesmo daquele resíduo cultural de lealdade que estava presente na idéia histórica
do cliens-patronus, que não se viu sempre revelado na história e respeitado no tempo!
O fato é que, com a evolução do direito civil, a dogmática jurídica deixou de analisar a base
objetiva do negócio gerado pelo ato e calou-se quanto à análise das condições econômicas do
negócio, permitindo, muitas vezes, com base no desgastado princípio da obrigatoriedade moral dos
contratos, a desproporcionalidade quantitativa de prestações devidas por parte a parte.
6. Bibliografia
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BONFANTE, Pietro - Corso di Diritto Romano, vol. IV, Le Obbligazioni, Milano, 1979.
BRAUDEL, F. Gramática das civilizações, trad. Antonio de Pádua Danesi, Martins Fontes, São
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COLIN, AMBROISE & CAPITANT, Henri. Cours Elementaire de Droit Civil Français, Tomo 2, 4 ed.,
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Aspectos jurídicos do comércio na Grécia antiga
ASPECTOS JURÍDICOS DO COMÉRCIO NA GRÉCIA ANTIGA
Doutrinas Essenciais de Responsabilidade Civil | vol. 3 | p. 41 | Out / 2011DTR\2012\947
Manuel de Figueiredo Ferraz
Advogado em São Paulo.
 
Área do Direito: Civil
 
 
; Comercial/Empresarial
Sumário:
 
- 1.Introdução - 2.Aspectos jurídicos do comércio na Grécia antiga - 3.As duas grandes praças
comerciais - 4.O comércio na Constituição de Atenas - 5.O estrangeiro e o comércio - 6.A
presença do Estado - 7.Os magistrados especiais - 8.O comércio e as leis - 9.A profissão de
comerciante - 10. O comércio por atacado. - 11.Bancos e operações de crédito - 12. Conclusão
 
Revista de Direito Civil • RDCiv 44/1988 • abr.-jun./1988
1. Introdução
Ovídio, o poeta das Metamorfoses, cantou em As Quatro Idades, a fase primeira de um mundo que
acalentara “quando o pinheiro ainda não tinha descido até as líquidas ondas, cortadas de seus
montes, para que visitasse o mundo estranho e os mortais não conheciam nenhumas praias exceto
as suas”.
Mas, desvaneceram-se os sonhos do poeta, sentenciado por Augusto, a viver seus últimos dias
em Ponto Euximo, no mar Negro.
A ambição do homem golpeia os pinheirais e os transformam, rápido, em naves céleres, a princípio
em tímida navegação costeira, e aos poucos, guiados pelas estrelas, a demandar solos ignotos,
longe de suas praias, onde despejam riquezas e aguardam outras.
Nessa ânsia de lucros, os gregos chegaram tarde; precederam-nos egípcios, fenícios e os
etruscos. Na orla do Mediterrâneo, inicia-se o ciclo das civilizações; aos poucos miríades de
aldeias e cidades compõem a tessitura do comércio que se amplia. O intercâmbio faz cessar as
hostilidades e os homens do mar a se entenderem. Os gregos chegam e para ficar; a economia
marítima enseja a união de raças, de hábitos e línguas diferentes e, como denominador comum, a
ambição incontida do lucro.
A Grécia em seu conjunto, pobre de terras, fatalmente seguiria o seu fadário histórico: o caminho
do mar.
Aos poucos a atividade comercial domina as demais; algumas cidades gregas pelas suas
excepcionais localizações tornaram-se o grande ponto de encontro dos homens de outras terras.
Simples lugares de trânsito, de armazenagem ou bolsas de comércio para as mercadorias, cada
uma tem o seu papel desempenhado no comércio mediterrâneo.
Assim, como conseqüência feliz da expansão marítima, o estabelecimento de relações entre povos
distantes e de uma economia “universal”.
Desde os primórdios do séc.VI e graças às atividades dos gregos todos os povos que bordejavam
o “grande lago salgado”, estiveram relacionados entre si.
Desta autêntica unidade mediterrânea participam as colônias gregas plantadas nas distantes
terras da Espanha e Gália.
O domínio, nos séculos V a IV a.C., da via comercial pertence, sem exagero, às nações gregas;
Roma ainda lutava penosamente contra seus adversários interioranos.
Atenas, cuja deusa Minerva Prómacos, era vista a 100 km à luz do dia, fazia com o seu penacho
dourado, na entrada do Porto do Pireu, o grande aceno aos navegadores de então;
paulatinamente a cidade de Teseu torna-se o grande Império Marítimo.
Seu comércio interno e externo, seus hábitos e costumes, legislação e política, tudo representada
pela “Talassocrácia”, é o que nos leva, sem pretensões maiores, ao trabalho que ora
apresentamos.
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2. Aspectos jurídicos do comércio na Grécia antiga
O estudo do Direito Comercial na sucessão dos tempos leva-nos obrigatoriamente aos primórdios
da civilização.
Em conseqüência, conforme assevera Carvalho de Mendonça (Tratado de Direito Comercial, p.
49), o “Direito Comercial, na sua manifestação positiva, é um fato social, um produto histórico.
Para apreender o seu caráter hodierno, completar o seu estudo teórico e científico, e se
explicarem os institutos existentes, depois de transformados ou modificados pela evolução
econômica, moral e social, torna-se indispensável apreciar a sua história, ainda que a traços
largos”.
E outro não é o entendimento do ilustre Historiador do Direito Comercial, Goldschmidt, ao
escrever: “A história do Direito Comercial, como todas as histórias do direito não se entende bem
senão em relação com a história universal da civilização e especialmente com a história da
economia”.
Desnecessário quase o se afirmar da indispensabilidade do elemento histórico na interpretação das
leis e cabe razão a Sexto Pompônio, o excelso Narrador da história do Direito Romano, ao afirmar,
“necessarium videtur in primus hujus juris originem ad que processum demonstrate”.
Assinale-se, assim, que o estudo da evolução histórica do Direito Mercantil é o de expor fatos
relativos à vida passada e que abranja todos os elementos sociais participativos.
E é nessa ordem de idéias que o eminente Mestre Waldemar Ferreira assegura que “o domínio das
forças da natureza e seu aproveitamento, tanto em benefício da coletividade, quanto ao seu
próprio, nem sempre agiu o homem individual e coletivamente. Jamais se encontrou ele sozinho, a
não ser na fantasia de romancistas ou mercê de caprichosas, mas esporádicas arremetidas do
destino” (Tratado das Sociedades Mercantis, p. 39).
E do brocardo romano “Ubi societas ibi ius” salta-se para o apregoado por Cícero: “nati sumus ad
societatem que generis humani”.
Mas, ao ver do consagrado comercialista, ao perscrutar da união das forças familiares para a
mantença e prosperidade da família no sentido associativo e que “cabendo a cada um, em meio da
primitiva universalidade de bens, serviu-se da terra, plantando as sementes e colhendo os frutos,
na medida de suas necessidades, organismo primeiro do trabalho para tal objetivo deparou-se no
consórcio entre irmãos pela identidade de sentimentos e pela comunidade de interesses, tanto
quanto pelos familiares”.
Outros agrupamentos surgem em torno da propriedade comum.
Desde que as colheitas bastam para o grupo familiar, o excesso há de motivar a troca, primeiro
com vizinhos e aos poucos, enfrentando naturais dificuldades, chega-se aos grupos mais
afastados.
O instituto da troca impele grupos sociais a sobreporem-se às vicissitudes normais do meio
ambiente; rios, montanhas e mares são transpostos. O surgimento da moeda, como elemento de
troca, permite maior estabilidade nas transações que se efetuam. Nessa fase, e com facilidade de
medir os meios de trocas, o lucro, o rateio, o poder e domínio, firmam-se como elementos a jungir-
se à ganância do homem. Desenvolve o seu espírito associativo e impõe-lhe regras de conduta.
Circunstâncias geográficas determinam o procedimento das provas no seu desejo de
relacionamento; participação ou o isolamento absoluto.
A cooperação, o entendimento em fases sucessivas de todos os povos, firmadas
fundamentalmente nas fases econômicas é que constituíram e imprimiram o caráter autônomo do
Direito Comercial, afirma Carvalho de Mendonça (ob. cit., p. 51).
Os juristas e historiadores entendem em classificar a história do Direito Mercantil, de acordo com a
história do próprio comércio, em três grandes períodos: antiguidade, idade média e tempos
modernos.
O objetivo do nosso trabalho é o de estudar as normas, usos e costumes mercantis da grande
civilização plantada às margens do Mar Egeu, que, impulsionada pelos valores de sua própria
civilização, legou-nos ao que se convencionou universalmente de denominar o helenismo. Não
coube aos gregos a primazia de serem os primeiros povos comerciantes da antiguidade.
Precedem-nos fenícios, babilônios cartaginenses, na arte da mercancia, o que se operou primeiro
por vias terrestres. Aos poucos, pela via marítima, liga-se a Ásia às costas do Mediterrâneo.
Mais tarde, é que surgem os romanos, como conseqüência das guerras púnicas.
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Todavia, ao ver de Carvalho de Mendonça, não existem, porém monumentos positivos e
satisfatórios da legislação comercial dos fenícios, dos gregos e de outros povos (ob. cit., p. 53).
Os fatos históricos levam outros historiadores a observar tais acontecimentos sob ângulo diverso.
É o que ocorre com Wells (Esquisse de l’Histoire Universelle, trad. Guyot) ao firmar que as
“grandes cidades comerciais dos fenícios, mostram qual fora em boa hora, o contingente das raças
semíticas ao fundo comum da humanidade; o comércio e a troca”. Enquanto, prossegue, “os
fenícios se espalham pelos mares, outro povo semita, os arâmicos, que ocupavam Damasco
melhoraram os caminhos das caravanas através do deserto da Ásia Ocidental. Os povos semitas,
mais depressa civilizados que os arianos, mostraram e ainda mostram uma compreensão maior do
valor das mercadorias”. Para tanto, “tiveram necessidade de escriturar livros, devido ao
desenvolvimento da escrita alfabética e todos os grandes progressos do cálculo são obra deles.
Nossos sinais numerais são árabes; nossa álgebra e a nossa aritmética são ciência essencialmente
semíticas”.
Certo é que todo comércio anteriormente ao VI e VII séculos a.C., reduzia-se a trocas. Nada se
vendia a crédito e não se conhecia a moeda. Coube a Lidia, cidade da Ásia Menor, mais tarde,
instituir a moeda.
Nada mais interessante a respeito das vicissitudes do comércio no período homérico do que o
relato por Heródoto, o pai da História: “De todos os povos dos quais temos conhecimento foram os
lídios os primeiros a cunhar moedas de ouro e prata, e também os primeiros a se dedicarem à
profissão de revendedor”. Sucede a moeda, como instrumento de troca, ao escambo que se
processava pelos cereais, gado, metais e produtos manufaturados.
Nessa fase de intercâmbio, acentua, ainda, Heródoto é que “os cartaginenses, descendentes dos
fenícios, costumavam ir além das colunas de Hércules, certamente às costas da Ibéria Atlântica,
onde costumavam ir comerciar”. Ao chegarem a determinados locais, “retiram as mercadorias dos
navios e colocam-nas ao longo da praia, voltando em seguida para bordo, onde, para atrair a
atenção dos habitantes, fazem fumaça em grande quantidade. Os naturais do país, percebendo a
fumaça, dirigem-se para a praia e ali depositam uma quantidade de ouro que consideram
correspondente ao valor das mercadorias, afastando-se. Os cartaginenses desembarcam
novamente, examinam a quantidade do precioso metal ali deixado e, se julgam insuficiente,
retomam aos navios, onde permanecem tranqüilosna expectativa. Os nativos voltam ao local e
acrescentam mais alguma coisa, esperando que, com isso, os cartaginenses se dêem por
satisfeitos. As duas partes jamais procuram ludibriar uma à outra. Os cartaginenses não tocam no
ouro, senão quando ele corresponde ao valor das mercadorias; e os nativos só se apoderam das
mercadorias quando os cartaginenses se apoderam do ouro” (Hist. CXCVI).
Estava; assim, lançada pelo relato de Heródoto, a base de nova espécie de entendimentos entre
povos, que sem má-fé ou ludibrio, constituiria o “comércio mudo”.
Com o desaparecimento dos cartaginenses, às margens do mediterrâneo surgem os dois grandes
pólos culturais jamais ultrapassados pela humanidade: o grego e o romano.
O Mar Mediterrâneo seria testemunha muda do progresso dessas duas civilizações que se
completaram no tocante ao desenvolvimento da prática do comércio, fundamento do Direito·
Mercantil dos dias presentes.
3. As duas grandes praças comerciais
Na península helênica, pela sua própria condição geográfica, duas cidades-estados despontam no
horizonte desenvolvimentista da época: Atenas e Corinto.
Explica-se com certa facilidade a razão maior que determinou a expansão das duas cidades.
A natureza quase que as empurrou rumo ao mar. Platão, ao dissertar sobre a Ática, na sua obra
Critias, diz ser ela apenas o esqueleto do que era no passado, “pois vai desde o interior até o mar,
como se fosse um rochedo e o mar à volta dela é profundo”.
Mas a Grécia é uma terra de grande diversidade, pondera o ilustre Historiador H. D. F. Kitto, da
Universidade de Glasgow (Os Gregos, p. 50): “Climas mediterrâneos e subalpinos encontram-se
separados por algumas milhas, planícies férteis alternam com terreno montanhoso bravio; audazes
comunidades de marinheiros e comerciantes tinham por vizinhos populações agrícolas do interior,
que mal sabiam o que era o mar e o comércio, tão tradicionais e conservadores quanto o podem
ser o trigo e os animais”.
Ademais, prossegue, “embora a maior parte dos estados se bastassem mais ou menos a si
próprios, devido às variações de altitude, muitos tinham os seus produtos especiais como o azeite
da Ática, o mármore de Milo, o vinho da pequena ilha de Pepaveto. O fato encorajou um ativo
comércio e um intercâmbio permanente”.
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As viagens pelo mar, no início, se davam não longe da costa e, na sua obra, Os Trabalhos e os
Dias, Hesíodo fala das estações do ano em que se deve começar uma viagem por mar.
Mas, alertava ademais quanto aos seus perigos; “conservai-nos afastados do mar traiçoeiro”.
4. O comércio na Constituição de Atenas
Mas a ânsia de lucros motivaria os gregos a enfrentar os ponderados conselhos de Hesíodo.
Até que ponto a estrutura política das cidades gregas, em especial a de Atenas contribuiria para o
largo desenvolvimento do comércio? É o que examinaremos, penetrando para tanto na essência
das instituições constitucionais da terra de Sólon, o que julgamos indispensável para o trabalho a
que nos propusemos.
Coube a Aristóteles, nos seus trabalhos intitulados A Constituição de Atenas e Política, tratar com
riqueza de detalhes as normas que durante quase quatro séculos regeram a chamada “Hélada da
Hélada”.
No tocante ao período de Drácon, em especial aos deveres dos devedores insolventes, estes
seriam não apenas servos da dívida, mas ainda escravos do devedor, e vendidos no estrangeiro,
se necessário para o pagamento do débito.
Para Aristóteles, a legislação draconiana nada teria de especial a não ser aumentar a severidade
na aplicação das penas. Todavia, propôs-se Drácon a acabar com a vingança privada, obrigando
os litigantes a recorrer aos tribunais. Entretanto, a luta entre nobres e plebeus concorreu para a
entrega do arcontado a Sólon, o grande reformador das instituições no caminho da democracia.
Antes de assumir suas funções públicas, Sólon realizou inúmeras viagens pelas nações do
Mediterrâneo, ganhando certa experiência do comércio e de assuntos administrativos.
No acesso da crise social, Sólon tornou-se espécie de árbitro das duas facções em luta.
Plutarco nomeia-o dirigente de sensível bom senso, pois “os grandes estimavam-no porque era
rico, os pobres porque era honesto”.
Ao assumir o arcontado, Sólon suprimiu a escravidão por dívidas, criando condições para a
libertação das pessoas e suas propriedades; assim, arrancaram-se os marcos de registros
hipotecários, e as terras foram restituídas aos que se haviam tornado escravos por dívidas.
Implantou a chamada “seisáchteia”, ou seja, a suspensão dos encargos e, ao mesmo tempo,
suprimiu o direito dos credores de prender os devedores.
Determinou ainda que retomassem à Ática todos os atenienses que haviam sido vendidos como
escravos, além das fronteiras da cidade.
Aristóteles, no exame que faz da Constituição de Atenas, dedica às reformas de Sólon a maior
atenção.
Sólon suprime o privilégio do nascimento para o acesso às magistraturas.
Caminha-se, assim, para uma certa igualdade de direitos, base da democracia.
Não haveria, a partir de então, privilégio de classes em razão do nascimento. O povo foi dividido
em quatro classes; os cidadãos mais abastados participariam das magistraturas mais importantes,
mas, em compensação, teriam de suportar encargos cívicos mais onerosos.
Quanto às magistraturas foram profundas as alterações estabelecidas por Sólon; os magistrados
seriam escolhidos por sorteio numa lista proposta pelas tribos.
Todavia, é de realçar a participação de todos os cidadãos das quatro classes e com direito de
voto na Eclesía; participar constitui direito e não privilégio.
Estava, assim, estabelecida a democracia direta; na administração de todos os negócios da
cidade, a participação de todos os cidadãos atenienses, independentemente das condições de
nascimento.
Essa participação mereceu de Aristóteles a manifestação seguinte: “Quando o povo é senhor do
sufrágio, é senhor do governo”.
Coube, ainda, a Sólon a alteração do sistema monetário, o que facilitaria amplamente as trocas
para o comércio que se expandia.
Na Constituição de Sólon, antevia-se o desenvolvimento das instituições, que marcaram a
democracia ateniense.
E o comércio e seus agentes se beneficiariam das prerrogativas constitucionais.
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Mais tarde, ao tempo de Péricles, o consolidador da democracia ateniense, ocorre na vida política
perfeito equilíbrio entre os direitos do indivíduo e o poder público.
Ao instituir a mistoforia, ou seja, a remuneração para os que participassem da vida política,
assentou-se o princípio da igualdade na condução dos negócios públicos.
Certamente, tal decisão permitiu que os jovens, a partir da idade de 18 anos, como efebos, e já
juramentados, participassem também do governo, livres que eram em termos civis e políticos.
É de acentuar a posição dos metecos e estrangeiros perante a legislação ateniense, que os
amparava por tribunais especiais.
Pelas leis de Sólon, o trabalho era motivo de honrarias, e determinava-se, outrossim, que o pai
fizesse o filho aprender uma profissão. Com isso, as perspectivas do comércio ampliavam-se
consideravelmente.
Mas vejamos como esse comércio se comportava em termos de efetiva aplicação. O comércio
varejista, ou pequeno comércio, era exercido pelos denominados “Kapeleia”; o atacadista era
conhecido como “Emporos”.
Mas a atividade mercantil não consistia em privilégios dos cidadãos. No porto do Pireu, o
verdadeiro pulmão econômico de Atenas, “o comércio em grande escala estava em mãos dos
metecos”, observa Jardé (A Grécia Antiga e a Vida Grega).
Mas a presença fiscal do Estado se fazia notar, intervindo no comércio e auferindo ganhos com o
direito da alfândega.
Funcionários (agarônomos) fiscalizavam os mercados, até mesmo a exatidão dos pesos e medidas.
Conforme acentuamos,justiça especial era dada aos que se dedicavam ao comércio.
Para os grandes armadores, funcionava o Tribunal dos “Nautodikai”, com sessões durante os três
meses de inverno, coincidentes com a suspensão da navegação, quando negociantes e armadores
eram retidos no porto do Pireu.
Aos poucos, já em termos internacionais, o comércio conquista lugar de destaque.
5. O estrangeiro e o comércio
Pelo princípio da hospitalidade, o “próxenos”, Atenas recebe mercadores das mais variadas
nações.
A proteger suas atividades, invoca-se o Deus do estrangeiro, a Zeus Xenios.
Insere Glotz, no seu alentado trabalho História Econômica da Grécia o respeito e acolhimento
devotado ao mercador estrangeiro. “Convida-se o estrangeiro sem o interrogar; tornamo-lo
inviolável, comungando com ele, cálice na mão antes de se lhe perguntar o seu nome e o objetivo
de sua viagem”, segundo o relato da época. “Deve-se-lhe doravante guarida e sustento durante a
sua estadia e proporcionar meios de prosseguir o seu caminho ou de voltar a Pátria, e a que se
junta, segundo as posses, todas as espécies de presentes”.
Tais convenções, protegidas por lei e pelo princípio da hospitalidade, permitiam que comerciantes
alienígenas, sem vexames e outros riscos, operassem seu comércio nas cidades vizinhas.
Tratados a respeito, consoante princípios do Direito Internacional Privado denominado “Asúlia”,
protegiam-nos de violências e lhes garantia, ademais, acesso aos magistrados e cortes de justiça.
Pela “Símbola” de natureza mais ampla, os metecos e estrangeiros se colocaram sob a proteção
de magistrado especial – o Poleniarco em Atenas e o Kosmos em Creta.
Discorrendo a respeito, informa-nos Tucídedes: “De fato, nós que levamos desvantagens nas
questões de nossos acordos comerciais, cujo foro nós mesmos sugerimos que fossem. os nossos
tribunais, temos fama de gostar de disputas judiciais. E a nenhum de nossos aliados se pergunta
por aqueles que, à hegemonia em outras partes, e são menos moderados do que nós em relação a
seus súditos, e não são censurados por isso”. Eram essas palavras de queixa contra os
atenienses, inseridas na História da Guerra do Peloponeso.
6. A presença do Estado
A ação do Estado voltava-se em especial para a proteção do consumidor.
Perseguia-se e penas eram impostas aos atravessadores; fiscalizavam-se preços e medidas, em
especial quando se tratava de mercadorias de primeira necessidade.
Para as práticas do comércio, desde os tempos homéricos, estabeleceram-se sistemas de
medidas; assim, temos o palmo, o côvado e o pleto e por medidas de superfície o pleto quadrado e
a “gia”.
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Por outro lado, dilataram-se as relações comerciais resultantes da adoção do sistema de
pagamento em metal, decorrentes de maior facilidade de transporte e de conservação.
Tal sistema permitiu que a navegação com fito comercial se tornasse mais freqüente; marinheiros
acumulavam apreciável conhecimento de náutica e as rotas se lhes tornavam mais familiares.
É quando surge a associação do capital com a navegação.
O lucro advindo das operações é dividido; parte para o comandante para a manutenção da
embarcação e outra para os associados capitalistas.
A palavra “naucraria” significa nada mais do que a instituição, segundo a qual, os navios ficam à
disposição do Estado, mas sob a responsabilidade de seus proprietários. Essa organização marítima
era dirigida pelos “pritanos”, chefes das tribos, conforme nos informa Glotz (Histoire Grecque).
Aos poucos, os gregos intensificam suas relações com os chamados bárbaros. Pelo comércio mudo
ilide-se o entendimento direto.
A troca indireta também se opera; em lugar do “autopoliké”, surge a “metabletiké”, a do
comerciante sempre ávido de mais lucros.
Para que se assegure abastecimento rápido e seguro, Atenas obtém determinadas vantagens das
nações produtoras.
Assim, na entrada do Bósforo, assegurava-se a travessia do estreito pela constante presença de
frota encarregada da proteção dos cereais destinados a Atenas. Era a “sitopompia”.1
Coube a Demóstenes, em seu “Contra Àpatourios” definir os negócios comerciais, no Direito
ateniense. “A lei dá ação aos homens do mar e aos comerciantes por atacado, para todas as
convenções relativas às expedições, e em Atenas, onde existir um contrato escrito”. Fora dessas
condições, não há amparo legal.
As transações comerciais distinguem-se dos negócios civis ordinários por uma série de
derrogações introduzidas sempre no interesse do comércio marítimo, tão essencial à prosperidade
de Atenas.
7. Os magistrados especiais
No V século, a instrução desses negócios ressurgiu na pessoa de magistrados especiais, os
“Nautodikai”, que tinham igualmente, dentre suas atribuições, o processo de usurpação do direito
da cidade (Dixé xenias).
Esses magistrados, que são mencionados pela última vez em 397 a.C., desaparecem no séc. IV e
são substituídos em matéria comercial pelos tesmótetas.
Por volta da metade do século IV, entre 355 e 342 a.C., os negócios comerciais passam a ser
classificados sob a denominação de “Emmênoi dikai”, isto é, processo cuja sentença deveria ser
prol atada no mês da apresentação da demanda.
Essa reforma como a que dava uma satisfação, embora tardia, aos desejos de Xenofante, que
propôs atribuir prêmios aos juízes comerciais que se distinguissem pela sua rapidez.
Os negócios mercantis não podiam ser julgados durante o mês invernal, em razão da interrupção
da navegação.
O demandante que decaia da ação era submetido à “Epobelia”, calculada na sexta parte do valor
da causa.
Por sua vez, quando das transações regidas pela lei comum, a legislação ateniense hostil à
garantia corpórea, deixava a execução da sentença ao vencedor, que podia beneficiar-se dos
bens móveis e imóveis do devedor, sem contudo tocar na sua pessoa.
Todavia, em matéria comercial, o vencedor podia prender o vencido, pelo chamado “Grupo dos
Onze” e mantê-lo nessa condição até a satisfação do débito. O devedor podia, no entanto, obter
liberdade provisória mediante caução, desde que o credor anuísse.
8. O comércio e as leis
As leis sobre o comércio em Atenas compreendiam sobretudo uma série de disposições restritivas
à liberdade de comércio e voltada para os interesses do fisco ou da cidade.
Atenas, necessitando de abastecimento contínuo, assegurou o consumo de cereais por leis
especiais.
Era assim interdita a exportação de trigo, que devia prioritariamente atender aos interesses da
cidade; por isso, duas terças partes de todo carregamento de trigo deviam ser transportadas e
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vendidas na cidade.
Outra disposição que favorecia indiretamente a importação de cereais era a concernente à
obrigatoriedade dos navios de cuja carga ao retornarem a Atenas, constasse cereais em geral.
Leis de alcance comercial estabeleciam ainda: a) a obrigatoriedade dos exportadores de óleo a
apresentar uma declaração precisa de sua carga; b) a proibição de exportar materiais necessários
à construção de navios, como cordas, madeiras, velames, ceras e resinas; c) a severa punição
dos que formulassem acusações contra os comerciantes atacadistas.
Atenas não era a única cidade grega a estabelecer leis propícias ao comércio marítimo; outros
centros de comércio na bacia do Mediterrâneo, como Marselha, Éfeso e outras mais, adotaram
normas também com o intuito de facilitar e amparar suas atividades comerciais.
Na época macedoniana, quando Rodes sobrepuja suas rivais, foram suas leis marítimas aceitas
como autêntico Código de Comércio.
Ao tempo de Augusto foi dada força de lei àquelas disposições desde que não conflitassem com o
direito dos romanos. Tal decisão seria mais tarde ratificada por Antonino, o Piedoso, em cujo
reinado V olusius Maccianus escreveu alentado comentário sobre a Lex Rhodia de actu, como era
conhecida.Essa lei, pela sua importância, foi incorporada ao Digesto XIV e a cuja tradução entendemos de
proceder valendo-nos não só do trabalho de Theodor Mommensen, um dos maiores romancistas
conhecidos e que atualizou os Textos do Corpus Iuris Civiles, ed. MCMXI – juntamente com Paulus
Krueger, como da versão castelhana dirigida por Alvaro D’Ors.2
Da importância dessas leis marítimas, conhecidas sob b nome genérico de Lex Rhodia de actu, é
de inserir a concludente manifestação do Prof. Waldemar Ferreira, em seu Tratado de Direito
Mercantil, p. 117: “Foram estas o direito comercial marítimo no período da civilização grega, como
do romano. Sábios, versados na antiguidade, dotaram-se do tempo do reino de Josafat na Judéia,
ou 60 anos depois de Salomão. Eram de tanta sabedoria que serviram de direito das gentes entre
os habitantes das ilhas do mar Egeu. Adotaram-nos também os romanos “em cujo código se
compendiaram, e Cícero lhe fez o elogio na sua oração” Pro Lege Manilia, cap. 18”.
Ainda ao ver do emérito Comercialista “a civilização caminhou e elas caminham pelos tempos
afora, perdurando, com singular prestígio em plena Idade Média”. Eram usos, costumes, e práticas
marítimas obedecidas em todas as cidades do Mar Mediterrâneo. Na realidade, quando a raça
grega se encontra dispersa por toda a orla do Mediterrâneo “formou um todo maravilhosamente
organizado para desenvolver as suas qualidades comerciais”, afirma Glotz e todo esse mecanismo
jurídico assentava-se na Lex Rhodia de Jactu.
Mas essa unidade, “esse todo maravilhosamente organizado”, implicava na unidade moral com a
economia; e em conseqüência se fez o veículo das riquezas e propagou idéias e princípios.
A criação de um mercado mediterrâneo desafiava o espírito arguto da raça helênica; é que ao
mesmo tempo que internamente suas relações se multiplicavam, os gregos guiados pelas estrelas
e seguindo a rota das ilhas alcançaram os mercados do Oriente e das regiões mais inóspitas. Os
mercados do Oriente e de terras bárbaras, desde a Lídia e o Egito, até os Cantábricos e Líguras
não se fecharam mais às aventuras comerciais dos denodados descendentes de Heleno.
Trata Aristóteles (Pol. 51-3) dos aperfeiçoamentos que o comércio marítimo alcançou; assim, ao
ver do filósofo, na “emporia” ou grande negócio inclui: a “naucleria”, a “fortegia” e a “parástasis”.
Os dois primeiros dizem respeito à armação e ao transporte. No tocante ao terceiro – “parástasis”
– trata-se de instituição híbrida, cujas variedades são o empréstimo de risco marítimo, a
comandita, a comissão e a consignação.
O filósofo, no tocante aos que vivem no mar, distingue os que se ocupam dos negócios –
“chrématistas” – e os que transportam mercadorias e passageiros – “porthmeuticam”.
9. A profissão de comerciante
A partir de que época, é de se encontrar na Grécia comerciantes de profissão?
Nos tempos homéricos, são poucos e, por sinal, não gregos. Nada de surpreendente. É que do
séc. X ao XIII a.C., vivem os gregos quase que exclusivamente da atividade agrícola; cada família,
cada grupo social forma uma pequena comunidade. Esses grupos não trocam senão o excesso da
produção agrícola ou da incipiente indústria doméstica. O comércio começa efetivamente a
florescer a partir do VII século; a partir dessa época, é que a economia comercial avança com
vantagem sobre a economia agrícola e familiar.
Mesmo assim, ainda são raros os negociantes na sociedade grega. Dificilmente o cidadão se
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resigna a empreender qualquer atividade comercial.
É que o verdadeiro cidadão dá-se por inteiro ao Estado; do ponto-de-vista econômico, é sem
dúvida um ser improdutivo.
Aos poucos, alinha-se o cidadão ao lado dos metecos e estrangeiros, como comerciante.
Os gregos denominavam de “metabletiké” as duas categorias de comércio: a “kapeléia” e o
“empória”. Havia entre as duas categorias certo distanciamento social e econômico.
O “emporos”, isto é, o atacadista, é aquele que viaja e dispõe de vastos recursos.
Todas as grandes transações estão ligadas ao tráfego marítimo e os fornecedores de crédito –
trapezistas – é que as manipulam.
O simples negociante, segundo os conceitos de Platão e de Aristóteles, não passa de revende dor,
porque não produz o que vende, mas se limita a comprar, seja do produtor, seja do grande
comerciante.
Por sua vez, “Kapelos” tem significação mais restrita; designa originariamente o comerciante que
opera na cidade.
É nesse sentido que Héródoto aponta a Lídia como o berço dos primeiros “Kapelos”; o historiador
faz menção aos comerciantes por caravanas, forma utilizada para o comércio que floresceu na
Lídia desde o séc. VIII, época em que quase não havia transação com a Grécia.
Em Atenas, os comerciantes varejistas compõem parte importante da comunidade urbana; mas,
com os artesãos, a classe inferior da sociedade.
O conceito do “Kapeloi” muito deixava a desejar, pois tinham reputação de ser inescrupulosos, e
adulteradores de pesos e medidas; esse conceito negativo pelo menos é salientado por Diógenes
Laércio.
10. O comércio por atacado.
Os comerciantes atacadistas operam seus negócios no “Emporion”, nas cercanias do Porto do
Pireu e mesmo na agora, em Atenas. Dispõem de armazéns e locais para carga e descarga de
mercadorias.
Aos poucos, surgem os mercadores de metais trabalhados; esses produtos de origem artesanal
proporcionam a Atenas consideráveis lucros quando exportados.
Mesmo em expedições guerreiras, presente estava o comerciante; anota Tucídedes a presença
deles por ocasião da expedição naval ateniense contra Siracusa.
É de notar que não formam, pelo menos antes do domínio romano, corporações exclusivas e
hereditárias, com privilégios para certos ramos de comércio. O princípio é da ampla liberdade no
tocante às atividades comerciais, conseqüência evidente das alterações constitucionais atribuídas
a Sólon e a Clístenes.
Todavia, não há restrições para que os comerciantes gregos se organizem voluntariamente em
associações (Xoinomia), para a defesa de seus interesses e mesmo para desfrutar melhor posição
social.
Outras espécies de associações abrigam artesãos e comerciantes, mas de sentido religioso-
econômico.
São as chamadas “eranos”, “tiases”, “orgeones”.
As restrições impostas em Atenas reduzem-se em aplicar aos “metecos” o imposto da “capitação”.
Ressalte-se apenas para efeito comparativo ser sua área territorial diminuta para os padrões
modernos: pouco mais de 2.500 km2. Mas Atenas demonstrou, de maneiras várias, até mesmo
pela sua expansão colonialista, que o tamanho físico de uma nação não está em relação
necessária com a grandeza da civilização alcançada. A sua grande dimensão seria o mar e este
ilimitado.
Nessa reduzida área física, Atenas mantinha destacada posição política por ser uma sociedade
aberta, sem restrições, admitindo a completa liberdade de associações, tanto de cidadãos como
de metecos, com a única condição que não se violasse a ordem pública.
Esse princípio, que nasce com a reforma constitucional de Sólon, permitiu as chamadas
associações temporárias de duas ou mais pessoas com o fim de realizar negócios ou a prática do
corso.
Não é, sem razão, que Kitto, na sua obra Os Gregos (p. 160), afirma categoricamente que Atenas,
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de 480 a 380 a.C., foi, sem dúvida, a sociedade mais civilizada que jamais existiu.
Sigamos, na esteira dessa observação, a contribuição que a cidade de Péricles deu para a
formação do espírito helênico, notadamente no campo mercantil. É bem verdade que a Grécia,
além da presença fulgurante de Atenas – a Hélada da Hélada – se compunha de outros núcleos os
quais, no conjunto, contribuíram para o que universalmente convencionou-se chamar de cultura
grega.
Nesse sentido é que entendemos oportuna a observação do emérito Jurista Dalmo deAbreu Dallari,
ao afirmar, em sua obra Elementos de Teoria Geral do Estado, que no tocante ao Estado grego
“não se tem notícia de um Estado único englobando toda a civilização helênica”.
Mas é no séc. V a.C. que Atenas ingressa, em definitivo, na comunidade grega, como potência de
primeira grandeza; e isso se deu após as guerras com os persas, no chamado “século de Péricles”.
11. Bancos e operações de crédito
Acompanhando as atividades comerciais surge em Atenas o instituto do crédito. A vida econômica
se processa por intermédio dos bancos, dirigidos pelos “trapezistas”.
Com a propagação da hipoteca, consegue-se dinheiro a taxas mais moderadas.
O comércio ainda não se serve do crédito a longo prazo. Pelo que nos informa Glotz (ob. cit., p.
265), não é certo que a época helenista conhecesse alguma vez a verdadeira letra de câmbio, o
papel pagável a terceiro no estrangeiro e permite pôr em justiça ação contra quem o quiser.
Pela difusão do crédito, a soma dos lucros aumenta em proporções enormes; “a taxa normal do
juro varia, desde o séc. III, de 12%; cai em 7% em princípios do séc. II, e, para reerguer, será
necessário que a conquista romana entregue as províncias à capacidade dos usuários”, aponta o
autor citado.
Todavia, os trapezistas inspiravam os atenienses sentimentos iguais aos que outros povos mais
tarde testemunharam aos lombardos. Para Aristóteles, “a profissão de banqueiro é justamente
odiada” (Pol. I, 3, 23). Mas o prestígio dos banqueiros era de tal ordem, que Atenas, por vezes,
lhes concedia a plena naturalização.
A história registra o filósofo Tales a praticar o comércio do azeite; e os grãos e os metais a
prestarem-se às manobras mais lucrativas.
A “àgora” é, antes de tudo, o lugar do mercado. “Em quase todas as cidades” diz Aristóteles (Pol.
VII-5,2), “há necessidade de vender ou comprar para satisfazer necessidades mútuas; esse é o
meio mais expedito de que um Estado pode dispor para suprir suas próprias necessidades e parece
que foi esse o motivo determinado que levou os homens a se reunirem em sociedade”. No tocante
à sua localização, prossegue: “a praça deve estar localizada de tal maneira que facilite o
transporte de tudo o que chegue por mar ou que provenha do interior”.
Mas o que importa é que o Estado, a fim de dar trabalho aos artesãos que permanecem na capital,
transforma-se em empresário. Para tanto necessita de arsenais, de mercado de cereais e de frota
para o transporte.
Foi ao tempo de Péricles que o Estado pôde finalmente salvaguardar os direitos e obrigações das
categorias existentes e executar uma notável obra de ajuda mútua e preservação sociais.
É quando Atenas eleva o regime econômico da cidade grega ao seu ponto de perfeição. O trabalho
é respeitado na cidade que faz a prosperidade; os cidadãos vivem da terra, das funções públicas
e das carreiras liberais. Ativa-se a circulação monetária e o ateniense renuncia a entesourar e
aplica o seu dinheiro no comércio de importação e exportação.
Por sua vez, a concentração de capitais nos bancos oferece sensíveis vantagens ao Estado.
Desde os tempos primitivos, até os deuses recebiam presentes, que constituíam fortuna própria.
A respeito, segundo Jardé (ob. cit., p. 147) “o deus possuía casas, propriedades rurais, e dispunha
de certas colheitas. Atenas recebia o óleo das oliveiras sagradas; Deméter o dízimo da cevada e
do trigo”. Além disso, prossegue: “os deuses podiam recolher outros rendimentos. Atenas recebia
a décima parte das multas infligidas pelos tribunais atenienses. As riquezas dos deuses não eram
improdutivas; os santuários faziam empréstimos às cidades e aos particulares”.
Enfim, os bancos têm o seu berço nos templos.
É de ressaltar que, se os bancos particulares podiam arriscar-se a todas as espécies de
empréstimo, o mesmo não ocorria com a administração dos tesouros sagrados; exigências e
cautelas maiores eram impostas.
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Em Ilion, p. ex., os Templos confiam a maior parte de seus fundos à cidade, que lhes pagam 10%
anualmente.
Os tesoureiros dos templos não podiam entrar em entendimento direto com o público.
Indispensável a presença de um intermediário, de profissão especial; surgem os “trapezistas”, mais
tarde transformando-se em banqueiros.3
Além das operações de banco, com as características apontadas, aparecem no mundo dos
negócios, regras e instituições a zelar pelo uso do crédito.
Ao ver de Jacques Ellul, em seu trabalho História das Instituições da Antiguidade, p. 65, “as
operações foram protegidas por regras bastante precisas, e os mercados e feiras se punham sob a
autoridade pública”.
Os comerciantes estrangeiros, por sua vez, estavam protegidos por magistrados especiais, os
chamados “próxenos”, intermediários nas· relações com outros magistrados.
O “próxeno” era alvo de homenagens e privilégios das cidades que lhe concediam esse título; lugar
de honra nas festas públicas, garantias contra o direito de captura, isenção de impostos e até
mesmo o direito de adquirir imóveis.
A presença fiscalizadora do Estado se fazia notar pelos funcionários encarregados da verificação
de pesos e medidas.
Dentre esses funcionários, destacaram-se os “agarônomos”, cuja missão era a de verificar a
regularidade das importações; regras de natureza probatória e contratos escritos passaram a ser
exigidos. Em razão da liberdade de associação, sociedades mercantis eram organizadas para
determinadas expedições.
Surgiu então a chamada sociedade de capital e indústria, quando um sócio capitalista se associa a
um armador, e por vezes, integrada por outros sócios comanditários.
É quando se registram os primeiros contratos de risco que se procedia da seguinte maneira: o
armador toma por empréstimo uma soma igual ao valor das mercadorias a serem transportadas,
assim como o da nave, a juros de 30%. Se o navio chegar ao porto e o negócio se ultima, o
armador reembolsa o capital e juros; caso contrário, se o barco naufragar, o armador conserva o
capital, o que lhe assegura o risco da empresa não concluída.
Ao ver de Jean Scarra (Cours de Droit Commercial, p. 5) “o chamado nauticum foenus tinha por
finalidade favorecer o comércio marítimo numa época onde os meios de navegação eram bastante
rudimentares e as viagens pelo mar bastante arriscadas. Para atrair os capitalistas e induzi-los a
aplicar dinheiro nessas operações marítimas, só com a promessa de grandes lucros. As regras do
empréstimo civil eram dificilmente aplicáveis”.
Essa instituição é considerada pelo autor em questão como uma forma primitiva do seguro
marítimo.
É de ressaltar ainda que desse antigo tipo de seguro, o empréstimo de risco, deriva o seguro
marítimo moderno e é por intermédio do direito marítimo que surge o seguro terrestre, presente na
vida comercial com a finalidade que se conhece.
Em razão do risco, não eram permitidas operações desse gênero aos tutores encarregados da
administração de bens de menores.
As associações para esse tipo de aventura marítima só duravam uma travessia apenas.
A complexidade de tal sistema de comércio obriga ao surgimento de instituições jurídicas, tais
como as “nauclería”, relativas à equipagem e provisão do navio; a “parástasis”, que compreende a
sociedade em comandita; a comissão, a consignação de mercadorias, os seguros de risco e a
“phortegia”, relativas às normas de transporte.4
É de acrescentar ainda o arrendamento do navio, quando nasce, conseqüência de uma
comunidade de interesses entre. o transportador e os negociantes; se as mercadorias eram
jogadas ao mar para salvar o navio ou se sofressem danos durante a viagem, o negociante era
indenizado pelos demais.
Pode-se concluir que a complexidade dos negócios por via marítima atingiu tal desenvolvimento
que, as normas das transações apontadas, constituíram verdadeiro direito mercantil de âmbito
internacional.
É que, pela “phortegia”, se operava o transporte de mercadorias;

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